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Malba Tahan: Cem anos de Matemática e Literatura Prof. Dra. Estela Kaufman Faiguelernt, 2006 “Ele produziu textos didticos primorosos, praticou e inovou muito o ensino de Matemtica, enfocando temas vibrantes, como o desenvolvimento cognitivo, a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade - que encantam os especialistas de hoje (...)”. .................................... Malba Tahan: Cem anos de Matemática e Literatura Prof. Dra. Estela Kaufman Faiguelernt Artigo apresentado no Simpsio de Malba Tahan, Queluz, 2006 Estamos comemorando o centenrio do famoso professor de Matemtica, Julio Csar de Mello e Souza, cujo pseud nimo Malba Tahan. Ele foi um verdadeiro Educador Matemtico, que nasceu no Rio de Janeiro em 06/05/1895. Passou toda sua infncia na buclica cidade paulista de Queluz. Malba Tahan era o quinto, dos nove filhos do casal Joo de Deus e Carolina de Mello e Souza, uma famlia de educadores. Sua me era professora e seu irmo caula, Jos Carlos de Mello e Souza tambm foi um excelente professor de Matemtica. Ao ensinar Matemtica, professor Jos Carlos transmitia filosofia de vida, sendo considerado por seus alunos o “mestre dos mestres”! Malba Tahan ou Julio Csar de Mello e Souza, concluiu seu curso de Engenharia Civil, mas jamais exerceu a profisso. Sua verdadeira vocao era o magistrio e ele foi professor por mais de sessenta anos. Iniciou sua carreira docente lecionando Histria, depois Geografia e Fsica. S mais tarde que passou a lecionar Matemtica. O gosto pela Matemtica foi despertado nas aulas do professor Henrique Csar de Oliveira Costa. Segundo seu irmo mais velho, Julio Csar, quando garoto no era bom aluno, nem em Portugus, nem em Matemtica. Era dispersivo nos estudos, mas gostava de contar estrias. Essa fato, contudo, no o impediu de se tornar autor de uma vasta obra literria. Escreveu e publicou mais de cento e vinte livros, a maioria com ensinamentos de Matemtica, em que fazia a unio da Matemtica com o ldico e o curioso. O professor Julio Csar de Mello e Souza foi professor do Colgio Pedro II, da escola Nacional de Belas Artes, do Instituto de Educao e de outros estabelecimentos de ensino. H quarenta anos tive o privilgio de ter sido sua aluna em um curso sobre Didtica da Matemtica e, hoje, quero testemunhar a influncia que ele exerceu na minha trajetria profissional como professora de Matemtica. Na poca em que me formei e comecei a lecionar, no me lembro de ter ouvido falar em Educao Matemtica. Passados quarenta anos, existem no Brasil mestrandos e doutorandos em Educao Matemtica. Tenho certeza de que um dos precursores dessa rea do conhecimento em nosso pas foi o professor Julio Cesar. Lembro-me de suas aulas alegres e divertidas, onde aprendamos brincando. Sua maneira de incentivar e aguar nossa criatividade, sua preocupao em fazer do ensino-aprendizado de Matemtica uma fonte de prazer, fazia com que os erros se tornassem acertos, ao mostrar que, analisando-os, podamos encontrar novos caminhos, raciocnios. muito comum hoje em dia, ao participarmos de seminrios, congressos e outros eventos sobre Educao Matemtica, ouvirmos falar em Histria da Matemtica, em Etnomatemtica, em diferentes correntes de ensino da Matemtica e em pedagogias centradas no natural interesse que a criana tem pelo ldico e pelo histrico. A maioria dessas observaes so relevantes, mas o que me surpreende a no incluso das obras de Malba Tahan nesses encontros – ele que foi um precursor de todas essas idias e prticas. Malba Tahan, inclusive, enriqueceu muito um dos maiores patrim nios que as crianas carregam - o imaginrio infantil-, que as escolas ainda teimam em ignorar, bloqueando a criatividade dos pequeninos. Ele produziu textos didticos primorosos, praticou e inovou muito o ensino de Matemtica, enfocando temas vibrantes, como o desenvolvimento cognitivo, a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade - que encantam os especialistas de hoje e que fazem parte de muitas pesquisas, de mbito nacional e internacional. Malba Tahan escreveu muitos livros que servem tanto para alunos como para professores, sendo o seu livro mais famoso “O homem que calculava”. A cada obra, ele nos surpreende com uma fonte inesgotvel de criatividade, com um verdadeiro tesouro de temas e personagens. Para ns, professores, ele ministrou cursos ensinando a maneira mais fcil de ensinar, isto , a arte de ensinar Matemtica. Escreveu tambm um livro muito especial, intitulado “Didtica da Matemtica”, onde ele tem a preocupao de trabalhar a didtica desde o conceito e importncia da Matemtica, at a relao da Matemtica com as outras cincias e com a vida. Lendo esse livro, aprendemos tambm a origem da palavra Matemtica, os objetivos e valores da Matemtica, assim como os procedimentos didticos e os mtodos clssicos de ensino. Ele, por exemplo, inicia o captulo de “Estudo dirigido”, com a locuo: “Afirmo que na escola, em lugar do mestre interrogar e o aluno responder, o acerto seria o aluno perguntar e o mestre esclarecer”. J, naquela poca, se fazia o estudo dirigido e o professor Julio Casar nos alertava sobre os trs conceitos, de natureza complexa, que se acham implcitos nessa atividade: 1- Ensino; 2- Estudo; e 3- Aprendizagem. Aprendemos tambm o mtodo do Laboratrio de Matemtica, as teorias do jogo, o jogo e a criana e as recreaes matemticas. Cito, a seguir, o exemplo de clculo “Quatro igual a cinco”, para ilustrar, de forma muito simples, como o professor Julio Casar ensinava Matemtica: Consideremos a igualdade: 4 - 4 = 5 - 5. Colocando, no primeiro membro, o fator 4 em evidncia e, no segundo, o fator 5, tambm em evidncia, obtemos: 4(1-1) = 5(1-1). Da, obtemos 4 = 5, pois cancelamos (1 – 1) em ambos os membros , o que exprime um absurdo. Pergunta-se, ento, de onde vem o absurdo? Resposta: o erro resultou da diviso de ambos os membros da igualdade por (1 – 1), que equivalente a zero. Aqui, a finalidade didtica foi chamar a ateno dos alunos para a seguinte proposio: “No podemos dividir ambos os membros de uma igualdade por zero, nem por quantidade equivalente a zero”. Assim, Malba Tahan ensinava. Em lugar de ditar as proposies, ele criava uma situao que despertava curiosidade, levando-nos a refletir e a chegar aos resultados. Ele no nos dava nada pronto. Quando errvamos, ele tinha uma maneira muito prpria de, com cuidado, nos incentivar a descobrir o erro e a corrigi-lo. Quando acertvamos, ele nos premiava com estrelas no caderno e nos aconselhava que fizssemos o mesmo com os nossos futuros alunos. Ele foi um mestre na arte de contar estrias. As estrias que ele criava eram deliciosas, misturas de fantasia e moralidade. Recordo-me, agora, do conto intitulado “A Geometria do amor”, que uma histria sobre uma tal Madame Stael, que aos 17 anos estava sendo educada num convento da Frana. Costumava ir visitar uma amiga, que vivia do outro lado da praa, para a qual dava uma das fachadas do convento. Um irmo dessa amiga insistia sempre em acompanh-la no regresso casa e a conduzi-la, ladeando duas faces da praa. Como as primeiras impresses causadas iam sempre perdendo o primitivo ardor, ele foi encurtando o caminho at que, por fim, adotou o caminho mais curto, seguindo pela diagonal da praa. Deste modo, argumenta a Madame Stael, “reconheci que seu amor por mim foi diminuindo, na proporo exata da diagonal para os dois lados da praa”. Com essa observao, de forma puramente Matemtica, quis a autora, talvez, revelar seu conhecimento sobre uma proposio famosa da Geometria: “a razo entre a medida da diagonal e a medida do lado do quadrado igual raiz quadrada da...”. Formulou, entretanto, uma comparao falsa, errada e inaceitvel em Geometria, continuava MalbaTahan. O conto no especifica o formato da praa. Logo, no existe uma proporo exata da diagonal para dois lados da praa. “Temos, que admitir, contudo, que o amor diminuiu, isso fato”, finalizava o ilustre professor. Queremos, aqui, ressaltar mais uma vez a maneira diferente com que os contedos eram apresentados pelo Professor Julio Cesar. Alm de prender nossa ateno, as histrias que contava, desafiava-nos em relao veracidade ou falsidade das afirmaes matemticas, ali, presentes. Personalidade atraente, conversador, simples, professor dedicado e envolvente, encantou geraes com seu talento de escritor e mestre, conseguindo tornar o ensino da Matemtica divertido e agradvel. Malba Tahan sempre procurou ensinar e instruir, ao mesmo tempo que procurava divertir. Criou mtodos prprios, desmistificando o ensino de Matemtica, tirando dessa disciplina o medo de aprender e a fama de difcil. As muitas histrias maravilhosas, cheias de sabedoria, em que revelava o mistrio da construo do pensamento matemtico, sempre nos surpreenderam. Obrigada, professor Julio Cesar de Mello Souza, por ter me ajudado a descobrir a beleza do caminho das pedras do Ensino da Matemtica.
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