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teoria da literatura

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TEORIA DA LITERATURA 1
	O profissional de Letras necessita  de uma formação que dê conta do estudo da Literatura como manifestação artística e como modo de dizer o mundo.  É nesse sentido que a disciplina Teoria da Literatura o guiará, a fim de que o futuro profissional saiba não só o conteúdo, mas também seja capaz de refletir sobre o mesmo em suas relações com a cultura e o cotidiano.
	O aluno de Letras precisa estar aguçado e provocado para se familiarizar com o discurso literário, atento a valores morais, sociais, políticos e culturais.
AULA 1: O QUE É LITERATURA?
	Certa vez, o poeta Manuel Bandeira afirmou: “A Literatura é a arte da palavra”. 
	A afirmativa cheia de lirismo abre espaço para questionamentos. A partir dela, podemos perguntar: o que pode ser considerado como a arte da palavra? Haveria algum modo de definirmos o quão artístico um texto pode ser? Seria possível traçar uma conceituação estável e segura acerca do que seria Literatura? 
	Observe as obras a seguir:
	Se alguma pessoa perguntasse se você considera tais obras como literárias, provavelmente a sua resposta seria afirmativa. É relativamente fácil reconhecer a produção poética de Carlos Drummond de Andrade e de Fernando Pessoa, assim como os romances de José de Alencar e de Machado de Assis como produções literárias. Mas como conceituar Literatura? 
	Entre o saber empírico e a teoria, a construção do conceito de Literatura torna-se complexo. Definir o que é Literatura é um desafio que já inquietou muitos pensadores. Haveria a possibilidade de definir o que seria o literário? E tal definição poderia ser feita de um modo fixo e inquestionável?
	Literatura é ficção?
	Como afirmou o crítico literário Terry Eagleton, em seu livro ‘Teoria da Literatura: uma introdução’, uma das primeiras respostas dadas à pergunta “O que é literatura?” conecta o conceito de literatura ao ficcional, ou seja, à escrita imaginativa. Estaríamos, assim, em um caminho tranquilo para acharmos uma definição sobre o literário: todo texto considerado como ficção.
	Se refletirmos mais um pouco sobre essa definição, veremos a tranquilidade dissolver-se. Os quatro livros apresentados anteriormente são ficcionais e são considerados como literários. Entretanto, a ficção não se configura como regra para a definição do literário sempre. Isso porque existem determinadas obras que, apesar de não ficcionais, podem ser consideradas como literárias.
	O que consideramos como Literatura pode abarcar não apenas obras consideradas ficcionais, mas ensaios, sermões, autobiografias, entre outros tipos de textos. 
	Por exemplo, a obra Os sertões, de Euclides da Cunha, não surgiu como obra de ficção. O escritor, jornalista e engenheiro Euclides foi escolhido para cobrir uma expedição a Canudos. Escreveu o livro em duas partes. A primeira realiza o mapeamento da geografia física e humana de Canudos, em uma linguagem objetiva e com tom científico. A segunda reporta os episódios da Guerra de Canudos, em uma dicção épica, com uma linguagem diferente da primeira, mais refinada e ornada, mas que, entretanto, não se pretendeu classificá-la como ficção.
	E, ainda que não tenha se assumido como literatura imaginativa, Os sertões é considerado como manifestação literária, por conta de sua linguagem e de sua importância documental e filosófica.   
	Um dado válido de se pensar a categorização de textos não ficcionais como literários é a própria distinção entre a ideia de fato e a ideia de ficção, que inexistia, pelo menos, até o século XVII. Isso significa que, em muitos textos, ainda não havia uma diferença clara entre o que seria ficcional e o que seria factual.
	A Carta a El-Rey Dom Manuel, de Pero Vaz de Caminha é bom exemplo do que foi dito anteriormente.
	Caminha era escrivão oficial do rei de Portugal e escreveu a carta com a pretensão de cumprir o seu dever: informar ao rei notícias da terra encontrada, durante a viagem empreendida pelos navegadores portugueses, a caminho da Índia. 
	Escreveu o seu relato ao rei em obediência às convenções de sua época e da literatura de informação. Não escrevia ficção, ao menos de modo consciente: a diferença entre o factual e o fictício não era concebida como em nossos dias, como já dissemos.  
	Tampouco sonhava com a importância a ser obtida posteriormente por seu relato, considerado, a partir da visão dos românticos do século XIX, como uma certidão de nascimento do Brasil.
Entretanto, a Carta de Caminha é considerada uma manifestação da Literatura Brasileira. Como dito, não se trata de literatura ficcional, mas de literatura de informação. Considera-se a carta como manifestação literária, principalmente por seu valor histórico.
	Em contrapartida, podemos pensar que existem textos ficcionais considerados como não literários. É o caso, por exemplo, de muitas histórias em quadrinhos: A turma da Mônica e Tio Patinhas são textos ficcionais, mas dificilmente seriam considerados como literários.
	Se o critério ficcional não se mostra adequado para uma conceituação fixa do literário, qual outro critério poderia ser usado para tentarmos definir de modo objetivo o conceito de Literatura?
	Podemos continuar a busca por uma resposta a partir das propostas de um grupo de linguistas: os formalistas russos. No começo do século XX, esse grupo propôs-se a construir uma Ciência da Literatura e tiveram como uma preocupação fundamental determinar o que denominavam Literariedade, a qualidade inerente ao texto literário.
	Os formalistas russos relacionaram a Literariedade ao tipo de linguagem empregado nos textos. O texto portador de Literariedade e, consequentemente, literário é aquele cuja linguagem difere radicalmente da fala utilizada em nosso cotidiano: possui linguagem literária, também denominada linguagem poética.
	A linguagem literária é um desvio da fala comum. Roman Jakobson, pesquisador formalista, afirmou ser a linguagem poética uma violência contra a fala comum, tamanha a sua diferença em relação ao emprego de nossa linguagem diária.
	A linguagem poética opõe-se de modo tão intenso à fala comum por várias razões: por ser experimental e plurissignificativa, por colocar a linguagem em primeiro plano, podendo ser ornada e conotativa, empregar figuras de linguagem e apresentar paralelismos, musicalidade, ritmo, rimas, desvios da norma e neologismo.
	Segundo os critérios citados, poderíamos considerar o poema a seguir, de Vinícius de Moraes, como um texto literário, por organizar-se em torno da combinação das características referidas, como a experimentação da linguagem, a conotação e a plurissignificância, presença de ritmo e o emprego da assonância, da aliteração, de linguagem metafórica e antitética:
	Assim, os formalistas russos identificaram o texto literário como aquele dotado de Literariedade e a relacionaram ao emprego de um tipo especial de Linguagem: a linguagem literária, extremamente diversa da linguagem cotidiana. O modo como a linguagem literária estaria estruturada derivou o conceito de Estranhamento: sua peculiar construção linguística provocaria no receptor uma sensação de estranheza e o levaria a uma atenção especial, capaz de despertá-lo de uma percepção automática da realidade.
	A aparente tranquilidade advinda da proposta formalista para definir a condição do literário esbarra em alguns questionamentos, entretanto, podemos pensar em como a ideia de uma “fala comum” é uma convenção. Uma linguagem considerada cotidiana em uma dada região e/ou em certo grupo pode soar absolutamente estranha para outras pessoas e/ou em um local diverso. 
	A linguagem utilizada por universitários cariocas, provavelmente, soaria estranha à população ribeirinha, às margens do Amazonas e vice-versa.
	Do mesmo modo, um texto escrito há trezentos anos pode empregar uma linguagem da época, considerada como cotidiana, embora, por conta da lacuna temporal, hoje soe como elaborado, poético e sofisticado. O afastamento da linguagem comum e o estranhamento causado pela linguagem do texto literário são, portanto, elementos relativos.Outro ponto a problematizar é a presença de elementos associados à linguagem literária em textos que dificilmente seriam considerados como literários. Um hino de torcida de futebol pode apresentar ritmo, musicalidade e linguagem conotativa, repleta de metáforas, por exemplo, e não ser considerado como manifestação literária.
	Em contraposição, um texto não necessariamente tão afastado da linguagem cotidiana pode vir a ser considerado como literário, como podemos perceber ao lermos boa parte dos romances da chamada segunda fase modernista, a “Geração de 30”. São textos literários elaborados em torno de uma linguagem literária propositalmente próxima à cotidiana. Essa opção foi proposital e estava em consonância com a percepção da obra literária como um elemento de reflexão social e denúncia das fraturas da sociedade.  
	Os próprios formalistas russos estavam cientes das limitações acerca da definição da literariedade. Em nenhum momento desejaram definir o que fosse a Literatura, mas os mecanismos capazes de tornar um texto literário, configuradores da Literariedade. Mesmo esse conceito revelou-se lábil, como o próprio Roman Jakobson assumiria algumas décadas mais tarde, ao comparar a definição da linguagem poética à instabilidade das fronteiras chinesas.
	A partir de nossa discussão, podemos inferir a impossibilidade de circunscrever o conceito de Literatura a uma definição limitada e fixa. Os critérios ficcionais e linguísticos revelam-se insuficientes para a delimitação objetiva do conceito. Os elementos aludidos por ambos para a definição do literário combinam-se de modo plural, como um caleidoscópio, sem que haja uma indicação pontual e rígida de caracteres definidores.
	Isso se dá porque a definição do literário não ocorre de modo estável e ontológico, como em outros campos do saber, mas de modo funcional.  
	Podemos definir de modo ontológico o conceito de mamífero, pois este tem uma essência, uma designação clara, “da coisa em si”.  É possível afirmar, sem receio, a condição da baleia como um animal mamífero, por exemplo.
	A definição de Literatura não é ontológica, pois, como vimos, não há como objetivar de modo determinante elementos que caracterizem um texto como literário. Trata-se de uma definição funcional, pois não se refere a características e estados estáveis. É uma definição atrelada às funções desempenhadas por um dado texto em certo momento e /ou sociedade e às práticas e discursos conformados em torno dele.
	O conceito de Literatura é social, pois a obra literária é um objeto de interação estética e que prevê a integração entre autor, obra e público leitor. A sua concepção como literária depende de circulação, pois o estatuto de literário é conferido a um texto por juízos de valores emitidos por uma sociedade.
	Ao considerarmos a Literatura como um conceito funcional, verificamos o seu caráter histórico, dinâmico e social.
De fato, não há uma fórmula pronta, capaz de designar o que é Literatura, tampouco de aferir o índice de literariedade de um texto. As características indicadas pelo critério ficcional e linguístico podem ser combinadas de modo diferentes.
	Esses juízos de valores revelam determinadas concepções sobre a Arte, que tendem a valorizar obras que vão ao encontro de tais percepções. Destaquemos, aqui, a ideia de valor como: Tudo aquilo que é considerado como valioso por certas pessoas específicas, de acordo com critérios específicos e à luz de determinados objetivos. (EAGLETON, 2001, p.16)
	Portanto, os valores são mutáveis, de acordo com o grupo, com os critérios e os objetivos que os envolvam. Logo, o valor de literário atribuído a um texto pode ser modificado ao longo dos anos, o que explica a dimensão histórica e dinâmica do conceito de Literatura. Na verdade, a leitura de uma obra em tempos e/ou espaços diversos imprime também apreensões variadas de seus significados.
	Para ilustrar o que dissemos, podemos apontar o caso da obra do escritor Coelho Neto, hoje praticamente no ostracismo, mas considerada como literatura de altíssima qualidade, durante a virada do século XIX para o século XX. O mesmo grupo social que incensava a obra desse autor não valorizou tanto a obra de Lima Barreto, pois, à época, esta não se adequava aos códigos e discursos vigentes acerca do literário.
	Atualmente, a obra de Lima Barreto é vista como de extrema qualidade literária. Mas, como os juízos de valores elaborados pelos grupos sociais são dinâmicos, nada nos garante a permanência desse olhar valorativo sobre ela, pois um autor pouco valorizado em nosso tempo pode vir a ser percebido como um produtor de alta literatura, posteriormente.
	OS JUÍZOS DE VALORES E A FORMAÇÃO DE CÂNONES LITERÁRIOS
	O modo como uma sociedade julga o valor de uma obra dinamiza um processo seletivo: a formação do cânone.
	Cânone literário é o conjunto de obras literárias consideradas como de alta relevância e qualidade por um grupo social.
	A formação do cânone implica em um processo de inclusão e de exclusão, pautado nas percepções estéticas de determinados grupos e instituições vistos como canais competentes, como associações literárias, escolas, universidades, conselhos de premiação, a crítica especializada e a própria mídia. Trata-se de um processo dinâmico, em permanente reconstrução.
	O conceito de clássico dialoga com a ideia de cânone. Um texto clássico é considerado como de excelência reconhecida. 	Para o escritor Ítalo Calvino, autor de ‘Por que ler os clássicos’, “os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram”.
	DEFINIÇÃO DE CLÁSSICO:
Relativo à arte, à literatura ou à cultura dos antigos gregos e romanos. 
Que segue, em matéria de artes, letras, cultura, o padrão desses povos.
Da mais alta qualidade; modelar, exemplar.
Cujo valor foi posto à prova do tempo; tradicional; antigo. 
Que segue ou está de acordo com os cânones ou usos estabelecidos ou que é conforme com um ideal; tradicional. 
Famoso por se repetir ao longo do tempo; tradicional. 
Usado nas aulas ou classes.
Diz-se da obra ou autor que, pela originalidade, pureza de língua e forma perfeita, se tornou modelo digno de imitação.
	O clássico remete à ideia de classe, de sala de aula. Em sua dinâmica, o cânone literário possui como instrumento potente de validação o estudo, a recomendação e a discussão dos seus textos pelas instituições de educação formal. Podemos citar Machado de Assis, Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto como autores de obras clássicas e consideradas como parte do cânone literário brasileiro. Vale lembrar que escritores não considerados canônicos, em certa época, podem ser integrados ao cânone literário muito tempo depois, como ocorreu com a obra do poeta seiscentista Gregório de Matos: recuperada pelos românticos brasileiros e considerada, até os nossos dias, clássica.
	A LITERATURA E O CONCEITO DE MIMESE: UMA INTRODUÇÃO
	Um conceito fundamental para começarmos a conhecer o objeto literário é o de mimese (ou mimesis). A mimese diz respeito ao modo como o texto literário representa a realidade. O texto literário carrega consigo duas dimensões importantes: é polissêmico possui múltiplos significados, é dotado de liberdade ficcional. 
	A presença da polissemia no texto literário torna-o latente de significações emergentes no olhar do leitor que, ao ler, recria a obra em suas expectativas e possibilidades de compreensão. A obra literária não aponta para um sentido único e inquestionável, e sim para um universo de significações plurais. Por sua vez, a liberdade ficcional dota o autor de autonomia para a arquitetura de um microcosmo criativo literário, sem a necessidade de comprometimento com aspectos externos. 
	Por ser polissêmico e ter liberdade ficcional, a obra literária não representa a realidade como uma cópia fiel. A representação do real no texto literário não se dá como um espelho tranquilo. 
	A obra literária fissura arealidade e constrói a sua reelaboração em um universo com liberdade imaginativa, a partir da organização criativa do autor. É nesse sentido que o crítico literário Antonio Cândido afirmou, em seu livro ‘Literatura e sociedade’: “toda mimese é uma forma de poiese”. Isto é, toda representação da realidade no texto literário elabora-se como um exercício de criação no qual se permite a imaginação. 
	O poeta Manoel de Barros refletiu sobre os processos de mimese em alguns de seus poemas. Veja um trecho do poema “As reflexões de R.Q”: 
Arte não tem pensa: 
O olho vê, e lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso tronsver o mundo. 
Isto seja:
Deus deu a forma. Os artistas desformam. 
É preciso desformar o mundo: 
tirar a natureza das naturalidades.
Fazer cavalo verde, por exemplo. 
Fazer noiva camponesa voar como em Chagaal. 
	O eu lírico de “AS Lições de R.Q.” postuta o afastamento da racionalidade no processo poético, presente na gradação “o olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.” Caberia ao artista “transver” o mundo, ultrapassando com a sua imaginação os limites impostos pela realidade, pela natureza. É função do artista “desformar o mundo” em suas construções criativas e, ao afirmá-lo, o próprio poema descaracteriza o verbo deformar, marcando com o desvio a liberdade criativa. No universo criado pela palavra imaginativa, o artista pode tornar possível o uso de elementos excepcionais, marcando a sua
independência com os referenciais da realidade externa, como fez Marc Chagall em suas telas, citadas no poema. Ou o escritor Franz Kafka, em seu romance A metamorfose, ao iniciá-lo com a transformação do pacato personagem Gregor Samsa em um pavoroso inseto. 
SÍNTESE DA AULA: 
Aprendeu que o conceito de Literatura não pode ser definido de modo fechado e fixo, uma vez que a sua construção depende de juízos de valores construídos socialmente; 
compreendeu que uma mesma obra pode ser avaliada de modo diverso, de acordo com a sua inserção em um dado recorte temporal e/ou espacial; 
aprendeu o conceito de mimese, referente ao modo como o texto literário representa a realidade, a partir de sua quebra e reelaboração em um mundo ficcional; 
analisou o caráter polissêmico do objeto literário como uma potência geradora de múltiplos olhares. 
AULA 2: TEORIAS DA LITERATURA
	Na aula passada estudamos o conceito de Literatura e as suas possibilidades de definição. Vimos que se trata de um conceito complexo, funcional e dinâmico, pois é elaborado a partir de juízos de valores presentes em certos contextos sociais e históricos.
	Nesta aula, convidamos você a pensar sobre a nossa disciplina, que toma como objeto de estudo privilegiado o fenômeno literário. Do que se trata a Teoria da Literatura?  E qual a sua função?  
	Antes de indagarmos sobre a Teoria da Literatura, convém refletirmos sobre a própria noção de Teoria. Não é incomum encontrarmos no discurso do senso comum o emprego do termo “teoria”.  
	Geralmente, esse termo designa um palpite, uma hipótese, uma ideia, que pode ser ou não confirmada.
	Em seu livro Teoria Literária: uma introdução, Jonathan Culler defende que o sentido dado pelo senso comum à ideia de teoria não se sustenta, pois:
- a teoria é uma especulação: demonstrar a falsidade ou a verdade de uma ideia teórica é difícil. Ao contrário, a noção empregada pelo senso comum é a de uma hipótese que pode ser ou não confirmada.
- a teoria é mais do que uma hipótese: não é óbvia e envolve um considerável grau de complexidade.
	Portanto, o que estamos chamando de teoria não envolve o sentido dado pelo senso comum e que costumamos ouvir em nosso cotidiano. O que chamamos de teoria é um conhecimento especializado, consistente e profundo. O conhecimento teórico modifica o sujeito, pois redimensiona a visão de mundo daquele que o procura, já que é instigante e provocador.
	A TEORIA E O SENSO COMUM
	Como vimos, a teoria não pode ser confundida com o senso comum, pois é um saber questionador, sistemático e complexo e de forma contrária, problematiza e põe em xeque o conhecimento gerado pelo senso comum.
	O senso comum tende a tomar como verdade construções artificiais: por vezes, uma ideia torna-se tão recorrente que as pessoas tendem a não percebê-la como um pensamento construído, mas como algo “natural” e “inquestionável”.
	CONCEPÇÕES VINDAS DO SENSO COMUM:
	“Homem não chora”; “Longe dos olhos, longe do coração”; “A mulher nasce para ser mãe”; “A primeira impressão é a que fica”; “Quem é bom nasce pronto”.
	Para Culler, a teoria iria justamente contra tal noção ao tentar mostrar o que conhecemos por senso comum como uma construção histórica. 
	O discurso da teoria tem como objetivo questionar as ideias tomadas como verdades e trazer à tona as suas contradições e lacunas.
	A TEORIA E O ESTUDO DA LITERATURA
	Como crítica ao senso comum, a teoria investiga nos estudos de literatura uma série de considerações. Culler cita algumas em seu referido livro:
- O que é um autor?
- O que é ler? 
- Como os textos relacionam-se às circunstâncias de sua produção?
	As respostas para perguntas como essas não são óbvias, como poderiam parecer à primeira vista. Também não operam em torno de critérios de verdadeiro ou falso; são reflexões elaboradas e consistentes, que não buscam a verdade, mas a validade, como disse o crítico Roland Barthes, em sua obra Crítica e verdade.
	ROLAND BARTHES
	Nasceu em 12 de novembro de 1915, em Paris. Escritor, sociólogo, filósofo, crítico literário, semiólogo e um dos teóricos da escola estruturalista. Formado em Letras Clássicas, Gramática e Filosofia, tornou-se um crítico dos conceitos teóricos complexos que circularam dentro dos centros educativos franceses na década de 1950. Segundo Francisco Bosco ”a escrita barthesiana está sempre se movendo no intervalo sutil entre o texto de vanguarda (que retarda a fluência da leitura, impondo sobre ela seu próprio e apropriado ritmo) e o texto ’clássico’ (que mantém um compromisso com uma prática confortável da leitura)”. A sua obra, ampla e variada, caracteriza-se inicialmente pela reflexão sobre a condição histórica da linguagem literária. Em diversos livros tenta demonstrar a pluralidade significativa de um texto literário e a sobrevalorização do texto em vez do signo. Como sociólogo pertence à corrente estruturalista que caracterizou uma boa parte da intelectualidade francesa. Um de seus livros, Roland Barthes por Roland Barthes (1975 na França, 1977 no Brasil), acabou sendo definido pelo que não era: nem uma autobiografia nem um livro de “confissões” (embora com muitos elementos de um e de outro). Noutro livro, Mitologias (1957), disseca os mitos e seus signos ideológicos na sociedade de massa. Um livro essencial para o entendimento da mitologia. Em Fragmentos de um discurso amoroso (1977) elabora um sofisticado estudo lingüístico sobre o sentimentalismo. Além de teórico, mantinha intensa atividade como crítico literário, criador da revista Théâtre Populaire, animador do movimento Nova Crítica, diretor da École Pratique des Hautes Études. Principais obras: O grau zero da escrita (1953); O sistema da moda (1967); S/Z (1970); A câmara clara (1980). Faleceu em 26 de março de 1980.
	
	A teoria, portanto, duvida de qualquer afirmação tranquila e tomada como verdadeira. Se voltarmos a uma das perguntas elencadas por Culler, “o que é um autor?”, por exemplo, perceberemos como os estudos de teoria podem desestabilizar convicções e respostas padronizadas.
	No lugar de uma resposta ingênua, como “O autor é o sujeito que escreveu a obra”, os estudos teóricos forneceram elementos a diversos pensadores e críticos para uma problematização mais complexa.  
	Assistimos, no início do século XX, à emergência de correntes da crítica literária que esvaziaram o papel preponderante do autor nos processos de significação e análise da obra: as correntes formalistas. Elas propunham uma análise imanente do texto literário: desprezavam os elementos externos às obras em seus estudos e, consequentemente,esvaziavam a figura do autor.
	
	
	Conheça um pouco sobre as primeiras correntes formalistas da crítica literária, na primeira metade do século XX, que propuseram a análise imanente da obra literária, ou seja, a análise crítica literária apenas dos elementos internos do texto. Os principais grupos foram:
	FORMALISMO RUSSO
	Formado por pesquisadores de Linguística e surgido na década de 10 do século XX, na Rússia. Objetivaram a criação de uma Ciência da Literatura. Não se interessavam pela Literatura, mas pela literariedade, a característica inerente ao texto literário. 	O elemento definidor da literariedade era o modo como a linguagem era empregada em um texto, e quando possuía essa característica, era designado como possuidor de uma linguagem radicalmente diferente da fala comum: a linguagem poética.
	O NEW CRITICISM (NOVA CRÍTICA)
	Corrente americana surgida durante as décadas de 20 e 30. Exigia uma postura profissional do crítico, a partir do banimento da crítica biográfica e impressionista. Orientava para a análise particularizada, minuciosa e imanente da obra literária, através da close reading (leitura microscópica). Postulou a independência do trabalho do crítico literário através da “falácia intencional”, orientação metodológica que afirmava a legitimidade da leitura da obra, independente do desejo ou da orientação impressa pelo autor em relação aos seus sentidos.
	Na segunda metade do século XX, o Estruturalismo e o Pós- Estruturalismo reafirmaram a falta de importância da figura autoral.
	Saiba um pouco mais sobre o Estruturalismo e o Pós-Estruturalismo: o Estruturalismo foi um movimento surgido na Europa entre as décadas de cinquenta e sessenta do século XX, a partir da abordagem proposta por Ferdinand de Saussure, de uma linguística estrutural.
	No campo dos estudos literários, o Estruturalismo toma a obra como uma estrutura e interessa-se pela análise das relações de seus elementos internos e dos consequentes modos de produção de sentidos advindos de tais relações.
	O Pós-Estruturalismo questionou a abordagem estável do Estruturalismo, a partir da problematização do conceito de linguagem, vista pelos pós-estruturalistas como oblíqua e instável. Trabalharam sobre a desconstrução de discursos e conceitos considerados como centrais, questionando noções como a subjetividade, a família, o Estado, Deus, a vida, a morte, o feminino e o masculino.
	O crítico Roland Barthes defendeu em seu artigo “A morte do autor”, do livro O rumor da língua, o desaparecimento do autor, frente à autonomia do texto compreendido como potência significativa, para além do desejo autoral.
	Para o autor, a escritura seria a destruição de toda voz e origem. Ao fim do processo de escritura, toda marca de pertencimento é rasurada e o apagamento do autor abre caminho para o nascimento do leitor.
	Nesse sentido, o leitor assume a tarefa de cocriador, ao imprimir e organizar novos significados ao texto literário, com o afastamento do autor, pois: “o nascimento do leitor tem de pagar-se com a morte do autor”.
	O discurso teórico, portanto, não age como um instrumento de solidificação de saberes ou como um semeador de certezas. Ao contrário, funciona como uma via de incessante questionamento.
	Muitas vezes, a teoria tem como característica a interdisciplinaridade, isto é, a teoria dialoga com outras áreas do saber e, assim, instaura uma abordagem relativa, capaz de trazer à tona novos objetos e elementos de análise. Ela é autorreflexiva e metarreflexiva, pois pensa sobre si mesma, mas em diálogo com outros campos de questionamento. É inquietante, pois está fundada em uma indagação incessante.
	O trecho a seguir, retirado do texto já citado de Jonathan Culler, resume os principais pontos a considerar sobre o conceito de teoria. 
	“A teoria é interdisciplinar – um discurso com efeitos fora de uma disciplina original. A teoria é expeculativa - uma tentativa de entender o que está envolvido naquilo que chamamos de sexo ou linguagem escrita ou sentido ou ainda sujeito. A teoria é uma crítica do senso comum, de conceitos considerados como naturais. A teoria é reflexiva, é reflexão sobre reflexão, investigação das categorias que utilizamos ao fazer sentido das coisas na literatura e em outras práticas discursivas”. 
	
A TEORIA DA LITERATURA
	A Teoria da Literatura é reflexiva, sistemática, interdisciplinar, analítica e questionadora do senso comum. Além desses elementos, volta-se para um objeto específico: o fenômeno literário.
	Cabe ressaltar o fato do caráter interdisciplinar da Teoria da Literatura não significar a sua dependência de outras áreas. Se há a possibilidade dos estudos de Teoria da Literatura abrangerem o diálogo com campos disciplinares como a Linguística, a Filosofia, a Psicanálise e a Antropologia, dentre outros, a sua autonomia permanece, mesmo porque o diálogo não pressupõe a dependência, mas a conservação da diferença.
	Ao estudar o objeto literário e os seus desdobramentos, os estudos em Teoria da Literatura investigam as ideias sobre os fatos essenciais do fenômeno literário, formulam teorias sobre os seus fatos e as sistematizam.
	Os primeiros questionamentos sobre os fatos literários datam dos séculos V e VI a. C., na Grécia Antiga. Platão já escreveu sobre a poesia, em A República e, depois, Aristóteles redigiu as suas obras Arte Retórica e Arte Poética, nas quais sistematizou suas reflexões sobre o objeto literário. Posteriormente, com base nas reflexões aristotélicas, Horácio também criou a sua obra Arte Poética.
	A perspectiva clássica e o respeito às convenções poéticas da Antiguidade, de modo geral, permaneceram até o século XIX, com a refutação dos ideais universais clássicos em prol da reivindicação da liberdade subjetiva e das especificidades nacionais. 	Um momento inovador surgiu a partir do século XX nos estudos teóricos de literatura, sob a perspectiva da tessitura de um repertório conceitual e reflexivo específico para o objeto literário e da autonomia e sistematização de uma ciência da literatura. Sobre a fundamentação de uma teoria da literatura, Vítor Manuel de Aguiar estabelece uma reflexão interessante, que leremos agora: “Acreditamos, pois, que é possível fundamentar uma teoria da literatura, uma poética ou ciência geral da literatura que estude as  estruturas genéricas da obra literária, as categorias estético-literárias que condicionam a obra e permitem a sua compreensão, que estabeleça um conjunto de métodos suscetível de assegurar a análise rigorosa do fenômeno literário. Negar a possibilidade de instaurar este saber no mundo profuso e desbordante da literatura equivale a transformar os estudos literários em desconexos esforços que jamais podem adquirir o caráter de conhecimento sistematizado.
	Desta forma, a teoria da literatura, sem deixar de constituir um saber válido em si mesmo, torna-se uma disciplina propedêutica largamente frutuosa para os diversos estudos particulares e estes estudos de história e crítica literária – hão de contribuir cada vez mais para corrigir e fecundar os princípios e as conclusões da Teoria da Literatura. Parece-nos, com efeito, que a teoria da literatura, para alcançar resultados válidos, não pode transformar-se em disciplina de especulação apriorística, mas tem de recorrer contínua e demoradamente às obras literárias em si: exige um conhecimento exato, vivífico do fenômeno literário”.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da Literatura. Coimbra: Almeidina, 1967.
	A TEORIA DA LITERATURA E OS DEMAIS CAMPOS DOS ESTUDOS LITERÁRIOS
	A teoria da literatura, ao eleger como seu objeto principal a reflexão sobre o fato literário, dialoga com as duas outras áreas dos estudos literários.
	As três áreas dos estudos literários, a Teoria da Literatura, a Crítica Literária e a História da Literatura são interdependentes, porém, possuem características específicas.
	Como visto, a Teoria da Literatura reflete sobre a natureza do literário. Não se preocupa, de um modo profundo e específico, com o significado de uma obra determinada,mas com os pressupostos que podem levar a questionamentos sobre o fato literário, sobre a compreensão da Literatura.
	A Crítica Literária tem como objeto a análise específica da obra literária. Com o arcabouço reflexivo permitido pela Teoria da Literatura, constrói-se a atividade crítica cujas modulações analíticas ocorrem de forma plural. Não há verdades em Crítica Literária, mas visões válidas, apoiadas em elementos teóricos consistentes e desenvolvidas com coerência.
	Com base nos estudos teóricos e críticos são desenvolvidos os estudos de história literária cujo interesse reside no estudo dos fenômenos literários de uma dada sociedade e/ou época, em uma perspectiva diacrônica e analisando as transformações ocorridas ao logo dos tempos e os possíveis diálogos entre texto e contexto.
	O ato de interpretação, muitas vezes, integra os três campos de estudo. Podemos mesmo afirmar que não há possibilidade de uma crítica literária séria sem embasamento teórico, assim como para analisar o fato literário, é necessário ao teórico da área de Literatura ler o trabalho do crítico.
	SÍNTESE DA AULA:
	Nessa aula você:
Identificou o conceito de teoria. 
compreendeu as possibilidades de definição da Teoria da Literatura; 
aprendeu sobre o caráter interdisciplinar dos estudos de teoria literária; 
estudou sobre os outros campos do saber dos estudos literários; 
analisou as conexões entre a Teoria da Literatura, a Crítica Literária e a História da Literatura. 
AULA 3: MORFOLOGIA DOS GÊNEROS LITERÁRIOS: A VISÃO CLÁSSICA I
	
	O termo gêneros literários diz respeito aos modos de classificação dos textos literários.
	Esta estratégia classificatória não é fixa, mas dinâmica: houve várias mudanças nas visões acerca dos gêneros e de suas ordenações, através dos tempos.
	A organização dos modos pelos quais os gêneros literários são sistematizados liga-se às formas pelas quais as obras representam a realidade e às suas semelhanças estruturais.
	As primeiras tentativas de sistematização dos gêneros literários remontam à idade antiga e estão presentes nos discursos dos filósofos gregos e romanos.
	A denominação de gêneros literários, para os diferentes grupamentos das obras literárias, fica mais clara se lembrarmos de que gênero (do latim genus-eris) significa tempo de nascimento, origem, classe, espécie, geração. E o que se vem fazendo, através dos tempos, é filiar cada obra literária a uma classe ou espécie ou ainda, é mostrar como certo tempo de nascimento e certa origem geram uma nova modalidade literária.
	Na aula de hoje, começaremos os nossos estudos sobre a morfologia dos gêneros literários. Em uma perspectiva diacrônica, partiremos da análise em torno das discussões estabelecidas sobre o assunto, na obra do filósofo grego Platão.
	Platão nasceu em Atenas em 428-7 a.C. e morreu em 348-7 a.C., essas datas são bastante significativas: seu nascimento ocorreu no ano seguinte ao da morte de Péricles; seu falecimento deu-se dez anos antes da batalha de Queroneia, que assegurou a Filipe da Macedônia a conquista do mundo grego.
	A vida de Platão transcorreu, portanto, entre a fase áurea da democracia ateniense e o final do período helênico: sua obra filosófica representará, em vários aspectos, a expansão de um pensamento alimentado pelo clima de liberdade e de apogeu político.
	Filho de Ariston e de Perictione, Platão pertencia a tradicionais famílias de Atenas e estava ligado, sobretudo, pelo lado materno, a figuras eminentes do mundo político. Sua mãe descendia de Sólon, o grande legislador, e era irmã de Cármides e prima de Crítias, dois dos trinta tiranos que dominaram a cidade durante algum tempo.
	Além disso, em segundas núpcias, Perictione casara-se com Pirilampo, personagem de destaque na época de Péricles.
Desse modo, se Platão em geral manifesta desapreço pelos políticos de seu tempo, ele o faz como alguém que viveu nos bastidores das encenações políticas desde a infância. Suas críticas à democracia ateniense pressupunham um conhecimento direto das manobras políticas e de seus verdadeiros motivos.
	(...) O grande acontecimento da mocidade de Platão foi o encontro com Sócrates. Na época da oligarquia dos Trinta (entre os quais estavam Cármides e Crítias), os governantes haviam tentado fazer de Sócrates cúmplice na execução de Leon de Salamina cujos bens desejavam confiscar. Sócrates recusou-se a participar da trama indigna e, evidentemente, deixou de ser visto com simpatia pelos tiranos.
	Mais tarde, já reinstaurado o regime democrático em Atenas, Sócrates foi acusado de corromper a juventude, por difundir ideias contrárias à religião tradicional e condenado a morrer bebendo cicuta.
	Platão, que seguira os debates de Sócrates e que o considerava — como escreverá no Fédon — "o mais sábio e o mais justo dos homens", pôde acompanhar de perto o tratamento que seu mestre recebera de ambas as facções políticas.
	Parecia não existir em Atenas um partido no qual um homem que não quisesse abrir mão de princípios éticos pudesse se integrar Diante da injustiça sofrida por Sócrates.
	Aprofunda-se o desencanto de Platão com aquela política e com aquela democracia: "Vendo isso e vendo os homens que conduziam a política, quanto mais considerava as leis e os costumes, quanto mais avançava em idade, tanto mais difícil me pareceu administrar os negócios de Estado" (Carta VII).
	Mas o impacto causado por Sócrates no pensamento e na vida de Platão teve também outro significado, este de repercussões ainda mais duradouras: com Sócrates, o jovem Platão pudera sentir a necessidade de fundamentar qualquer atividade em conceitos claros e seguros. Por intermédio de Sócrates e de sua incessante ação como perquiridor de consciências e de crítico de ideias vagas ou preconcebidas, o primado da política torna-se, para Platão, o primado da verdade, da ciência.
	Se o interesse de Platão foi inicialmente dirigido para a política, através da influência de Sócrates, ele reconhece que o importante não era fazer política, qualquer política, mas a política. Por isso, é que justamente se recusa a participar, na mocidade, de atividades políticas: primeiro tem de encontrar os fundamentos teóricos da ação política — e de toda ação — para orientá-la retamente.
	A filosofia para Platão representou, assim, de início, a ação entravada, a que se renuncia apenas para poder vir a ser realizada com plenitude de consciência.
	Depois da morte de Sócrates, disperso o núcleo que se congregara em torno do mestre, Platão viaja. Visita Megara, onde Euclides, que também pertencera ao grupo socrático, fundara uma escola filosófica, vinculando socratismo e eleatismo.
(...) aproximadamente Em 387 a.C., Platão funda em Atenas a Academia, sua própria escola de investigação científica e filosófica.
	O acontecimento é de máxima importância para a história do pensamento ocidental. Platão torna-se o primeiro dirigente de uma instituição permanente, voltada para a pesquisa original e concebida como conjugação de esforços de um grupo que vê no conhecimento algo vivo e dinâmico e não um corpo de doutrinas a serem simplesmente resguardadas e transmitidas.
	O que se sabe das atividades da Academia, bem como a obra escrita de Platão e as notícias sobre seu ensinamento oral, é que testemunham sobre essa concepção da atividade intelectual: antes de tudo busca a inquietação, reformulação permanente e multiplicação das vias de abordagem dos problemas, a filosofia sendo fundamentalmente filosofar — esforço para pensar mais profunda e claramente. Fonte: PESSANHA, José Américo Motta. In: PLATÃO. Platão. Coleção Os pensadores. São Paulo: Editora Abril, s.d.).
 	PLATÃO E A MORFOLOGIA DOS GÊNEROS LITERÁRIOS
	Para Platão, a compreensão da poesia passava pelo entendimento da ideia de mimese.
	O conceito de mimese não surgiu no discurso de Platão. Já estava presente em outros textos da filosofia clássica e distanciava-se, já naquele momento, da ideia de uma imaginação simples.
	A ideia de mimese foi fundamental para a percepção de Platão acerca do fenômeno dapoesia, concebido pelo filósofo como um fato moralizante.
	Mas, para entendermos o posicionamento de Platão acerca dos fenômenos literários, é importante, em primeiro lugar, compreendermos a visão de mundo postulada por seu discurso filosófico, pois será perante ela que se dará a sua concepção sobre a poesia mimética.
	Por isso, estudaremos agora o chamado “mito da caverna”, uma alegoria representada no livro VII de A república, de Platão. Este livro difunde várias ideias da filosofia platônica, através dos diálogos entre Sócrates e jovens, como Glauco, fundamentados na dialética Socrática.
	Para Sócrates, o sujeito seria capaz de construir o conhecimento ao cair em contradição e, assim, ter ciência de sua própria ignorância. Tal fato provocaria a maiêutica, ou seja, permitiria ao indivíduo dar a luz ao conhecimento. Para que maiêutica ocorresse, era preciso ao interlocutor usar da ironia, questionando o sujeito e mostrando a insuficiência de seus argumentos para fazê-lo cair em contradição e desfazer-se de suas ilusões.  
	O MITO DA CAVERNA
	O mito da caverna refere-se à visão de mundo platônica: cindido em um mundo inteligível, ideal e acessível pela razão e um mundo de aparências, sensível, perceptível através de nossos sentidos. O mundo apreendido através de nossos sentidos seria, na verdade, uma cópia, uma imitação do mundo ideal.
	Os seres que tomassem o mundo sensível como verdadeiro teriam a compreensão da realidade fundada em uma ilusão.
	Platão cria na narrativa do mito da caverna uma analogia entre esses homens e as personagens acorrentadas em uma caverna subterrânea, desde o nascimento.
	As personagens tomam como reais as sombras dos objetos que se movem em cima de um muro no lado externo, carregado por pessoas. Presos, realmente, às correntes e, metaforicamente, à sua ignorância, os homens da caverna tomam por realidade a ilusão, a aparência da realidade.
	Quando liberto, o sujeito que passou toda a vida a reconhecer nas sombras a realidade fica confuso, não consegue enxergar frente à claridade e é incapaz de compreender, em um primeiro momento, o que ocorre.  
	Veja como Platão, pela fala de Sócrates, retrata esse momento, na narrativa do mito.
SÓCRATES - Vejamos agora o que aconteceria se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um desses cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via.
	Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém, agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigassem a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?
GLAUCO - Sem dúvida nenhuma.
SÓCRATES - Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados? 
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do Sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por serem reais? 
GLAUCO - A princípio nada veria.
SÓCRATES - Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia. 
GLAUCO - Não há dúvida.
	Porém, após acostumar-se à nova realidade, o sujeito seria capaz de conscientizar-se de seu estado de ignorância prévio e de buscar racionalmente a verdade.
SÓCRATES - Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio Sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é. 
GLAUCO - Fora de dúvida
SÓCRATES - Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.
GLAUCO - É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões. 
SÓCRATES - Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da ideia que lá se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram? 
GLAUCO - Evidentemente.
SÓCRATES - Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia?
GLAUCO - Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga. 
SÓCRATES - Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas? 
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se, enquanto tivesse a vista confusa - porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade - tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? 
	Não lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?
GLAUCO - Por certo que o fariam. 
SÓCRATES - Pois agora, meu caro Glauco, é só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do Sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível, ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro.
	Quanto a mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível, está a ideia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que conhecida se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do Sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios particulares e públicos.
Podemos, então, conceber as seguintes relações análogas no mito da caverna:
	Leia um texto sobre o mito da caverna, da filósofa Marilena Chauí:
	A caverna, diz Platão, é o mundo sensível onde vivemos. A réstia de luz que projeta as sombras na parede é um reflexo da luz verdadeira (as ideias) sobre o mundo sensível. Somos os prisioneiros. As sombras são as coisas sensíveis que tomamos pelas verdadeiras. Os grilhões são nossos preconceitos, nossa confiança em nossos sentidos e opiniões.
	O instrumento que quebra os grilhões e faz a escalada do muro é a dialética. O prisioneiro curioso que escapa é o filósofo. A luz que ele vê é a luz plena do Ser, isto é, o Bem, que ilumina o mundo inteligívelcomo o Sol ilumina o mundo sensível. O retorno à caverna é o diálogo filosófico.
	Os anos despendidos na criação do instrumento para sair da caverna são o esforço da alma, descrito na Carta Sétima, para produzir a “faísca” do conhecimento verdadeiro pela “fricção” dos modos de conhecimento. Conhecer é um ato de libertação e de iluminação.
	O mito da caverna apresenta a dialética como movimento ascendente de libertação do nosso olhar que nos libera da cegueira para vermos a luz das ideias. Mas descreve também o retorno do prisioneiro para ensinar aos que permaneceram na caverna como sair dela. Há, assim, dois movimentos: o de ascensão (a dialética ascendente), que vai da imagem à crença ou opinião, desta para a matemática e desta para a intuição intelectual e à ciência; e o de descensão (a dialética descendente), que consiste em praticar com outros o trabalho para subir até a essência e a ideia.
	Aquele que contemplou as ideias no mundo inteligível desce aos que ainda não as contemplaram para ensinar-lhes o caminho. Por isso, desde o “Menon”, Platão dissera que não é possível ensinar o que são as coisas, mas apenas ensinar a procurá-las. Os olhos foram feitos para ver; a alma, para conhecer. Os primeiros estão destinados à luz solar; a segunda, à fulguração da ideia. A dialética é a técnica liberadora dos olhos do espírito.
	O relato da subida e da descida expõe a paideia como dupla violência necessária: a ascensão é difícil, dolorosa, quase insuportável; o retorno à caverna, uma imposição terrível à alma libertada, agora forçada a abandonar a luz e a felicidade. A dialética, como toda a técnica, é uma atividade exercida contra uma passividade, um esforço (pónos) para concretizar seu fim forçando um ser a realizar sua própria natureza. No mito, a dialética faz a alma ver sua própria essência (eidos) – conhecer – vendo as essências (ideia) – o objeto do conhecimento –, descobrindo seu parentesco com elas. A violência é libertadora porque desliga a alma do corpo, forçando-a a abandonar o sensível pelo inteligível.
	O prisioneiro, ao libertar-se, retorna à caverna para esclarecer os seus companheiros.
	A verdade une-se à propedêutica: é preciso ensinar sobre a realidade, a verdade e o bem.
	O sujeito que se liberta da caverna e volta para ensinar aos seus companheiros é o filósofo; ele acredita ser a razão o instrumento de acesso à verdade.
	O mito da caverna tornou-se uma alegoria seminal no pensamento ocidental. Há várias releituras atuais. O documentário “Janela da Alma”, de João Jardim, por exemplo, discute a questão do olhar a partir da metáfora da ilusão imagética. https://www.youtube.com/watch?v=mIi4FTKRDkk
	O filme inicia-se com a imagem de uma fogueira, aludindo ao mito da caverna.
	O escritor José Saramago, que participa do documentário, escreveu um livro cujo nome é A caverna, em que atualiza e problematiza o mito platônico.
	Assista ao trecho da entrevista dada por Saramago ao documentário “Janela da Alma” em que conecta o excesso de imagens o mundo contemporâneo à leitura do mito da caverna:
	Caso deseje, assista também à releitura do mito da caverna na história em quadrinhos de Maurício de Sousa: https://www.youtube.com/watch?v=XoU4YAhJzLY
	MAS O QUE O MITO DA CAVERNA TEM A VER COM A POESIA?
	PLATÃO E A DISCUSSÃO SOBRE A POESIA 
	O conhecimento do mito da caverna nos ajudou a compreender o sistema de representação criado pela filosofia platônica para o mundo. Esse entendimento é fundamental para compreendermos a concepção de mimese platônica.
	Para Platão, a mimese é um conceito primordial. Não se trata de uma mera imitação da realidade. Platão não toma a realidade aparente como verdade, mas como uma aparência, uma imitação dos conceitos presentes no mundo ideal. Logo, ao imitar a realidade aparente, ou seja, imitar o que já seria uma imitação, a poesia afastaria três graus da ideia pura, da verdade.
	Assim, por exemplo, o conceito puro de cama existe no mundo inteligível, como uma ideia absoluta e perfeita. A cama construída por um artesão é uma imitação da ideia de cama. E a cama pintada por um pintor ou representada em um poema seria a imitação dessa imitação. Logo:
IDEIA PURA (MUNDO INTELIGÍVEL) - CAMA (CRIAÇÃO ESPIRITUAL)
Verdade em primeiro grau
IMITAÇÃO DA IDEIA (MUNDO SENSÍVEL) – CAMA (CRIADA PELO ARTESÃO)
Afastada dois graus da verdade
IMITAÇÃO DA IMITAÇÃO DA IDEIA – CAMA (CRIADA PELO ARTISTA - POETA OU PINTOR)
Afastada três graus da verdade Mimese
	A mimese poética, portanto, produziria cópias (eikones) muito afastadas da realidade e da verdade.
	A poesia, em sua condição de mimética, seria incapaz de acessar a essência dos objetos, sendo figurada como um jogo infantil: “o imitador não tem nenhum conhecimento válido do que imita, e a imitação é apenas uma espécie de jogo infantil”, diz Sócrates, no livro X.
	Por conduzir o homem a ideias falsas, a poesia precisa ser banida da república idealizada por Sócrates:
SÓCRATES — E se afirmo que a nossa cidade foi fundada da maneira mais correta possível, é, sobretudo, pensando no nosso regulamento sobre a poesia que o digo.
GLÁUCO — Que regulamento?
SÓCRATES — O de não admitir em nenhum caso a poesia imitativa.
	Platão atribuiu um caráter moral à poesia; foi por esse motivo que propôs a expulsão dos poetas da república idealizada, ao classificar os gêneros literários através da mimese, condenada por levar o homem ao engano e à desmedida.
	A visão do poeta também passa pelo crivo desse olhar moralizador: o poeta e o pintor são vistos como elementos medíocres: Platão, apesar de condenar a arte poética, legou o primeiro texto que chegou até o nosso tempo sobre os gêneros literários. Com argumentação consistente, aponta distinções entre o drama, a poesia ditirâmbica e a épica.
AULA 4: MORFOLOGIA DOS GÊNEROS LITERÁRIOS: A VISÃO CLÁSSICA II
ARISTÓTELES E A SUPERAÇÃO DO MESTRE
	Aristóteles viveu na Grécia Antiga, durante o século IV antes de Cristo. Foi um dos melhores discípulos de Platão e chegou a lecionar durante anos na Academia fundada por seu mestre, antes de fundar a sua própria.
	Aristóteles afirmou: “O verdadeiro discípulo é aquele que supera o mestre”. 
	Esta frase poderia ser exemplificada pela própria relação intelectual entre esse filósofo e Platão, pois Aristóteles refutou a teoria das ideias de seu mestre. O discípulo recusou-se a concordar com uma percepção de mundo na qual a ideia viria antes da experiência.
	Para Aristóteles, justamente o contrário ocorreria: a experiência e a percepção do mundo, através dos sentidos, tornariam o homem capaz de elaborar conceitos. 
PARA ARISTÓTELES, O CONCEITO É CRIADO PELA OBSERVAÇÃO E PELO SENSÍVEL.
	A partir dessa premissa, Aristóteles tomou para si a tarefa de observar e classificar os fenômenos múltiplos do mundo ao seu redor. Em um trabalho de sistematização, ele organizou de modo crítico e fundamentado diversas classificações, a partir do agrupamento de semelhanças e diferenças dos objetos estudados.
	No vídeo a seguir, “Aristóteles: breve vida e obra”, saberemos um pouco mais sobre o filósofo grego e a sua obra, organizada em torno de seu esforço classificatório e sistêmico: https://www.youtube.com/watch?v=UKvgFFLwCtU
A ARTE POÉTICA
	A criação de sistemas de classificação agrupados por critérios de semelhanças e diferenças também diz respeito ao pensamento aristotélico sobre a poética.
	Poética é a dimensão originária e essencial de realização de qualquer linguagem. 
	A palavra poética se diz no grego antigo poíesis e é originada no verbo poiéo, que quer dizer produzir, fazer, construir, construir uma morada para cada um dos deuses, fazer algo de material, manufaturado como obras de arte, fazer-se causa, assim, o poietikós é aquele que é capaz de fazer, de causar. (JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005).
	O desejo de sistematização crítica orientou a criação de dois tratados aristotélicos: a Arte Retórica e Arte Poética. 
	Poética e Retórica eram consideradas classicamente como disciplinascorrelatas, mas Aristóteles separou-as em dois tratados distintos, embora de modo relativo.
Retórica→Oratória, persuasão e raciocínio.
Poética →Estudos sobre a Poesia
	Em Arte Poética, Aristóteles pensou de modo seminal sobre conceitos, como a mimese e a catarse.
	Leia o verbete do E-dicionário de termos literários, referente a esse tratado aristotélico: 
“A arte poética é expressão que remete, em primeiro lugar, para Aristóteles (384-322 a. C.) e par ao seu conhecimento tratado sobre poesia. Ao que se pensa e julga saber, este tratado, composto na parte final da vida ao autor, revela do carácer acromático e importante parte do corpo textual aristotélico. Recorre, contudo, a um texto anterior, produzido em um contexto muito mais aberto, o diálogo dos Poetas, onde alguns dos motivos estruturadores da arte poética aristotélica, como “a imitação“ ou a “catarse”, tinham sido já, ao que parece, visto que o diálogo se perdeu e só muito posteriormente foi reconstituído, expostos e desenvolvidos. A Arte poética de Aristóteles era, na sua origem, constituída por dois livros e não apenas por aquele que hoje conhecemos e a tradição nos legou e que passa por ser o primeiro dos dois”.
A QUESTÃO DA MIMESE
	O que nos foi legado da Arte Poética, de Aristóteles, divide-se em duas partes.
Arte Poética (tal como chegou até a atualidade)
Parte I - Discussão sobre a mimese e a natureza do poético.
Parte II – Estudos sobre a poesia trágica. Comparação entre a poesia trágica e a poesia épica.
	Em sua primeira parte, a discussão sobre o conceito de poesia dá-se em torno da reflexão sobre os processos de mimese, afastada de Platão, pois:
A discussão de Aristóteles é estética; a de Platão, moralizante, como diz Angélica Soares, em Gêneros Literários (capítulo 1); Aristóteles percebe a arte poética como representação independente da experiência real; a poesia imitativa é um elemento cognitivo, pois o imitar seria inerente ao processo de construção do conhecimento do Homem (“A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto distinguem-se os humanos de todos os outros seres vivos: por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquirimos nossos primeiros conhecimentos, e nela todos experimentamos prazer”).
 	A Arte está no domínio do possível, pois o poeta fala das coisas “não como são, mas como poderiam ser”. Aristóteles, portanto, não vê a mimese como reprodução da realidade. Ele a funda no critério da possibilidade: o poético fala sobre o que é possível e não sobre o verdadeiro.  Fala sobre o verossímil. É a verossimilhança que garante a fruição artística, pois há a ciência da cisão entre a empiria da realidade e o discurso poético. É nesse sentido que Aristóteles afirma: “Objetos reais que não conseguimos olhar sem custo, contemplamo-los com satisfação em suas representações mais exatas. Tal é, por exemplo, o caso dos mais repugnantes animais e dos cadáveres”.
	A verossimilhança é um conceito fundamental para entender visão aristotélica sobre a mimese. A verossimilhança distinguirá a obra do poeta da obra do historiador (ou do médico) e revelará o processo de mimese como poiese, como criação ficcional. Dessa forma, Aristóteles postula: ”Não se chama de poeta alguém que expôs em verso um assunto de medicina ou de física! Entretanto nada de comum existe entre Homero e Empédocles salvo a presença do verso. Mais acertado é chamar poeta ao primeiro e, ao segundo, físiólogo”.
	“o hisrtoriador e o poeta não se distinguem um do outro, pelo fato de o primeiro sercrever em prosa e o segundo em verso (pois, se a obra de Heródoto (30) fora composta em verso, nem por isso deixaria de ser obra de história, figurando ou não o metro nela). Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido’.
	Aristóteles não marca, assim, somente o discurso poético para além dos critérios formais, mas também o seu objetivo e, principalmente, a presença de verossimilhança: “de igual modo, se acontece que um autor, empregando todos os metros, produz uma obra de imitação, como fez Querémon no CENTAURO, rapsódia em que entram todos os metros, convém que se lhe atribua o nome de poeta. È assim que se devem estabelecer as definições nestas matérias”.
A TRIPARTIÇÃO DOS GÊNEROS LITERÁRIOS
	Aristóteles valoriza a poesia, pois separa o real do universo poético e percebe a mimese com autonomia, como expressão criativa do possível.
	Será justamente a mimese o critério de classificação dos gêneros literários na filosofia aristotélica. Sua organização dos tipos de poesia é baseada nos modos de imitar, mais especificamente, pelo meio, pelo objeto e pelo modo como a mimese é realizada.
	Leia a explicação dos critérios da classificação aristotélica, citados por Angélica Soares, no capítulo 1 de seu livro Gêneros Literários:
“a) Segundo o meio com que se realiza a mímesis, distinguindo-se a poesia ditirâmbica por um lado e a tragédia e a comédia por outro, pois, se todas elas usam o ritmo, a melodia e o verso, utilizam-nos de forma diferente: a poesia ditirâmbica emprega todos eles simultaneamente, enquanto a tragédia e a comédia os empregam alternadamente”.
“b) Segundo o objeto da mímesis, distinguindo-se, por exemplo, a tragédia que apresentava homens melhores do que nós (de mais elevada psique, portadores de possibilidades de transformação do mundo) e a comédia, ocupando-se de homens "piores" do que nós (de menos elevada psique, portadores de vícios, isto é, de limitações).”
“c) Segundo o modo da mímesis, distinguindo-se o processo narrativo, característico do poema épico, e o processo dramático, característico, por exemplo, da tragédia e da comédia. No primeiro caso, o poeta narra em seu nome ou assumindo diferentes personalidades; no segundo caso, os atores agem como se fossem independentes do Autor.”
	Podemos afirmar que a divisão dos gêneros literários, na poética de Aristóteles, é feita de acordo com as semelhanças e diferenças geradas pelos processos de mimese, considerando tanto a forma, o assunto e como os textos são desenvolvidos. 
	FRENTE A ESSA CLASSIFICAÇÃO, OS GÊNEROS LITERÁRIOS DIVIDIR-SE-IAM EM TRÊS:
	LÍRICO – ÉPICO – DRAMÁTICO (DO QUAL PARTICIPAM A COMÉDIA E A TRAGÉDIA)
	A tripartição aristotélica foi a primeira proposta de leitura fundamentada e sistemática sobre os gêneros literários. Porém, a obra Arte Poética discute a épica e o drama, sobretudo.
	A TRAGÉDIA E A COMÉDIA
	A tragédia e a comédia são expressões do drama, palavra que em grego significa ação – o texto dramático põe em cena a ação. Distinguem-se quanto ao meio, por não serem narradas, como a epopeia, mas representadas por atores. Também diferem na extensão, por ter o drama duração limitada e a epopeia ilimitada.
	A tragédia empenha-se, na medida do possível, em não exceder o tempo de uma revolução solar, ou pouco mais. A epopeia não é tão limitada em sua duração; e esta é outra diferença.
	ARISTÓTELES DEFENDE A SUPERIORIDADE DA TRAGÉDIA SOBRE A EPOPEIA.
	A tragédia e a comédia nasceriam como improvisos. Diferenciam-se de modo marcante, pois a comédia imitaria homens de caráter inferior e a tragédia, homens moralmente elevados. 
	A comédia é, como já dissemos, imitação de maus costumes, mas não de todos os vícios; ela só imita aquela parte do ignominioso, que é o ridículo.
	Tanto o herói épico quanto o herói trágico seriam homens de caráter superior, mas, ao contrário do último, o herói épico aceita o seu destino.
	Apesar de moralmente superior, o herói trágico incorreria em um erro inconsciente, que o colocaria em uma posição de grande infortúnio. Ao ver a ação representada, o espectador seria tomado por sentimentos de profunda piedade e horror, que o levariam a um choque emocional profundo.
	Tanto a epopeia quanto a tragédia deveriam ser figuradas por um princípio de unidade, a partir de uma ação integral. Como narrativa, a epopeia deve mimetizar as ações heróicas de um povo, mas de modo peculiar, afastado do discurso da História.
AULA 5: MORFOLOGIA DOSGÊNEROS LITERÁRIOS: DA VISÃO ROMÂNTICA À CONTEMPORÂNEA
	OS GÊNEROS E A POÉTICA CLÁSSICA
	Nas aulas três e quatro, nós estudamos as primeiras orientações deixadas pela filosofia clássica acerca dos gêneros literários.
	Vimos como Platão, em A República, foi o primeiro a nos legar um estudo sobre a questão dos gêneros, reconhecendo a poesia como poesia mimética, o que, segundo a sua Teoria das Ideias, levaria o Homem à ignorância e à desmedida, afastando-o a três graus da verdade.
No terceiro livro de A República, Platão determina três categorias literárias possíveis a partir das interações entre o poeta e as personagens.
		 A poesia e a mitologia podem constar inteiramente de imitação, tal como se dá na tragédia e na comédia (...), ou apenas da exposição do poeta.
“ Os melhores exemplos desse tipo de composição encontrarás nos ditirambos, há uma terceira modalidade, em que se dá a combinação dos dois processos: é o que se verifica na epopeia e muitas outras formas de poesia” (Rep. III, 394 c).
	Assim, a integração entre o poeta e as personagens geraria uma poesia inteiramente imitativa: Gênero dramático (tra´gédia e comédia).
	Aristóteles aponta o gênero dramático como poesia produzida para ser encenada. A história é contada por atores que usam suas ações, gestos e voz para desenvolvê-la. 
	O gênero dramático englobaria a tragédia e a comédia.
	A tragédia conta a história de um homem de caráter elevado e posto pelo destino em uma situação de grande infortúnio, por um erro inconsciente. 
	A comédia imitaria homens de caráter inferior. Através do riso e da indicação do que seria o ridículo, a comédia apresentava a sua condição moralizante.
	Uma poesia baseada apenas na exposição do poeta: Poesia ditirâmbica (pertencente ao gênero lírico).
	POESIA DITIRÂMBICA
	Ramo da poesia lírica, acompanhada por cantos, a poesia ditirâmbica celebrava os prazeres da mesa e da vida. Mais tarde, segundo Aristóteles, seria um dos elementos a dar origem à tragédia. A poesia lírica expressa os sentimentos, as emoções e as sensações do poeta. Por isso, afirma-se o seu caráter confessional. Na Antiguidade, o poeta declamava. 
	Uma poesia que combina a imitação à exposição do poeta: Poesia épica e outras formas de poesia.  
	POESIA ÉPICA E OUTRAS FORMAS DE POESIA
	A poesia épica é narrativa. Conta a história dos grandes feitos heroicos de um povo, na forma de um poema dividido em cantos. Cada canto narra um episódio, que se integra aos demais, formando uma unidade de ação. 
	O herói épico é um indivíduo de qualidades excepcionais e caráter elevado.  Aceita o seu destino. Sua vida só tem sentido dentro da coletividade.
	A epopeia (narrativa épica) conta com a presença do sobrenatural, principalmente, através da intervenção dos deuses na vida dos personagens e resgata lendas e histórias, mesclando-as à criatividade do autor. 
	O narrador da epopeia é o chamado narrador clássico: com foco narrativo em terceira pessoa, distanciado e observador, além de onisciente.   
	Aristóteles, discípulo de Platão, esforçou-se em ordenar e classificar não só a poesia, como outros elementos, conceitos e ideias do mundo:a retórica, a política, a lógica, a natureza., etc
	No que toca especificamente ao discurso poético, escreveu o seu tratado, Arte Poética, que não sobreviveu integralmente ao tempo.
As partes que alcançaram o nosso tempo revelam uma reflexão consistente e sistematizada acerca da poesia, principalmente da tragédia e da epopeia, embora também cite a comédia e formas líricas como a poesia ditirâmbica, a citarística (poesia declamada ao som da cítara) e a aulética (poesia declamada ao som da flauta) – que não são objetos de uma análise maior na parte de Arte Poética conhecida por nós.
	ARISTÓTELES QUESTIONOU A TEORIA DAS IDEIAS DE PLATÃO. 
	Discordava da existência de um mundo bipartido em ideal e sensível.
	Ao superar esta ideia, passa a superar também a própria concepção platônica de poesia mimética.
	Para Aristóteles, a poesia não afastava o Homem da verdade, ao contrário: a poesia como mimese, como imitação do mundo, levava o Homem ao conhecimento, pois o imitar seria inerente a ele, em seu processo de cognição do mundo.
Poesia mimética = Homem ao conhecimento
	Aristóteles resgata a poesia da condição de indigna e confere-lhe grandeza em sua análise. 
	Ele mostra a mimese desligada da tarefa de representar a realidade externa.
	Como vimos, Aristóteles funda a mimese na possibilidade. Isto é, ao imitar, o poeta não precisa falar do que realmente tenha acontecido, mas do que poderia acontecer, como disse o filósofo: “o poeta fala das coisas não como são, mas como poderiam ser”.
É o critério da mimese o eixo de organização da classificação dos gêneros literários, que se dividem de acordo:
Com o meio de realização da mínese: Ou seja, o modo como o gênero imita, de acordo com o emprego do ritmo, o verso, a melodia. Para Aristóteles, as distintas formas dos gêneros literários eram conexas aos seus conteúdos. Por exemplo, a epopeia, por narrar fatos grandiosos, também haveria de ser narrada em uma linguagem poética magnânima, elaborada.
Com o que é imitado: Ou seja, o objeto da mimese: quais tipos de homens são imitados, por exemplo.
Com o modo de imitar: O que pode ser percebido pela voz que fala no gênero. Na epopeia, há um processo narrativo – quem fala é o narrador, que conta uma história, obviamente. No drama, tanto trágico quanto cômico, a história não é narrada, mas representada pelas ações e falas dos atores. Lembre-se: drama = ação. O drama é uma encenação, ele põe em cena a ação. 	Poderíamos acrescentar: na poesia lírica, quem fala é o eu lírico, a voz que expressa, no poema, as suas emoções e sentimentos.
	AINDA A POÉTICA CLÁSSICA: AS CONTRIBUIÇÕES DE HORÁCIO
	O filósofo romano Horácio viveu durante o século I A.C. na Roma antiga. Em suas reflexões sobre a arte poética, desenvolvidas na “Carta aos Pisões”, defende a poesia como um instrumento de educação e de moralização do Homem. Mas não um instrumento qualquer: segundo Horácio, a poesia era docere cum delectare, ou seja, educação com prazer.
	Aut. prodesse volunt aut delectare poetae, aut simul et iucunda et idonea dicere vitae. 
	A  frase de Horácio significa: os poetas querem ser úteis ou deleitarem-se, ou ainda dizer coisas, ao mesmo tempo, agradáveis e úteis para a vida.
	Os conhecidos versos de Horácio, que assinalam com finalidade a poesia aut prodesse aut delectare, não implicam um conceito de poesia autônoma, de uma poesia exclusivamente fiel a valores poéticos, ao lado de uma poesia pedagógica. 
	O prazer, o dulce referido por Horácio e mencionado por uma longa tradição literária europeia de raiz horaciana, conduz, antes, a uma concepção hedonista da poesia, o que constitui ainda um meio de tornar dependente, e quantas vezes de subalternizar lastimavelmente, a obra poética. SILVA, Vítor Manuel. Teoria da Literatura. Coimbra: Almedina, 2000.
	Horácio também refletiu sobre os gêneros literários. Suas ideias concordavam com os preceitos de adequação entre forma e conteúdo defendidos por Aristóteles, em sua Arte Poética. Para Horácio, só mereceriam o título de poeta aqueles que em suas criações escolhessem a forma (ritmo, métrica) e o tom corretos aos gêneros que escrevessem. Isto significa que uma comédia fosse escrita usando a métrica empregada tradicionalmente na tragédia, como diz Angélica Soares, em seu livro Gêneros Literários.
	A defesa de Aristóteles e, depois, de Horácio de uma forma e um tom adequado a cada gênero continuará por muito tempo, como veremos.
	OS GÊNEROS LITERÁRIOS: DA IDADE MÉDIA AO SÉCULO XVIII
	A tripartição clássica dos gêneros literários – poesia lírica, épica e dramática (tragédia e comédia), ganhou releituras durante o período medieval.
	Uma das principais foi estabelecida pelo poeta florentino Dante Alighieri. Dante categorizou a epopeia e a tragédia como estilos nobres; a comédia como um estilo médio; e a elegia (poema lírico, de tom pessimista, de luto e melancolia) como um estilo humilde.Outros gêneros surgiram e foram classificados durante a Idade Média, como a poesia trovadoresca e as novelas de cavalaria.
	Durante o Renascimento, a poética clássica é valorizada e tomada como modelo, a partir da fusão das reflexões de Aristóteles e de Horácio.
	Isto é, os gêneros literários obedeceriam a uma classificação baseada em critérios rígidos, em relação à forma, ao estilo e ao tema.
	As obras seriam avaliadas de acordo com tais critérios. Além disso, concorda-se com a superioridade da tragédia e da epopeia.
	A categoria “poesia lírica foi fundamentada por Pietro Bembo e percebida como poemas compostos a partir da expressão objetiva”.
	No século XVI, o espanhol Francisco Cascales propõe a caracterização do gênero lírico, ao lado do gênero narrativo e do dramático.
	No século XVII, destacam-se as reflexões sobre a poética realizadas por Nicolas Boileau. Para o autor, era necessário manter as indicações da poética clássica e perceber o poema como uma criação racional.
	OS GÊNEROS LITERÁRIOS NO ROMANTISMO
	No final do século XVIII, surgiu um movimento alemão denominado sturm und drang, em português, tempestade e ímpeto. 
	Esse movimento contrapôs-se ao pensamento clássico e questionou a divisão rígida dos gêneros literários.
	Tal questionamento relacionava-se a uma nova percepção:
A percepção do poeta como um ser especial, como um gênio, capaz de exercitar a sua arte de um modo pessoal e inovador.
A individualidade e a independência do autor-gênio quebram a classificação rígida dos gêneros e abre espaço para a liberdade de criação.
	A obra de arte passa a ser vista como uma expressão em múltiplas formas, que não se submeteria a normas pré-estabelecidas e a limites determinados por convenções.
	Já no Romantismo, surgiram mudanças muito profundas acerca das questões de gêneros, que concordavam com a reivindicação pela liberdade criativa, tão cara ao momento. 
	O escritor romântico Victor Hugo escreveu um texto chamado “Do grotesco e do sublime”, prefácio ao livro Cromwell. Nele, defendia uma nova proposta sobre os gêneros literários. Ainda no fim do século XVIII, o poeta pré-romântico Friedrich Schlegel escreveu um tratado de poética, no qual recuperou a tripartição clássica dos gêneros literários.
	Neste e em outros estudos posteriores, Schlegel postula uma classificação rígida entre os gêneros, não admitindo o hibridismo. Tal classificação dava-se por critérios de subjetividade/objetividade. 
O poeta compreendia a lírica como uma poesia subjetiva, em oposição à objetividade da épica. O drama seria uma espécie de síntese dos dois gêneros, pois apresentaria tanto a subjetividade quanto a objetividade.
	Hugo afirmou que a vida não se apresentava de modo compartimentado: nela estariam misturados o grotesco e o sublime, a dor e o prazer... Portanto, a arte também deveria assumir-se como híbrida.
	Notre-Dame de Paris, romance posteriormente conhecido como O corcunda de Notre-Dame por conta de traduções, foi publicado por Victor Hugo, em 1831. Nesse romance, Hugo representa as tensões entre os fracassos e as elevações da alma humana, em uma leitura da Paris medieval. Sua personagem mais famosa, o corcunda Quasímodo, entretanto, não é o protagonista. Apesar disso, representa a simbiose entre o sublime e o grotesco.
	O hibridismo dos gêneros literários permaneceu e muitas obras passaram (e passam) a apresentar uma mistura de índices, como textos narrativos com elementos dramáticos e líricos, por exemplo.
	A aceitação do hibridismo será um elemento relevante para a inserção do romance no rol dos gêneros literários e demonstra como estes estão em permanente processo de transformação. A partir do século XIX, cada vez mais se torna comum encontrar elementos de gêneros literários diversos em uma mesma obra.
	O romance é um gênero literário e não diz respeito a um estilo literário específico. Há romances românticos, realistas, modernistas, pós-modernistas. Como gênero literário, surge no fim do século XVIII. Trata-se de uma narrativa extensa, escrita em forma de prosa e dividida em capítulos. Mescla elementos épicos e líricos, sendo um gênero híbrido por excelência. Segundo Jacinto do Prado Coelho, em seu Dicionário de Literatura Portuguesa e Brasileira, “O romance configura um mundo de personagens mais denso e complexo, aproxima-nos do acontecer cotidiano, e daí um ritmo temporal mais lento“.
	TEORIA NATURALISTA E EVOLUCIONISTA DOS GÊNEROS LITERÁRIOS
	A partir do final do século XIX, surgiram teorias sobre os gêneros literários, apoiadas nas filosofias materialistas, especialmente na corrente naturalista e na evolucionista.
	Tais correntes defendiam a analogia entre os gêneros literários e os organismos vivos. Assim, os gêneros literários passariam por uma espécie de ciclo vital, com o seu nascimento, auge (maturidade), envelhecimento e morte, dando lugar ao surgimento de outros gêneros.
	Como ocorreria a um ser humano, as obras de arte passariam por um processo evolutivo, sofrendo transformações, nos moldes propostos pelo evolucionismo de Darwin.
	Como oposição a essa visão materialista dos gêneros, surgiram discussões pautadas em correntes de pensamento espiritualistas.
	Um desses pensadores foi Benedetto Croce, que se contrapôs às teorias materialistas ao afirmar que a arte não é científica, mas intuitiva. Como fruto da intuição, a obra não poderia ser categorizada de forma rígida, por conta de critérios de composição, uma vez que é expressão subjetiva e livre.
	PROPOSTAS DO SÉCULO XX
	Ao pensarem sobre os gêneros literários, os formalistas russos retomam a ideia dos gêneros literários como instâncias em mutação contínua. Atentaram para a condição histórica dos gêneros literários, o que impediria qualquer categorização estanque.
	Roman Jakobson percebe os gêneros literários através de sua teoria das funções da linguagem. A linguagem poética é dominante nos três gêneros. 
	Além desse predomínio, poderíamos identificar:
Gênero lírico = Função emotiva (foco na primeira pessoa).
Gênero épico = Função conativa (foco na 2ª pessoa).
Gênero Dramático = Função referencial (foco na 3ª pessoa)
	Mikhail Bakhtin, pensador russo, postulou a caracterização formal como insuficiente para a classificação dos gêneros, pois o contexto de recepção também seria um elemento importante. Veja:
Em primeiro lugar, a obra é orientada para o ouvinte/receptor e para as condições definidas de execução e percepção.
Em segundo lugar, a obra é orientada na vida, a partir de dentro, poder-se-ia dizer, por seu conteúdo temático. Cada gênero possui sua própria orientação na vida, com referência a seus eventos, problemas etc. (BAKHTIN, apud LIMA, 2002).
	Posteriormente, o crítico canadense Northrop Frye sugeriu a existência de quatro gêneros literários fundamentais: o drama, o épos, a lírica e a ficção. A caracterização de cada gênero conecta-se à maneira como o autor apresentaria a obra e os modos de organização da mimese. Veja o quadro:
Drama = Relação direta entre personagens e público; o autor está oculto. Mimese externa.
Épos = Narrativa episódica O autor relaciona-se com o leitor; as personagens estão ocultas. Escrita assertiva.
Lírica = A apresentação acontece pela relação “Eu-tu”Mimese interna.
Ficção= Narrativa contínua.
	Outra análise fundamental para a discussão dos gêneros literários foi proposta por Emil Staiger. Ele defende o hibridismo dos gêneros literários e demonstra como um texto pode conter características líricas, épicas e/ou dramáticas, independente do gênero ao qual pertença. Essa mescla pode acontecer a partir das mais variadas associações, de modo óbvio ou mais implícito. Para Staiger, não existem categorias literárias absolutamente puras.
	Na década de 70, a Estética da Recepção empreendeu estudos igualmente importantes sobre os gêneros literários.
	Nesses estudos, o gênero aparece como indissociavelmente conexo aos modos como a obra literária é percebida pelo leitor. Esta percepção é marcada pelo conhecimento do leitor e pelo horizonte de expectativas que guiará a

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