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Tese_2007_Alves Poli_diálogo entre a pedagogia freireana e a psicologia histórico- cultural

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SÃO PAULO – 
USP FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FEUSP 
 
 
 
 
 
 
 
 
Solange Maria Alves Poli 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Freire e Vigotski: o diálogo entre a pedagogia freireana e a psicologia histórico- 
cultural 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São 
Paulo 
2007 
j_ado
Realce
 
 
SOLANGE MARIA ALVES POLI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Freire e VigotskI: um diálogo entre a pedagogia freireana e a psicologia histórico- 
cultural 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tese de doutoramento apresentada ao Programa de Pós- 
Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de 
São Paulo, como parte dos requisitos para obtenção do 
grau de doutora em educação. 
 
Área de concentração: Psicologia da educação 
Orientadora: Professora Dra. Marta Kohl de Oliveira. 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2007. 
Ficha catalográfica 
 
 
 
Autorizo a reprodução e a divulgação parcial ou total deste trabalho, por qualquer meio 
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e de pesquisa, desde que citada a fonte. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ALVES POLI, Solange Maria 
Freire e Vigotski: um diálogo entre a pedagogia freireana e a psicologia histórico- 
cultural. Solange Maria Alves Poli: orientadora Marta Kohl de Oliveira. 
São Paulo 2007. 
 
 
 
 
Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Educação. Área de concentração: 
Psicologia e educação. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo 
Folha de aprovação 
 
 
 
Solange Maria Alves Poli 
Psicologia e Educação 
 
 
Tese de doutoramento apresentada ao Programa de Pós- 
Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de 
São Paulo, como parte dos requisitos para obtenção do 
grau de doutora em educação. 
Área de concentração: Psicologia da educação 
 
 
 
 
 
 
Banca examinadora 
 
 
 
Profa. Doutora Marta Kohl de Oliveira (Orientadora) 
Universidade de São Paulo - USP 
 
Prof. Doutor Angel Pino Sirgado 
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP 
 
Prof. Doutor Edival Teixeira 
Universidade Tecnológica Federal do Paraná -UTFPR 
 
Prof. Doutor Pedro de Carvalho Pontual 
Instituto Pólis-Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais 
 
Prof. Doutor Antonio Gouveia da Silva 
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP 
Dedicatória 
 
 
 
 
 
 
A Paulo Freire e a cada professor/a que, independente do lugar em que se encontra, 
prossegue sua obra e “personifica suas palavras pelo exemplo.” 
 
 
 
A Vigotski, Luria e Leontiv, protagonistas principais da psicologia histórico-cultural, e a 
cada docente que busca neles inspiração e fundamento de sua práxis pedagógica e, por isso, 
sabe que o ensino de conceitos é infrutífero quando não há vida como ponto de partida para 
a construção do conhecimento. 
Agradecimentos 
 
 
Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo 
de possibilidades e não de determinismo. Paulo Freire 
 
 
À professora Marta Kohl de Oliveira, pelas discussões, pela liberdade tão característica de sua 
prática como orientadora, que faz crescer e assumir a dor e a delícia do processo de construção 
do conhecimento. 
 
 
À CAPES, fonte financiadora do processo de doutoramento, pela bolsa de pesquisa sem a qual 
boa parte dessa trajetória teria padecido. 
 
 
Ao Moisés e ao Gianfranco, partes de mim que compartilham comigo a experiência social 
onde se constituem como individualidades sem as quais eu não seria o que sou. 
 
À Fabiana, que atravessou comigo a fúria das turbulências emocionais, as metamorfoses que 
experimentei nesse processo, para muito além da produção da tese. 
 
À Marizélia e à Rachel, ombros amigos nos quais me amparei tantas vezes. Interações que me 
modificaram como mulher, como profissional, como gente. 
 
 
Ao meu pai e à minha mãe (Antonio e Verondina), subjetividades marcadas pela história, lugar 
onde me reconheço a cada “causo” contado, revivido, rememorado. Com eles vivi, 
compreendi, de fato, a expressão de Marx: “Os homens fazem sua própria história, mas não a 
fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, mas sob 
aquelas circunstâncias com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo 
passado.” 
 
 
À Sueli, casa limpa, suco gelado ou chás nas horas de puro cansaço. Sorriso e prontidão, 
aconchego e cuidado, fabulosa interação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Escrevi no chão do outrora 
e agora me reconheço: 
pelas minhas cercanias 
passeio, mal me 
freqüento. 
Mas pelo pouco que sei 
de mim, de tudo que fiz, 
posso me ter por 
contente, cheguei a servir 
à vida, me valendo das 
palavras. 
[...] Trabalho que nem um mouro, 
estou sempre começando. 
Tudo dou, de ombros e braços, 
e muito de coração, 
[...] Nada criei de novo. 
Nada acrescentei às formas 
tradicionais do verso. 
Quem sou eu para criar coisas novas, 
pôr no meu verso, Deus me livre, uma 
invenção. 
Thiago de Mello 
Resumo 
 
 
ALVES POLI, S.M. Freire e Vigotski: um diálogo entre a pedagogia freireana e a psicologia 
histórico-cultural. 2007. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade de São 
Paulo, 2007. 
 
 
Tecer o encontro, demonstrar as possibilidades efetivas de diálogo entre a pedagogia freireana 
e a psicologia histórico-cultural. Esse é o objeto central, mobilizador do presente estudo. 
Oriundo de indagações sobre uma vivência concreta de implementação dos princípios da 
pedagogia freireana, acabou se constituindo num objeto teórico cuja pesquisa e elaboração 
fortalecem a tese inicial de que a psicologia histórico-cultural e a pedagógica freireana podem 
constituir-se mutuamente campos férteis de encontro e diálogo. A tessitura proposta se 
materializa através da articulação, no âmbito do fundamento teórico, das categorias de 
trabalho, consciência e linguagem, tal como concebidas pelo materialismo histórico-dialético, 
compreendido aqui como base comum para o diálogo entre Paulo Freire e Lev Vigotski e, no 
âmbito interno da teoria psicológica e da pedagogia em questão, as categorias de mediação 
simbólica, internalização, mediação pedagógica, construção do conhecimento e elaboração 
conceitual, concebidas como campos teóricos de diálogo desses pensadores. Com base nesse 
arcabouço teórico, realizo uma reflexão acerca do lugar efetivo do encontro e do diálogo 
propostos: a escola e a sua organização em torno de processos de construção do conhecimento 
e desenvolvimento humano. Os resultados alcançados pelo processo de investigação teórica, 
permitem afirmar, antes e sobretudo, a efetiva possibilidade de diálogo e de encontro entre 
Paulo Freire e Lev Vigotski e, ainda, acrescentar que, se por um lado a pedagogia freireana 
pode constituir-se campo fértil de mediação dos pressupostos da psicologia histórico-cultural, 
por outro, aquela, constitui-se espaço profícuo de pesquisa sobre os processos do 
desenvolvimento de modos tipicamente humanos de ser e de pensar, como objetos de 
investigação desta. 
 
Palavras-chave: Freire e Vigotski, psicologia e pedagogia, desenvolvimento humano e 
educação. 
Abstract 
 
 
ALVES POLI, S.M. Freire and Vigotski: a dialogue between Freire's pedagogy and historical-
cultural psychology. 2007.Thesis (PhD) – Education University, University of São
 Paulo, 2007. 
 
 
 
To weave the meeting, to demonstrate the effective possibilities of dialogue between Freire's 
pedagogy and historical-cultural psychology, this is the mainly objective of this study. From 
asks about a concrete living of implementation of principles of Freire's pedagogy, it had 
constituted a theoretical object whose research and elaboration give strength to the initial 
thesis that historical-cultural psychology and Freire's pedagogy may constitute mutually fields 
of meeting and dialogue. This weaving proposed becomes material through the articulation, 
in terms of theoretical found of work, consciousness and language categories, as conceited by 
historical-dialectical materialism, understood here as common basis for the dialogue between 
Paulo Freire and Lev Vygotsky, and in terms of psychological theory and pedagogy discussed, 
the categories of symbolic mediation knowledge construction, internalization, pedagogic 
mediation and conceptual elaboration, concerned as theoretical patterns of dialogue of these 
authors. Based on this theoretical framework, I develop a reflection on the effective role of the 
meeting and dialogue proposed: the school and its organization around processes of 
knowledge construction and human development. The results reached by the process of 
theoretical investigation allow to affirm, now and moreover, the effective possibility of 
dialogue and meeting between Paulo Freire and Lev Vygotsky, and also to add that, on one 
hand Freire's pedagogy may constitute fertile field of mediation of historical-cultural 
psychology patterns, on the other, Freire's pedagogy constitutes fruitful space for research 
about the processes of the development of typically human ways to be and to think, as objects 
of its investigation. 
 
 
Keywords: Freire and Vigotski, psichology and pedagogy, human 
development and education. 
Abstract 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 10 
1. Pedagogia freireana e psicologia histórico-cultural: gênese do problema ............... 10 
2. Situando o problema e a dimensão metodológica da pesquisa: os autores e as 
categorias de análise .................................................................................................. 16 
CAPÍTULO I : Psicologia e Pedagogia, Vigotski e Freire: reflexões iniciais ................ 25 
3. Psicologia histórico-cultural e pedagogia freireana: reconhecendo o objeto no 
contexto histórico da relação psicologia – 
pedagogia ................................................................................................................... 27 
4. Entre Freire e Vigotski: o (des)encontro e o diálogo ................................................ 38 
CAPÍTULO II : Trabalho, Consciência e Linguagem: Tecendo o Humano Concreto 
em Freire e Vigotski .................................................................................................... 57 
2.1. O TRABALHO: atividade vital e gênero humano .................................................... 59 
2.2. A CONSCIÊNCIA: o reflexo superior da realidade ................................................ 76 
2.3. LINGUAGEM: a palavra é práxis ............................................................................ 91 
CAPÍTULO III - Psicologia Histórico-Cultural e Pedagogia Freireana: o Diálogo 
Pelas Categorias Teóricas Internas .......................................................................... 118 
3.1. Mediação simbólica em Vigotski e mediação pedagógica em Freire: linguagem, 
consciência e conteúdo .......................................................................................... 119 
3.2. O conhecimento em Freire, a elaboração conceitual em Vigotski ....................... 139 
CAPÍTULO IV - Educação Escolar: Território Do Encontro Entre Freire e 
Vigotski .................................................................................................................. 157 
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 182 
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 189 
 
 
 
 
 
 
 
 
Abstract 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
1. Pedagogia freireana e psicologia histórico-cultural: gênese do problema 
 
 
 
O problema do qual me ocupo nesta pesquisa, tem sua gênese na reflexão sobre a 
prática vivenciada ao longo de oito anos de administração popular na cidade de Chapecó (SC). 
 
Particularmente, o processo do qual se originou o presente estudo teve início em 1998, 
mais precisamente quando a rede municipal de ensino, através de elaboração coletiva de 
proposta político-pedagógica iniciada ainda em 1997, assume o compromisso com o 
desenvolvimento de uma política pública caracterizada pela idéia de educação com 
participação popular,
1 
cujo aporte teórico principal é a concepção de Paulo Freire. 
 
 
 
 
1 
É importante observar que na região oeste de Santa Catarina está a origem de muitos movimentos sociais 
populares, como é o caso do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), do MMA (Movimento 
de Mulheres Agricultoras), MAB (Movimento dos atingidos pelas Barragens); Movimento das Oposições 
Sindicais; MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores); movimentos indígenas, entre outros. De certo 
modo, todos articulados com as características econômicas da região e também articulados a instituições 
vinculadas e comprometidas com políticas de esquerda no país e fora dele. Além disso, na origem desses 
movimentos está a prática da Teologia da Libertação, movimento comandado pela Igreja Católica e 
também por outras religiões, de modo especial a Luterana, que, ao longo do bispado de Dom José Gomes 
(hoje falecido), esteve à frente da organização desses movimentos através de uma pedagogia veiculada 
pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e por outras pastorais. Isso pode ser observado, entre outros, nos 
estudos de Poli (1987); Poli (1994); Renk, (1997) e Uczai (1992). É deste contexto que vêm muitas das 
lideranças que, a partir do governo popular eleito em 1996 e que assume em 1997, irão compor a equipe 
da Secretaria Municipal de Educação e que, pelas características históricas da luta de esquerda no 
município, carregam consigo marcas e o desejo efetivar políticas públicas em favor do povo no sentido 
democrático e popular. 
11 
 
 
O movimento originado a partir de então foi sendo materializado pela criação de um 
sistema Municipal de Ensino que, por sua vez, viabilizou a organização de um Conselho 
Municipal de Educação com componentes eleitos nos diferentes segmentos envolvidos
2
. Este 
conselho foi responsável pela análise, aprovação e pelo acompanhamento da política pública 
em educação do município amplamente discutida com a comunidade. 
 
Tal política propunha (e implementou durante os oito anos de gestão) um movimento 
de reorientação curricular com a organização de processos pedagógicos fortemente 
articulados com a idéia e a prática de uma escola comprometida com a comunidade na qual 
se insere; uma escola cujo funcionamento depende da participação efetiva de professores, 
alunos, pais e mães em Conselhos Escolares – instâncias decisórias em âmbito escolar, eleita 
por seus pares; em plenárias para avaliação do processo pedagógico da escola e na 
disponibilização de seu pensar, das significações construídas no seu cotidiano para serem 
colhidas, estudadas, compreendidas e transformadasem conteúdo mediador de novas 
interpretações de mundo, como propõe a pedagogia da libertação assumida por tal política 
educacional. 
 
Trata-se, portanto, de uma relação visceral entre escola e comunidade; parafraseando 
Cortella (2000), uma “escola dos muros para fora”, que acolha a comunidade mas que também 
se coloque para a comunidade como espaço possível de articulação das demandas da 
população, através da apropriação do conhecimento como ferramenta de libertação. 
 
Colocar no chão da escola esta política demandou o enfrentamento severo de questões 
tanto de ordem estrutural (tempo para planejamento e tomada de decisões pelo coletivo da 
escola) quanto pedagógicas no sentido da reorganização do sistema por ciclos de formação, 
pautados pelo conceito de ciclo como tempo histórico de aprendizagem e desenvolvimento 
para além do tempo cronológico de cada indivíduo; um tempo histórico da vida e de uma vida 
inserida num contexto, construída com os aportes de uma dada cultura. 
 
Transformar implica em agir, agir conscientemente, agir construtivamente. 
Ação global, coletiva, entendendo a escola como mais do que a soma de suas 
partes. A escola do real vivido que se relaciona organicamente com a 
 
2 Desde professores, alunos, comunidade – pais e mães -, a entidades como sindicatos, universidade, rede 
pública estadual, rede particular de educação infantil. Ao todo 17 entidades representadas. 
12 
 
 
 
comunidade na qual está inserida. Espaço significativo de construção do 
conhecimento. (SMED/SP - CADERNOS DE FORMAÇÃO, 1990, P. 09). 
 
 
 
 
Para a perspectiva freireana, o conteúdo mediador de novas interpretações da 
realidade não vem do livro didático ou de programas pré-definidos. Ao contrário, vem das 
falas da comunidade, das falas de alunos e alunas, das representações que eles têm das 
vivências ou das experiências construídas nas relações cotidianas com os espaços 
comunitários mais próximos, mas também com os acontecimentos em nível contextual maior 
na medida em que se colocam como sujeitos imersos em redes de relações sociais, políticas, 
econômicas e culturais que demarcam e influenciam fortemente, por assim dizer, seu modo 
de agir e pensar. Pois, segundo Freire (1987, p.86) é “a partir da situação presente, existencial, 
concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que podemos organizar o conteúdo 
programático da educação ou da ação política”. Ou ainda, como esclarece Silva (2004): 
 
Uma educação crítica e libertadora concebe o currículo como o 
conjunto de práticas socioculturais que - de forma explícita ou implícita, 
consciente, intencional, empírica ou incorporada inconscientemente - 
se inter-relacionam nas diferentes instâncias e momentos do espaço-
tempo escolar. Assume-se a defesa de uma intervenção pedagógica 
crítica na prática educativa desumanizadora vigente, na perspectiva de 
um currículo responsável, comprometido com os socialmente 
excluídos, que parta das necessidades e dos conflitos vivenciados para 
tornar-se significativo, crítico, contextualizado, transformador e 
popular. [...] Assim, se toda prática escolar está arraigada a um 
contexto que se manifesta nas dimensões da realidade local, em seus 
sujeitos e processos de construção do real, ou seja, nas inter-relações 
entre culturas e saberes, comportamentos e posicionamentos éticos, 
práticas socioculturais da comunidade [... ] (SILVA, 2004, p. 1). 
 
Trata-se de um movimento pedagógico para o qual o conhecimento, muito embora 
necessário, não é um conhecimento desvinculado da prática que liberta, como também, no 
dizer de Damke (1995), não será uma prática sem reflexão que poderá fazê- lo. 
 
A práxis pedagógica libertadora, como o próprio nome sugere, indica a necessidade 
de uma educação vista como um movimento em direção à liberdade. Não se trata, no entanto, 
de libertação num sentido metafísico, de uma essência dada e naturalmente inerente ao 
humano, “mas de libertação de um ‘ente-histórico’ que se constrói enquanto constrói o 
mundo, através da práxis.” (DAMKE, 1995, p. 58). 
13 
 
 
No âmbito específico das práticas escolares torna-se necessário, a partir de então, 
compreender a realidade e suas contradições, a lógica estabelecida nas falas de cada pessoa e 
o relacionamento estabelecido com os outros. Esse processo novo e desafiador colocou, entre 
outras demandas, não menos importantes, a necessidade de superar concepções de 
desenvolvimento humano marcadamente liberais - centradas no indivíduo -, e fortemente 
presentes em significativa parcela das práticas pedagógicas. 
 
A interpretação de falas como manifestações vivas de conteúdo histórico, cultural e 
ideológico da concreticidade humana (como quer Freire) não cabe em concepções pautadas 
na meritocracia individual, na passividade do ser humano compreendido como um acumulado 
de reflexos, de estímulos e respostas ou marcado pelo destino absoluto de suas condições 
físicas e/ou espirituais. Ao contrário, o exercício de interpretar falas como manifestações de 
um sujeito humano concreto, que vive, sente e significa a experiência histórica nas condições 
de vida real em que se encontra requer outros parâmetros teóricos. 
 
Este cenário dá origem a inúmeras indagações. De modo particular, emerge daí a 
necessidade de dialogar com uma teoria psicológica que favorecesse a construção de 
instrumentos de análise da palavra da comunidade, a partir de aportes condizentes com a 
crença e o compromisso da pedagogia de Paulo Freire. Essa demanda aproximou a pedagogia 
freireana da psicologia histórico-cultural e constitui terreno fértil para o problema que se 
coloca neste estudo. 
 
Num primeiro momento, a reflexão em torno da possibilidade de um diálogo mais 
próximo e mais intenso entre estas teorias surge, de modo especial, em face de indagações 
como: quem são os sujeitos que falam, que emitem a palavra que, interpretada, se transforma 
em conteúdo problematizador e conscientizador? São sujeitos concretos, responde Freire. E 
o que é um sujeito concreto? A palavra emitida por este sujeito é reveladora da constituição 
da consciência desse sujeito? Em que medida? 
 
Tomado esse referencial inquisitório, a aproximação com a psicologia histórico- 
cultural passou a constituir quase uma necessidade vital. Pois, se feitas as mesmas perguntas 
a Vigotski, Luria e Leontiev – escola histórico-cultural de psicologia -, a resposta caminha 
numa direção muito semelhante à de Freire no campo da pedagogia. 
14 
 
 
Evidentemente resguardadas as diferenças decorrentes dos tempos, espaços e áreas do 
conhecimento a partir das quais constroem sua reflexões, suas teorias. 
 
Para Vigotski e colaboradores, o homem é, antes e sobretudo, um ser cuja constituição 
depende fundamentalmente das relações sócio-culturais nas quais se insere e com as quais, 
ativamente, interage. 
 
Essa condição humana, por assim dizer, é resultado de um longo processo histórico 
marcado fundamentalmente pela invenção e pelo uso de instrumentos técnicos utilizados para 
o trabalho – atividade vital humana - e pela linguagem, fruto da necessidade de comunicação 
e intercâmbio entre os homens. Assim, podemos dizer que o ser humano é produto e processo 
de relações sociais desde a sua origem. E compreender o pensamento e o comportamento 
humano implica compreender os processos sociais constitutivos desse pensamento e/ou 
comportamento. Pensamento que, na concepção de Paulo Freire, se manifesta na palavra cujo 
conteúdo é analisado e transformado em conteúdo mediador de novas interpretações acerca 
da realidade vivida pelos sujeitos. 
 
Há, portanto, uma possibilidade concreta que se apresenta comoterreno fértil para um 
diálogo e uma aproximação entre a pedagogia freireana e a psicologia histórico-cultural. De 
tal modo que aquela pode constituir-se efetivamente em espaço pedagógico mediador da 
psicologia histórico-cultural no âmbito de práticas educativas escolares. 
 
Ou, dizendo de outro modo, a pedagogia da libertação, tal como proposta por Paulo 
Freire, encontra na psicologia histórico-cultural os aportes necessários - no âmbito de uma 
concepção de subjetividade e de constituição da subjetividade humana, no âmbito da relação 
entre desenvolvimento e aprendizagem, no âmbito das bases psicológicas para o processo de 
construção do conhecimento escolar -, para efetivar-se como práxis educativa. 
 
Aqui nasce a questão central deste estudo. Gerado a partir da reflexão sobre a práxis 
passa, porque incorpora o movimento dialético de um processo de indagações e vivências, a 
constituir-se num objeto teórico, ou seja, não se caracteriza por uma análise de dados ou 
situações empíricas mediadas por opções teóricas, mas define-se como uma questão 
eminentemente teórica que tem por objetivo estabelecer relações entre dois 
15 
 
 
campos distintos do conhecimento, que, a partir de suas especificidades, estabelecem 
possibilidades efetivas de diálogo. 
De um lado, a pedagogia freireana
3
, que, como já observado anteriormente, propõe 
uma práxis pedagógica permanentemente alicerçada na relação homem-mundo cuja 
manifestação mais explicita se encontra no “pensamento-linguagem”
4 
do povo. O 
que coloca como demanda concreta a compreensão e a significação do que se entende por 
pensamento e linguagem, por relação homem-mundo, e de como esses fatores, por assim 
dizer, compõem processos de constituição da subjetividade humana. Uma pedagogia para a 
aqual, o processo de conhecimento (aprendizagem), implica um movimento da consciência 
no sentido de ir e vir à realidade. O que indica a concepção de ser humano como sujeito 
concreto cuja feitura, para usar uma expressão de Freire, se tece na relação homem-mundo. 
Trata-se, portanto, de um sujeito ativo cuja atividade cognitiva traduz-se em instrumento de 
apropriação , compreensão e interação com a realidade. 
 
De outro lado, a psicologia histórico-cultural preconiza a compreensão do 
funcionamento psicológico tipicamente humano como produto de relações sociais, ou seja, o 
humano é condição que não se herda biologicamente mas se constitui no processo de 
apropriação que o indivíduo concreto, historicamente situado, realiza, dos artefatos materiais 
e simbólicos presentes na cultura. 
 
 
3 Muito embora várias expressões traduzam as idéias de Freire para a educação – pedagogia da 
libertação, pedagogia dialógica, pedagogia emancipatória ... -, estou optando majoritariamente pelo uso 
da expressão pedagogia freireana por entender que ela traduz de modo mais fiel a concepção de Paulo 
Freire sobre o ser humano, sobre a sociedade, sobre a educação, sobre a escola e sua forma de inserção 
na sociedade, que nessa perspectiva deve ser sempre emancipatória, dialógica, libertadora. Faço 
referência, no entanto, à uma reflexão de Clodovis Boff que me parece amplamente sugestiva para a 
opção que faço neste estudo. Diz Boff: “Entre nós, a idéia de educação popular vem infalivelmente 
associada ao nome de Paulo Freire. Não porque Paulo Freire tenha ‘inventado’ não sei que ‘teoria’ ou 
‘método’ de educação. Nada mais falso e nada mais contrário ao pensamento do próprio Paulo Freire. 
Mas não há dúvida de que este tem o mérito histórico de ter sido o que melhor interpretou e com mais 
felicidade formulou uma verdadeira ‘pedagogia do oprimido’, uma autêntica ‘educação libertadora’ que 
se busca praticar em diferentes áreas do trabalho popular, seja em nível sindical e partidário, seja nas 
mais diversas associações e movimentos sociais. Paulo Freire representa socialmente, no sentido preciso 
e mais forte do termo, esse novo modo de aproximação do povo oprimido, de sorte que dizer "Educação 
Paulo Freire" é já definir uma postura específica de acercamento da realidade popular, postura feita de 
humildade, escuta, respeito e confiança, e ao mesmo tempo de crítica, interrogação, diálogo, 
solidariedade e envolvimento transformador. Numa palavra, trata-se da educação como "ato amoroso", 
enfatizando-se igualmente os dois termos: "ato" como ação, prática, libertação, e "amoroso" como bem-
querer, confiança e reciprocidade. (Clodovis Boff na apresentação do livro Que fazer: teoria e prática em 
educação popular, 
p. 9 , de Paulo Freire e Adriano Nogueira). Retirado de www.ppbr.com/ipf/escritos.html 
 
4 Expressão cunhada por Freire em “Pedagogia do Oprimido” e “Extensão ou comunicação?”. 
16 
 
 
Outra forte razão que leva ao exercício de diálogo entre as teorias em debate, situa-se 
no lugar ocupado pela escola no âmbito da psicologia marxista. A abordagem histórico-
cultural tem a educação escolar como instrumento central para o processo de humanização na 
medida em que se compreende a prática pedagógica como espaço fundamental de mediação 
simbólica, de interações e de ações pedagógicas deliberadas, intencionais, voltadas para um 
fim que, em última instância, constitui-se no desenvolvimento de funções psicológicas 
tipicamente humanas. 
 
Assim, a hipótese de que esta teoria psicológica possui elementos fundamentais 
quando se trata de conceber o homem como sujeito histórico e cultural que podem converter-
se em instrumentos essenciais para a compreensão dos sujeitos, e da linguagem dos sujeitos 
como fala que desnuda a visão de mundo dos mesmos tão necessária à pedagogia freireana e, 
ainda, de que, no âmbito da prática pedagógica escolar, esta pedagogia demanda uma ação 
intencional, voltada para procedimentos mediadores cuja tarefa central é ampliar a capacidade 
de reflexão e de intervenção na realidade e que, portanto, carece dialogar com fundamentos 
psicológicos também assim caracterizados, coloca o desafio de estabelecer comparações entre 
os conceitos centrais de tais teorias e verificar as possibilidades de diálogo efetivo entre 
ambas, tendo sempre em vista a qualificação da práxis pedagógica. Daí que o objeto central 
se defina pelo diálogo entre a Pedagogia Freireana e a Psicologia Histórico-Cultural. 
 
 
 
2. Situando o problema e a dimensão metodológica da pesquisa: os autores e as 
categorias de análise 
 
 
 
De uma perspectiva dialética materialista, um objeto nunca é “verdadeiramente” 
compreendido sem que se estabeleça o conjunto de relações do qual é produto e processo. 
Trata-se de um princípio fundamental da dialética: a totalidade – tudo se relaciona. No dizer 
de Ciavatta (2001), “(...) a totalidade social construída não é uma racionalização ou modelo 
explicativo, mas um conjunto dinâmico de relações que passam, necessariamente pela ação 
de sujeitos sociais.“ (p. 123). E mais adiante prossegue a autora: 
17 
 
 
 
No sentido marxiano, a totalidade é um conjunto de fatos articulados ou o 
contexto de um objeto com suas múltiplas relações, ou ainda, um todo 
estruturado que se desenvolve e se cria como produção social do homem. A 
dialética da totalidade (Kosik, 1976) [é uma teoria da realidade onde seres 
humanos e objetos existem em situação de relação, e nunca isolados, como 
alguns processos analíticos podem fazer crer. Neste sentido a dialética da 
totalidade é um princípio epistemológico e um método de produção do 
conhecimento. Estudar um objeto é concebê-lo na totalidade de relações que 
o determinam, sejam elas de nível econômico, social, cultural, etc. (op.cit., 
p.123), grifos meus. 
 
 
 
 
E também, nas palavras de Frigotto (1995, p.28): 
 
A totalidadeconcreta, como nos adverte Kosik (1978), não é tudo e nem é a 
busca do princípio fundador de tudo. Investigar dentro da concepção da 
totalidade concreta significa buscar explicitar, de um objeto de pesquisa 
delimitado, as múltiplas determinações e mediações históricas que o 
constituem. A historicidade dos fatos sociais consiste fundamentalmente na 
explicitação da multiplicidade de determinações fundamentais e secundárias 
que os produz. 
 
 
 
 
Sob este prisma, o objeto através do qual se mobiliza este estudo - o diálogo entre a 
pedagogia freireana e a psicologia histórico-cultural - requer um cuidadoso recorte que, ao 
mesmo tempo em que focalize o objeto, não o isole das inúmeras possibilidades de relações 
pelas quais se compõe, por assim dizer, a totalidade na qual se insere. 
 
Trata-se do estudo de um diálogo possível entre duas teorias cuja gênese encontra-se 
marcada por tempos, lugares e vivências contextuais, por processos de ordem política, 
econômica, cultural e ideológica ao mesmo tempo distintos e semelhantes, pois guardam 
coincidências importantes especialmente se tomado como ponto em comum o compromisso 
explícito que ambas têm com a educação. 
 
O foco de análise está ancorado no materialismo histórico-dialético. O que implica 
esclarecer que se trata do esforço de não dissociar o campo da ciência da história 
(materialismo histórico) do campo da dialética materialista como teoria do conhecimento ou 
filosofia marxista (ALTHUSSER, 1969 apud PINO, 2000) 
 
O materialismo dialético não é só método [...]. Ele é também uma teoria, ou 
seja, um complexo conceptual que permite pensar um objeto. É teoria e 
método, como elementos interligados e aspectos diferentes de uma mesma 
realidade. Não só teoria, pois não escaparia do dogmatismo das teorias 
18 
 
 
 
clássicas da filosofia do conhecimento. Não só método, pois perderia o 
estatuto de ciências que precisa de um objeto. [...] Como diz Althusser, “no 
materialismo dialético pode-se considerar, esquematicamente, que é o 
materialismo o que representa o aspecto da teoria, enquanto que a dialética 
representa o aspecto do método” (1969, p.46). Um remete ao outro. É o 
materialismo que confere à dialética seu caráter histórico, pois expressa os 
princípios das condições concretas da produção do conhecimento, ou seja: a.) 
distinção entre o real e o conhecimento desse real e b.) a primazia do real 
sobre o conhecimento. O primeiro desses princípios, além de permitir escapar 
das concepções racionalistas e empiricistas, implica no fato de que entre o 
real e o conhecimento desse real existe um distanciamento em que opera a 
atividade produtiva do sujeito. O segundo faz do real o ponto de partida do 
conhecimento [...] um ponto de partida que não se perde no processo de 
produção do conhecimento. O objeto de conhecimento não é o real em si, 
tampouco um mero objeto de razão. Ele é o real transformado pela atividade 
produtiva do homem, o que lhe confere um modo humano de existência. 
(PINO, 2000, p. 50-51). 
 
Produzir conhecimento, fazer ciência, pois, é um ato de produção humana. É atividade 
produtiva do ser humano. Isso confere à ciência o seu caráter histórico e provisório, real e 
contraditório. 
 
O método, analisa Frigotto (1994), está vinculado a uma concepção de realidade, de 
mundo e de vida no seu conjunto. A questão da postura, neste sentido, antecede ao método. 
Este constitui-se numa espécie de mediação no processo de aprender, revelar e expor a 
estruturação, o desenvolvimento e transformação dos fenômenos sociais. 
 
[...] se quiser pesquisar a estrutura da coisa e quiser perscrutar “a coisa em 
si”, se apenas quer ter a possibilidade de descobrir a essência oculta ou a 
estrutura da realidade – o homem, já antes de miciar qualquer investigação, 
deve necessariamente possuir uma segura consciência do fato de que existe 
algo susceptível a ser definido como estrutura da coisa, essência da coisa, 
“coisa em si”, e de que existe uma oculta verdade da coisa, distinta dos 
fenômenos que se manifestam imediatamente. (KOSIK, 1975, p. 17). 
 
É nisso que está implicado o detour de que fala Kosik. Fazer um detour é fazer um 
desvio – como indica o próprio autor - no esforço de descobrir a verdade que, por ser histórica, 
é também provisória. Explicita o autor: 
 
Como as coisas não se mostram ao homem diretamente tal como são e como 
os homens não tem a faculdade de ver as coisas diretamente na sua essência, 
a humanidade faz um detour para conhecer as coisas e a sua estrutura. 
Justamente porque tal detour é o único caminho acessível ao homem para 
chegar à verdade, periodicamente a humanidade tenta poupar-se o trabalho 
desse desvio e procura observar diretamente a essência das coisas [...]. com 
isso corre o perigo de perder-se ou de ficar no meio do caminho, enquanto 
percorre tal desvio. (KOSIK, 1975, p. 27) (grifos do autor). 
19 
 
 
Produzir conhecimento, sob o prisma do materialismo histórico-dialético, implica 
reconhecer a dialeticidade: a) do objeto enquanto objeto em si a ser conhecido, compreendido 
no movimento contraditório e histórico em que se processa; b) do sujeito que, distanciando-
se do objeto para sobre ele debruçar-se, realiza uma atividade de produção que, no âmbito do 
gênero humano, pode ser compreendida como atividade vital humana, tal como definida por 
Marx, ou seja, atividade através da qual se garantem os aspectos fundamentais da existência 
humana, não apenas como espécie mas 
como gênero
5
, como ser social cuja humanização depende da apropriação das 
objetivações humanas presentes nas relações sociais. 
 
Ocorre que, nas ciências humanas, a separação entre sujeito e objeto do conhecimento 
é tarefa árdua, visto que, no mais das vezes, ambos estão no mesmo campo e ambos são, à 
luz da dialética materialista, construtos sociais, portanto históricos e contraditórios. 
 
O desafio está em manter a coerência da análise observando os critérios da dialética 
como método e do materialismo como teoria, tal como explicitado na citação de Pino, 
destacada anteriormente, sem que isso signifique um engessamento do objeto num quadro 
teórico de análise, mas, ao contrário, que, exatamente por assumir o compromisso com um 
viés dialético materialista, tenha na teoria um campo de mediação necessário para a leitura 
dos processos que se apresentam no objeto que, neste caso, é ciência humana. 
 
[...] não considera os produtos fixados, as configurações e os objetos, todo o 
conjunto do mundo material reificado, como algo originário e independente. 
Do mesmo modo como assim não considera o mundo das representações e 
do pensamento comum, não os aceita sob seu aspecto imediato: submete-os 
a um exame em que as formas reificadas do mundo objetivo e ideal se 
diluem, perdem a sua fixidez, naturalidade e pretensa originalidade, para se 
mostrar como fenômenos derivados e mediatos, como sedimentos e 
produtos da práxis social da humanidade. (KOSIK, 1975, p. 20). 
 
 
 
 
Assim, se tomado o nível da aparência ou manifestação imediata do fenômeno – no caso a 
relação psicologia histórico-cultural e pedagogia freireana -, arriscar-se-ia afirmar uma quase 
direta relação entre ambas visto que pertencem ao campo das teorias 
 
 
5 
Como gênero humano entendo toda produção referida à história e às formas de relações sociais 
constitutivas e constituídas pela humanidade. Ver, a esse respeito, Duarte (1993) 
20 
 
 
críticas
6 
cujo fundamento ancora-se no materialismo histórico-dialético. Entretanto, 
comungando com o pensamento de Paulo Freire, o óbvio precisa ser explicitado para que seja,de fato, notado, transformado-se em algo “para si”. E, com o argumento marxista de Vigotski 
(1996a) e de Kosik (1975, p.17), é preciso fazer um detour, mesmo porque, se aparência e 
essência coincidissem, dizem os autores citando Marx e Engels, a investigação se tornaria 
inócua. “Se a aparência fenomênica e a essência das coisas coincidissem diretamente, a 
ciência e a filosofia seriam inúteis.”
7 
KOSIK (1975, p.17) e acrescenta: 
 
Não é possível compreender imediatamente a estrutura da coisa ou a coisa 
em si mediante a contemplação ou a mera reflexão, mas sim mediante uma 
determinada atividade. Não é possível penetrar na “coisa em si” responder à 
pergunta – que coisa é a “coisa em si”? – sem análise da atividade mediante 
a qual ela é compreendida; ao mesmo tempo, esta análise deve incluir 
também o problema da criação da atividade que estabelece o acesso à “coisa 
em si”. Estas atividades são os vários aspectos ou modos de apropriação do 
mundo pelos homens. (op. Cit., 1975 p. 28). grifos do autor 
 
 
 
 
Neste caso, o caminho de busca de possíveis respostas, o detour, inicia no momento 
em que se colocam indagações acerca tanto do processo de construção do 
 
6 A expressão “Teoria Critica” deve ser compreendida, nos limites desse estudo, tendo como base inicial 
o referencial marxista. Além disso, o emprego do termo também está relacionado às reflexões advindas 
da Escola de Frankfurt que, através dos seus vários filiados, vai, ao longo do tempo, construindo um 
referencial importante para a expressão Teoria Crítica cujas características centrais podem ser, 
talvez, colocadas a partir de duas idéias ou princípios: a.) a Teoria Crítica coloca-se em oposição 
crítica ao que se concebe como Teoria Tradicional, sendo que esse último conceito ganha 
contornos diferenciados em tempos e contexto igualmente distintos. A Teoria Tradicional pode reportar 
ao conhecimento produzido pela modernidade capitalista, à economia política e a estrutura de mercado 
que se instala a partir do advento da lógica capitalista de sociedade. A Teoria Crítica fará a análise da 
ciência moderna apontando os caminhos que não deverão ser seguidos por esta. b.) A Teoria Crítica tem 
sentido de denúncia e de anúncio (FREIRE), ou seja, trata-se de um dizer e de um fazer. De descrever o 
mundo social e, sem se reduzir a isso, desenvolver perspectivas de transformação dentro das condições 
concretas de existência. Ainda, como destacado por Nobre (2004), citado em Jahen (2005, p. 
29) “[...] a orientação para a emancipação e o comportamento crítico são os princípios fundamentais da 
teoria crítica. A orientação para a emancipação constitui-se na base e é o que confere sentido ao trabalho 
teórico. Significa que “a teoria não pode se limitar a descrever o mundo social, mas deve examiná-lo sob 
a perspectiva da distância que separa o que existe das possibilidades nele embutidas e não realizadas, [...] 
à luz da carência do que é frente ao melhor que pode ser.” Neste sentido, ambas as teorias em estudo 
apresentam um olhar comum que as caracteriza e as filia no terreno das Teorias Críticas: tanto a 
pedagogia freireana como a psicologia histórico-cultural, embora por caminhos diferentes, têm uma 
orientação clara para a emancipação do homem concebido como um sujeito situado em termos sociais, 
históricos e culturais. Além disso, ao mesmo tempo em que se posicionam radicalmente frente à produção 
da ciência, radicalidade essa demonstrada na capacidade de olhar para si mesma e a partir de um lugar 
definido estabelecer considerações sobre outros saberes apontando seus limites e possibilidades, 
apontam caminhos de superação daquilo que criticam. Nisso reside uma das principais características que 
unificam Freire e Vigotski. Ambos, antes de apresentar suas teses e suas proposições, resgatam as 
contribuições e os limites daquilo que criticam, o que é, por si, uma lição sobre como fazer ciência sob o 
enfoque dialético-materialista. 
7 “[...} se os homens apreendessem imediatamente as conexões, para que serviria a ciência? “ (MARX e 
ENGELS). 
21 
 
 
conhecimento pelos sujeitos quanto acerca dos processos de constituição do próprio sujeito 
que emite a palavra no âmbito da prática pedagógica de base freireana. E, olhando esse 
processo a partir do enfoque histórico-cultural da psicologia, inicia um movimento de 
interrogações a respeito da possibilidade de diálogo efetivo entre ambas as teorias, marcado 
sobretudo pela necessidade de verificar cruzamentos possíveis entre os campos conceituais 
fundamentais. 
 
No âmbito da educação escolar orientada para a libertação humana, coloca-se 
fortemente o desafio de compreender o sujeito humano como síntese de relações sociais e, no 
interior dessa leitura, o desafio de transformar a fala desses sujeitos situados historicamente 
em conteúdo mediador de novas interpretações da realidade. Aqui se colocam questões do 
tipo: Como interpretar a representação humana sobre a realidade? Que elementos se colocam 
como fundamentais ou imprescindíveis para essa tarefa? Como fala e conteúdo transformam-
se em instrumento mediador da leitura do mundo? 
 
Afinal, na medida em que Freire propõe e defende que a organização da práxis 
pedagógica libertadora só se efetiva observando a manifestação do mundo pela palavra 
pronunciada por sujeitos humanos situados em termos históricos, não estaria pressupondo 
uma abordagem histórico-cultural do desenvolvimento humano tal como defendida por 
Vigotski e seus colaboradores?
8
 
Na medida em que trabalha a idéia de, a partir da práxis libertadora, elevar a 
consciência ingênua ao nível da consciência máxima possível
9
, não dialogaria com as formas 
culturais de pensamento cuja compreensão exige situar o homem em termos sócio-históricos? 
Não abriria espaço de diálogo com uma psicologia que concebe a consciência como um 
reflexo psíquico cuja gênese só pode se encontrar na vida, na 
atividade do sujeito inserido numa dada realidade sócio-histórica e cuja realização traduz um 
movimento de deslocamento do sujeito em relação aos processos sociais e culturais 
vivenciados? 
 
 
 
8 Para os propósitos deste estudo, o nome de Vigotski está sempre associado ao de seus colaboradores, 
especialmente, Alexander Luria e Alexei Leontiev. Dessa forma, as expressões: psicologia histórico- 
cultural, Vigotski e colaboradores ou somente Vigotski referenciam a Tróika da psicologia soviética, 
evidentemente resguardadas as diferenças entre estes pensadores, tema que não é tratado nos limites 
desta pesquisa. 
9 Consciência ingênua e consciência máxima possível são categorias utilizadas e desenvolvidas por Paulo 
Freire e que serão devidamente aprofundadas nos capítulos desta tese. 
22 
 
 
E, ainda, na medida em que coloca que a elevação da consciência como resultado do 
trabalho pedagógico escolar só se efetiva pela mediação de conteúdos fortemente articulados 
com a realidade vivida e significada pelo sujeito, possibilitaria uma aproximação forte com a 
idéia de elaboração conceitual tal como proposta por Vigotski? 
 
O olhar sobre tais questões, somado à crença de que o desenvolvimento humano 
constitui-se como fenômeno mediado socialmente e que para tal, concordando com a escola 
de Vigotski, a organização dos processos pedagógicos na escola tem particular importância, 
aproxima e fomenta uma inquietação para a investigação em torno de um diálogo possível 
entre a pedagogia de Paulo Freire e a abordagem histórico-cultural de Vigotski e 
colaboradores. 
 
Assim, colocam-se como fontes inspiradoras iniciais reflexões como: a Escola de 
Vigotski tem como base teórico-epistemológica o materialismo histórico-dialético. Freire e 
toda sua reflexãoe ação denotam a moldura materialista histórica e dialética de sua obra. Que 
encontros são possíveis aqui? 
 
A partir desses questionamentos e de um intenso trabalho de aprofundamento e 
investigação, estruturou -se o presente relatório no formato de quatro capítulos. 
 
O primeiro capítulo procura situar o encontro entre a pedagogia freireana e a 
psicologia histórico-cultural, no contexto histórico da relação entre pedagogia e psicologia. 
A intenção é explicitar, nos meandros de um quadro contextual básico, em que consiste o 
diálogo proposto, demonstrando a diferença que este encontro pode significar para a educação 
escolar. 
 
Situado o tema no contexto histórico, o presente estudo foca a atenção na verificação 
de quais diálogos se sustentam entre psicologia histórico-cultural e pedagogia freireana. A 
reflexão desencadeada a partir daqui compõe o segundo capítulo e procura, 
fundamentalmente, refletir as bases teóricas para o diálogo proposto, alicerçado em três 
categorias centrais de análise consideradas articuladoras do diálogo proposto: o trabalho, a 
linguagem e a consciência. 
 
De outro lado, a questão referida acima gera a necessidade de olhar cuidadosamente 
para os conceitos centrais da abordagem histórico-cultural e o modo 
23 
 
 
como cada um deles dialoga (ou não) com aspectos teóricos trabalhados pela pedagogia 
freireana. Pois, se a psicologia histórico-cultural parte do pressuposto de que o humano se faz 
nas e pelas relações sociais, se é a partir do lugar que ocupa nessas relações que constrói 
significados para a vida e esses significados são emitidos na fala e é a fala um instrumento 
central da organização pedagógica segundo Freire, então, esta pedagogia se constituiria em 
campo de mediação que a colocaria (a psicologia histórico-cultural) no fazer escolar, na práxis 
pedagógica, como ferramenta fundamental de organização de processos de ensino e de 
aprendizagem. 
 
Compõem esse quadro inquisitório também reflexões como: a pedagogia freireana 
tem como pressuposto teórico-metodológico o método dialético para o qual o conhecimento 
deve ter como ponto de partida e de chegada a prática social dos sujeitos historicamente 
situados. Prática para Freire é práxis, na medida em que compreende que a ação humana é 
sempre uma ação com reflexão. 
 
Por sua vez, a psicologia histórico-cultural, ao tratar dos processos de elaboração 
conceitual, insiste na necessária relação entre pensamento e realidade como caminho para a 
apropriação de formas culturais, simbólicas de pensamento e desenvolvimento de funções 
psicológicas tipicamente humanas. A necessidade de interpretação de falas da comunidade 
escolar colocada pela pedagogia freireana demanda uma compreensão acerca dos processos 
de linguagem cujos aportes teóricos fundamentais, para estar em coerência com a perspectiva 
freireana, estariam em Lev. S. Vigotski e Mikhail Bakhtin. Este entendimento sugere uma 
comunhão entre pedagogia freireana e abordagem histórico-cultural da psicologia? Em que 
medida? Essa preocupação está na origem da organização e da reflexão pretendida no terceiro 
capítulo deste estudo. 
 
No quarto capítulo, realizo uma incursão pelos meandros da escola, compreendida 
então como espaço efetivo de materialização do diálogo entre a pedagogia freireana e a 
psicologia histórico-cultural. Aqui cruzam-se, por assim dizer, os aspectos teórico-
metodológicos da concepção de Paulo Freire e as proposições acerca da aprendizagem e do 
desenvolvimento humano, do papel do outro e o lugar da escola como instrumento fulcral 
para o desenvolvimento de modos tipicamente humanos de pensar, efetuados por Vigotski. 
24 
 
 
Por fim, nas considerações finais, procuro refletir acerca da relevância do tema no 
contexto educacional atual, marcado pelas importantes mudanças do mundo globalizado, e 
apontar algumas possibilidades efetivas de, em que pesem as controvérsias da 
contemporaneidade, alimentar a esperança ativa (Freire) na direção da luta e conquista 
permanente de espaços onde o ato de educar seja, um ato de transformação dialética, 
simultaneamente, da sociedade e dos sujeitos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO I 
 
 
PSICOLOGIA E PEDAGOGIA, VIGOTSKI E FREIRE: REFLEXÕES 
INICIAIS 
 
 
 
 
 
 
Quando me refiro à especificidade da relação psicologia histórico-cultural – pedagogia 
freireana, pretendo sublinhar que, entre outras fortes razões, o diálogo entre ambas pressupõe 
um processo interativo entre duas áreas do conhecimento que comungam de uma posição 
teórico-epistemológica e política de defesa do homem como ser em transformação, produto e 
processo do movimento dialético das relações sócio-culturais nas quais se encontra imerso. 
 
 
Trata-se, pois, de identificar o lugar-comum a partir do qual ambas se colocam como 
concepções críticas do conhecimento e do desenvolvimento histórico-social. A expressão 
“concepção crítica” implica, nos limites deste estudo, compreender que se concebem o homem 
e os processos sociais por ele construídos e dele constitutivos, como fenômenos complexos 
mas, sobretudo, situados e circunstanciados historicamente. O que impõe como princípio a 
crença na realidade material movendo-se dialeticamente a partir de uma característica 
fundamental: a contradição. 
 
 
25 
 
Assim, quando se diz “o homem é um ser social”, como preconizam tanto a psicologia 
histórico-cultural quanto a pedagogia freireana, diz-se igualmente que, deste lugar-comum de 
ambas as teorias, o homem é um ser ativo, social e histórico. Por sua vez, a sociedade e a 
trama de relações que a caracterizam, é produção histórica, feito da 
26 
 
 
 
humanidade articulada pelo trabalho, pela produção dos meios de vida material, pela produção 
das idéias como representações da realidade criada por essa mesma humanidade 
 
 
Notadamente, esse lugar-comum de onde tomam posição no cenário teórico e social a 
pedagogia freireana e a psicologia histórico-cultural, se de um lado demarca o parâmetro da 
reflexão aqui empreendida, de outro não constitui-se único e tampouco hegemônico. Antes é 
o lugar da crítica e da construção efetiva da crença de que a essência humana não é inata e 
imutável, e também não é fruto das pressões de um meio imediato e destituído de história. A 
essência humana é “o conjunto das relações sociais” (MARX; ENGELS, 1993, 
p. 13). Assumir esse princípio implica o reconhecimento de que “Toda a vida social é 
essencialmente prática. Todos os mistérios que levam a teoria para o misticismo encontram 
sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis.” (o.c., p.14). 
 
 
No âmbito do funcionamento psicológico do ser humano, isso implica 
 
 
[...] sair dos limites do organismo, buscar as origens desta vida consciente e do 
comportamento “categorial”, não nas profundidades do cérebro ou da alma, mas 
sim nas condições externas da vida e, em primeiro lugar, na vida social, nas formas 
histórico-sociais da existência do homem. (VIGOTSKI apud LURIA, p. 21). 
 
 
Sob este olhar, a prática pedagógica focaliza a necessidade de compreender o processo 
de aprendizado como um movimento de atividade do sujeito a partir da reflexão mediada sobre 
a prática social desse mesmo sujeito. Logo, os encaminhamentos ou as estratégias pedagógicas 
daí decorrentes deverão privilegiar atividades de interação, diálogo e apropriação ativa do 
conteúdo capazes de contribuir para a ressignificação da realidade na qual estão imersos os 
sujeitos e através da qual se constituem como gênero humano. 
 
 
Reconhecidamente isso não tem sido assim ao longo da históriada relação psicologia 
– pedagogia neste processo. Daí que (re) conhecer as possibilidades de diálogo entre a 
psicologia histórico-cultural e a pedagogia freireana traz consigo, entre outras demandas 
importantes, a necessidade de compreender essa relação no interior de uma outra: a que se 
dá historicamente entre psicologia e pedagogia em termos gerais como duas 
27 
 
 
 
áreas do saber humano que coexistem e se fundem de modos diferenciados ao mesmo tempo 
em que traduzem as marcas dos contextos sociais, políticos, econômicos e culturais através 
dos quais se constituíram. 
 
 
 
 
 
1.1. Psicologia histórico-cultural e pedagogia freireana: reconhecendo o objeto 
no contexto histórico da relação psicologia – pedagogia 
 
 
É importante observar que, ao tratar da relação pedagogia – psicologia, se está tratando 
de concepções de mundo, de concepções de desenvolvimento humano, de modos de conceber 
os processos de aprendizagem e desenvolvimento humano, entendidos aqui como tarefa 
educacional fundamentalmente escolar. Tendo a escola como instituição social por excelência, 
designada para este fim. 
 
 
Assim, se tomada a relação pedagogia-psicologia desde os tempos mais remotos, pode-
se verificar com relativa facilidade as marcas recíprocas que ambas carregam ao longo da 
história. 
 
 
Autores como GhirardellI (1987) ,Bock ( 1995), Cambi (1999) lembram que, desde a 
Grécia Antiga, quando a psicologia não tinha vida própria como ciência e era um dos inúmeros 
campos da filosofia, e a pedagogia constituía tarefa de escravo condutor de crianças de castas 
abastadas para seus preceptores; passando pela Idade Média, contexto cuja marca principal 
traduz-se pelo domínio do Cristianismo e que, entre outras questões importantes, colocou a 
filosofia (e a psicologia) numa posição de submissão ao poder da igreja e fez do escravo um 
pedagogo preceptor e das poucas escolas existentes espaços de transmissão pura e simples dos 
conteúdos tidos como verdades absolutas e universais; as reflexões acerca da razão humana, 
do modo humano de aprender e desenvolver ainda 
28 
 
 
fortemente impregnadas pelas matrizes idealistas e empiristas da filosofia influenciaram 
sobremaneira a organização de processos pedagógicos desde a antiguidade.
1
 
 
No contexto da Idade Média, mais especificamente, a hegemonia das concepções 
filosóficas de base idealista favoreceram e fomentaram a crença numa humanidade inata e 
imutável, num universo hierárquico e naturalmente organizado, harmônico, estável, sob o 
comando de uma divindade onipresente, onipotente e masculina. Ou, no dizer de Bock (2002, 
p.18), 
 
 
Um mundo paralisado, no qual cada um já nascia no lugar que deveria ficar. Um 
universo que tinha a terra como centro. Um mundo de fé e dogmas religiosos que 
ofereciam aos homens idéias prontas e valores a serem adotados. Um mundo que 
desconheceu individualidades, impedindo que os sujeitos se constituíssem como 
tais. Um mundo que não precisou da psicologia. 
 
 
A demanda por uma psicologia e por uma pedagogia como ciência é um feito da 
modernidade. Aqui, ao contrário do contexto anterior, a psicologia se torna necessária na 
medida em que o modelo capitalista de produção requer um novo indivíduo, um “novo 
homem”, como ser produtivo e consumidor, crente nas suas possibilidades individuais como 
única força propulsora do seu sucesso social. 
2 
Esse contexto coloca tanto a 
psicologia quanto a pedagogia num patamar diferenciado em termos de desenvolvimento como 
ciência. Notadamente observados aí os marcos estruturais dos idos de emergência da burguesia 
como classe hegemônica e do pensamento liberal como aporte teório-ideológico fundamental 
da era capitalista, cuja organização deixará marcas indeléveis na ciência psicológica e na 
ciência pedagógica. Como sublinha Bock (2000, p.15). 
 
 
1 
Não cabe aqui um aprofundamento dessa reflexão acerca da história da pedagogia e da psicologia. Sobre 
isso há vários estudos importantes a serem consultados e que fazem de modo competente o resgate dessas 
ciências nos diferentes contextos da sociedade humana. Entre os inumeráveis cito fundamentalmente: na 
pedagogia Cambi (1999) e na psicologia Bock (1995 e 2002), já indicados no texto. 
2 É ilustrativa a esse respeito a lenda do Barão de Münchhausen recuparada por Michael Löwy (1987) na obra 
As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen. São Paulo: Busca Vida. A análise dessa história de 
um ponto de vista psicológico é realizada por Ana Bock no livro Aventuras do Barão de Münchhausen na 
psicologia São Paulo: Cortez, 1999. Conta o Barão: “ Uma certa vez quis saltar um brejo mas, quando me 
encontrava a meio caminho, percebi que era maior do que imaginava antes. Puxei as rédeas no meio do meu 
salto, e retornei à margem que acabara de deixar, para tomar mais impulso. Outra vez me saí mal e afundei no 
brejo até o pescoço. Eu certamente teria perecido se, pela força do meu próprio braço, não tivesse puxado 
pelo meu próprio cabelo preso em rabicho, a mim e a meu cavalo que segurava fortemente entre os joelhos. 
29 
 
 
 
A psicologia tem muitos anos de existência, pois, o marco que temos considerado 
para a sua instituição enquanto área específica na ciência é o ano de 1875. As 
condições para a construção da Psicologia encontram-se, pois, no século XIX. Nesse 
período a burguesia moderna ascende enquanto classe social. Todas as 
transformações daí decorrentes são consideradas condições históricas para o 
surgimento da ciência moderna e posteriormente da Psicologia. A ênfase na razão 
humana, na liberdade do homem, na possibilidade de transformação do mundo 
real e a ênfase no próprio homem foram características do período de ascensão da 
burguesia que permitiram uma ciência racional, que buscou desvendar as leis da 
natureza e construir um conhecimento pela experiência e pela razão. Um método 
científico rigoroso permitia ao cientista observar o real e construir um 
conhecimento racional, sem interferência de suas crenças e valores. Assim, surge 
a ciência moderna: experimental, empírica, quantitativa. 
 
 
Sob esse olhar, um marco importante e que pode ser definido ponto de partida para 
uma análise da relação psicologia – pedagogia está nas chamadas revoluções burguesas 
(França e Inglaterra). Seguramente, aqui emergem com vigor significativo novos modos de 
produzir, distribuir e pensar a organização social, os valores e os comportamentos adequados 
ao sucesso da sociedade emergente. Como alerta Hobsbawm (1982), para compreender o 
processo e o significado histórico da implementação da lógica liberal de sociedade e de 
mercado, é sugestivo iniciar pela tese da revolução sem precedentes promovida pelo advento 
do modo capitalista. Revolução esta comparável aos grandes momentos de conquistas da 
humanidade como a invenção da agricultura e da metalurgia, da escrita, da cidade e do Estado. 
Em suma, como lembra Patto (1996), o capitalismo mudou a face do mundo: 
 
 
[...] até o final do século XIX praticamente varreu a monarquia como regime 
político, destituiu a nobreza e o clero do poder econômico e político, inviabilizou a 
relação servo-senhor feudal enquanto relação de produção dominante, empurrou 
grandes contingentes de populações rurais para os centros industriais, gerou os 
grandes centros urbanos com seus contrastes, veio coroar o processo de 
constituição dos estados nacionais modernos e engendrou uma nova classe 
dominante – a burguesia – e uma nova classe dominada – o proletariado. 
(op.cit..p.11). 
 
 
Assim, num cenário de mudanças rápidas para seu tempo, a lógicahegemônica que se 
instala amparada no pensamento liberal e na ciência positivista cuidadosamente cria as 
condições materiais e culturais para sua própria manutenção e reprodução. De modo 
 
Raspe, s/d., p. 40. citado em Bock, 1999, p.12), grifos da autora. A idéia de um autonomia quase absoluta 
sintetiza a visão liberal de homem presente na ciência positivista e na ideologia do capitalismo moderno. 
30 
 
 
 
particular, no campo da produção do conhecimento, algumas características importantes 
merecem destaque e observância, dado que sua materialização constitui, ainda na 
contemporaneidade, argumentos presentes nas práticas pedagógicas e psicológicas. Como 
destaca Bock (2000, p. 15-16), a ciência moderna nascente e que se constitui hegemônica é 
 
 
[...] positivista, porque se constitui como sistema baseado no observável; 
racionalista, pela ênfase na razão como possibilidade de desvendar as leis naturais; 
mecanicista, porque se pautou na idéia do funcionamento regular do mundo, 
guiado por leis que poderiam ser conhecidas; associacionista, porque se baseou na 
concepção de que as idéias se organizam na mente de forma a permitir associações 
que resultam em conhecimento; atomista, pela certeza de que o todo é sempre 
o resultado da organização de partes; e determinista, porque pensou o mundo 
como um conjunto de fenômenos que são sempre causados e que essa relação de 
causa-efeito pode ser descoberta pela razão humana. (grifos meus). 
 
 
É essa concepção de ciência que, majoritariamente, estará na base das abordagens 
psicológicas e pedagógicas ao longo desse processo histórico. Por conta dessa feição da 
ciência, fortalece-se sobremaneira a crença no homem como indivíduo livre, sujeito de livre-
arbítrio, naturalmente capaz de decidir qual o seu lugar na engrenagem social. Logo, as 
condições materiais nas quais vivem os sujeitos passam a ser secundarizadas, tendo em vista 
que cada um determina o seu destino a partir de desejos próprios, individuais. 
 
 
O homem que surge com o advento do capitalismo é o indivíduo livre, sujeito de 
sua vida. O desenvolvimento das forças produtivas capitalistas põe em relevo o 
indivíduo, como possuidor de livre-arbítrio, capaz de decidir que lugar ocupar na 
sociedade. Isso é possível já que a nova sociedade se abre como um mercado no 
qual todos podem vender e comprar em função de seus próprios talentos. A 
necessidade de produzir mercadorias impõe aos homens uma participação na 
sociedade na forma de indivíduos, produtores e/ou consumidores de mercadorias. 
(GONÇALVES, 2002 p. 39). 
 
 
Nasce e se desenvolve, na era do capitalismo, a noção de “eu”, de individualização, de 
um mundo interno inerente a cada sujeito. Mundo para o qual se reivindicam respeito, 
liberdade e privacidade. Que demarca as possibilidades de cada sujeito na nova ordem social. 
Daí que cada um deve ser o que é, o que sua essência determina que seja. Constitui- se desse 
modo o terreno ideológico propício para justificar a sociedade a partir da individualização: 
uma boa sociedade faz-se de bons indivíduos, cada qual com seus 
31 
 
 
 
talentos, suas competências e cada qual em seu lugar, de modo que tudo funcione 
adequadamente. 
 
 
É neste cenário, inicialmente, que a psicologia científica pautada na teoria da evolução 
natural e na reificação da ciência cumpre, segundo Patto (1996), sua primeira tarefa social: 
 
 
[...] descobrir os mais e os menos aptos a trilhar ‘a carreira aberta ao talento’ 
supostamente presente na nova organização social e assim colaborar, de modo 
importantíssimo, com a crença na chegada de uma vida social fundada na justiça. 
Entre as ciências que na era do capital participaram do ilusionismo que escondeu 
as desigualdades sociais, historicamente determinadas, sob o véu das supostas 
desigualdades pessoais, biologicamente determinadas, a psicologia certamente 
ocupou lugar de destaque. (op.cit., p.36),grifos da autora. 
 
 
Não sem coincidência, estar mais ou menos apto para determinados talentos e ou 
espaços sociais, assemelha-se a estar adaptado aos valores, normas, modos de comportamento, 
hábitos e habilidades típicos da classe dominante, ascendente ao poder. 
 
 
Então, se antes o papel da psicologia consistia em “descobrir” os mais e os menos aptos, 
ou com mais “talento” para trilhar o caminho natural do mercado liberal que se instalava, 
agora, no contexto da globalização neoliberal, o papel consiste em trabalhar o 
desenvolvimento de competências e habilidades individuais sem as quais o sujeito se torna 
“inempregável”. 
3 
“Não por coincidência, o desprestígio do coletivo, a ideologia do 
descartável, do ‘ fim da história’, as ‘novas’ propostas educativas substituem o conceito de 
formação humana básica pela noção de competências individuais para o mercado.” 
(FRIGOTTO 2001, p. 11). 
 
 
As novas habilidades cognitivas requeridas pelo mercado de trabalho estão diretamente 
ligadas aos novos processos de organização da produção e das relações de 
 
3 Expressão cunhada nos idos da década de 90 e início desta, referindo-se à ausência de formação necessária 
ao novo perfil de trabalhador requerido pela lógica liberal de mercado que caminhava velozmente para a 
flexibilização dos processos de produção e das relações de trabalho. Há uma vasta produção acadêmica sobre 
esse movimento. De modo particular as leituras de Ciavatta (2001) Frigoto(2001) Ferretti (1994), Segnini(1992) 
Leite (1994) para citar algumas. 
32 
 
 
 
trabalho que, por sua vez, dada a conjuntura e a hegemonia liberal, determinam em larga escala 
as políticas educacionais cujos fundamentos estão igualmente alicerçados nas pedagogias e 
psicologias liberais, para ficar no tema proposto. 
 
 
Desse modo, seja no momento do advento do capitalismo, seja no momento de seu 
reordenamento global ora vivenciado, o produto final esperado da produção escolar é um 
homem completamente adequado ao funcionamento da sociedade capitalista. Este tem sido o 
marco da relação psicologia – pedagogia no contexto da hegemonia liberal capitalista desde 
seu surgimento. 
 
 
No âmbito dos processos de aprendizagem escolar, esse prisma conceptual tem 
determinado fortemente a organização seriada, a classificação via avaliação, enfim, uma gama 
de rituais escolares de certo modo fossilizados no comportamento pedagógico. Somada a isso 
está a idéia ainda forte no campo da pedagogia de que as competências humanas para o 
aprendizado são talentos individuais que, via escola, podem ser (ou não) afirmados. O 
resultado tem sido o fortalecimento do argumento pedagógico de que alguns são naturalmente 
aptos e se adaptam com muito mais facilidade que outros, considerados menos aptos. 
Naturaliza-se, assim, a subjetividade humana concebida como fenômeno a- histórico que, 
porque inerente a cada indivíduo, determina e acerta para cada um o seu lugar na engrenagem 
social. 
 
 
A escola e nela as práticas pedagógicas passam a constituir-se em terreno fértil para a 
propagação de crenças psicológicas que, ou por razões inatas ou por razões adquiridas, 
justificam as capacidades individuais para aprender ao mesmo tempo em que, privilegiando o 
individualismo, criam as condições necessárias para justificar a sociedade organizada sob a 
lógica liberal, ou seja, desobrigam a sociedade pelas possibilidades e/ou limites de cada um 
para a escolarização. 
 
 
Sob o enfoque inatista, alicerçado na filosofia idealista ou apriorista, a educação pouco 
ou nada pode fazer para alterar as determinações inatas de cada indivíduo. 
33 
 
 
 
Os processos de ensino só podemse realizar na medida em que a criança estiver 
“pronta”, madura para efetivar determinada aprendizagem. A prática escolar não 
desafia, não amplia nem instrumentaliza o desenvolvimento de cada indivíduo, 
pois, se restringe àquilo que já conquistou. Este paradigma promove uma 
expectativa significativamente limitada do papel da educação para o 
desenvolvimento individual, na medida em considera o desempenho do aluno 
fruto de suas capacidades inatas. O processo educativo fica assim na dependência 
de seus traços comportamentais ou cognitivos. Desse modo, acaba gerando um 
certo imobilismo e resignação provocados pela convicção de que as diferenças 
não serão superáveis pela educação. (REGO, 1995, p. 86 – 87) 
 
 
Por outro lado, as abordagens ambientalistas ou comportamentalistas, pautadas pela 
filosofia empirista, conduzem as práticas escolares à modelagem comportamental de modo a 
adequar o indivíduo, em termos morais e intelectuais, aos parâmetros sociais considerados 
ótimos. O professor é detentor do saber a ser transmitido e o aluno é o receptáculo que, via 
memorização, recebe um conjunto de saberes desconectados da vida e desarticulados entre si. 
É muito presente aqui a idéia de que tudo já foi inventado, descoberto pela ciência e que cabe 
ao aluno (sujeito passivo) apenas receber a informação e adequar-se a ela. 
 
 
Valoriza-se o trabalho individual, a atenção, a concentração, o esforço e a disciplina, 
como garantias para a apreensão do conhecimento. As trocas de informações, os 
questionamentos, as dúvidas e a comunicação entre os alunos, enfim, a interação 
entre pares, são interpretadas como falta de respeito, dispersão, bagunça, 
indisciplina e “conversas paralelas”. Dá-se portanto, privilégio à relação adulto-
criança. (REGO, 1995, p. 90) 
 
 
Sob o discurso da educação messiânica através da qual cada um pode galgar os degraus 
do sucesso, conseguir emprego, entrar no mercado de trabalho, a educação escolar, a exemplo 
dos processos produtivos, organiza-se por seriação, currículo próprio e pré- elaborado, 
conteúdos estáticos e reproduzidos como verdades absolutas da ciência positivista. 
 
 
Em termos comportamentais, para lembrar a estreita relação com a psicologia 
positivista, a pedagogia organiza espaços de modelagem do movimento corporal através de 
rituais próprios como: carteiras enfileiradas, corpos infantis e adolescentes, destinados ao 
acento duro e estreito por horas a fio, filas decrescentes (maiores à frente menores atrás), entre 
outros. 
34 
 
 
 
No aspecto mais específico da formação intelectual ou do desenvolvimento cognitivo, 
a pedagogia tratou de fortalecer práticas de repetição mecânica, pouco ou nenhum debate, 
crença na verdade do livro didático, perguntas e respostas do tipo “siga o 
modelo”. O que acabou favorecendo o desenvolvimento e o funcionamento psicológico 
estático, pouco flexível e apático.
4
O que se vê refletida na prática pedagógica escolar, 
comungando com Bock (2002), em sua reflexão crítica sobre a história da psicologia, é a 
incapacidade desta ciência de, 
 
 
[...] ao falar do fenômeno psicológico, falar de vida, das condições econômicas, 
sociais e culturais nas quais se inserem os homens. A Psicologia tem, ao contrário, 
contribuído significativamente para ocultar essas condições. Fala-se da mãe e do pai 
sem falar da família como instituição social marcada historicamente pela 
apropriação dos sujeitos; fala-se da sexualidade sem falar da tradição judaico-cristã 
de repressão à sexualidade; fala-se da identidade das mulheres sem falar das 
características machistas de nossa cultura; fala-se do corpo sem inseri-lo na cultura; 
fala-se de habilidade e aptidões de um sujeito sem se falar das suas reais 
possibilidades de acesso à cultura; fala-se do homem sem falar trabalho; fala-se do 
psicológico sem falar do cultural e do social. Na verdade, não se fala de nada. Faz-
se ideologia. (op.cit., p. 25) 
 
 
A contemporaneidade, por sua vez, experimenta novos movimentos. Uma crise 
paradigmática que, ao mesmo tempo em que questiona os fundamentos do humano, gera um 
espaço de novas possibilidades para as relações homem-mundo. Um novo momento histórico 
dentro do tempo da modernidade, denominado pós-modernidade,
5 
traduz hoje um 
conjunto de questionamentos relativos à ordem moderna. No âmbito do conhecimento e do 
desenvolvimento humano isso não seria diferente. Mesmo porque, o sujeito preconizado pelo 
apogeu da modernidade parece agora não mais responder às suas demandas estimadas na base 
da necessidade de um sujeito ativo, cooperativo, crítico, flexível e capaz de decisões. 
 
 
4 Há uma gama significativa de estudos que demonstram esse argumento. De modo particular, cito aqui 
Patto (1996), Moyses E Collares (1996) Arroyo (1997), entre outros. 
5 Não pretendo aqui uma análise pormenorizada da relação modernidade - pós-modernidade. Busco apenas 
situar a reflexão que preciso fazer em torno da relação pedagogia –psicologia no conjunto das relações 
históricas que a constitui e a engendra. Leituras focadas nesse tema podem ser buscadas em autores já citados 
em nota anterior. Limito-me a citá-los como fontes inspiradoras para análise do meu objeto nesta seção de 
estudo, e a utiliza-los como fundamento de minha posição em relação à temática da pós-modernidade no que 
tange aos aspectos da concepção de sujeito e decorrente disso, de concepções de ensino e aprendizagem, o 
que recorta o conteúdo para a relação pedagogia-psicologia. 
35 
 
 
 
Em torno da expressão pós-modernidade há um forte debate que, a meu ver, caracteriza 
também uma viragem no campo das ciências e das relações homem-universo. Além disso, este 
cenário “pós-moderno” constitui terreno fértil onde se processam revisões teóricas importantes 
por um lado e, por outro, visualiza-se uma espécie de metamorfose do sistema de produção 
capitalista que, em face de suas próprias criações materiais e simbólicas, reorganiza-se tendo 
em vista a própria sobrevivência. 
 
 
Contudo, é válido observar que se cria, no entorno da pós-modernidade, um campo de 
disputa ideológica através do qual se originam terrenos um tanto pantanosos para a reflexão e 
a construção de novas proposições no âmbito da práxis. Tal como Gonçalves (2002) e Frigotto 
(2001), concebo a expressão “pós modernidade” como indicativo de uma atualização histórica 
que ainda não implica no rompimento com os limites da modernidade, uma vez que, a análise 
tem se reduzido, no mais das vezes, à negação pura e simples, sem indicação de possibilidades 
de superação efetiva, o que acaba caracterizando essa negação como não dialética e como lugar 
a partir do qual muitos discursos outrora conservadores e extremistas acabam encontrando 
espaço de contestação via narrativas meramente lingüísticas que, em última instância, ocultam 
posições conservadoras. A crítica meramente discursiva da modernidade não caracteriza 
ruptura e por isso não é pós-moderna. Como bem ilustra Gonçalves (2002): 
 
 
[...] a modernidade é contraditória como expressão da contradição histórica que a 
engendrou, e aí ser “pós” à modernidade implicaria num posicionamento em 
relação aos antagonismos que ela encerra. Não é o que faz a “pós-modernidade” 
que tem um discurso crítico homogeneizador de negação (não dialética) de todas 
as metanarrativas. Mesmo quando se conservam algumas referências gerais da 
modernidade, como é o caso de pensadores que se apóiam na matriz marxista, as 
ressalvas e revisões propostas apresentam riscos de se desconsiderar aspectos 
essenciais da análise histórica [...] (op.cit., p. 54-55) 
 
 
Trata-se, pois, de ver a pós-modernidade a partir

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