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pensamento, e não mera representação de metodologias prévias na determinação do que são as coisas, é uma “pro-cura” que se lança na direção (pro-) de uma cura, isto é, do cuidado com as questões que nos erigem em nosso próprio ser. Pensar, originariamente, não se limita a raciocinar. Pensar é deixar-se procurar pelas questões que nos “pro-curam” e “dis- Revista Litteris - Ciências Humanas - Filosofia Novembro de 2010 Número 6 ponibilizam”. Ser livre é obedecer às questões que já desde sempre em nós se destinam. Obedecer é “ob-audire”, “colocar-se em posição de escuta”. Ser livre é obedecer, isto é, pôr-se na posição de escuta das questões, evidentemente não com os ouvidos, mas com a procura do sentido do que em nós já se destina. A circularidade ressonante das questões Quem se dispõe a entrar no âmbito das questões – quem se dispõe a questionar, a tematizá-las no pensamento, a obedecê-las – sempre anda em círculos. Se eu digo: A é igual a B; B é igual a C; logo A é igual a C, estou empreendendo um raciocínio lógico-silogístico, que se descreve de maneira linear. 6 Uma questão jamais é linear. Uma vez que estamos dentro das questões, questionar é sempre nos dirigirmos ao lugar em que já desde sempre estamos e somos. Entretanto, porque estamos tão dentro das questões, como nossa própria possibilidade de ser – por elas estarem sempre tão perto –, também são sempre o que de nós mais dista. O que está mais perto é sempre o que está mais distante. Veja-se: o que nós somos é certamente o que nos parece o mais perto. Entretanto, é também o que está sempre mais distante: o que viermos a saber de nós mesmos jamais esgotará não só o que somos, mas também e principalmente o que podemos vir a ser, o que ainda não somos, vez que sempre somos muito mais do que sabemos. Por este motivo, somos sempre grandes desconhecidos para nós mesmos. Como disse Álvaro de Campos, em referência irônica e explícita ao cogito cartesiano (PESSOA, 1995, p. 363): Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! A circularidade das questões não é algo nocivo, que devesse ser evitado. Ao contrário, a virtude das questões é mesmo a sua circularidade. Não o círculo vicioso, dentro do qual entra quem intenta definir o que não pode ser definido. As questões propõem um o círculo virtuoso, dentro do qual alarga seu horizonte existencial quem questiona. Virtus quer dizer força, donde virtude. Por estarmos dentro das questões, a lógica com sua linearidade jamais pode esgotá-las. A existência não é linear nem Revista Litteris - Ciências Humanas - Filosofia Novembro de 2010 Número 6 silogística, e a força do questionamento está em facultar o amadurecimento existencial de quem questiona. “O rio não quer chegar, mas ficar largo e profundo”, diz-nos Guimarães Rosa. Como vivemos, entretanto, em um tempo tão dominado pelo entendimento de que a lógica, que serve de esteio à construção do real sob a batuta da ciência e da técnica, é a única portadora da verdade, aos olhos de muitos o percurso das questões em sua circularidade pode parecer ilógico, no sentido do falso. No entanto, há muitas outras maneiras de pensar que não se restringem à lógica, e que nem por isso são falsas. Embora o Positivismo as tenha detraído, há pensamento – e abissal – nos mitos, nas religiões, na arte. Também essas realizações são o “pro-curar” e o “co-responder” humano ao apelo permanente das questões. Se, por estarmos dentro das questões, não podemos defini-las, isto não é uma deficiência. Ao tentarmos “co-responder” às questões, entramos em um círculo de ressonância que repercute em quem nós mesmos somos. As questões e os conceitos Nenhum conceito que se estabeleça pode esgotar as questões. O homem sempre vige na tensão entre a questão e o conceito que tenta apreendê-la. Conceito é “cum-capere” (“apreender com”). A questão dirige-se ao homem, e ele “pro-cura” apreendê-la com conceitos. Mas a resposta que o conceito tenta dar às questões não as esgota. Por isso, o homem não somente sempre está, mas é o interlúdio ou o intervalo entre a questão e o conceito. As respostas que o homem procura conferir às questões não são só as que ele discursivamente dá, mas as que ele projeta no seu próprio desempenho existencial, em tudo o que ele faz ou deixa de fazer, seja quando fala, seja quando cala. Pois é certo que, dependendo do que faço ou deixo de fazer em minha existência, quer me dê conta ou não, estou sempre projetando um sentido do que são a Vida, a Morte e o Tempo. Disso não há como fugir. Dependendo das ações e inações que assumo ao longo da existência, projeta-se o sentido de minha existência, sempre solicitada pela fonte originária das questões. Portanto, a quem é dado o questionar é facultado o “experenciar”, isto é, o movimento para fora (ex-) dos limites (péras) de Revista Litteris - Ciências Humanas - Filosofia Novembro de 2010 Número 6 onde se está postado. 7 Este movimento para fora é um êxtase, isto é, ir para fora (ex-) de onde se está postado (stásis), e também, simultaneamente, uma êntase, um movimento para dentro (en- e stásis), na medida em que o questionamento se incorpora ao horizonte de desempenho existencial. Ao percorrer as questões, tentando conceituá-las, elas se velam em qualquer desvelamento que façamos. Pensar, como diz a palavra “penso” (curativo), é a cura e o cuidado com as questões que estão sempre a se velar, porque jamais cabem em conceitos. Pensar é a condução não do escuro para o claro, como quer o racionalismo iluminista, e, sim, do claro para a escura fonte originária das questões., sempre velada. As questões e a arte A arte também se erige a partir das questões que se dirigem ao homem em seu próprio ser. As questões estão na origem tanto do homem quanto da obra de arte. Cada homem é a consumação das questões em seu próprio desempenho existencial, e a obra de arte é a consumação das questões pondo-se em obra na obra. “Obra” vem de opus, e “operar” vem de operare. Em ambos, o radical “op-” indica “abundância”, “germinação”, “fecundação”, como vemos na palavra “opulência”. A obra é o operar da fecundação das questões. Esta fecundação se dá no âmbito do pólemos entre o real e seu sentido, pois o real (a coisa) se mostra, se manifesta como fenômeno, mas, silenciando a sua realidade, o que ela efetivamente é, doa-se como sentido. É este silêncio, retração ou velamento que solicitam o desvelamento do sentido do real que é a obra. Na obra de arte, as questões germinam em abundância: ela é o próprio manifestar das questões. E é por isso que a arte não é expressão da subjetividade do artista, e, sim, o “co-responder” às questões pondo-se em obra na obra. A obra de arte é o espaço privilegiado de diálogo, em que aquele que a interroga resulta ser por ela interrogado. Pelo diálogo com a arte, aquele que dialoga não mais estará encerrado nos limites estáticos de uma subjetividade contraposta a um objeto, pondo-se, ao contrário, em deveniência e transformação. As questões que a obra de arte põem em obra convidam quem com ela dialoga à eclosão da verdade de sua consumação existencial, a Revista Litteris - Ciências Humanas - Filosofia Novembro de 2010 Número 6 fazer a travessia da realização de sua própria humanidade. Esta é a virtude do círculo hermenêutico: aquele que questiona acaba sendo questionado pelas questões. Então, pode ocorrer aquilo que Richard Palmer nos diz sobre o ponto fulcral da experiência hermenêutica,