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HISTÓRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NOS EUA Neste módulo abordará a história da origem da disciplina de Administração Pública nos EUA e no Brasil. Esta seção, em especial, focará na história da Administração Pública nos EUA, porque, segundo Farah (2011), foi este país o qual influenciou na origem e consolidação da área no Brasil. Desse modo, será aborda a história da Administração Pública como disciplina e, posteriormente, a história do surgimento dos cursos de administração pública. História da disciplina de administração pública nos EUA e na América Latina Segundo Farah (2011), a disciplina teve início por volta dos anos 1887, nos EUA, com o artigo “The study of administration” de Woodrow Wilson, publicado na revista Political Science Quarterly, cujo destaque fica por conta da explicação sobre a diferença entre administração pública e política como uma forma de superar as práticas de patrimonialismo e apadrinhamento (próprias daquele país na época), pois, para Wilson, a melhor forma de desenvolver a administração pública era tomar do management empresarial as normas de disciplina e de mérito na manutenção do cargo e nas promoções (SARAVIA, 2006). Entretanto, para Farah (2011), apesar da administração pública se constituir sob uma de suas tradições, o estudo das práticas de patrimonialismo e apadrinhamento, a mesma possui tradições diferentes ao redor do globo. Para exemplificar, Farah (2011) cita o caso da Europa continental, cuja tradição reside no direito administrativo, e da Inglaterra, cuja tradição está no pragmatismo. Outro ponto importante é a influência que a administração pública sofreu dos conceitos abordados pela administração científica. Segundo Saravia (2006), isso começou no final da segunda metade do século XIX e foi até a Segunda Guerra Mundial. Farah (2011) explica que tal fato aconteceu porque a disciplina tinha o intuito de formar a burocracia governamental (responsável pela execução ou implementação das políticas públicas), e da disciplina da administração pública era vista pela administração científica como espaço da execução, pelo Executivo, de ações definidas na esfera da política. Em outras palavras, a administração pública “era vista, assim, como uma ciência “livre de valores”, cuja missão era contribuir para que a administração governamental “funcionasse” de forma econômica e eficiente” (FARAH, 2011, p. 815), e para isso era necessária uma preparação dos servidores para atividades-meio, como: orçamento e gestão de pessoal. Por outro lado, para Beatriz Wahrlich (1967), o que se observava na evolução das ciências administrativas na América Latina foi o seguinte movimento de enfoques: primeiro, o legalista ou jurídico; segundo, teorias da organização; e por fim, as ciências do comportamento (SARAVIA, 2006). Saravia (2006, p. 22) recorda que, por conta da cultura latina, sob a perspectiva jurídica, estar pautada no legalismo, levou-se a “uma consideração um tanto estática do Estado e da administração pública, que privilegia o estudo das estruturas e das normas que organizam a atividade estatal”. Um ponto interessante a respeito do legalismo observado na América Latina é a sua história. Enquanto no início, mais precisamente, nos séculos XV e XVI, toda a legislação estava pautada na legislação ibérica (de tradição romana), por conta dessa vir acompanhada junto às naus de seus conquistadores, ela, posteriormente, passou a ser complementada pelo direito administrativo francês inspirado pelo código napoleônico (SARAVIA, 2006). Já nos países de cultura anglo-saxã, o sistema jurídico está regido sob o sistema do commom law, ou seja, o “mundo jurídico está integrado por outras normas e princípios, entre os quais prevalece o princípio dos precedentes jurisprudenciais. A justiça norte-americana equiparou os atos jurídicos da administração aos atos privados...” (SARAVIA, 2006, p. 22). Portanto, há uma diferença existente entre esses dois sistemas jurídicos: enquanto na América Latina há um sistema próprio para julgar atos de cunho administrativo, na tradição dos países anglo- saxões os aspectos da organização administrativa são estranhos à área jurídica. Em um momento posterior, em meados do século passado, com a dissociação entre a administração e a política, houve um “esvaziamento” da dimensão pública da administração e isso acarretou em uma crise de identidade da disciplina (FARAH, 2011). Para que a disciplina superasse essa crise, ela trilhou por dois caminhos: 1) [...] fortalecimento do polo da política, levando à reaproximação entre administração pública e ciência política; 2) [...] consolidação da vertente da ciência administrativa – incluindo teoria organizacional e gestão –, o que foi possibilitado pela vinculação de parte dos professores e pesquisadores da área a escolas de negócios ou administração de empresas (business schools) (FARAH, 2011, p. 816). Farah (2011) enfatiza que, entre os anos 1950 e 1970, ao trilhar pelo primeiro caminho, a disciplina perdeu sua identidade, chegando a quase desaparecer como subcampo da ciência política, e ao trilhar pelo segundo caminho, a disciplina acabou perdendo a referência à sua dimensão pública, valores e interesse público. Segundo Henry (1975) e Henry (1995), entre os anos 1960 e 1970, ao mesmo tempo em que ocorria uma expansão dos cursos de pós-graduação nos EUA, passaram a constituir programas independentes de administração pública com uma menor influência dos cursos ligados à área da ciência política e da escola de negócios. Para Farah (2011), essa expansão teve dois objetivos: reforçar a identidade da área e estreitar vínculos com novos campos de estudo e formação, como os ligados à questão urbana (urban affairs, urban studies e urban planning) e as políticas públicas. De forma a atingir este segundo objetivo, entidades que reuniam programas de pós-graduação em administração pública nos EUA criaram em 1970 a National Association of Schools of Public Affairs and Administration (NASPAA). Segundo Henry (1995), foi na NASPAA que se reuniram os programas de administração pública, os de public affairs e os de política pública. Na década de 1970, a disciplina passou a incorporar os estudos de análise de políticas públicas cuja história será melhor detalhada na seção posterior, que se dedicará exclusivamente à política pública. Na década de 1980, Farah (2011) chamava a atenção para a ligeira alteração do que a disciplina passou a entender sobre o que era o “público”. Segundo a referida autora, o “público” era mais amplo do que o Estado, pois passou a “incluir organizações não governamentais, entidades do setor privado e da comunidade e instituições voltadas à inclusão dos cidadãos no processo de formulação, implementação e controle de políticas públicas” (FARAH, 2011, p. 820). Para Frederickson (1999), ao alterar a concepção do que é público, houve a necessidade da disciplina se reposicionar e para isso constituíram-se novas abordagens teóricas e analíticas que fossem capazes de descrever e interpretar mudanças importantes, observadas no Estado e em sua relação com a sociedade. Um breve histórico das escolas e dos cursos que estudam as políticas públicas nos EUA A história nos EUA remete ao período compreendido entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970, quando seu aparecimento se constituiu como uma forma de contrapor às escolas tradicionais de administração pública (FARAH, 2011). Seu surgimento só se concretizou quando houve a união de um grupo de universidades de elite, composto por funcionários da Fundação Ford e da Fundação Sloan, que propôs e implementou uma reorientação da educação profissional para o serviço público em torno do tema da análise das políticas públicas.Assim, o que se pretendia era treinar analistas de políticas públicas (ALTSHULER, 1990 apud FARAH, 2011). Altshuler (1990 apud FARAH, 2011) aponta que as maneiras que essas escolas e cursos de análise de políticas públicas encontraram para se diferenciarem das tradicionais foram: mudar o foco, passando da ciência política para a microeconomia; e, enfatizar os problemas substantivos e as estratégias de solução destes problemas em detrimento do enfoque sob as instituições. Apesar de alguns acreditarem que haveria um distanciamento da administração pública e o estudo de políticas públicas, justificado pela motivação que levou a criação destas, o que aconteceu foi justamente o contrário. Farah (2011) destaca que analistas, como Ospina e Engelbert, mostram que, na verdade, essas escolas e cursos impactaram tanto nos programas de administração pública que fizeram com que estes incluíssem cursos de políticas públicas no núcleo básico da formação desta disciplina. Tal fato pode ser comprovado ao se observar a lista de áreas constitutivas do núcleo básico das escolas e cursos ligados à NASPAA: contexto econômico, político e social; ferramentas analíticas; comportamento organizacional; comportamento individual e comportamento de grupo; análise de políticas públicas e processos gerenciais (HENRY, 1995). E é por isso que Farah (2011, p. 819) afirma que “a análise de políticas públicas passou a ser um elemento integrante da evolução da disciplina a partir da década de 1970”. Mesmo que a definição do que é “público” tenha mudado e influenciado a disciplina de administração pública, ela também provocou alterações na maneira como os estudos de políticas públicas seriam conduzidos (FARAH, 2011). Segundo Rabell (2000), a partir do momento em que houve a “reinvenção” do governo ou reforma do Estado, necessitou-se, também, ir além de estudar as questões relacionadas à burocracia governamental, devido, principalmente, ao fato de as políticas públicas dependerem de uma rede de atores sociais, da coordenação de diversas jurisdições (diferentes níveis de governo, distintas agências de um mesmo nível de governo), da articulação de atores governamentais e não governamentais, assim como de articulações entre governos nacionais e entidades supranacionais ou atores privados transnacionais. Concomitantemente a essa alteração na definição do “público”, os acontecimentos da década de 1970 (guerras, crises petroleiras e financeiras, entre outros), mostraram que o planejamento governamental (orientado, financiado e realizado pelo Estado) estabelecido entre 1950 e 1960 era lento para responder às mudanças vinculadas à globalização (SARAVIA, 2006). O resultado disso foi “uma deterioração de sua capacidade de resposta às necessidades e aos anseios da população e um correlato declínio de sua credibilidade” (SARAVIA, 2006, p. 26). A solução para essa demora do governo em atender a demanda de sua população veio na década seguinte, com o deslocamento da ideia de planejamento para a ideia de política pública (SARAVIA, 2006). Entretanto, Saravia (2006) aponta que o planejamento não foi abandonado, ele apenas incorporou conceitos advindos das transformações operadas nos campos da tecnologia, economia e administração. Isso apenas mostra que há uma necessidade de se incorporar à análise estrutural do Estado o seu funcionamento. Dessa forma, conforme afirma Viana (1996), a produção em matéria de política pública começou a analisar o modo de funcionamento da máquina estatal, tendo como ponto de partida a identificação das características das agências públicas “fazedoras” de política; dos atores participantes desse processo de “fazer” políticas; das inter-relações entre essas variáveis (agências e atores); e das variáveis externas que o influenciam (VIANA, 1996, p. 5). Saravia (2006, p. 27) afirma que “não pode se esquecer da preocupação por obter maior conhecimento a respeito das características mais gerais dos sistemas políticos e das relações que se estabelecem entre políticas públicas e política, de um lado, e entre governo e sociedade, de outro”. Dessa forma, as pesquisas começaram a incluir em seus estudos de estrutura e anatomia do Estado a sua dinâmica e funcionamento estatal (SARAVIA, 2006). (1) Indicação de leitura de artigo científico: Neste módulo focou-se a história da administração pública nos EUA, pois foi este país quem influenciou os estudos de administração pública no Brasil. Entretanto, também é importante conhecer a perspectiva deste campo de estudo nos países mais próximos do nosso. Para isso, sugiro a leitura do artigo “A NOVA IGNORÂNCIA E O FUTURO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA AMÉRICA LATINA” de Alberto Guerreiro Ramos. Para a leitura e download deste artigo, acesse: <bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/download/4830/3583> Acesso em: 20 nov. 2017. CONCLUSÃO Ao longo deste módulo, foram apresentados os principais acontecimentos relacionados à história da disciplina de Administração Pública nos EUA. A importância de se conhecer toda esta evolução nos EUA se dá por conta de os EUA e algumas de suas instituições auxiliarem na implementação da disciplina aqui no Brasil. REFERÊNCIAS FARAH, M. F. S. Administração pública e políticas públicas. RAP: Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 45, n. 3, p. 813-836, maio/jun. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rap/v45n3/11.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2015. FREDERICKSON, H. George. The John Gaus Lecture. The Repositioning of American Public Administration. PS: Political Science & Politics, p. 701-711, dec. 1999. Disponível em: <http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=8808901>. Acesso em: 15 jul. 2016. HENRY, N. Paradigms of Public Administration. Public Administration Review, v. 35, n. 4, p. 378-386, jul./ago. 1975. Disponível em: <https://sangyubr.files.wordpress.com/2012/02/paradigms-of-public-administration.pdf>. Acesso em: 15 julho de 2016. HENRY, L. L. Naspaa history. A summary report from the Naspaa Historical Project, prepared for Naspaa’s 25th Anniversary Conference, Austin, TX, oct. 18-21, 1995. Disponível em: <http://www.naspaa.org/about_naspaa/about/history.asp>. Acesso em: 15 julho 2016. RABELL, L. S. 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RAP: Revista de Administração Pública, v. 1, n. 2, p. 239-265, 2. Semestre de 1967. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/download/4178/2967>. Acesso em: 15 jul. 2016. Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. Sob licença Licença Creative Commons Atribuição Compartilha Igual 4.0