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A Hipo´tese de Riemann: Um Problema de um Milha˜o de Do´lares Paulo Se´rgio C. Lino 1 Abril de 2012 1 - Introduc¸a˜o Figura 1: Bernhard Riemann Em agosto de 1900, o grande matema´tico David Hilbert inaugurou o Congresso Internacional de Matema´tica realizado em Paris, apresentando uma lista de 23 problemas que, segundo ele, ditariam o rumo dos exploradores matema´ticos do se´culo XX. De todos os desafios lanc¸ados por Hilbert, o oitavo tinha algo de es- pecial. Ha´ um mito alema˜o sobre Frederico Barba-Ruiva, um imperador muito querido que morreu durante a Ter- ceira Cruzada. Segundo a lenda, Barba-Ruiva ainda es- taria vivo, adormecido em uma caverna nas montanhas Kyffhauser, e so´ despertaria quando a Alemanha pre- cisasse dele. Conta-se que algue´m perguntou a Hilbert: ”E se, como Barba-Ruiva, voceˆ pudesse acordar 500 anos, o que faria?”Hilbert respondeu: Eu lhe perguntaria: ”Algue´m conseguiu provar a hipo´tese de Riemann?” Os matema´ticos sabem que a prova da hipo´tese de Riemann tera´ um significado muito maior para o futuro da matema´tica do que saber se a equac¸a˜o de Fermat tem ou na˜o tem soluc¸o˜es. Este problema matema´tico, procura compreender os objetos mais fundamentais da matema´tica - os nu´meros primos. A busca pela origem secreta dos primos ja´ dura mais de dois mil anos. Atualmente, e´ oferecida uma recompensa de um milha˜o de do´lares para a soluc¸a˜o da hipo´tese de Riemann. Em 1997, Andrew Wiles recebeu 75 mil marcos por sua prova do u´ltimo teorema de Fermat, grac¸as a um preˆmio oferecido por Paul Wolfskehl em 1908. Durante gerac¸o˜es, os matema´ticos estiveram obcecados pela tentativa de prever a localizac¸a˜o precisa do pro´ximo nu´mero primo, produzindo fo´rmulas que gerassem esses nu´meros. Por exemplo, em 1772, Euler observou que a expressa˜o p(n) = n2 + n + 41, produz nu´meros primos para 0 ≤ n ≤ 39. Carl F. Gauss, teve uma ideia inovadora e deparou com uma espe´cie de padra˜o ao fazer uma pergunta mais ampla buscando descobrir a quantidade de primos entre um e um milha˜o em vez de localizar os primos com precisa˜o. Apesar da importaˆncia dessa descoberta, Gauss na˜o a revelou a ningue´m, mas um de seus alunos, Riemann, foi quem realmente desatou toda a forc¸a das harmonias 1O autor e´ mestre em matema´tica pura pela UFSCar e articulador do blog Fatos Matema´ticos. 1 ocultas por tra´s da cacofonia desses nu´meros. O pai de Riemann, que era o pastor de Quickoborn, tinha muitas expectativas em relac¸a˜o ao filho. Embora Bernhard Riemann fosse infeliz na escola, trabalhava firme e era muito dedicado a na˜o decepcionar seu pai. Pore´m, tinha de lutar contra um perfec- cionismo quase incapacitante. Schumalfuss foi quem encontrou uma maneira de animar o jovem a explorar sua obsessa˜o pela perfeic¸a˜o, oferecendo a Riemann sua biblioteca, com uma o´tima colec¸a˜o de livros de matema´tica, onde o rapaz poderia escapar das presso˜es sociais dos colegas. A fam´ılia de Riemann era pobre, e o pai de Bernhard esperava que o filho tambe´m entrasse na vida clerical, o que lhe faria uma fonte de renda regular com a qual poderia sustentar suas irma˜s. A u´nica universidade do Reino de Hanover que oferece a ca´tedra de teologia - a Universidade de Go¨ttingen - na˜o era um desses novos estabelecimentos, havendo sido fundada mais de um se´culo antes, em 1734. Assim, atendendo aos desejos de seu pai, Riemann rumou, em 1846, para a u´mida Go¨ttingen. Em 1859, George F. B. Riemann, com 32 anos, foi eleito para a Academia de Cieˆncias de Berlim. Como regra desta instituic¸a˜o, os novos membros deviam fazer um relato´rio sobre o assunto que estava pesquisando. O seu relato´rio era curto (foi publicado com 8 pa´ginas) e tinha por t´ıtulo Sobre a quantidade de nu´mero primos que na˜o excedem uma grandeza dada. Essas oito pa´ginas de densa matema´tica foram as u´nicas que Riemann publicou, em toda sua vida, sobre os nu´meros primos, mas o artigo teria um efeito fundamental sobre a maneira como eram percebidos. Escondido neste documento de oito pa´ginas, estava declarado o problema cuja soluc¸a˜o possui hoje uma etiqueta com o valor de um milha˜o de do´lares: a hipo´tese de Riemann. Apesar de sua relevaˆncia, temos uma escassa literatura em l´ıngua portuguesa sobre o assunto. O presente trabalho e´ uma pequena contribuic¸a˜o para aqueles que tenham interesse, ou mesmo curiosidade a respeito da func¸a˜o zeta de Riemann, e na˜o tenham acesso a` literatura estrangeira. 2 - A Func¸a˜o Zeta de Euler Figura 2: Leonhard Euler Para compreender o problema, conve´m recuar a 1650, ano em que foi publicado o livro Novae quadraturae arith- meticae seu se additione fractionum, de Pietro Mengoli. E´ um sobre somas de se´ries, duas das quais sa˜o ζ(1) = 1 + 1 2 + 1 3 + 1 4 + . . . e ζ(2) = 1 + 1 22 + 1 32 + 1 42 + . . . E´ a´ı demonstrado que a primeira (a se´rie harmoˆnica) diverge e o autor levanta o problema de saber qual e´ a soma da se- gunda. Este problema foi novamente levantado por Jacques 2 Bernoulli em 1689. Treˆs anos mais tarde, o mesmo Jacques Bernoulli comec¸a a estudar as se´ries ζ(s) = 1 + 1 2s + 1 3s + 1 4s + . . . para s ∈ N− {1}. Em 1735, Euler provou que a soma da se´rie acima para s = 2 e´ pi2/6 e, pouco tempo depois, mostrou que ζ(2n) = (2pi)2n 2(2n)! |B2n|, n = 1, 2, . . . onde Bk sa˜o os nu´meros de Bernoulli definidos como os coeficientes da expansa˜o de Taylor da func¸a˜o t/(et − 1), isto e´, t et − 1 = ∞∑ k=0 Bk k! tk Os primeiros nu´meros de Bernoulli sa˜o B0 = 1, B1 = −1 2 , B2 = 1 6 , B3 = 0, B4 = − 1 30 , . . . Uma questa˜o ainda em aberto e´ se o mesmo e´ verdadeiro quando o argumento de ζ e´ um inteiro positivo ı´mpar. Por exemplo, sera´ que ζ(3) e´ proporcional a pi3?. Em 1978, R. Ape´ry provou que ζ(3) e´ pelo menos irracional. Nos pontos ı´mpares negativos o valor da func¸a˜o zeta tambe´m pode ser expresso em termos dos nu´meros de Bernoulli, a saber ζ(1− 2n) = −B2n 2n , n = 1, 2, . . . Usando o teste da raza˜o, vemos que se s > 1 a se´rie ζ(s) = ∞∑ n=1 1 ns e´ convergente. Definic¸a˜o 1: Seja s > 1. A func¸a˜o zeta de Euler e´ definida por: ζ(s) = ∞∑ n=1 1 ns A func¸a˜o zeta de Euler tambe´m pode ser expressa atrave´s de uma integral impro´pria dada na proposic¸a˜o seguinte: Proposic¸a˜o 1: Se ζ(s) e´ a func¸a˜o zeta de Euler, enta˜o ζ(s) = 1 Γ(s) ∫ ∞ 0 ts−1 et − 1dt 3 Demonstrac¸a˜o: Note que se f(t) = tm, m ∈ N, enta˜o L{tm}(p) = m! pm+1 , de modo que: L { ts−1 (s− 1)! } = 1 ns de modo que ζ(s) = ∞∑ n=1 1 ns = ∞∑ n=1 L { ts−1 (s− 1)! } = ∞∑ n=1 1 (s− 1)! ∫ ∞ 0 e−ntts−1dt = 1 Γ(s) ∫ ∞ 0 ts−1 ∞∑ n=1 e−ntdt = 1 Γ(s) ∫ ∞ 0 ts−1e−t 1− e−tdt = 1 Γ(s) ∫ ∞ 0 ts−1 et − 1dt � A conexa˜o entre a func¸a˜o zeta de Euler e os nu´meros primos e´ dado pelo seguinte teorema: Proposic¸a˜o 2: [Produto de Euler] Se s > 1, enta˜o ∞∑ n=1 1 ns = ∏ p primo 1 1− 1 ps (1) Demonstrac¸a˜o: Seguindo as ideias de Euler para provar esta identidade, notamos que 1 1− x = 1 + x+ x 2 + . . . para |x| < 1. Logo, para cada p, temos 1 1− 1/ps = 1 + 1 ps + 1 p2s + . . . Assim, ∞∏ p primo k=1 1 1− 1 psk = 1 1− 1 ps1 · 1 1− 1 ps2 · 1 1− 1 ps3 . . . = ∞∑ k=0 1 ps1 · ∞∑ k=0 1 ps2 · ∞∑ k=0 1 ps3 . . . = ( 1 + 1 ps1 + 1 p2s1 ) · ( 1 + 1 ps2 + 1 p2s2 ) . . . = 1 + ∑ 1≤i 1 psi + ∑ 1≤i≤j 1 psip s j + ∑ 1≤i≤j≤k 1 psip s jp s k + . . . = 1 + 1 2s + 1 3s + . . .+ 1 ns + . . . = ∞∑ n=1 1 ns � 4 A u´ltima expressa˜o foi obtidalembrando que cada inteiro n > 1 e´ expresso de modo u´nico como produto de poteˆncias de diferentes primos. Ale´m disso, esta proposic¸a˜o mostra que ha´ uma relac¸a˜o entre a func¸a˜o ζ de Euler e a distribuic¸a˜o dos nu´meros primos. Usando sua func¸a˜o, Euler deduziu dois resultados importantes que apresentaremos a seguir. Corola´rio 1: [Euclides] Existem infinitos nu´meros primos. Demonstrac¸a˜o: Se houvesse um nu´mero finito de primos, enta˜o o produto do segundo membro de (1) seria um produto finito e teria evidentemente um valor finito, de modo que a se´rie do primeiro membro tambe´m seria finita para todo s > 0. Entretanto, a expressa˜o do primeiro membro de (1) para s = 1 e´ a se´rie harmoˆnica 1 + 1 2 + 1 3 + . . . que diverge pelo teste da integral. Logo, existem infinitos primos. � Na proposic¸a˜o a seguir, provaremos que a se´rie dos inversos dos primos diverge. Mas antes, veremos o lema seguinte: Lema 1: Para x ∈ [−1/2, 0), vale a desigualdade: 2x < ln(1 + x) Demonstrac¸a˜o: Seja f(x) = ln(1+x)−2x para x ∈ [−1/2, 0]. Note que f(−1/2) = 1− ln 2 > 0 e f(0) = 0. Como f ′(x) = 1 1 + x − 2 ⇒ f ′′(x) = − 1 (1 + x)2 < 0 para todo x ∈ R− {−1}. Assim, f e´ coˆncava para baixo, de modo que f(x) > 0 para x ∈ [−1/2, 0), donde segue o resultado. � Proposic¸a˜o 3: A se´rie dos inversos dos primos diverge, ou seja: +∞∑ n=1 1 pn = 1 2 + 1 3 + 1 5 + 1 7 + 1 11 + . . . = +∞ (2) 5 Demonstrac¸a˜o: A prova de (2) e´ semelhante a apresentada na Prop. 2, tomando s = 1, ou seja, 1 1− 1 2 · 1 1− 1 3 · 1 1− 1 5 . . . 1 1− 1 pn = ∑ fp’s ≤ pn 1 k (3) Como todo inteiro maior que 1 expressa-se de modo u´nico como produto de poteˆncias de primos diferentes, o produto das se´ries geome´tricas acima representa a se´rie dos inversos de todos os inteiros positivos cujos fatores primos sa˜o menores ou iguais a pn. Em particular, vemos que ∑ fp’s ≤ pn 1 k ≥ pn∑ k=1 1 k (4) Substituindo (4) em (3), temos: 1 1− 1 2 · 1 1− 1 3 · 1 1− 1 5 . . . 1 1− 1 pn ≥ pn∑ k=1 1 k (5) Considere agora a func¸a˜o f(x) = 1/x para x ∈ [1, pn] representada no gra´fico abaixo: Temos a seguinte desigualdade para a a´rea aproximada: Sn = (2− 1) · 1 + (3− 2) · 1 2 + (4− 3) · 1 3 + . . .+ (pn − pn + 1) 1 p− n = 1 + 1 2 + 1 3 + . . .+ 1 pn = pn∑ k=1 1 k > ∫ pn 1 1 x dx = ln pn (6) Substituindo (6) em (5), segue que 1( 1− 1 2 )( 1− 1 3 )( 1− 1 5 ) . . . ( 1− 1 pn ) > ln pn ⇒ ( 1− 1 2 )( 1− 1 3 )( 1− 1 5 ) . . . ( 1− 1 pn ) < 1 ln pn (7) Aplicando o logaritmo em ambos os lados de (7), temos ln ( 1− 1 2 ) + ln ( 1− 1 3 ) + ln ( 1− 1 5 ) + . . .+ ln ( 1− 1 pn ) < ln ln p−1n ⇒ 6 n∑ k=1 ln ( 1− 1 pk ) < − ln ln pn (8) Sendo pk ≥ 2, enta˜o −1/pk ≥ −1/2 para k ∈ N∗. Do Lema (1), segue que − 2 pk < ln ( 1− 1 pk ) ⇒ −2 n∑ k=1 1 pk < n∑ k=1 ln ( 1− 1 pk ) (9) De (8) e (9), conclu´ımos que n∑ k=1 1 pk > 1 2 ln ln pn → +∞ quando n→ +∞ Para ver isso, seja f(x) = ln ln x, para x > 1. Como f ′(x) = 1/(x ln x) > 0, segue que f e´ crescente neste intervalo, de modo que lim n→+∞ ln ln pn = +∞. � Observac¸a˜o 1: Viggo Brun, em 1919, demonstrou que a se´rie dos rec´ıprocos dos primos geˆmeos converge. Esta se´rie gera o nu´mero denominado de constante de Brun. B2 = ( 1 3 + 1 5 ) + ( 1 5 + 1 7 ) + ( 1 11 + 1 13 ) + ( 1 17 + 1 19 ) + ( 1 29 + 1 31 ) + · · · ≈ 1, 9021605823 O teorema de Brun afirma que mesmo que existam infinitos termos nesta soma, a se´rie resultante e´ ainda assim convergente. Ha´ outras ligac¸o˜es da func¸a˜o zeta com a` Teoria dos Nu´meros. Por exemplo, se s > 1, enta˜o ζ(s)2 = ∞∑ n=1 d(n) ns , onde d(n) e´ o nu´mero de divisores de n. Ale´m disso, se s > 2, enta˜o ζ(s)ζ(s− 1) = ∞∑ n=1 σ(n) ns onde σ(n) e´ a soma dos divisores de n. 3 - O Teorema dos Nu´meros Primos Ao perceberem das limitac¸o˜es de descobrir uma fo´rmula que gerasse o ene´simo 7 nu´mero primo, os matema´ticos voltaram-se para a estrate´gia de pesquisar sobre a dis- tribuic¸a˜o me´dia dos primos ao longo dos nu´meros naturais. Definic¸a˜o 2: Para cada x ∈ R, definimos a func¸a˜o pi(x) como sendo a quantidade de nu´meros primos menores ou iguais a x, ou seja: pi(x) = quantidade de primos ≤ x Figura 3: Carl F. Gauss O matema´tico franceˆs Legendre, apo´s um exame a´rduo de uma tabela contendo um grande nu´mero de primos ob- servou que aparentemente se tem pi(x) ≈ x ln x (10) querendo isto dizer que o quociente das duas func¸o˜es tende para 1 quando x tende para +∞. Pela mesma altura, Gauss com apenas 15 ou 16 anos de idade tambe´m conjecturou que se tem (10), mas tambe´m fez a conjectura pi(x) ≈ ∫ x 2 1 ln t dt Proposic¸a˜o 4: As conjecturas de Legendre e Gauss sa˜o equivalentes, ou seja: lim x→+∞ x lnx∫ x 2 1 ln t dt = 1 Demonstrac¸a˜o: Usando a regra de L’Hospital, temos: lim x→+∞ x lnx∫ x 2 1 ln t dt = lim x→+∞ ( lnx−1 ln2 x ) 1 lnx = lim x→+∞ ln x− 1 ln x = lim x→+∞ ( 1− 1 ln x ) = 1 � Figura 4: Gra´ficos de pi(x) (vermelho), ∫ x 2 1/ ln tdt (verde), e x/ lnx (azul). 8 No entanto, ∫ x 2 1/ ln tdt e´ uma melhor aproximac¸a˜o de pi(x) do que x/ ln x como se pode ver no gra´fico abaixo. Esta figura tambe´m sugere que pi(x) e´ sempre maior do que x/ ln x e que a diferenc¸a vai aumentando a` medida que x cresce. Isto levou Legendre a conjecturar, em 1800, que uma func¸a˜o que aproxima pi(x) ainda melhor do que x/ ln x e´ x ln x− 1.08366 Gauss na˜o publicou nada sobre este to´pico, o que se sabe sobre as observac¸o˜es dele sobre o assunto vem nas suas cartas pessoais e no seu dia´rio. No entanto, nem mesmo o grande Gauss conseguiu provar sua conjectura. Esforc¸os matema´ticos foram feitos no sentido de que em 1848, o matema´tico russo Chebyshev demonstrou que 0, 89× ∫ x 2 1 ln t dt < pi(x) < 1, 11× ∫ x 2 1 ln t dt Figura 5: Matema´ticos que provaram a conjectura de Legendre-Gauss Em 1896, os matema´ticos, Jacques Hadamard e De La Valle´e Poussin, trabalhando independentemente e baseando-se nos escritos de Riemann, conseguiram finalmente demonstrar que lim x→+∞ pi(x) x/ ln x = 1 Este resultado passou a ser conhecido por Teorema dos Nu´meros Primos. 4 - A Func¸a˜o Zeta de Riemann Riemann estendeu a definic¸a˜o da func¸a˜o Zeta de Euler para os nu´meros complexos. Escrevendo s = σ + it, temos que: |ns| = |es lnn| = |e(σ+it) lnn| = |eσ lnn| · |eit lnn| = |eσ lnn| = nσ Usando este resultado, juntamente com o testeM de Weierstrass, segue-se que a func¸a˜o zeta de Riemann dada por ∞∑ n=1 1 ns 9 e´ anal´ıtica paraRe(s) > 1. Podemos estender a analiticidade de ζ, para−1 < Re(s) < 1 e tambe´m para todo o plano complexo, exceto no ponto z = 1, onde ocorre o u´nico po´lo da func¸a˜o ζ, como ilustrado na figura abaixo. Figura 6: Gra´fico da func¸a˜o |ζ(s)| para s ∈ C. A Proposic¸a˜o 1, apresentada anteriormente para a func¸a˜o zeta de Euler tambe´m e´ va´lida para a func¸a˜o zeta de Riemann, ou seja: Proposic¸a˜o 5: Seja s ∈ C. Se Re(s) > 1, enta˜o ζ(s) = 1 Γ(s) ∫ ∞ 0 ts−1 et − 1dt (11) onde Γ(z) e´ a func¸a˜o gama de Euler, definida por Γ(s) = ∫ ∞ 0 e−tts−1dt A prova desta Proposic¸a˜o pode ser encontrada em [3]. A expressa˜o (11) e´ conhecida por representac¸a˜o integral da func¸a˜o zeta de Riemann. Usando a Prop. 4 e´ poss´ıvel estender a func¸a˜ozeta de Riemann para −1 < Re(s) < 1, obtendo a expressa˜o ζ(s) = 1 Γ(s) [∫ 1 0 ( 1 et − 1 − 1 t + 1 2 ) ts−1dt− 1 2s + ∫ ∞ 1 ( 1 et − 1 − 1 t ) ts−1 ] Para maiores detalhes, consulte [3]. Ale´m disso, notamos um aparente problema no ponto s = 0 o qual pode ser resolvido da seguinte forma: Sendo Γ(s + 1) = sΓ(s), enta˜o: 1 2sΓ(s) = 1 2Γ(s+ 1) 10 obtendo 1/2 no ponto s = 0. Portanto, a func¸a˜o ζ esta´ definida e e´ anal´ıtica na faixa −1 < Re(s) < 1, com um po´lo simples em s = 1. A expressa˜o a seguir va´lida para s 6= 1 e´ uma relac¸a˜o de fundamental importaˆncia na teoria da func¸a˜o zeta de Riemann cuja prova pode ser encontrada em [5]. Proposic¸a˜o 6: Se s ∈ C− {1}, enta˜o ζ(s) = 2(2pi)s−1ζ(1− s)Γ(1− s) sin(pis 2 ) 5 - A Conjectura ou Hipo´tese de Riemann Figura 7: Faixa cr´ıtica A famosa conjectura ou hipotese de Riemann esta´ relacionada com os zeros da func¸a˜o ζ. Os zeros da func¸a˜o zeta localizados em zn = −2n, n = 1, 2, . . . sa˜o chamados zeros triviais. Aquele grande matema´- tico afirmou que a func¸a˜o ζ tem infinitos zeros na faixa 0 ≤ Re(s) ≤ 1, conhecida por faixa cr´ıtica. J. Hadamard foi o primeiro a provar esta afirmac¸a˜o, em 1893. Uma das mais famosas questo˜es em aberto da Matema´tica e´ a hipo´tese de Riemann sobre os zeros na˜o triviais da func¸a˜o zeta. A hipo´tese de Riemann estabelece que todos os infinitos zeros da func¸a˜o ζ, pertencentes a faixa cr´ıtica 0 ≤ Re(s) ≤ 1, esta˜o so- bre a reta Re(s) = 1/2, que e´ chamada de reta cr´ıtica. Desta forma, os zeros na˜o triviais da func¸a˜o ζ, de acordo com a conjectura de Riemann, sa˜o infinitos e da forma s = 1/2 + iσ, com σ real. Ate´ o momento, nenhuma prova foi apresentada para esta conjectura. Este problema na˜o um tipo de problema que pode ser abordado por me´todos elementares. Ja´ deu origem a uma extensa e complicada bibliografia. Riemann enunciou, tambe´m sem provar, a seguinte fo´rmula assinto´tica para o nu´mero N(T ) de zeros da faixa cr´ıtica, 0 ≤ Re(s) ≤ 1, 0 < Im(s) ≤ T , N(T ) = 1 2pi T lnT − 1 + ln(2pi) 2pi T +O(lnT ) Uma prova rigorosa desta fo´rmula foi dada, pela primeira vez, por H. V. Mangoldt em 1905 e pode ser vista em [5]. Nove anos mais tarde, G. H. Hardy provou que existe uma infinidade de zeros sobre a reta Re(s) = 1/2. Mas, uma infinidade na˜o significa que sa˜o todos. E´ interessante notar que se a parte real de s e´ igual a 1, enta˜o a func¸a˜o ζ de Riemann na˜o admite nenhum zero sobre esta linha. Para ver uma prova deste fato, veja [5]. E. C. Titchmarsh mostrou em 1935−1936, que ha´ 1041 zeros na regia˜o 0 ≤ Re(s) ≤ 1 e 0 < Im(s) < 1468. Todos estes zeros esta˜o sobre a reta cr´ıtica Re(s) = 1/2. Com o aux´ılio de supercomputadores, verificou que os primeiros 10 trilho˜es de zeros esta˜o sobre a linha cr´ıtica, sugerindo portanto, que a hipo´tese deve ser realmente verdadeira. 11 Figura 8: Zeros da func¸a˜o zeta sobre a linha cr´ıtica Os matema´ticos se referem ao problema de Rie- mann como uma hipo´tese, e na˜o como uma conjec- tura, pela existeˆncia de muitos resultados que depen- dem de sua soluc¸a˜o. A palavra ”hipo´tese” tem uma conotac¸a˜o muito mais forte, pois representa uma pre- missa necessa´ria que o matema´tico aceita para poder construir uma teoria. Uma ”conjectura”, por outro lado, representa apenas uma previsa˜o do matema´tico sobre o modo como o mundo se comporta. Muitas pessoas tiveram de assumir sua incapacidade de re- solver o enigma de Riemann e decidiram adotar sua previsa˜o como uma hipo´tese de trabalho. Se algue´m conseguir transformar a hipo´tese em teorema, todos esses resultados pendentes sera˜o validados. (A Mu´sica dos Nu´meros Primos, pp 19). Figura 9: ζ(1/2 + it), para 0 < t < 50 E´ natural nesta fase ocorrer uma pergunta. O que e´ que tudo isto tem a ver com o teorema dos nu´meros primos? Para ver a relac¸a˜o entre as duas coisas, considere a func¸a˜o µ definida abaixo: Definic¸a˜o 3: A func¸a˜o de Mo¨bius µ : N→ {−1, 0, 1} e´ definida por: µ(n) = 0 se n for mu´ltiplo de algum quadrado perfeito maior do que 1; µ(n) = 1 se n possui um nu´mero par de fatores primos; µ(n) = −1 se n possui um nu´mero ı´mpar de fatores primos. Seja tambe´m a func¸a˜o logaritmo integral definida por: Definic¸a˜o 4: Para x ∈ (1,+∞), definimos a func¸a˜o logaritmo integral: Li(x) = ∫ x 0 ∫ x 0 1 ln t dt = lim s→0+ (∫ 1−� 0 1 ln t dt+ ∫ x 1+� 1 ln t dt ) 12 Riemann conjecturou que Li(x)− 1 2 Li( √ x)− 1 3 Li( 3 √ x)− 1 5 Li( 5 √ x) + 1 6 Li( 6 √ x) + . . . = ∞∑ n=1 µ(n) n Li( n √ x) (12) seria uma excelente aproximac¸a˜o de pi(x). Empiricamente isto e´ plaus´ıvel; por exemplo, se n ≤ 1.000.000, enta˜o a diferenc¸a entre pi(n) e a soma dos quatro primeiros termos na˜o nulos da se´rie (12) na˜o excede 37. Conve´m ressaltar que existe uma relac¸a˜o direta entre a func¸a˜o de Mo¨bius e a func¸a˜o ζ: se s ∈ C e se Re(s) > 1, enta˜o 1 ζ(s) = ∞∑ n=1 µ(n) ns 6 - Problemas Relacionados Os Condensados de Bose-Einstein Figura 10: Condensados de Bose-Einstein Os Condensados de Bose-Einstein (BECs) sa˜o nu- vens de a´tomos ultrafrios, com temperaturas pro´ximas ao zero absoluto que se comportam como um u´nico e gigantesco objeto cujo comportamento so´ e´ conhecido com a interpretac¸a˜o quaˆntica, pois e´ um objeto de na- tureza quaˆntica. Este fenoˆmeno foi teorizado nos anos 20 por Albert Einstein, ao generalizar o trabalho de Satyendra Nath Bose sobre a mecaˆnica estat´ıstica dos Fo´tons (sem massa) para a´tomos (com massa). Einstein especulou que arrefecendo os a´tomos boso´nicos ate´ temperat- uras muito baixas os faria colapsar (ou ”condensar”) para o mais baixo estado quaˆntico acess´ıvel, resultando numa nova forma de mate´ria. Esta transic¸a˜o ocorre abaixo de uma temperatura cr´ıtica, a qual, para um ga´s tridi- mensional uniforme consistindo de part´ıculas na˜o-interativas e sem graus internos de liberdade aparentes, e´ dada por: Tc = ( n ζ(3/2) )2/3 h2 2pimkB onde: • Tc e´ a temperatura cr´ıtica, • n a densidade da part´ıcula, • m a massa do bo´son, • h a constante de Planck, • kB a constante de Boltzmann, e 13 • ζ a func¸a˜o zeta de Riemann, sendo ζ(3/2) ' 2, 6124. Sistemas Dinaˆmicos, Caos, Probabidade e Estat´ıstica As estat´ısticas dos zeros da func¸a˜o zeta de Riemann e´ um assunto interessante devido a sua ligac¸a˜o com a hipo´tese de Riemann e com a distribuc¸a˜o dos nu´meros primos. Os pesquisadores descobriram que esta hipo´tese tambe´m esta´ relacionada com a teoria de matrizes aleato´rias e o caos quaˆntico. Por exemplo, M. Berry apontou que as correlac¸o˜es entre os zeros de ζ(s) sa˜o como as correlac¸o˜es entre os n´ıveis de energia de um sistema quaˆntico cao´tico. Ale´m disso, a regularizac¸a˜o da func¸a˜o zeta de Riemann e´ usada para regularizar se´ries divergentes que surgem na Teoria Quaˆntica de Campos. Num exemplo nota´vel, a func¸a˜o zeta de Riemann surge explicitamente no ca´lculo do efeito Casimir (Atrac¸a˜o entre duas pequenas placas meta´licas que esta˜o muito pro´ximas entre si, da ordem de va´rios diaˆmetros atoˆmicos). A Diferenc¸a Entre Primos Geˆmeos Outra questa˜o envolvendo a hipo´tese de Riemann e´ referente aos nu´meros primos consecutivos. Se pk denota o k−e´simo nu´mero primo (de modo que p1 = 2, p2 = 3, p3 = 5 e assim por diante), um resultado provado por Cramer em 1919 estabelece que a diferenc¸a entre dois nu´meros primos consecutivos, pk+1 − pk, cresce ”na mesma velocidade”que √ pk ln(pk). Mais especificamente, existe uma constante real positiva M > 0 de modo que vale a desigualdade pk+1 − pk < M√pk ln(pk) para todo k suficientemente grande. Para provar este resultado, Cramer utilizou cru- cialmente a Hipo´tesede Riemann, de maneira que este resultado pode em princ´ıpio ser falso, caso a Hipo´tese tambe´m seja. A Hipo´tese de Riemann e a Internet Na˜o e´ fa´cil elaborar um sistema de criptografia seguro na era dos supercomputa- dores. Contudo, os cientistas R. Rivest, A. Shamir e L. Adleman, desenvolveram um criptosistema de chave pu´blica, denominado ”RSA”, que tem se mostrado inviola´vel. Esse criptosistema depende do conhecimento matema´tico dos nu´meros primos e suas propriedades. A pesquisa sobre a Hipo´tese de Riemann fornece informac¸o˜es ta˜o preciosas, sobre o padra˜o dos nu´meros primos, que avanc¸os nessa investigac¸a˜o poderiam nos levar a um progresso substancial nas te´cnicas de fatorac¸a˜o e, consequ¨entemente, levar a` quebra da seguranc¸a na transmissa˜o de dados via Internet. 8 - Palavras Finais Tudo que foi comentado anteriormente explica porque a hipo´tese de Riemann e´ uma problema em aberto ta˜o famoso. Este problema desde de sua formulac¸a˜o tem captado a imaginac¸a˜o de alguns dos maiores matema´ticos do mundo. Andre Weil, matema´tico 14 ingleˆs fascinado pela hipo´tese de Riemann, declarou certa vez numa entrevista que, du- rante muito tempo ficou obcecado em demonstra´-la e publica´-la em 1959, no centena´rio da publicac¸a˜o da hipo´tese. Mas aquele ano passou sem que ele tivesse tido sucesso. Depois, a sua ambic¸a˜o ficou apenas em compreender a demonstrac¸a˜o quando algue´m a publicasse. Perto do fim da vida, desejava somente que a demonstrac¸a˜o fosse feita enquanto ele estivesse vivo, mas nem essa ambic¸a˜o foi satisfeita. Conve´m dizer que uma conjectura formulada por Weil sobre os zeros de certas func¸o˜es de uma varia´vel complexa ana´loga a` hipo´tese de Riemann foi demonstrada por Pierre Deligne em 1974. Em maio de 2000, o Clay Mathematics Institute (CMI) - ONG norte-americana que desenvolve e dissemina conhecimentos matema´ticos - ofereceu sete preˆmios no valor de um milha˜o de do´lares cada. Para receber a bolada, basta solucionar um dos problemas de matema´tica propostos. Mas a riqueza na˜o vem fa´cil; os problemas sa˜o considerados por um comiteˆ de matema´ticos como os mais complicados e mais importantes desta a´rea em nossos dias. Esta lista com 7 problemas extremamentes dif´ıceis, conte´m a hipo´tese de Riemann e conjectura de Poincare´ que foi resolvida pelo matema´tico russo Grigory Perelmann, o qual recusou o preˆmio de 1 milha˜o de do´lares. A comunidade matema´tica esta´ esperando surgir outro Grigori para solucionar o enigma de Hipo´tese de Riemann. 9 - Refereˆncias Bibliogra´ficas [1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Hipotese-de-Riemann [2] Santos, Jose´ Carlos. A Hipo´tese de Riemann - 150 anos. [3] Aguilera-Navarro, Maria Cec´ılia K. et. al. A Func¸a˜o Zeta de Riemann. [4] Du Sautoy, Marcus. A Mu´sica dos Nu´meros Primos: A histo´ria de um problema na˜o resolvido na matema´tica. Trad. Diego Alfaro, Jorge Zahar Ed. Rio de Janeiro, 2007. [5] Borwein, P. et. ali. The Riemann Hypothesis: A Resource for the Afficionado and Virtuoso Alike. Springer, 2007. [6] http://pt.wikipedia.org/wiki/Condensado-de-Bose-Einstein. [7] Simmons, G. F. Ca´lculo com Geometria Anal´ıtica. Vol. 2. Ed. Makron Books, Sa˜o Paulo, 1987. [8] Conrey, J. Brian. The Riemann Hypothesis. Notices of the AMS. Vol. 50, n. 3. [9] http://pt.wikipedia.org/wiki/Se´rie-dos-inversos-dos-primos 15
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