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1
Relações de gênero, feminismo e subjetividades. ST 33 
Francirosy Campos Barbosa Ferreira 
USP 
Palavras-Chaves: Islã, gênero, performance do pesquisador 
 
 
Porque eu não sou muçulmana - reflexões sobre o trabalho de campo entre os muçulmanos em 
São Paulo 
 
 
Esta comunicação traz como questão de fundo pensar sobre o lugar de quem faz a pesquisa e de 
como a faz. Não é de hoje que o antropólogo vem repensando o seu papel como aquele que “descreve” 
a cultura, na verdade, como bem nos lembra Teresa Caldeira, nós evocamos, sugerimos, provocamos, 
ironizamos, mas não descrevemos culturas (1988: p.142). Não interessa-nos mais recriar a “totalidade”, 
se é que isto um dia foi possível, interessa-nos a negociação, o diálogo, a observação participante. As 
etnografias são frutos de reflexões construídas, “agenciadas” não de forma solitária, mas em constantes 
embates, seja em campo com os interlocutores, - sujeitos da pesquisa -, seja na academia com os pares. 
A pesquisa entre os muçulmanos em São Paulo me fez refletir sobre o meu lugar na pesquisa. Quero 
então evocar alguns pontos importantes na minha biografia que com certeza afetaram o meu trabalho 
de campo: ser mulher, antropóloga e mãe. 
Ser mulher1 faz diferença (em contexto islâmico) e não estou sozinha nessa proposição, Maria 
Cardeira2 (2004) afirma: “Claro, que o fato de ser mulher, em trabalho de campo, teve um papel 
decisivo na desconstrução das clássicas dicotomias que opõe feminino/ masculino, natureza/ cultura, 
espaço público/ espaço doméstico...”. Ainda nesse raciocínio Mariza Côrrea3 (2003:110) complementa: 
“... As pessoas não podem mais ir inocentes para o campo, achando que não faz diferença quem eu sou, 
de onde eu venho, o que eu digo e o que eu penso”. Aprendi isso, na materialidde do meu corpo, para 
usar uma expressão de Butler (2003), pois de certo modo tive que aprender a me comportar como uma 
mulher do lugar e, portanto uma muçulmana. Na bastava estar em campo, era preciso compreender no 
corpo o que significa ser muçulmana. O vestuário, a maneira de olhar, de sentar, enfim todo um 
comportamento que é construído. 
Ser antropóloga, a minha performance é situacional dependendo com quem falo e onde. Andar 
por entre as veredas islâmicas é como aprender a circular em universos únicos onde a espacialidade é 
constituída de tantos ruídos e textos que contribuem para constituição da performance assumida. É um 
universo de meandros, de gentilezas, de comportamento recatado, olhar baixo, ouvidos atentos, gestos 
comedidos e extravagantes dependendo do lugar. Nesse sentido, a performance não está só na 
materialidade do corpo, mas no entorno, nos entornos e contornos da ação. 
 2
Há regras na performance afirma Zumthor (2000:35) em seu texto instigante “Performance, 
recepção, leitura” – com efeito, regendo simultaneamente o tempo, o lugar, a finalidade da transmissão, 
a ação do locutor e, em ampla medida, a resposta do público...”. O estar em campo implica nesta 
situação performática de tempo/lugar, da ação e reação com nossos interlocutores. Para avançar na 
situação performática da pesquisadora valerá a pena descrever “alguns” interstícios da pesquisa fruto 
da peculiaridade da pesquisadora no trato com alguns desafios, desatando fios e emendando outros. 
Iniciei meu campo entre os muçulmanos em 1998, de forma tímida, quase silenciosa. O 
estranhamento era grande. Na dissertação de mestrado relatei como tive acesso ao grupo (Ferreira: 
2001), mas vale destacar que facilitei a entrada, fazendo o que todas as mulheres (mães) gostam de 
fazer: falar dos filhos. Ser mãe. Tê-los foi uma dádiva para pesquisa e para vida. Falar de filhos é 
sempre bom. Naquela época, os meus eram bem menores (7,5 e 3 anos). Hoje com (14,12, 10). Sem 
falar que três é um número bem razoável em se tratando de comunidade islâmica, onde a média é 3, 4, 
raro ter menos. Senti-me em casa, ao menos nesse quesito. A construção de uma tese mobiliza não só a 
academia, mas a família, os amigos. Foi dessa maneira que comecei a compreender o universo islâmico 
à minha volta. 
As mulheres são as responsáveis por transmitir a religião aos filhos. Elas são o centro da 
educação muçulmana. A convivência com as mulheres no mestrado, deu-me a entrada necessária para 
a pesquisa. Fui desconstruindo os estereótipos de mulheres submissas, reprimidas, subjugadas. Só com 
a convivência é que foi possível aproximar-me da sutileza que é ser muçulmana no nosso país. Nesses 
primeiros anos de pesquisa deixei-me ficar entre elas, ouvi-las, observá-las e então perceber que ser 
mulher é mais do que usar ou não lenço (hijab). Chamo isso de um processo profundo de 
experimentação. É bastante difícil para uma mulher, mesmo que casada, mãe e antropóloga, achar que 
tudo bem que as mulheres devem ficar em lugar diferente e andar cobertas dentro e fora da mesquita, 
porque Deus assim o quer. Que os filhos e o marido devem ser o centro da sua atenção. Que na 
separação, ela deve entregar os filhos maiores de 7 anos aos cuidados do pai. 
O que as diferem de nós? A religião. Mas, não o fato apenas de crer em Allah, mas de toda uma 
experiência do que é ser muçulmana e muçulmano Lembro-me de uma conversa que tive com uma 
muçulmana no mestrado: 
Franci: Que graça tem dançar para mulheres verem? Dançar é sensualidade...As 
festas que vocês organizam só tem mulheres! 
Dona Rosana: Quem disse que não dançamos para homens? Dançamos para o nosso 
marido. E você não dança para o seu marido? 
Franci: Eu? Eu não! 
Dona Rosana: Então, se você não dançar, alguém vai dançar... 
 
 3
Essa conversa me deixou atônita e ressoa em minhas conversas. Que mulher é esta que dança 
para o marido? Que se arruma para ele? Quem tem prazer nesses “pequenos” gestos? E eu? Tão 
ocidental, libertária, cheia de mim, dos meus conceitos, etc. Como essa identidade é modelada? 
Perguntaria Judith Butler (p.185). Eu também performatizo o meu gênero feminino-feminista, construo 
a minha identidade nessa dualidade. No entanto, elas têm o corpo coberto, será esse modelado pela 
religião? pela política? Ou por todas essas coisas juntas? O véu das mulheres muçulmanas pode ser um 
marcador sexual-político, mas não só. As mulheres usam o véu, definem-se como muçulmanas quando 
se apresentam de lenço. Como afirma Butler (2002, p.9) “discursos, na verdade, habitam corpos...Eles 
se acomodam em corpos; os corpos na verdade, carregam discursos como parte de seu 
sangue...também é uma forma da mulher exercer poder”. O mundo passa pelo corpo e se o corpo é uma 
sinédoque para o sistema social como diz Butler (:189), então é o corpo que revela os sinais diacríticos 
identitário e simbólicos de determinados grupos sociais.O corpo carrega o mundo cultural, social. Para 
explicitar melhor a proposta desta comunicação passo agora a etnografia de um acampamento islâmico 
que participei em julho de 2004. 
** 
Fazia algum tempo que desejava participar de um acampamento islâmico, que nada mais é que 
um retiro espiritual, mas sempre alguma dificuldade surgia no meio do caminho. Estar entre os 
muçulmanos, acordar, almoçar, estar presente em suas atividades era do que eu sentia falta na minha 
pesquisa. Como um etnólogo que vai à sociedade indígena, desejava estar mais presente na “aldeia”. 
Estava certa quando imaginava que estar lá faria a diferença. Achava que lá não haveria nada que me 
dispersasse, e eu poderia ficar, ouvir, observar, conversar, estar presente nos momentos mais sérios e 
nos momentos lúdicos, sem ter que retornar a minha casa no final do dia. 
Sheik Jihad: “Se não a trouxéssemos (referindo-se a mim), ela tiraria (do ônibus) eu 
ou Sheik Ali (Abdouni) para vir no nosso lugar, de tanta vontade que tinha de vir”. 
 
Durante muito tempo“cobrei” de Sheik Jihad minha participação em um acampamento, falei 
que seria fundamental esse “mergulho” para entender melhor a religião e os religiosos. A verdade é que 
duas vezes seguidas não houve vaga, a procura era (é) grande para os acampamentos organizados pelos 
muçulmanos de São Bernardo do Campo. A frase dele indica a minha persistência nessa convivência. 
A persistência e as perguntas “subversivas” foram as características dadas por eles a mim. 
 Eram 16h00 do dia 23 de julho de 2004 quando embarquei rumo à Sorocaba, lugar do 
acampamento, junto com alguns muçulmanos da mesquita de São Bernardo do Campo. Na bagagem: 
caderno de campo, gravador, fitas cassetes, fitas de vídeo, filmadora, tripé, roupas quase “islâmicas”4, 
lenços, etc. No ônibus, um misto de ansiedade e euforia, tomava conta de mim. Conhecia muito pouco 
 4
os muçulmanos que iam naquele ônibus. Fazia frio e talvez por isso o silêncio tomava conta de todos. 
Por causa do frio, nem senti desconforto com o véu que tive que usar para poder participar desse 
acampamento. De certa forma, ele me ajudou, bastante, pois, para muitos, eu era mais uma irmã5 entre 
eles. 
 Durante o jantar pude fazer os meus primeiros contatos. Sentada ao lado de Nádia Hussein, 
esposa de Sheik Jihad, fui conhecendo suas irmãs de Florianópolis e do Rio de Janeiro. Apresentada 
como amiga dela e do Sheik, logo me aproximei de Fadwia e Jamile, que foram simpáticas e adoráveis. 
Ambas são jovens, Fadwia tem 19 anos, faz Administração de Empresas em Florianópolis; e Jamile é 
casada, tem 21 anos e cursa Direito na Universidade Candido Mendes no Rio de Janeiro. Com elas 
conheci Kátia, que também mora no Rio. É casada e tem 30 anos, embora aparente muito menos. 
Naquele momento comecei a me soltar, cada uma contava coisas da vida para as outras. Falamos sobre 
tudo: religião, casa, família, faculdade, etc. 
 Às 4h30 já estava de pé. Tomei um banho para acordar e peguei o equipamento. Fui uma das 
primeiras a chegar, pois queria gravar a oração e tudo o mais que acontecesse. Das 5h às 6h15, mais ou 
menos, eles rezaram. As mulheres que por estarem menstruadas, não podiam rezar, assistiam sentadas 
à oração. Às 6h30 formaram-se grupos para recitar o Alcorão. Aqueles que conhecem as suras ajudam 
outras muçulmanas a decorar. Foi um momento especial. As mulheres pronunciavam o Alcorão com 
uma calma, algumas tentavam acompanhar a pronúncia, o ritmo, e assim foi até às 7h30, hora do café, 
e realmente eu precisava de um para acompanhar aquele horário islâmico. 
 Na hora do almoço, “perdi”6 a oportunidade de gravar belos depoimentos. Sentamos, Jalila, 
Fawdia, Jamile e eu. Conversamos sobre discriminação, preconceito. Da tensão entre brasileiros e 
árabes. A própria Jalila nos disse que se sentiu discriminada há anos atrás por ser filha de brasileira7, 
mas que, durante sua pesquisa para o TCC, esse sentimento se esvaiu. Jamile contou que quem 
discrimina não conhece o verdadeiro Islã. O Islã não prega isso. “O profeta Muhammad SAAW8 
pregava o respeito a outros povos”. No meio da conversa me vinha a todo tempo à memória um texto 
de Todorov sobre igualdade e desigualdade, e soltei uma frase: “A diferença é ser diferente, e não 
desigual”. As três juntas exclamaram: “Que bonito! Repete”. “Eu não sei mais, respondi”, foi aí que 
Fadwia repetiu a frase... 
 Não só sobre desigualdade falávamos em nossa mesa, mas também sobre os migrantes 
muçulmanos que quando chegavam ao Brasil pediam para que suas mulheres tirassem o véu, pois 
assim chamariam menos a atenção. O que era comum no mundo árabe, não era no Brasil daquele 
período. Da década de 90 para cá, esse sentimento vem mudando. As mulheres têm sido estimuladas a 
usar o hijab. Jamile contou que foi em um acampamento que ela passou a usar o véu. “Coloquei aqui e 
 5
nunca mais tirei”. Aqui está um dos motivos de nos acampamentos as mulheres terem que usar o véu: 
para eles, só assim souberam o que significa ficar de véu. 
 Já eram 15h e ainda não tínhamos nos arrumado para ir à fazenda. Esse foi um momento de 
lazer no acampamento. Muitas mulheres vieram preparadas, de tênis e agasalho, para jogar vôlei. 
Algumas me perguntaram se eu jogaria vôlei com elas, disse que, por enquanto, eu não estava dando 
conta de usar o véu “paradinha”, quanto mais pulando e saltando. A risada foi geral. Na verdade, comer 
macarronada de véu já tinha sido um grande desafio, imagine jogar vôlei. Durante esses anos de 
pesquisa, uso o véu apenas para entrar na mesquita, por isso senti nesse momento tanto desconforto. 
Quando estava no meu quarto, a primeira coisa que eu fazia era tirar o véu. Era a falta de hábito. 
No dia seguinte,levantei-me às 6h, tarde para o horário islâmico. Na porta da mesquita (na sala de 
oração) encontro Sheik Jihad que diz: 
Sheik: Assalamu aleikum! 
Franci: Aleikum me salam! 
Sheik Jihad: “Este acampamento está sendo bom para sua pesquisa apenas ou também 
para você como pessoa?” 
Franci: “Não há como separar a pessoa da pesquisadora”, afirmei. “Aprendemos 
juntas”, completei a seguir. 
 
Seu sorriso foi sinal que a resposta por enquanto, bastava. Realmente não tinha parado para 
pensar nisso, se a experiência do acampamento só era algo a acrescentar a minha pesquisa ou também 
ao meu cotidiano. Na verdade, não separo como disse a ele a pesquisadora da pessoa. A constituição de 
uma pesquisa é também a constituição da pessoa. Fez-me lembrar de um episódio ocorrido quando 
levei Magda Aref para falar a alunos de psicologia de uma universidade. Uma aluna fez uma 
determinada pergunta e Magda na hora de responder disse: Vou responder como muçulmana. A aluna 
retrucou e disse: Não quero que você responda como muçulmana, mas como pessoa. Naquele momento 
fiquei bastante irritada com a postura da aluna. Aliás como separar a pessoa da sua religião? Como 
separar a pesquisadora da experiência? 
 Na hora do almoço já me sentia familiar entre as mulheres, a timidez inicial já não 
existia mais. A conversa agora era com as mulheres que vieram com ônibus do Pari, conversávamos 
sobre vídeos iranianos, em um determinado momento afirmei: “Eu adoro filme iraniano!” Uma delas 
olhou para mim e disse: “Adora não irmã. Gosta muito! Nós só adoramos a Deus”. Percebi que ela 
ainda considerava que eu era muçulmana e respondi. Eu adoro, porque eu não sou muçulmana. Você 
sim deve adorar só a Deus. Então ela se justificou dizendo que deveria me preparar para me tornar 
muçulmana e para isso era bom aprender como se fala. 
 6
Em eventos anteriores, Sheik Jihad disse-me que o fato de conhecer tanto o Islã um dia me 
tornaria uma irmã, pois os meus conhecimentos me levariam a isso. Para um pesquisador, suas 
escolhas nunca são tão claras e evidentes, às vezes casuais, às vezes por gosto, estilo, etc. O que 
construí em campo foi um diálogo constante, a ponto de eles “palpitarem” ou, de certa forma, 
dialogarem a respeito dos significados que eles atribuem, mas sem perder de vista, a minha opinião 
sobre o que fazem ou deixam de fazer: Como as esfihas de Malac, o sermão do Sheik, a religião, etc. O 
que busco fazer é tentar “traduzir” o que experimento e o que compartilho com eles, se não a religião, 
os seus segredos e suas revelações. De lugares diferentes vamos nos mexendo pouco a pouco. 
Calculando o lugar de onde olhamos ou nos olhamos. 
 Ao final do acampamento recebi uma homenagem. O Sheik se referiu a mim como uma amiga 
da comunidade muçulmana e convidou-me para passar um carnaval entre eles, ou melhor, num 
acampamento islâmico. 
Não-eu e não-não eu 
O acampamento contribuiu para experienciar o ser muçulmano. O véu serviu de máscara, não 
máscara no sentido de esconder algo, mas de revelar algo. Mostrar-se perto deles para entendê-lo,essa 
era a questão inicial. Além de verificar o meu lugar, como estrangeira, o diferente ali, também revela 
uma outra face de quem estuda religião, ou que pelo menos tangencia como é o meu caso9, que é o fato 
de “ser” para eles uma futura reversa. Se eu conheço a religião, já entendo bastante da sua história etc. 
então nada mais previsível que a minha reversão. 
 É difícil para quem tem uma crença entender que uma pessoa pode ser apenas pesquisadora e 
gostar muito do que faz. Estar nesse lugar não é simplesmente cômodo, mas reflete no outro 
determinadas expectativas, que em muitos casos, não são correspondidas. Ler, aprender, observar, 
compartilhar desse universo são caminhos fundamentais para quem pretende avançar no conhecimento 
de determinado tema, mas para quem está do outro lado, aquele que vivencia a religião, que lê com 
outro sentido, que reza, que acredita, talvez, seja realmente difícil entender como nós antropólogos 
podemos fazer tudo isso e continuarmos a parte ou não compartilhar dos mesmos “segredos”, das 
mesmas “cosmologias”. A verdade é que em campo mesmo não sendo totalmente entendida, me senti 
sempre respeitada, na mesma proporção que também os respeitei, mas nem sempre os compreendi. 
Exercício básico de alteridade fundamental em qualquer metodologia de trabalho. 
 Entendo a pergunta do Sheik: afinal para que serve esse acampamento? Se isso insere várias 
interrogações, também clareia o meu posicionamento, porque eu não sou muçulmana e daí o meu 
lugar, portanto, é outro. Lugar esse, construído, performatizado tanto quanto os próprios muçulmanos. 
A relação construída entre pesquisadora e grupo pesquisado só tem sentido, porque há uma construção, 
 7
uma aceitação, um espaço dialogado de ambas as partes. Nesse sentido é que penso em performance da 
pesquisadora. A noção de performance para Richard Schechner não é meramente a performance em si, 
mas um grande ensaio, uma repetição. O que faz o pesquisador se não ensaiar perguntas? Atitudes? 
Victor Turner apud Schechner. 1985, p.31 afirma que “fazer os movimentos do Nô, mesmo que 
por um breve período, me ensinou mais no meu corpo que páginas de leitura” É a experiência com a 
“performing ethnography” que também encontrei nesse acampamento islâmico, pois me comportava 
como se fosse um deles, este estado de subjuntividade, com certeza ampliou os meus sentidos em 
relação ao grupo que estava pesquisando. A partir dessa experiência surgia o método, a qualificação, a 
tese, a pesquisadora performer. 
Bibliografia 
BUTLER, Judith. “Como os corpos se tornam matéria”. Entrevista (tradução). Revista de Estudos Feministas 
155, 1/2002. 
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. 
______________. “Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo””IN: O corpo educado – Pedagogia 
da sexualidade. Org. Guacira Lopes Louro. Belo Horizonte: ED: Autentica, 2003. 
CALDEIRA, Teresa, P, R. “A presença do autor e a pós-modernidade em Antropologia”. IN: Novos estudos 
CEBRAP, n.21: São Paulo: julho de 1988 pp133-157. 
CARDEIRA, Maria. “De que Gênero é o Norte de África? Reflexões em torno da produção de antropologia, 
gênero e território em contexto africano”. IN: Congrés Internacional d´Estudis Africans . IV Congrés d´Estudis 
Africans del Món Ibéric. Organitzat per la Generalitat de Catalunya i LISA (Laboratori per a la Investigació de 
les Societats Africanes). Sota la direcció d´ARDA (Agrupament per a la Recerca i Docència d´Africa). 
Barcelona, del 12 al 15 gener de 2004. 
_________________. Um Islão Prático – quotidiano femenino em meio popular muçulmano. Oeiras: Celta 
Editora, 1999. 
CORRÊA, Mariza. Entrevista. São Paulo, 2003. PPGAS –USP. Revista Cadernos de Campo ano 12, n.11, p. 
103-122, entrevista concedida a Francirosy Ferreira et alli. 
CRAPANZANO, Vincent. Waiting the whites of South África. New Cork: Vintage Books, 1985. 
GEERTZ, C. Nova luz sobre a Antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. 
HANANIA, Aida, R. A caligrafia árabe. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 
LÉVI-STRAUSS, Claude. Do mel às cinzas. SãoPaulo: Editora Cosac& Naif, 2004. 
PRICE, Richard. First-Time – The Historical Vision of na Afro-American People. Baltimore:Johns Hopkins 
University Press, 1983. 
SILVA, Vagner, G. O antropólogo e sua magia. São Paulo: EDUSP, 2000. 
SCHECHNER, R. Between Theater and Anthropology. University of Pennsylvania Press, Philadelphia, 1985. 
SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. São Paulo: Cia das Letras, 2004. 
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. São Paulo: EDUC, 2000. 
 
1 Cf. Judith Butler (2002, p.20) “Ciente é claro que isso não é tudo o que esse alguém é”. Sabe-se portanto, que “se tornou 
impossível separar a noção de gênero das intersecções política e culturais em que variavelmnte ela é produzida e mantida”. 
2 Congrés Internacional d´Estudis Africans . IV Congrés d´Estudis Africans del Món Ibéric. Organitzat per la Generalitat de 
Catalunya i LISA (Laboratori per a la Investigació de les Societats Africanes). Sota la direcció d´ARDA (Agrupament per a 
la Recerca i Docència d´Africa). Barcelona, del 12 al 15 gener de 2004. 
3 Cf. Entrevista concedida à revista Cadernos de Campo n.11 (2003) da qual pude participar. 
4 Saias longas, camisas de manga cumprida, casacos. 
5 Irmã é a forma como os muçulmanos (as) chamam as mulheres muçulmanas. 
6 Nada que a sensibilidade de quem está atento às falas, aos olhares, aos mínimos gestos que se passam nestes momentos em 
que o caderno de campo ficou no canto esquecido não capte. 
7 O preconceito ela sentia de mulheres árabes em relação a ela que era brasileira, assim como sua mãe. 
 8
 
8 Que a Paz e as benções de Deus estejam com ele diz ela. 
9 Considero o meu trabalho não uma contribuição para Antropologia da Religião, mas sim para Antropologia do Sensível, 
da Performance.

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