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O Romance Tragicômico de Machado de Assis - Ronaldes de Melo e Souza

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O ROMANCE TRAGICÔMICO DE MACHADO DE ASSIS1
 
 
Ronaldes de Melo e Souza - UFRJ 
 
 
 A originalidade do romance machadiano no contexto da literatura nacional e 
internacional, eis a tese que se pretende demonstrar através da elucidação hermenêutica 
da estrutura conjuntiva e coesa da forma dramática e da mundividência tragicômica. A 
concepção machadiana do romance como drama de caracteres se comprova na 
encenação dos personagens, que se nos apresentam como consciências cindidas em 
conflitos consigo mesmas e com os outros, e na auto-dramatização do narrador, que se 
compraz em representar os outros eus, e não o próprio eu. A originalidade do narrador 
machadiano consiste em atuar como ator dramático, que assume e finge todo gênero de 
caracteres, desempenhando diferentes papéis, articulando uma alternância vertiginosa 
de perspectivas ou máscaras narrativas, modulando vários pontos de vista, sempre 
recusando a inflexão inercial de se imobilizar na representação doutrinária de um só 
papel, na adoção monológica de uma visão de mundo pretensamente normativa. 
 O narrador que finge múltiplas vozes ou que realiza a mimesis de várias atitudes 
nada tem de volúvel. Pelo contrário, cumpre a sublime função dramática de legítimo 
mediador dos sentidos culturalmente consentidos pelos diversos estratos sociais da 
comunidade histórica. Exemplo extremo e sério da representação da alteridade, o 
narrador singularizado como fingidor representa a disputa das ideologias em luta, e não 
o primado epistemológico de uma ideologia em particular. Além da mobilidade dos 
gestos e dos atos do narrador multiperspectivado, a originalidade do romance 
machadiano também se verifica na mundividência tragicômica do Satyrikon dionisíaco, 
que subage na urdidura poética dos dramas de Eurípides e Shakespeare. A reversa 
harmonia da tragédia e da comédia, poematizada por William Shakespeare sob a forma 
do drama e por Machado de Assis sob a forma do romance, constitui o testemunho 
eloqüente da perenidade do Satyrikon do deus do duplo domínio da luz e da treva, do 
bem e do mal, da vida e da morte. O drama encenado pelo narrador machadiano se 
notabiliza como tragicômico, na acepção originalíssima da mundividência dionisíaca, e 
não somente no sentido secundário da fusão do trágico e do cômico. A fim de 
demonstrar a tese proposta, necessário se torna elucidar a origem dionisíaca do drama 
tragicômico e a sua vigência no romance Quincas Borba . 
 
 
 
1 Texto apresentado no Colóquio de Literatura organizado pela UERJ de São Gonçalo em 2005. 
1. A origem dionisíaca do drama tragicômico 
 
 A extraordinária amplitude artística da revolução estrutural da narrativa 
machadiana somente se compreende quando se nota a dramatização do narrador e dos 
eventos narrados. O narrador se representa dramaticamente revestido das múltiplas 
máscaras narrativas, que se compaginam no multiperspectivismo narrativo em perfeita 
consonância com o saber preconizado pela gaia ciência da ficção irônica. Os eventos 
narrados dramatizam a natureza reticente, contraditória e multiforme dos caracteres em 
conflito consigo mesmos e com os outros. O plurivocalismo do narrador desdobrado em 
várias personalidades e o concerto de vozes que se dialetizam na interioridade anímica 
dos personagens transmutam a ficção narrativa de Machado de Assis numa sinfonia de 
reflexões devotadas à análise do bivocalismo da consciência que se bifurca no 
antagonismo moral da razão e da vontade, do bem público e do interesse privado, do 
acerto racional e do desconcerto passional. Os personagens que atuam no universo 
machadiano sempre se representam tensionados pelo impacto dúbio da consciência 
cindida em polêmica consigo mesma, empuxada por forças simétricas e opostas. A 
tensão dramática, que os impulsiona e lhes singulariza o perfil psicológico, submete o 
contorno homogêneo e coerente da conduta delineada pela caracterologia tradicional 
dos compêndios éticos e poetológicos a uma desconstrução irônica. 
 Na deliberada oposição aos axiomas propugnados pela tradição cultural e literária, 
que se tornou hegemônica no decurso histórico da civilização ocidental, Machado de 
Assis adota uma perspectiva através dos séculos e transpõe para a forma inovadora da 
ficção irônica a visão tragicômica do drama dionisíaco, que celebra o duplo domínio da 
vida e da morte. A interpretação do mito e do culto de Dioniso, efetivada por Walter F. 
Otto, elucida a duplicidade do deus que os contrários não contradizem, porque ele os 
contêm em si mesmo (Otto, 1969). Nascido da hierogamia do imortal Zeus e da mortal 
Semele, Dioniso se distingue da idealidade dos deuses olímpicos porque o seu ser não 
se contrapõe ao não-ser, e a sua vida não subsiste, senão porque a morte existe. Ele 
aparece, nos mitos e ritos, como agente da expansão vital e, ao mesmo tempo, como 
paciente da contração mortal. Dobrando e desdobrando o selado segredo do ser que 
bem quer ocultar-se, as epifanias dionisíacas, tanto as teriomórficas (Zagreus), quanto 
as fitomórficas (Dendrites), dramatizam a tensão harmônica do movente conúbio do 
superno celestial e do inferno terrestre. Divino guardião da reversa harmonia da euforia 
luminosa e da disforia trevosa, Dioniso se manifesta como portador da fulgurante 
presencialização olímpica e da ofuscante ausencialização tartárica. 
 Na hierofania do êxtase dionisíaco, cantado e dançado no ritmo ditirâmbico, a 
patência teofânica do ser e a latência teocríptica do não-ser mutuamente se implicam. 
Renascendo do sacríficio de sua vida para sempre recomeçada, Dioniso se cultua como 
senhor dos vivos e dos mortos. A sacrossanta essência do seu nascimento se consuma 
na consagração do seu falecimento. No desvelamento da matriz abissal da sacralidade 
subterrânea, a verdade paradoxal da religiosidade báquica se condensa na enunciação 
de que viver é não cessar de morrer. Em confronto com a idealidade consignada nos 
axiomas da conduta disciplinada, o ditame dionisíaco confuta a pretensão hegemônica 
do simbolismo apolíneo, que se expressa no vitalismo antropocêntrico do povo grego. 
Dioniso, que se anuncia como deus destruidor do homem puramente humano, 
demasiado humano (Dionysos anthroporraistes ), submete a uma descontrução irônica 
a simbólica antropoplástica da cultura grega, que se tornou normativa no decurso 
histórico da civilização ocidental. No fulgor sombrio do complexo ritual do perséquito 
das mênades, o alarido passional e o silêncio glacial se complementam como 
expressões polares do louvor e do terror provocados pelo aparecimento súbito e pelo 
desaparecimento repentino da divindade que prodigaliza o desenvolvimento da 
vitalidade e o envolvimento da mortalidade. 
 Justamente porque não alegoriza nenhum ente dissimulado ou oculto numa suposta 
idealidade substancial, precisamente porque tautegoriza a realidade processual e 
diluvial da essência inebriada de ausência é que a máscara se impõe como símbolo da 
teofania dionisíaca (Otto, 1969, 81-6). Sem avesso nem fundo, porque nada contém 
dentro de si, a máscara simboliza a manifestação do que é simultaneamente presente e 
ausente. Na religação da sobriedade cósmica e ebriedade caótica, em que o luciforme 
universo divino e o cruciforme destino se congregam na concórdia discordante ou na 
discórdia concordante, a máscara dionisíaca assinala a eurritmia do mundo que devém e 
revém no eterno retorno da fascinante essencialização e da excruciante nadificação. 
Símbolo epifânico do plexo da vida e da morte ou do nexo do ser e do nada, a máscara 
divina constitui a sagrada cifra em que se decifra o enigmático fragmento heraclítico, 
segundo o qual Dionysos e Hades são um e o mesmo deus. 
 A fim de confirmar que a mascarada do narrador machadiano se fundamenta na 
mundividência dionisíaca, convém remontarao período arcaico da cultura grega, em 
que se representava o drama tragicômico em homenagem ao deus do duplo domínio da 
tristeza e da alegria, do rapto trágico da morte e do impulso festivo da vida, do funesto 
canto da tragédia e do riso cordial da comédia. A separação aristotélica dos gêneros da 
poesia trágica e cômica, que se impôs à tradição literária ainda dominante, corresponde 
ao desígnio histórico da época clássica da Grécia, que se caracteriza pelo primado da 
análise e da classificação filosófica em oposição ao conhecimento preconizado pelos 
poetas e pensadores antigos, que poematizam a unidade dual dos contrários que se 
complementam na intimidade ambivalente da natureza que bem quer ocultar-se e no 
duplo domínio divino do vivo e do morto. A representação do drama mesclado de 
alegria e dor da tragicomédia constitui a única forma artística que se compatibiliza com 
a reversa harmonia da arte dionisíaca. A forma tragicômica da poesia do som e da 
palavra remonta ao Satyrikon, que não se perdeu no passado imemorial, mas se 
conserva como princípio de construção de várias obras da literatura ocidental. Os textos 
teatrais de Eurípides na antigüidade e de Shakespeare no alvorecer da modernidade são 
testemunhos inequívocos do vigor criativo da mundividência tragicômica. 
 Na parte final do Banquete de Platão, Sócrates tenta convencer Aristófanes e 
Ágaton de que o homem que sabe compor tragédias deve também saber compor 
comédias. A convicção socrática de que aquele que tem a arte de poeta cômico tem 
igualmente a arte de poeta trágico (Symposium, 223 D) supõe uma fase anterior à 
separação dos gêneros da comédia e da tragédia. A existência de um gênero poético 
originariamente tragicômico como fonte comum da arte dos comediógrafos e dos 
tragediógrafos não se atesta apenas na alusão de Sócrates, mas também no capítulo 
quarto da Poética de Aristóteles, em que se afirma que, na linha evolutiva do ditirambo 
ao gênero solene e austero da tragédia, interpõe-se o Satyrikon, que é a forma poética 
de estilo sério-jocoso da tragédia vinculada originariamente ao mito e ao culto 
dionisíaco. Quintino Cataudella, no estudo sobre a referência aristotélica ao Satyrikon, 
argumenta a tese de que a antinomia da comédia e da tragédia constitui uma negação 
injustificável da religião do deus do duplo domínio da ebriedade vital e do rapto mortal 
(Cataudella, 1965). 
 O helenista Cataudella observa que o termoSatyrikon, utilizado por Aristóteles, pode 
ser entendido em duas acepções, uma literal, que designa as composições destinadas 
aos coros de sátiros, que se assemelham embrionariamente aos dramas satíricos dos 
tempos ulteriores, e outra figurada, que se refere ao gênero poético sui generis, que 
contém na sua unidade dual a consonância dissonante ou a dissonância consonante do 
cômico e do trágico. Muito aquém da separação da comédia e da tragédia, o neutro 
Satyrikon define a forma originária da poesia tragicômica. A definição aristotélica da 
satyrike poíesis concebe o Satyrikon como uma forma poética primeva, que se 
distingue da representação ritualística do drama protagonizado pelos sátiros e do drama 
satírico propriamente dito. (Cataudella, 1965, 164). Nascida do ditirambo entoado em 
louvor do deus do duplo domínio da vida e da morte, da alegria e da dor, do entusiasmo 
triunfante e do lamento fúnebre, a forma poética do Satyrikon constitui a fonte criadora 
dos autores que poetizam a tensão harmônica dos extremos contrapolares. 
 O estatuto tragicômico da forma poética do Satyrikon assegura a coesão dramática 
das Bacantes de Eurípides. A peça considerada pela maioria dos críticos como a mais 
trágica das tragédias euripidianas dramatiza um argumento genuinamente dionisíaco. 
No terceiro episódio (vv. 576-861), o deus Dioniso, invocado pelos figurantes do coro, 
comparece in persona no palco dos eventos, dirige-se aos fiéis e lhes alivia a aflição 
com o relato em que explica os eventos ocorridos no interior do palácio. Cataudella 
enfatiza que a forma métrica adotada na enunciação da fala do deus, precedida e 
acompanhada pelo comentário do coro, é a do tetrâmetro trocaico, que Aristóteles julga 
ser o metro próprio do Satyrikon (Cataudella, 1965, 171). Cantarella sublinha, em dois 
estudos complementares, que a natureza dual, desmesurada e contraditória de Dioniso 
requer a interação poética do trágico e do cômico como a forma capaz de se harmonizar 
com a duplicidade do deus que contém os contrários no seu próprio ser (Cantarella, 
1971 e 1974). Seidensticker demonstra, no ensaio e no livro dedicados à exegese dos 
elementos cômicos na tragédia grega, que a comicidade e a tragicidade mutuamente se 
correspondem, tanto na cena ridícula de Tirésias e Cadmo, quanto na terrível cena do 
ludíbrio com que Dioniso induz a morte de Penteu (Seidensticker, 1978, 303-320 e 
1982, 115-129). No início do primeiro episódio, os dois velhos, Tirésias e Cadmo, se 
revestem das insígnias do deus Dioniso e se apresentam empunhando o tirso, cingindo a 
nébrida e com a hera lhes coroando a fronte. O efeito tragicômico dos velhos revestidos 
de bacantes resulta do contraste entre a fraqueza física, que se nota nos passos trôpegos, 
e o entusiasmo contagiante das Mênades, emblematizado nas insígnias dionisíacas 
 No quarto episódio (vv. 912-976), Dioniso promete a Penteu satisfazer-lhe o desejo 
de contemplar as bacantes acampadas na montanha desde que o rei consinta em 
disfarçar-se de mulher. O deus justifica a necessidade do disfarce, alegando que as 
mênades matam os homens que ousam espioná-las. Para assistir ao que lhe parece ser 
uma bacanal de mulheres ébrias, Penteu cinge o corpo com um peplo de linho, 
ataviando-se com mitra na fronte, pele de corço e longa cabeleira. A cena do rei 
travestido de mênade atinge a culminância de uma bufoneria, sobretudo porque a guerra 
santa de Penteu tem por objetivo aniquilar o menadismo. No entanto, o efeito cômico 
não se dissocia do trágico. Eudoro de Sousa observa que o sinistro humor da disposição 
resoluta com que Penteu se dirige a Dioniso e se declara pronto para envergar a 
vestimenta feminina se condensa na ambigüidade do verso 934: "Pronto! Enfeita-me 
tu, em tuas mãos estou!": 
 
 "(...) no original, 'anakeímesthai soí' tanto pode significar 'estou nas tuas mãos', como 'estou 
consagrado a ti', ou, com os olhos postos na seqüência do mito, 'sou a vítima destinada ao sacrifício', que 
hão de celebrar para gáudio teu'"(Sousa, 1974, 106). 
 
 Dodds surpreende, no estatuto calculado da arte euripidiana, a simetria irônica que 
se estabelece entre os episódios segundo, em que Penteu aprecia com desdém o traje de 
Dioniso, e o quarto, em que Dioniso zomba de Penteu travestido de mênade (Dodds, 
1960, 192). A ironia dramática encalça os passos do rei em marcha rumo ao Citeron, 
onde lhe aguarda, malgrado a indumentária, a morte por decapitação e despedaçamento 
nas mãos das sacerdotisas do ritual sangrento de Dioniso Zagreus. O fulgor sombrio da 
cena em que Ágave, a mãe de Penteu, toma em suas mãos a cabeça do filho e a espeta 
na ponta do tirso suscita compaixão e terror, que são as emoções trágicas por 
excelência, mas, ao mesmo tempo, efetiva a reversão irônica do perseguidor de Dioniso 
em vítima dionisíaca. No enlace tragicômico das cenas do travestimento e do desfecho 
horrível de Penteu despedaçado pelas furiosas mênades, Eurípides provoca no 
espectador ou leitor as comoções indissociáveis do riso da comédia e do lamento 
fúnebre da catástrofe trágica. A mistura indissolúvel do trágico e do cômico, que 
articula a forma dramática das Bacantes, isomorficamente se relaciona com a 
ambivalência do mito e do culto dionisíaco. 
 A vigência poética do Satyrikon como drama tragicômico atua como força 
plasmadora das peças de Shakespeare, que convertem o ditame tradicional daseparação 
dos gêneros na interpenetração dinâmica da tragédia e da comédia. Na primeira cena do 
ato quinto de Sonho de uma Noite de Verão (vv. 58-71), o jocoso e o trágico são 
evocados como fatores constitutivos de uma tragicomédia em que possível se torna a 
representação simultânea do ruidoso riso e das lancinantes lágrimas. Na ambivalência 
dramática do acordo no desacordo das emoções tensionadas na reversa harmonia dos 
contrários ritmados na dissonância consonante ou na consonância dissonante das 
disposições animicamente empuxadas em direções opostas, subage em surdina o 
substrato dinâmico do Satyrikon dionisíaco. Macbeth se inicia com o sinistro humor 
das bruxas que profetizam o destino sombrio do regicida, que repercute no motejo do 
falar dobrado dos oráculos que anunciam a coexistência do bom e do mau no caráter do 
herói e da vitória e da perda em sua luta pelo poder. O assassínio de Duncan converte o 
itinerário existencial de Macbeth na sombria senda de horror e sangue. O sentimento de 
culpa, que lhe tumultua a mente, transforma a sua vida numa errância tenebrosa, 
sacudida de pesadelos. A insana disputa do personagem duplicado no antagonista de si 
mesmo suscita aflição e terror. Contudo, na cena do porteiro, funcionalmente justaposta 
à cena do regicídio, a comicidade dos gestos e palavras obscenas do porteiro sonolento 
se consorcia com a tragicidade do ato nefando (Macbeth, II.3). A justaposição 
tragicômica das cenas funestas e ridículas de tragédia e bufoneria constitui o 
testemunho artístico de que Shakespeare é o poeta da modernidade intimizada com a 
antigüidade do Satyrikon. 
 As figuras cômicas do camponês na segunda cena do ato quinto de Antônio e 
Cleópatra , dos coveiros em Hamlet e do bobo em O Rei Lear são notáveis exemplos 
da tensão harmônica do jocoso e do sério, que singulariza o drama tragicômico de 
Shakespeare. Na desconcertante cena em que o camponês traz um cesto de figos e 
áspides para a rainha do Egito oficiar o drama ritual do suicídio, Cleópatra pergunta se 
a serpente a comerá, e o campônio, num tom ambíguo e reticente, responde que lhe 
deseja bom proveito da cobra. Na reversa harmonia da tragicomédia, o cômico parece 
mais cômico, e o trágico se torna mais trágico. A arte shakesperiana da unidade 
tragicômica dos contrários se impõe como matriz literária de vários escritores 
modernos. Karl Guthke, no estudo intitulado A Tragicomédia Moderna, demonstra que 
Luigi Pirandello, Eugène Ionesco, Friedrich Dürrenmatt, Jack Richardson e Harold 
Pinter se notabilizam como autores que realizam com tamanha intensiddade a 
interpenetração dinâmica do cômico e do trágico em cada um de seus dramas, que o 
cômico parece trágico, e o trágico se revela cômico (Guthke, 1968). 
 O reconhecimento do drama tragicômico como forma suprema da arte constitui uma 
das glórias de pensadores e poetas alemães no alvorecer da modernidade. Schelling 
sustenta a tese de que a interação do cômico e do trágico constitui o princípio 
articulador da estrutura do drama moderno (Schelling, 1859, 718). Hoffmann exalta o 
efeito portentoso que a unidade tragicômica da obra de arte provoca no ânimo do 
espectador ou do leitor (Hoffmann, 1957, 100). Nas preleções vienenses de 1808, 
Ausgust Wilhelm Schlegel concebe o gênero mesclado da tragicomédia como 
expressão da natureza contraditória do homem da modernidade. De acordo com 
Guthke, o autor que colige e interpreta copiosa documentação relativa à moderna teoria 
tragicômica, as preleções de A. Schlegel se credenciam como súmulas poéticas, que 
alcançam notoriedade internacional através do livro De L´Allemagne, de Mme de Staèl, 
publicado em 1810 (Guthke, 1968, 107). Friedrich Schlegel aponta o extraordinário 
alcance especulativo do drama shakesperiano como exemplo consumado do interesse 
moderno em conciliar o comedimento do espírito e a desmesura da natureza (Guthke, 
1968, 109). 
 A teoria francesa da tragicomédia como gênero especificamente moderno da 
conciliação dos contrários se encontra no prefácio que Victor Hugo escreveu em 1827 
para o seu drama Cromwell. Na defesa calorosa da nova forma dramática, o poeta alega 
que o feio e o belo, o disforme e o gracioso, o grotesco e o sublime, o bem e o mal, a 
sombra e a luz coexistem como parelhas que se harmonizam com a natureza 
ambivalente da realidade cósmica e com o caráter dúplice do homem que congrega em 
si mesmo o corpo e a alma, a matéria e o espírito, o sensível e o inteligível (Hugo, 
1976, 25-35). Em oposição aos valores tradicionais da arte, que confutam a duplicidade 
em nome da unidade abstraída da alteridade, Victor Hugo argumenta que a função da 
poesia moderna consiste em substituir a melodia monótona da organicidade do uno 
unitário pela tensão harmônica da identidade e da diferença. Na reversa harmonia, o 
sublime e o grotesco se atraem e mutuamente se gratificam, de modo que o sublime se 
torna mais sublime, e o grotesco se revela mais grotesco. No contraste e pelo contraste 
é que o sentido de tudo que existe se intensifica e se perfaz: "A salamandra faz 
sobressair a ondina; o gnomo embeleza o silfo" (Hugo, 1976, 31). 
 Na visão hugoana, o grotesco se define como forma embrionária da comédia, e o 
sublime se reporta à epopéia e à tragédia, gêneros considerados nobres, belos e solenes 
pela tradição historiográfica da literatura. A harmonização do sublime e do grotesco, 
postulada pelo manifesto em forma de prefácio, equivale à interpenetração dinâmica da 
comédia e da tragédia, que se realiza magistralmente na dramaturgia shakesperiana. 
Poeta supremo da tragicomédia moderna, Shakespeare é, por antonomásia, "o drama 
que funde sob um mesmo alento o grotesco e o sublime, o terrível e o bufo, a tragédia e 
a comédia" (Hugo, 1976, 37). A poesia correspondente aos tempos modernos tem por 
função realizar a mimesis do real que se realiza, tanto na ambivalência do homem 
tensionado entre o impulso espiritual e a solicitação corporal, quanto na duplicidade 
originária da natureza que se revela e, simultaneamente, se oculta no eterno processo da 
criação e da nadificação. A vida em geral, já de si, manifesta-se como ato 
essencialmente poético de formação e transformação das formas incessantemente 
renovadas. Na sintonia com a unidade da natureza que se desdobra na multiplicidade 
das suas criações, o poeta tragicômico se compraz na mobilidade pura, que o faz passar 
"da seriedade ao riso, das excitações cômicas às emoções dilacerantes" e que o 
singulariza como ser que contém em si mesmo os contrários, porque se nos apresenta 
"dotado com a alma de Corneille e a cabeça de Molière" (Hugo, 1976, 69 e 84). 
 A tragicomédia, concebida como forma poética que remonta ao Satyrikon, se 
mantém, no decurso de sua evolução histórica, como o gênero radicalmente moderno da 
literatura ocidental. Moderno, não no sentido cronológico de ser atual ou de estar na 
moda em determinada época, mas na acepção poetológica da originalidade. O estatuto 
tragicômico como parâmetro de avaliação estética permite compreender, numa 
perspectiva através dos séculos, que os poetas Eurípides e Shakespeare são 
contemporâneos. O argumento de que o termo tragicomédia é uma invenção tardia não 
se justifica por dois motivos. Primeiro, porque a forma tragicômica do Satyricon 
precede a separação da tragédia e da comédia. Segundo, porque o uso do termo 
tragicomédia, que ocorre pela primeira vez no prólogo do drama de Plauto, intitulado 
Anfitrião, corresponde à necessidade da invenção de uma palavra latina, que traduza 
com precisão a síncrise da comédia e da tragédia, contida no mito e no culto de 
Dioniso, o deus que que ultrapassa limites e distinções de gênero e de classe social: 
 
 "Primeiro, vou dizer aquilo que vos vim pedir; depois vou revelar o argumento desta tragédia. Por 
que é que franziste o sobrolho? Por ter dito que seria uma tragédia?Sou deus, de modo que, se quereis, 
mudo já isto; farei que de tragédia passe a comédia, e exatamente com os mesmos versos. (...) O que eu 
vou fazer é que seja uma peça mista, uma tragicomédia, porque me não parece adequado que tenha um 
tom contínuo de comédia a peça em que aparecem reis e deuses. E então, como também entra nela um 
escravo, farei que seja, como já disse, uma tragicomédia (tragicomoedia)" (Plauto, 1952, 8) 
 
 A conexão da tragicomoedia de Plauto e dos dramas e teorias dramáticas dos 
séculos XV até o XVII, estabelecida por Guthke, permite compreender a vitalidade do 
gênero tragicômico. As tragédias de final feliz (tragedias di lieto fin ) de Giraldi 
Cinthio e as variantes terminológicas das comédias tristes, do drama de prazer e dor 
(Lust-und Trauerspiel ), drama comico-tragicum, drama misto, comédia trágica, drama 
comitrágico e drama tragicômico corroboram o interesse dramático por uma forma de 
arte que contenha em si mesma a interação dos contrários. A indistinção da tragédia e 
da comédia se comprova nos subtítulos de várias peças: comédia ou tragédia, na 
Infância de Cristo (1557), de Hans Sachs; comédia trágica, no Cristo Redivivo (1543), 
de Nicholas Grimald. No prólogo de Baptistes (1603), de Cornelius Schonaeus, afirma-
se que o drama é "uma nova tragédia sacra", (sacra et nova tragicomoedia), que se 
notabiliza por representar "um argumento trágico" no "estilo cômico" (argumentum 
tragicum in oratio comica) (Guthke, 1968, 19-24). Copiosa documentação 
comprobatória da gênese e do desenvolvimento da tragicomédia na Alemanha, França, 
Itália e Inglaterra se compagina nos livros de Karl S. Guthke (1961), T. Herrick Marvin 
(1955), Cyrus Hoy (1964), Henry Lancaster (1907), Frank Ristine (1910), e J. Styan 
(1962). 
 Os dramas que representam a divergência convergente ou a convergência divergente 
do trágico e do cômico suscitam emoções discordantes e complementares. Alegria e 
dor, o jocoso e o sério, o risível e o terrível simultaneamente se atraem e se repelem na 
estrutura complexa da tragicomédia. O efeito dramático da peça genuinamente 
tragicômica desencadeia um impacto tão dúbio, que o espectador ou leitor não sabe se 
ri ou chora. Convém observar que a conversão poética da oposição tradicionalmente 
antagônica da tragédia e da comédia na oposição complementar da antiga e nova síntese 
teatral da tragicomédia realiza a recuperação da mundividência dionisíaca. Na visão 
desdobrada do deus do duplo domínio do ser e do nada, a tragicomédia representa o 
drama universal da vida que não subsiste, senão porque a morte existe. O otimismo 
triunfante e o pessimismo resignado são igualmente refutados por pensadores e poetas 
educados na escola ditirâmbica do Satyrikon de Dioniso. A tragicomédia vinculada ao 
Satyrikon circunscreve a harmonia suprema do saber acerca do ser, porque lhe pertence 
a dissonância como a mais profunda forma de consonância. A gaia ciência dionisíaca 
ensina que a vida não cessa de morrer e que a morte não cessa de nascer. O riso e o 
choro são o anverso e o reverso do mundo regido pelo deus da vida e da morte. 
 Na história da literatura ocidental, a obra de Machado de Assis sobressai como 
perfeita expressão da mundividência tragicômica. A concepção da complementariedade 
dos contrários se comprova em todos os textos do escritor brasileiro. O ditame 
machadiano da conversão do raciocínio dicotômico no pensamento que se dialetiza na 
conciliação dos opostos transmuta os valores compendiados na inflexão inercial da 
mundividência monológica. Aos dezoito anos, no ensaio polêmico "Os Cegos", 
Machado de Assis ironiza o dualismo antagônico, que constitui o princípio articulador 
da tradição ontoteológica da metafísica. A separação platônica do sensível e do 
inteligível, de que decorrem as oposições do corpo e da alma ou da matéria e do 
espírito, o jovem ensaísta a submete a uma desconstrução irônica: 
 
 "Nós não somos nem espiritualista puro, nem materialista; harmonizamos as doutrinas de ambas as 
escolas e seguimos assim em ecletismo com o qual nos damos às mil maravilhas" (Machado de Assis, 
1965, 62). 
 
 No exercício da crítica teatral, Machado de Assis exalta a "fusão da tragédia e da 
comédia, operada por Shakespeare sob a forma do drama" (Machado de Assis, 1961a, 
73). A separação do trágico e do cômico, canonizada por Aristóteles e reiterada ao 
longo dos séculos nos compêndios poetológicos, converte a tensão harmônica das duas 
formas dramáticas da tragicomédia na oposição pura e simples dos gêneros da tragédia 
e da comédia, ignorando que a forma suprema do drama se realiza na reversa harmonia 
do "verso valente da tragédia" e da "frase ligeira e fácil com que a comédia nos fala ao 
espírito" (Idem, 146). Como cronista, reconhece que o princípio lógico do terceiro 
excluído, que pretende anular a contradição do saber acerca do ser, não tem validade na 
arte nem na vida, porque não corresponde à natureza dúplice do homem, que traz 
impresso na própria fisionomia o sinal de dois em um, e de um em dois: 
 
 "Que é o homem senão uma duplicata de alma e corpo? Uma duplicata de olhos, de orelhas, de 
braços, de pernas, de ombros. Tem, é certo, um só nariz; mas esse nariz é uma duplicata de ventas. Tem 
uma só boca, mas essa boca é uma duplicata de lábios. 
 Tudo neste mundo é duplicata" (Machado de Assis, 1961b, 209). 
 
 Educado na eurritmia dos contrários que se complementam, o cronista declara que "a 
monotonia de um céu pasmadamente azul" se lhe afigura reles e vulgar, porque "a vida 
sem peripécias, sem novidade, sem esse relâmpago do inesperado" se assemelha à pior 
das mortes. No mundo próprio do homem, belo e feio se irmanam, pois "o aleijão é 
necessário à harmonia das coisas; o monstro é o complemento da beleza". A sabedoria 
consiste no reconhecimento de que a tensão dos opostos perpassa a natureza 
ambivalente do homem e do mundo: 
 
 "Os antigos, que entendiam do riscado, casaram Vênus a Vulcano; e a lenda cristã reuniu a beleza 
física à fealdade moral, na pessoa do anjo réprobo" (Machado de Assis, 1961c, 43). 
 
 Na forma dramática do conto "Viver!", articulada pelo diálogo de Ahasverus e 
Prometeu, Machado de Assis representa o sentido tragicômico do mundo propriamente 
humano. O judeu errante, depois de viver milheiros de anos, sente-se enfarado da 
existência, mas se consola ao perceber que a espécie humana está morta e que ele é o 
último homem prestes a morrer. Sentado numa rocha simbolicamente situada nos 
confins da terra, que se lhe apresenta como exteriorização perceptível da sua alma 
petrificada pelo peso do tédio, delicia-se com a idéia da morte como potência liberadora 
do fardo milenar da mortificação. Subitamente, ouve a voz do deus grego Prometeu, 
que ressoa em contraste irônico com a disposição anímica desesperada de Ahasverus. O 
criador dos homens surge in persona no palco do evento que se acredita final, 
afirmando que a vida não se encerra com a morte do último dos homens. Prometeu 
alega que a toda espécie que morre sucede outra espécie melhor, que exsurge para a 
vida. O homem responde que não se interessa por delícias póstumas e que nada lhe 
compensa o martírio sofrido. O deus replica que a pena celestial, que o condenou a 
vagar por tanto tempo, foi benévola, porque lhe permitiu conhecer o todo da vida, e 
não apenas a parte. Na unidade em si mesma diversa do duplo domínio dionisíaco, que 
se manifesta na "dança alternada da natureza" em que se albergam a origem primeira e 
o fim último de tudo que devém no horizonte móvel do tempo, um ponto de vista 
somente se legitima quando se liga a outro, que lhe é oposto: 
 
 "Os outros homens leram da vida um capítulo, tu leste o livro inteiro. Que sabe um capítulo de outro 
capítulo? Nada; mas o que os leu a todos, liga-os e conclui. Há páginas melancólicas? Há outras joviaise 
felizes. À convulsão trágica precede a do riso, a vida brota da morte, cegonhas e andorinhas trocam de 
clima, sem jamais abandoná-lo inteiramente; é assim que tudo se concerta e restitui. Tu viste isso, não 
dez vezes, não mil vezes, mas todas as vezes; viste a magnificência da terra curando a aflição da alma, e 
a alegria da alma suprindo à desolação das coisas; dança alternada da natureza, que dá a mão esquerda a 
Jó e a direita a Sardanapalo" (Machado de Assis, 1988a, 136). 
 
 
 
2. O drama tragicômico de Quincas Borba 
 
 No prólogo da segunda edição de Quincas Borba, Machado de Assis reafirma o 
parentesco entre Memórias póstumas de Brás Cubas e o romance protagonizado pelo 
filósofo do humanitismo. O romancista reconhece, não somente a semelhança, mas 
também a divergência das obras: 
 
 "Já na primeira edição se disse (capítulo IV) que o título do livro é o nome de um personagem que 
apareceu nas Memórias póstumas de Brás Cubas. Se lestes os dous livros, sabeis que é o único vínculo 
entre eles, salvo a forma, e ainda assim a forma difere no sentido de ser aqui mais compacta a narração" 
(Machado de Assis, 1988b, 19). 
 
 A convergência ocorre em duas seções narrativas de Quincas Borba. A primeira, no 
capítulo treze, refere-se à carta recebida por Rubião, em que Brás Cubas lhe comunica o 
falecimento de Quincas Borba. A segunda, no capítulo cento e cinqüenta e nove, 
descreve a reação de Sofia ao ler a carta em que Maria Benedita confessa a sua 
felicidade junto do marido Carlos Maria. Brás Cubas e Rubião se relacionam como 
discípulos de Quincas Borba. Sofia se aproxima de Brás Cubas na visão irônica do 
narrador, que a representa com nojo na alma e desprezo pelas mãos, provocados pela 
confissão de alegria conjugal da amiga. Sob o impacto da notícia, Sofia transpõe em 
vida o limiar da morte, assumindo, ainda que provisoriamente, a condição existencial 
do defunto autor: 
 
 "Sofia meteu a alma em um caixão de cedro, encerrou o de cedro no caixão de chumbo do dia, e 
deixou-se estar sinceramente defunta. Não sabia que os defuntos pensam, que um enxame de noções 
novas vem substituir as velhas, e que eles saem criticando o mundo como os espectadores saem do teatro 
criticando a peça e os atores" (Machado de Assis, 1988b, 230). 
 
 No capítulo cento e doze, o narrador louva o método dos velhos livros, "em que a 
matéria do capítulo era posta no sumário: "De como aconteceu isto assim, e mais assim 
"(171). Em Quincas Borba, o procedimento metatextual da súmula exegética não se 
aplica às seções narrativas, mas ao título da obra. O nome do filósofo supõe a 
metalinguagem crítica do humanitismo. Apesar das diferenças de pessoa gramatical e 
da forma mais compacta ou menos livre da narração, o romance borbista se irmana com 
Memórias póstumas de Brás Cubas, sobretudo porque põe em ação o pensamento que 
se divulga no princípio de humanitas e na lei da equivalência das janelas. Ambos 
convergem na adoção da forma dramática de fabulação, que se caracteriza pela 
subordinação do texto narrativo ao metatexto do humanitismo e do bivocalismo da 
consciência em polêmica consigo mesma. As versões romanescas de um mesmo drama 
protagonizado por Brás Cubas e Quincas Borba constituem o testemunho inequívoco do 
estatuto calculado da arte machadiana. A invenção narrativa do defunto autor e a 
encenação do drama tragicômico do filósofo humanitista mutuamente se clarificam. 
 No capítulo sexto de Quincas Borba, o inventor do humanitismo se vale da morte da 
avó para expor ao discípulo Rubião o sentido do novo sistema filosófico. De acordo 
com a explanação borbista, a sege que atropelou e matou a sua avó confirma o princípio 
de humanitas. A motivação humanitista da ocorrência se traduz no argumento de que o 
cocheiro, compelido pela fome, fustigou as mulas para satisfazer mais prontamente o 
seu apetite. Aconteceu, no entanto, que encontrou um obstáculo - a avó do filósofo - e 
teve de derrubá-lo. Quincas Borba conclui o raciocínio, enfatizando que o 
acontecimento resultou de "um movimento de conservação: Humanitas tinha fome. (...) 
Humanitas precisa comer." Ao perceber que Rubião não se conforma com a morte da 
pobre mulher, o filósofo lhe assegura que não há morte: 
 
 "O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma 
delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da 
sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum" (Machado de Assis, 
1988b, 28). 
 
 Na alternância eterna da expansão e da contração, subage o princípio indestrutível 
de humanitas. Mundo e homem se afeiçoam e se correspondem no ritmo do devir. A 
forma humana e mundana de tudo que existe surge e desaparece no fluxo ininterrupto 
do tempo, mas a força formativa da totalidade cosmo-antropológica perdura para 
sempre. A morte significa o início de uma nova vida, e não somente o fim de um 
determinado regime existencial. Tudo se forma e se transforma no incessante 
movimento de criação e nadificação. No drama cosmo-antropogônico do humanitismo, 
nada se perde, porque o aniquilamento de um ser propicia o surgimento de um outro. O 
lucro e o prejuízo são relativos. Não comprometem a economia geral da existência. De 
acordo com a mundividência do borbismo, que constitui uma versão tragicômica das 
cosmogonias e escatologias tradicionais, os valores supremos do idealismo devem ser 
confutados, e não cultuados. Quincas Borba contesta o primado moral da ação 
edificante com o argumento humanitista de que a preservação da comunidade depende 
da guerra, e não da paz. Para demonstrar o caráter benéfico da conduta belicosa, 
apresenta a Rubião o exemplo de duas tribos famintas diante de um campo de batatas, 
capaz de satisfazer a necessidade alimentar de uma só das sociedades tribais. O 
pregador do humanitismo solicita do discípulo o reconhecimento da atitude absurda dos 
pacifistas: 
 
 "A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e 
recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os 
demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, 
pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo 
racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou 
compaixão; ao vencedor, as batatas" (Machado de Assis, 1988b, 28). 
 
 Os episódios da morte da avó e da disputa das tribos famintas são ironicamente 
justapostos no capítulo sexto como súmulas didáticas do princípio do humanitismo. A 
equivalência funcional implica a similaridade dos fatos narrados. Os acontecimentos 
não se combinam na ordem lógica da correlação consecutiva, mas se representam como 
variações em torno de uma mesma lei narrativa, que se compagina no postulado 
filosófico de humanitas. A subordinação dos axiomas de conduta ao primado teórico do 
humanitismo transforma os personagens de Quincas Borba em protagonistas do 
processo de alienação da sociedade. O ditame de que humanitas precisa comer 
desencadeia a luta de todos contra todos. No mundo regido pela antrofagia social, não 
resta outra alternativa, senão comer ou ser comido. O alcance exegético do sistema 
filosófico do humanitismo não se limita à desconstrução satírica do positivismo e da 
doutrina naturalista, mas se distende na perspectiva mais ampla da representação dos 
atos regulados pela trama das relações humanas no regime social da exploração 
generalizada. A ironia suprema do romance machadiano reside na elaboração de uma 
teoria atribuída a um filósofo louco, mas que corresponde ao comportamento alienado 
de homens socialmente considerados normais. Na visão criticamente armada de 
AntonioCandido, o humanitismo representa a alienação da sociedade, de que decorre a 
reificação da personalidade: 
 
 "Os críticos, sobretudo Barreto Filho, que melhor estudou o caso, interpretam o Humanitismo como 
sátira ao positivismo e em geral ao naturalismo filosófico do século XIX, principalmente sob o aspecto 
da teoria darwiniana da luta pela vida com sobrevivência do mais apto. Mas além disso é notória uma 
conotação mais ampla, que transcende a sátira e vê o homem como um ser devorador em cuja dinâmica a 
sobrevivência do mais forte é um episódio e um caso particular. Essa devoração geral e surda tende a 
transformar o homem em instrumento do homem, e sob este aspecto a obra de Machado se articula, 
muito mais do que poderia parecer à primeira vista, com os conceitos de alienação e decorrente reificação 
da personalidade, dominantes no pensamento e na crítica marxista de nossos dias, e já ilustrados pela 
obra dos grandes realistas, homens tão diferentes dele quanto Balzac e Zola" (Candido, 1970, 28-9). 
 
 O relacionamento entre o mestre e o discípulo sintetiza o intercâmbio do vencedor e 
do vencido no sistema do humanitismo. Quincas Borba submete Rubião ao regime da 
nova filosofia e o convence a adotá-la como regra de conduta para bem viver. O 
discípulo assimila a doutrina do poder e suplanta o mestre. A reversibilidade das 
situações simultaneamente equivalentes e opostas determina o mecanismo estrutural do 
enredo de Quincas Borba. A análise das seqüências do romance, efetivada por Teresa 
Pires Vara, permite concluir que a correlação reversível do filósofo e do aprendiz de 
humanitismo constitui a matriz narrativa do drama representado: 
 
 "(...) o esquema elementar que caracteriza a narrativa-padrão se desdobra em duas seqüências 
equivalentes e complementares, caracterizando, por um lado, as relações degradadas entre Palha, Sofia e 
Rubião no processo de exploração do capitalista; por outro lado, define as relações entre Camacho e 
Rubião, num processo equivalente que, estruturado por um sistema de encaixe, permite novo 
desdobramento nas seqüências seguintes. Enquanto a exploração de Palha e Sofia se desenvolve na 
seqüência principal (I-LXXIX), o processo de exploração de Camacho se desenvolve numa seqüência 
secundária (LIV-LXXIX), como variante objetiva do modelo" (Vara, 1976, 44). 
 
 Herdeiro da fortuna de Quincas Borba, Rubião se transfigura. O poder que lhe 
confere o dinheiro no sistema político de hierarquia e coerção da sociedade pautada 
pelo valor econômico descerra-lhe o amplo horizonte do sentido compendiado na 
fórmula vitoriosa do apólogo das batatas. Somente ao abandonar a condição subalterna 
de professor e assumir a posição privilegiada de capitalista é que compreende o alcance 
significativo do ditame de humanitas. No capítulo dezoito, o narrador ironiza a 
conversão humanitista do personagem que se torna capaz de decifrar o enigma das 
batatas ao caraterizá-la como decorrência pura e simples da substituição do ponto de 
vista do vencido pela visão do vencedor: 
 
 "- Ao vencedor, as batatas! 
 Tão simples! tão claro! (...) Ia descer de Barbacena para arrancar e comer as batatas da capital. (...) 
 Gostava da fórmula, achava-a engenhosa, compendiosa e eloqüente, além de verdadeira e profunda. 
(...) 
 Não a compreenderia antes do testamento; ao contrário, vimos que a achou obscura e sem 
explicação. Tão certo é que a paisagem depende do ponto de vista, e que o melhor meio de apreciar o 
chicote é ter-lhe o cabo na mão" (Machado de Assis, 1988b, 42). 
 
 Na equação humanitista da vontade de potência, ser vencedor significa comer. Os 
vencidos são comidos. As batatas designam os objetos comestíveis, que se classificam 
de acordo com a voracidade dos poderosos. Endinheirado, Rubião pretende comer 
Sofia, que se finge disposta a satisfazer o apetite do capitalista a fim de auxiliar o 
marido, que deseja abocanhar o dinheiro do falso conquistador. Ávido de notoriedade, 
Rubião se torna sócio do jornal de Camacho com o deliberado propósito de se 
promover através da publicação dos atos que lhe confirmem a nobreza de caráter. 
Astuciosamente, Camacho absorve o investimento monetário de Rubião e se torna 
proprietário exclusivo da empresa jornalística. Os fatos narrados ilustram o princípio de 
reversibilidade, que articula a estrutura de seqüências narrativas simultaneamente 
opostas e equivalentes. Na primeira, Rubião persegue Sofia e consegue dominar-lhe o 
marido. A situação se inverte, e Rubião vem a ser dominado pelo casal. Na segunda, 
Rubião incialmente domina Camacho, mas ao fim aparece submetido ao domínio do 
jornalista. 
 As vicissitudes dramáticas dos personagens que intercambiam posições no sistema 
de dominação social obedecem ao estatuto calculado do enredo persecutório do 
humanitismo. Os agentes que protagonizam o drama da perseguição desencadeada pela 
fome de humanitas realizam um verdadeiro mimetismo da violência geral, em que o 
violento vem a ser violentado, e o violentado assimila o poder do violento, num rodízio 
permanente do perseguidor que se torna perseguido e do perseguido convertido em 
perseguidor. Na sociedade organizada sob o regime do impulso predatório, os seres 
humanos se relacionam como predadores e presas, que se revezam no círculo vicioso 
das violentações e agressões recíprocas. O valor monetário, na economia capitalista, 
aciona o dispositivo do ritual persecutório, e todos aparecem comprando ou sendo 
comprados. A exploração advogada pelo capitalismo constitui notável ilustração de 
uma fase do movimento universal da espoliação preconizada pelo humanitismo. 
 Na perspectiva universal da filosofia humanitista, o processo da alienação e a 
decorrente reificação da personalidade resultam da vocação imperial da natureza 
humana, e não apenas de uma de suas formas de manifestação histórica. O ideal de 
humanização, instaurado pelo mito genuinamente grego do homem, condiciona a 
subordinação da alteridade ao estatuto da identidade. Privilegiado como protótipo do 
sentido do mundo e dos entes intramundanos, o culto do homem se impõe como 
desígnio absoluto da cultura grega. Os próprios deuses são submetidos ao arbítrio 
humano, conforme se verifica em Hesíodo, que se nos apresenta como legislador dos 
nomes divinos, precisamente ao substituir a mitologia da esparsa presença dos signos 
hierofânicos pela organização genealógica dos agentes da diacosmese olímpica. Sub 
specie hominis, as potências primevas são denominadas a fim de serem dominadas. Os 
poderes elementares que resistem ao pendor antropofílico dessa revolução teogônica 
têm de suportar o exílio de uma existência tartárica num estado plutônico-subterrâneo. 
 A invenção grega do mito do homem constitui o prólogo em que se anuncia o drama 
antropocêntrico da civilização ocidental. A forma humana dos deuses gregos, o primado 
figurativo da imagem do homem nas manifestações artísticas da civilização helênica, a 
reversão filosófica do problema cosmológico para o antropológico, que culmina em 
Sócrates, Platão e Aristóteles; o incontido pendor antropofílico da poesia, que se traduz 
na militância no humano e pelo humano, e o Estado grego, cuja essência se compreende 
sob o ponto de vista da formação integral do ser humano, tudo, enfim, são expressões 
do drama passional do culto do homem, a que corresponde a trama processual de uma 
cultura tão centrada no regime da auto-representação do homem, que o helenista 
Werner Jaeger, valendo-se de um neologismo, a caracterizou como cultura 
antropoplástica (Jaeger, 1966, 13). O primado grego do sentimento vital 
antropocêntrico instaura a tradição humanista da civilização ocidental, que se consuma 
na metafísica do sujeito imperialmente concentrado em si mesmo. 
 A filosofia moderna celebra o conúbio do ser com a consciência, e o eu humano seimpõe como fundamento de tudo que existe. Em conformidade com os impulsos da 
subjetividade, representa-se o mundo como desdobramento da interioridade da 
consciência na exterioridade do universo. O horizonte do mundo humanamente 
concebido como unidade de uma projeção de relações sistemáticas permite tão-somente 
a realização do que se compagina com a força plasmadora do sujeito que se consagra ao 
ingente esforço da auto-representação. Como a unidade do todo condiciona todas as 
partes, e como cada parte significa o todo numa espécie de concentração punctual, 
impõe-se a conclusão de que a interioridade unitiva do sujeito imperial reproduz o 
universo de acordo com a sua própria pauta, não só ao aplicar-se a tudo o esquema 
correlativo de suas medidas pretensamente paradigmáticas, mas também ao ampliar ou 
diminuir a totalidade do real em consonância com a sua visão napoleônica ou 
liliputiana. Em toda e qualquer eventualidade, a representação sujeitiforme dissolve a 
ontologia da alteridade na metafísica da subjetividade, tornando disponível cada um dos 
entes como uma entidade concordante com o sistema hominídio em sua totalidade 
uniformizadora. 
 Ao determinar a existência do centro unificador do sentido do mundo, o homem 
interioriza o sentido de todas as manifestações entitativas, edificando o seu poder sobre 
as ruínas de um universo anterior, como nas seqüências das gerações divinas do poema 
teo-cosmogônico de Hesíodo. O ente em geral, projetado pelo sujeito imperial, aparece 
como negação projetiva da alteridade. Os atos que disponibilizam o conhecimento 
revelam o mundo prefigurado no mitologema grego do homem e consumado no 
filosofema cartesiano da subjetividade. A fulguração ofuscante do sujeito confinado no 
ângulo fixo de sua mundividência estática obscurece a luz natural do mundo, porque 
submete o dinamismo sensível da matéria da vida ao dispositivo inteligível da estrutura 
a priori da subjetividade. Desintegradas pelo atomismo representacional dos esquemas 
de inteligibilidade do sujeito imperial, as coisas perdem a carnadura concreta e se 
transmutam em simulacros. 
 A vontade de potência da subjetividade se representa na projeção do mundo que 
espelha a sua constituição transcendental, traduzindo as suas valorizações, preferências 
e escolhas. No regime monádico do sujeito imperial, os outros eus se reduzem ao nível 
infra-ôntico dos objetos manipuláveis. A insana disputa de todos contra todos, que se 
dramatiza no romance Quincas Borba, decorre da vocação despótica do intelecto 
voluntarioso. O predomínio da guerra se justifica como meio de resolver os interesses 
em conflito. A versão romanesca do princípio de humanitas submete o sistema 
axiológico da tradição humanista da civilização ocidental a uma desconstrução 
radicalmente irônica, sobretudo porque mostra que o humanitismo constitui a 
essência recôndita do humanismo. Nos domínios do mundo criado à imagem e 
semelhança do homem, todos são perseguidores e simultaneamente perseguidos, porque 
vivem sob o acicate do mecanismo da perseguição de um centro de poder que somente 
pode ser assumido por um mandatário. Efeito teórico da constituição ontológica, e não 
simplesmente econômica do homem ocidental, o novo humanismo machadiano 
assegura que o homem não é apenas o veículo, mas também o passageiro e o cocheiro 
de humanitas. 
 O humanismo compendiado no sistema do humanitismo implica o reconhecimento 
da vigência histórica da lógica da perseguição ou da dialética da violência 
solidariamente vinculada à metafísica da subjetividade. O homem violento atua como 
sujeito imperial, que não reconhece a alteridade do outro. O cogito cartesiano limita-se 
a conjecturar a simples distinção numérica, não se dignando a considerar o diferir 
qualitativo do outro. Cartesianamente, viver não significa conviver, nem existir 
equivale a coexistir, porque o outro eu não se concebe, senão como objeto de uma 
inferência analógica. A filosofia inglesa extrai conseqüências imediatas dessa teoria 
atomizada do sujeito humano. Hobbes concebe a pulsão da subjetividade como egoísmo 
belicoso, que provoca a luta de todos contra todos. Diversos pensadores compartilham a 
concepção hobbesiana, principalmente Bentham, que a desdobra na teoria do 
utilitarismo. Em oposição ao egocentrismo, os moralistas advogam a simpatia como 
ideal comunitário da existência. Shaftesbury, Hutcheson e Hume apregoam os valores 
sociais da benevolência, do amor ao próximo e da justiça. O apelo à solidariedade 
culmina no livro intitulado Teoria dos sentimentos morais do economista Adam Smith 
(Laín Entralgo, 1983, 32-79). 
 O axioma básico da teoria moral de Adam Smith consiste em exortar o homem a 
comportar-se de modo a suscitar assentimento e simpatia de um espectador imparcial. O 
preceito do economista preludia o imperativo categórico de Kant. No capítulo quinto da 
segunda parte de sua obra denominada O formalismo na ética e a ética material dos 
valores , Max Scheler refuta a ética da simpatia propugnada pelo moralismo smithiano 
com o argumento de que o sentimento moral não avalia o pendor ético da própria 
pessoa, mas deriva-o de um espectador ou juiz imparcial. Além disso, nem todo juízo 
ético se exprime num sentimento de simpatia, bastando conferir o diálogo da 
consciência de um sujeito que avalia o sentido de sua vida, confirmando o que lhe 
convém e renegando o que lhe causa prejuízo. Que significa a simpatia para um homem 
inocente, mas socialmente considerado culpado, senão o absurdo de ter que assumir a 
culpabilidade, simplesmente porque todos se revelam antipáticos à sua causa? E que 
dizer, afinal, do sujeito destituído de consciência moral, mas que cinicamente consegue 
angariar a simpatia dos jurados? 
 Importa observar que a ética da simpatia coaduna-se com o utilitarismo preconizado 
por Jeremy Bentham em sua Deontologia ou A ciência da moralidade. A moral do 
egoísmo reforça a ética da solidariedade. Para a deontologia, o egoísmo se torna 
abominável somente quando se manifesta de modo absoluto, esquecendo-se de ativar a 
simpatia alheia. O sujeito deve ser benévolo e simpático a fim de granjear a 
benevolência e a simpatia dos outros. Além de se mostrar simpático, o egoísmo de 
Bentham se revela filantrópico. Centrada em si mesma, a subjetividade sente-se 
compelida ao uso de duas violências contra a alteridade do outro eu: lº) aceitando-a 
simpaticamente, porque corresponde aos seus interesses racionais, afetivos e volitivos; 
2º) recusando-a antipaticamente, porque não se ajusta aos reclamos voluntariosos de 
sua disposição anímica. No sistema deontológico, a simpatia e a antipatia são 
comandadas pelo impulso egoísta do sujeito imperial. A invocação do humanismo e da 
ética da solidariedade e do amor não altera em nada a lógica da representação 
persecutória. Até mesmo porque a tradição milenar do humanismo constitui o 
fundamento da subjetividade despótica. Compreende-se, portanto, o motivo por que 
Machado de Assis não indica uma solução para o drama da existência submetida à 
trama da violência. O problema não se resolve doutrinariamente, porque depende da 
resolução de todos e de cada um dos seres humanos. 
 A representação de humanitas como princípio que configura o universo ficcional de 
Quincas Borba se aperfeiçoa no decurso da elaboração do romance. A versão 
definitiva, estampada em livro pelo editor Garnier, resultou das modificações decisivas 
a que foi submetida a primeira publicação no quinzenário A estação (Machado de 
Assis, 1969). Na revisão acurada do autor, a seqüência linear e cronológica da narrativa 
publicada na revista se transmuta na forma dramática da justaposição descontínua dos 
eventos narrados. A trama lógica das ações se converte na propulsão dialética do drama 
de paixões. O efeito mais tangível da sutileza artística com que o romancista alterou a 
estruturanarrativa se revela na conversão dos capítulos vinte e vinte e um da primeira 
redação nos capítulos um e dois da versão definitiva do romance. Reordenados e 
estilisticamente reduzidos a duas cenas breves, os capítulos primeiro e segundo são 
funcionalmente justapostos como representações dramáticas do litígio de vozes na 
interioridade anímica de Rubião. No primeiro capítulo, o herdeiro da fortuna de 
Quincas Borba aparece fitando a enseada de Botafogo. O narrador ironicamente acentua 
que o olhar do novo capitalista avidamente se apropria do mundo circundante ao mirar 
as chinelas, a casa, o jardim, os morros, o ceú. Na visão do do personagem "tudo, desde 
as janelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de propriedade": 
 
 "- Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas, pensa ele. Se mana Piedade tem casado com 
Quincas Borba, apenas me daria uma esperança colateral. Não casou; ambos morreram, e aqui está tudo 
comigo; de modo que o que parecia uma desgraça..." (Machado de Assis, 1988b, 21). 
 
 A assimilação do humanitismo se traduz na supervisão geral do sujeito revestido do 
poder que lhe confere o dinheiro e na reflexão de que os males dos outros rendem o 
seu próprio bem. O romance se inicia, portanto, com o reconhecimento irônico do 
supra-senso da fórmula das batatas. O pobre professor, que não compreendia o sentido 
alegórico da luta das tribos, deixa a condição de vencido e assume a estatura do 
vencedor, que lhe permite decifrar o que lhe parecia enigmático. A significação obscura 
subitamente se clarifica, sobretudo porque a fórmula tautegoriza o seu próprio ser, e 
não se limita a alegorizar uma outra existência. A abstração alegórica se concretiza na 
dicção que simboliza a sua vitória. Além de assumir a teoria do humanitismo, Rubião 
adota a lei da equivalência das janelas para resolver os impasses de sua consciência, 
conforme se verifica no segundo capítulo: 
 
 "Que abismo que há entre o espírito e o coração! O espírito do ex-professor, vexado daquele 
pensamento, arrepiou caminho, buscou outro assunto, uma canoa que ia passando; o coração, porém, 
deixou-se estar a bater de alegria. Que lhe importa a canoa nem o canoeiro, que os olhos de Rubião 
acompanham, arregalados? Ele, coração, vai dizendo que, uma vez que a mana Piedade tinha de morrer, 
foi bom que não casasse; podia vir um filho ou uma filha... - Bonita canoa! - Antes assim! - Como 
obedece bem aos remos do homem! - O certo é que eles estão no céu! " (Machado de Assis, 1988b, 21-
2). 
 
 O capítulo supracitado se inicia com a enunciação exclamativa do narrador 
concebido como analista da natureza contraditória da existência humana. No enunciado 
seguinte, o narrador se comporta como encenador dos caracteres que se antagonizam na 
intimidade ambivalente da consciência cindida em polêmica consigo mesma. A 
enunciação interrogativa representa a réplica passional da voz do coração ao apelo 
moral do espírito racional. O restante do capítulo dramatiza o bivocalismo da 
consciência tensionada entre duas interpelações opostas, uma que o aconselha a 
defender o interesse pessoal, e a outra que o acusa de lesar o direito alheio. Submetido 
ao impacto dúbio das vozes que se dialetizam, Rubião se vale da lei da equivalência das 
janelas, segundo a qual o melhor meio de neutralizar o remorso da consciência consiste 
em abrir uma janela para o outro lado da moral, precisamente o lado que advoga em 
causa própria. O ar fresco que lhe ventila a consciência angustiada comicamente se 
expressa na canoa que se move em obediência ao cálculo do homem. A catarse cômica 
do drama de consciência se realiza na substituição do pensamento relativo à morte da 
irmã e do filósofo pela astúcia diversiva da ponderação do movimento de uma simples 
canoa no mar. 
 O princípio do humanitismo, intimamente associado à lei da equivalência das 
janelas, preside à gênese e ao desenvolvimento dramático da estrutura narrativa de 
Quincas Borba. A intimidade ambivalente da consciência se desdobra no conflito 
intersubjetivo dos personagens submetidos ao sistema de hierarquia e coerção da 
sociedade. No capítulo noventa e seis, que desempenha a função de súmula exegética 
das ações e dos gestos motivados pela forma tirânica do comportamento social, o 
narrador ironiza as comoções opostas do diretor de banco. A primeira se refere ao 
sentimento de inferioridade que o subjuga na audiência com um ministro de Estado, que 
o trata com absoluto desdém. Humilhado e ressentido, o diretor se dirige à casa de 
Palha, que o recebe com as mesuras e os apoiados de cabeça. Imediatamente o diretor 
se reanima, adota o estilo superior, distanciado e desdenhoso do ministro e submete 
Palha a uma situação vexaminosa. No mundo regido pelo ditame de humanitas, o 
agredido e o agressor se revezam no interminável processo da agressão generalizada. O 
comportamento do diretor exemplifica a transposição da lei da equivalência das janelas 
para o amplo domínio do relacionamento público. Subjugar e tiranizar o outro equivale 
a compensar uma atitude subalterna. 
 A funcionalidade artística da lei da equivalência das janelas se consuma na 
representação do drama tragicômico de Rubião. Os primeiros sintomas da alienação do 
personagem transparecem nos monólogos que se alternam em sua consciência dividida. 
Uma voz o recrimina por desejar a mulher do Palha, e a outra o liberta do sentimento de 
culpa, atribuindo a Sofia a iniciativa da sedução. No capítulo vinte e sete, as vozes em 
litígio são demarcadas por travessões, sublinhando a cisão de uma consciência que 
discute consigo mesma. O fenômeno da alternação dos monólogos como expressão 
dramática do desdobramento da personalidade continua no capítulo quarenta cinco. 
Desdobrado no eu e no outro, Rubião se acusa e se defende ao sofrer o impacto dúbio 
do amor por Sofia e da lealdade devida ao suposto amigo Palha. Valendo-se da ironia 
que o caracteriza, o narrador assinala a situação difusa de Rubião: 
 
 "Confuso, incerto, ia a cuidar na lealdade que devia ao amigo, mas a consciência partia-se em duas, 
uma increpando a outra, explicando-se, e ambas desorientadas..." (Machado de Assis, 1988b, 75). 
 
 Os monólogos de Rubião são monodiálogos, que lhe traduzem a cisão e o 
desdobramento da personalidade. No acordo e desacordo consigo mesmo, o 
personagem se duplica e se contempla como uma outra pessoa. Ao se alienar de si 
mesmo e assumir a máscara do filósofo do humanitismo, Rubião chega ao limite 
extremo da heteromorfose, que consiste em ouvir a voz interior da consciência como se 
fosse a enunciação de Quincas Borba. No capítulo setenta e nove, o protagonista do 
drama da alienação psíquica imagina que a pergunta que lhe ressoa na mente provém do 
espírito de Quincas Borba, supostamente reencarnado no cachorro homônimo: 
 
 "Era assim que o nosso amigo se desdobrava, sem público, diante de si mesmo" (Machado de Assis, 
1988b, 129). 
 
 Na representação da heteromorfose de Rubião, que se expressa no anelo dramático 
de adotar a personalidade revestida do poder imperial, o narrador machadiano atinge o 
máximo de sua perfeição artística como encenador de dramas tragicômicos. A 
mascarada e a pseudomorfose do ex-professor travestido de imperador adquirem o 
sentido de uma peça em que se interpenetram os estilos opostos da tragégia e da farsa, 
do sublime e do grotesco, do patético e do ridículo. No capítulo oitenta e um, o 
aspirante a imperador, antes de cuidar da noiva indispensável à celebração das 
pretendidas bodas, imagina as pompas matrimoniais, os grandes e soberbos coches, o 
cocheiro fardado de ouro, os condes, cristais da Boêmia, louça da Hungria, vasos de 
Sèvres, etc. No capítulo subseqüente, o narrador assinala que as noivas imaginadas por 
Rubião constituem variações figurativas de Sofia. A justaposição dos capítulos traduz a 
aliança do poderpolítico e da força erótica na inflação psíquica do personagem que 
confere imaginariamente a si mesmo o título de Marquês de Barbacena: 
 
 "Esses sonhos iam e vinham. Que misterioso Próspero transformava assim uma ilha banal em 
mascarada sublime? 'Vai, Ariel, traze aqui os teus companheiros, para que eu mostre a este jovem casal 
alguns feitiços da minha feitiçaria'. As palavras seriam as mesmas da comédia; a ilha é que era outra, a 
ilha e a mascarada. Aquela era a própria cabeça do nosso amigo; esta não se compunha de deusas nem de 
versos, mas de gente humana e prosa de sala. Mais rica era. Não esqueçamos que o Próspero de 
Shakespeare era um duque de Milão; e eis aí, talvez, por que se meteu na ilha do nosso amigo" (Machado 
de Assis, 1988b, 131-2). 
 
 No capítulos CXLVI-CXLVIII, o processo heteromórfico e o emascaramento se 
materializam através do trabalho do barbeiro que, a pedido de Rubião, lhe deitou abaixo 
as barbas, "deixando somente a pêra e os bigodes de Napoleão III". Com a máscara do 
sujeito imperial impressa no rosto, o personagem se transfigura no governador de 
Estado, que recepciona ministros e embaixadores. A transfusão de dois em um ou de 
um em dois acarreta a alternação da própria pessoa de Rubião com o imperador dos 
franceses. O eu e o outro se tornam reversíveis no drama tragicômico da alienação da 
personalidade: 
 
 "Revezavam-se; chegavam a esquecer-se um do outro. Quando era só Rubião, não passava do 
homem do costume. Quando subia a imperador, era só imperador. Equilibravam-se, um sem outro, 
ambos integrais" (Machado de Assis, 1988b, 218). 
 
 A mascarada sublime e grotesca culmina no penúltimo capítulo. Abandonado pela 
tribo faminta dos comensais da capital, que lhe devoraram a fortuna nos comes e bebes 
e nos golpes financeiros, Rubião retorna à condição de exterminado. Ensandecido e sem 
nenhuma batata que lhe assegure a sobrevivência na sociedade dos esfomeados, volta 
para a cidade natal, onde acaba morrendo de inanição: 
 
 "Poucos dias depois morreu... Não morreu súbdito nem vencido. Antes de principiar a agonia, que foi 
curta, pôs a coroa na cabeça, - uma coroa que não era, ao menos, um chapéu velho ou uma bacia, onde os 
espectadores palpassem a ilusão. Não, senhor; ele pegou em nada, levantou nada e cingiu nada; só ele via 
a insígnia imperial, pesada de ouro, rútila de brilhantes e outras pedras preciosas. O esforço que fizera 
para erguer meio corpo não durou muito; o corpo caiu outra vez; o rosto conservou porventura uma 
expressão gloriosa. 
 - Guardem a minha coroa, murmurou. Ao vencedor... 
 A cara ficou séria, porque a morte é séria; dous minutos de agonia, um trejeito horrível, e estava 
assinada a abdicação" (Machado de Assis, 1988b, 276). 
 
 O apólogo do campo de batatas adquire na hora da morte de Rubião um sentido que 
suplanta a distinção possível de dois modos discursivos, um prescritivo e outro 
narrativo. Se é certo que a moralidade tem por objetivo decifrar o enigma da narrativa, 
também é verdade que a narrativa realiza a osmose da forma e do sentido, de modo que 
o matiz significativo transcende o significado prefixado na súmula didática. Encalçando 
os passos da revolução poética a que La Fontaine submeteu a tradição literária do 
apólogo ou da fábula moralizante, o narrador machadiano introduz uma discreta 
reflexão irônica no ditame de humanitas. Ao invés de representar realisticamente a 
verdade, o apólogo machadiano das batatas questiona a verdade da representação. A 
morte do herói coroado de nada atinge a plenitude da representação tragicômica do 
destino humano quando se compreende que o narrador ironiza a fórmula imperial 
através da utilização da gíria como recurso expressional, conforme se demonstra no 
belo estudo de J. Mattoso Câmara Jr. sobre a gíria em Machado de Assis (Câmara 
Jr.,1977, 135-143). 
 Câmara Jr. observa que as batatas têm um sentido pejorativo na gíria brasileira. O 
lingüista inicialmente argumenta que "uma batata" equivale a "uma tolice", e que o 
adjetivo "batatal" exprime aprovação zombeteira e petulante. Acrescenta, em seguida, 
que a frase "Vá plantar batatas" conota desprezo e repulsa. De acordo com essa ordem 
de raciocínio, o sentido do apólogo evocado por Rubião no derradeiro instante de sua 
vida nada tem a ver com a lei do mais forte. A expressividade da gíria consiste em 
desprezar o vencedor, mandando-o "às batatas". Assim é que são jogados "num refugo 
geral vencidos e vencedores, dissolvidos na inanidade das lutas humanas". Enfim, o 
intérprete da cena do coroamento de Rubião conclui que a fórmula dos exterminadores 
sintetiza a única vitória possível no mundo regido pelo humanitismo: "a de um pobre 
louco miserável e sem norte que se julga imperador dos franceses": 
 
 "E volta a frase na aposiopese com que culmina a agonia do pobre lunático: 
 "- Guardem a minha coroa, murmurou. Ao vencedor..." 
 Temos assim a gíria como uma espécie de forma interna do preceito filosófico do Quincas Borba. 
Externamente há o endeusamento do vencedor; e, internamente, está a irrisão da sua vitória. Ele vai às 
batatas num duplo sentido - material e simbólico. E é o sentido simbólico, sutilmente estruturado na base 
da gíria, que transfere o apólogo para um niilismo desencantado e definitivo" (Câmara Jr., 1977, 143). 
 
 A ironia do narrador singularizado como encenador do drama tragicômico de Rubião 
se perfaz no reconhecimento de que a lei do contraste regula o ritmo do mundo em que 
se exerce a experiência do homem submetido ao regime imperial da vontade de 
potência. No capítulo quarenta e cinco, o narrador ironicamente conclui que a 
mundividência tragicômica se impõe como a forma suprema do conhecimento 
compatível com o estatuto ambíguo e reticente da natureza humana. Na visão armada 
do narrador machadiano, o otimismo triunfante dos deslumbrados e o pessimismo 
resignado dos atrabiliários se revelam simplórios, porque não se dão conta de que a 
contradição se inscreve no ser do homem e do mundo. Em consonância com o 
princípio da reversibilidade dos contrários, que articula a estrutura do romance Quincas 
Borba, as almas se revezam no rodízio universal da alegria e da dor: 
 
 "E enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo 
chorando seria monótono, tudo rindo cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e 
sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida" 
(Machado de Assis, 1988b, 73). 
 
 No final do romance, o narrador sublinha que a miséria do vencido e a megalomania 
do imperador mutuamente se implicam, gerando o supra-senso da tragicomédia da vida 
que se agita na gestação incessante das compulsões do desejo de realeza. De nada vale 
aconselhar o comedimento da razão contra a desmesura da paixão. O impulso passional 
da existência suplanta os argumentos racionais. No regime imperial da vontade de 
potência, prevalecem as personalidades emprestadas, que preferem uma coroa de nada 
ao desamparo social dos exterminados pela fome de humanitas. No tom sério-jocoso 
que notabiliza o analista sutil dos caracteres contraditórios, o narrador reconhece que a 
ilusão da consciência nadifica a consciência da ilusão. Por isso mesmo, solicita do leitor 
de sua obra uma atitude crítica, que seja capaz de perceber que a contradição constitui 
um tropo vital, e não simplesmente retórico, porque pertence ao drama tragicômico da 
natureza humana: 
 
 "Eia! chora os dous recentes mortos, se tens lágrimas. Se só tens riso, ri-te! É a mesma cousa. O 
Cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os 
risos e as lágrimas dos homens" (Machado de Assi, 1988b, 277). 
 
 
 
 
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