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Autora: Profa. Mônica Oliveira Santos Colaboradores: Profa. Joana Ormundo Profa. Cielo Griselda Festino Profa. Tania Sandroni Teorias do Texto Professora conteudista: Mônica Oliveira Santos A professora Mônica Oliveira Santos nasceu em Campina Grande (PB), graduou-se no curso de letras (1997) pela Universidade Federal da Paraíba, tendo desenvolvido trabalhos de iniciação científica na área de análise do discurso, durante a graduação. É mestre em linguística aplicada (2000), com ênfase na área de ensino de língua materna, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e é doutora em linguística (2004), com ênfase nas áreas de semântica e análise do discurso, também pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é professora adjunta II da Universidade Paulista (UNIP), ministrando as disciplinas Gramática Aplicada à Língua Portuguesa, Teorias do Texto, Semântica e Estilística da Língua Portuguesa, Análise do Discurso, Análise do Discurso/Pragmática e Morfossintaxe Aplicada à Língua Portuguesa. É coordenadora do curso de Letras da (UNIP) no Campus de Campinas/Swift e atua ainda como líder de disciplinas e conteudista (EaD) de Teorias do Texto, Análise do Discurso e Análise do Disrcurso/ Pragmática. Tem experiência na área de linguística, com ênfase em semântica, texto e discurso, atuando principalmente nas abordagens relativas à enunciação coletiva, enunciação proverbial, funcionamento enunciativo-discursivo, textualidade-discursividade, relação sentido e sujeito e ensino do português. Dentre outras produções nas áreas de estudo do texto e da análise do discurso, Mônica Oliveira Santos é autora do livro Um comprimido que anda de boca em boca: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial (2007, publicado pela Fapesp e editora Pontes) e coautora dos livros Em torno da língua(gem): questões e análises (2007, publicado pelas edições Uesb); Território da linguagem (2004, publicado pela editora Bagagem); e Texto, discurso, interpretação: ensino e pesquisa (2001, publicado pela editora Ideia). De modo bastante direcionado, o percurso teórico-produtivo de Mônica Oliveira Santos focaliza-se nas questões pertinentes às teorias do texto e do discurso, centralizando-se sobremaneira nas abordagens do ensino, da enunciação, dos sujeitos e da construção/produção de sentidos. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S237 Santos, Mônica Oliveira Teorias do Texto. / Mônica Oliveira Santos. - São Paulo: Editora Sol. 2011. 108 p. il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-017/11, ISSN 1517-9230. 1. Interação 2. Produção 3. Recepção I.Título CDU 800.852 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Tatiane Souza Sumário Teorias do Texto APRESENTAçãO ......................................................................................................................................................7 INTRODUçãO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 O NASCIMENTO DE UMA LINGUÍSTICA DO TEXTO ..............................................................................11 1.2 Da frase ao texto: as três fases de construção da linguística textual ............................ 13 1.3 Aprofundando e delimitando o conceito de texto ................................................................. 18 2 CONSTRUINDO SENTIDOS NO TEXTO: ORGANIZAçãO ESTRUTURAL E PROCESSAMENTO TEXTUAL ............................................................................................................................ 24 3 AINDA ALGUMAS CONSIDERAçÕES SOBRE A LINGUÍSTICA TEXTUAL ...................................... 33 4 OUTRAS TEORIAS CUJO OBJETO DE ESTUDO TAMBÉM É O TEXTO .............................................. 34 Unidade II 5 A RELAçãO ORALIDADE/ESCRITA E SEUS DIFERENTES NÍVEIS DE FORMALIDADE E VARIAçãO: UMA QUESTãO LINGUÍSTICA, SOCIAL E PEDAGÓGICA ............................................ 51 5.1 Diferenças e características da fala e da escrita: interferência mútua entre elas ................... 56 5.2 Mais algumas considerações teóricas sobre o binômio oralidade e escrita ................. 64 5.3 Retomando alguns conceitos na análise do texto ................................................................. 68 6 CONSIDERAçÕES SOBRE A ANÁLISE DA CONVERSAçãO ............................................................... 72 Unidade III 7 LEITURA, ORALIDADE E ESCRITA: PRÁTICAS LINGUÍSTICAS, SOCIAIS E PEDAGÓGICAS ................. 83 8 ESTRATÉGIAS DE LEITURA: COGNITIVAS E METACOGNITIVAS – LEITOR ANALISADOR E (RE)CONSTRUTOR ................................................................................................................ 90 8.1 Leitor analisador e leitor (re)construtor ...................................................................................... 95 7 APreSenTAçãO Caro aluno, A abordagem desta disciplina, Teorias do Texto, abrange o estudo teórico do texto e do contexto a partir da perspectiva sociointeracionista e da linguística textual, visando destacar as principais teorias de processamento cognitivo do texto. Sendo assim, este estudo acerca do universo textual será desenvolvido considerando um panorama que vai desde o nascimento de uma linguística do texto no contexto das análises transfrásticas, passando pela caracterização e diferenciação das modalidades oral e escrita, até as inter-relações que a linguística textual faz com as diferentes linhas teóricas de estudo do texto: a sociolinguística, a pragmática, a análise da conversação e do discurso, a semiótica discursiva, as teorias enunciativas, bem como, enfaticamente, as principais teorias de leitura. Tal panorama se pautará pelo caráter multi e transdisciplinar dessas teorias – cuja preocupação maior é o texto, como processo complexo de interação e construção social de conhecimento e de linguagem que envolve ações linguísticas, cognitivas e sociais na sua organização, produção e funcionamento –, que levam o aluno a refletir sobre o funcionamento da língua nas diversas situações de interação verbal e social, sobre o uso dos recursos que a língua lhe oferece, sobre a adequação dos textos a cada situação, bem como sobre o papel da leitura no processamento cognitivo do texto, tendo em vista o leitor analisador e o leitor (re)construtor. Objetivos • Levar o aluno ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento da competência linguística. • Desenvolver a capacidade de análise e de identificação de diferentes possibilidades de discurso, nas modalidades oral e escrita. • Aprofundar o conhecimento e as possibilidades de textualidade:compreender, distinguir e aplicar diferentes teorias do texto. • Levar o aluno a refletir sobre o funcionamento da língua nas diversas situações de interação verbal e social, sobre o uso dos recursos que a língua lhes oferece, bem como sobre a adequação dos textos a cada situação. • Assegurar ao aluno/futuro professor a reflexão e o estudo de questões relevantes para o ensino-aprendizagem da língua. InTrOduçãO No século XX, o pensamento científico determinava que, para um estudo ser reconhecido como científico, deveria estar ancorado nos critérios de cientificidade necessários à época. A ciência tinha de ser autônoma (possuir ferramentas suficientes para dar conta completamente de descrever seu objeto de investigação sem necessidade de interface com outras áreas/ciências ou elementos alheios ao seu 8 objeto), objetiva (impessoal, portanto, não subjetiva) e descritiva (método que se sustenta, grosso modo, em decompor o objeto analisado em unidades/estruturas mínimas e recompô-lo em sua unidade maior, tendo para cada tipo de unidade um nível de análise). Como se sabe, a linguística estrutural (iniciada por Ferdinand Saussure), embora reconhecidamente importante e definitiva para conferir à linguística o estatuto de ciência, por outro lado, limitou o campo de abordagens investigativas de seu objeto: separando rigidamente a língua da fala, o linguístico do extralinguístico e recortando para análise somente a “parte” da língua, em seu aspecto linguístico, apenas, descartando, assim, a fala e os aspectos extralinguísticos a ela vinculados. Seja por necessidade/imposição do momento histórico em que a linguística se constituiu, obedecendo a um padrão de ciência que exigia autonomia (em oposição à complementaridade), objetividade (em oposição à subjetividade) e descritivismo como aspectos fundamentais, seja por razões ideológicas que marcaram a produção do texto/obra de Saussure (postumamente publicada por seus alunos), o fato é que tais “escolhas” deixaram marcas, lacunas, insuficiências, que, ao longo dos estudos da linguagem, ficaram cada vez mais evidentes e sujeitas a muitas críticas. De modo geral, podemos apontar três grandes problemas bastante criticados na linguística estrutural: • Toma como maior unidade de análise linguística a frase (e não o texto, o discurso, a enunciação). • Separa língua de fala (separação inaceitável nos dias de hoje) e com isso deixa de fora (“descarta”) o falante (o sujeito e todos os níveis de subjetividade na linguagem), a situação comunicativa, a variação linguística, os fatores pragmáticos do texto/discurso/enunciação, o contexto, as condições de produção da linguagem, a interação entre falante/ouvinte, autor/leitor, locutor/alocutário, as relações dialógicas entre os sujeitos da linguagem, tanto no nível interpessoal/intersubjetivo como no nível intertextual/interdiscursivo. • Aborda muito superficial e insuficientemente as questões de sentido e significação na linguagem. Em decorrência disso, a partir da década de 1960, os estudos que se desenvolveram na linguística procuraram, cada um a seu modo, preencher os espaços dessas lacunas e insuficiências, buscando resgatar outros elementos de interesse dos estudos da linguagem exatamente naquilo que Saussure excluiu da linguística, a fala/o falante. Tais estudos revisaram e retomaram abordagens e posições descartadas pela linguística saussuriana, ampliaram seu campo de estudos, deixaram, enfim, o caminho a seguir previamente demarcado, “mas mantiveram, com outros nomes e novas definições, a distinção entre o que cabe ao linguista examinar e o que é da alçada de outras ciências ou disciplinas” (BARROS, 1999, p. 1), considerando, sobretudo, o fato de os linguistas se dedicarem mais seriamente a questões de significação e sentido. Dentre tais estudos, ganhou relevância a linguística textual, por se preocupar com a organização global do texto e examinar as relações entre discurso, enunciação e fatores sócio-históricos. Tal ponto 9 de partida trouxe mudanças significativas aos estudos da linguagem e do texto, criando um novo objeto de investigação na linguagem, o texto, pautado pelas seguintes características: • deixou-se de ver a língua como lugar de representação apenas de significados objetivos – ela é um meio convencional de agir no mundo (a pragmática dos atos de linguagem); • passou-se a considerar a linguagem como um instrumento de argumentação e de interação e não somente de informação; • concebeu-se o texto (discurso) como objeto de estudos e não mais a frase como unidade de sentido: análise condicionada aos mecanismos de organização textual; • postulou-se a intersubjetividade em avanço à subjetividade: a relação entre interlocutores funda a linguagem, dá sentido ao texto e constrói os próprios sujeitos produtores do texto. 11 Teorias do TexTo A lInguíSTIcA TexTuAl e SuAS frOnTeIrAS: PercurSO hISTórIcO, ObjeTO de eSTudO, cATegOrIAS TeórIcAS e de AnálISe 1 O nAScIMenTO de uMA lInguíSTIcA dO TexTO Caro aluno, é de suma importância pensar a estrutura do texto como uma unidade de análise linguística. Por mais que pareça óbvio entender o texto dessa maneira, e por mais que se faça evidente a necessidade de estudá-lo em sua estrutura e construção, desvendando seu processamento, organização, modalidades e gêneros, é bom lembrarmos que isso nem sempre foi um consenso e que tais ideias nem sempre foram aceitas. lembrete É importante lembrar que, superficialmente, podemos entender o conceito de “linguística” como a ciência da linguagem. Desse modo, o campo científico denominado linguística textual nasce de um intenso e extenso esforço teórico que defende que toda a linguística é, necessariamente, linguística de texto (KOCH, 2009; 2007; 2006; DIJK, 1972; MARCUSCHI, 1983). Tal visão e método científicos confrontam-se e opõem-se fortemente ao campo teórico da linguística estrutural, movimento pioneiro e demarcador dos estudos linguísticos no parâmetro científico, que teve seu período de ascensão e reconhecimento do final do século XIX até a metade do XX, aproximadamente, e que traz como fundamentos balizares as ideias postuladas pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure. Saiba que, em razão de seu crescente avanço, desenvolvimento e sucesso, a linguística estrutural acabou chamando a atenção de outros olhares teóricos, também relacionados à linguagem, para além do formalismo estruturalista (história, antropologia, sociologia, etnometodologia, psicologia etc.) e, assim, cresceu ainda mais a necessidade de ampliar seus domínios, bem como o interesse em sanar possíveis lacunas e insuficiências dessa ciência-piloto, afinal uma ciência nunca está fechada, pronta e acabada! Nesse sentido, a partir da década de 1960 surgem lugares de ruptura na fronteira com o estruturalismo linguístico e ocorrem dissidências, constituindo (a partir de vários aspectos teóricos lacônicos, insuficientes, pouco explorados, marginalizados etc.) novos campos teóricos da linguística, a maioria deles em franca ruptura com algumas das ideias do estruturalismo linguístico, por exemplo: Unidade I 12 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 • a sociolinguística; • a etnolinguística; • a psicolinguística; • a neurolinguística; • a pragmática; • a análise da conversação; • a análise do discurso; • a semântica; • a gramática gerativo-transformacional; • e, especialmente aqui, a linguística textual, entre outros campos, é claro. Podemos entender em outras palavras que, ainda que se reconheça a suma importância da linguística estrutural, o quadro teórico da linguística atual retrata diferentes linhas teóricas, que se instauraram a partir da tentativade superar os equívocos e de preencher as lacunas e insuficiências deixadas pelo estruturalismo linguístico. De modo geral, tais insuficiências/lacunas estão relacionadas a questões cruciais para o desenvolvimento dos estudos da linguagem e precisavam ser revistas, superadas, ultrapassadas. Veja a seguir os principais problemas/lacunas/insuficiências deixados pela linguística estrutural e que serviram de motivação/objetivo para a linguística textual, entre outras áreas de estudo da linguagem, buscar resolver: • A dicotomia língua x fala (e desconsideração da fala). • A desconsideração dos aspectos extralinguísticos. • A autonomia do objeto de estudo (língua). • A desconsideração do sujeito (desconsideração da fala, portanto do falante). • A unidade de análise centralizada na frase. • A separação do enunciado de sua enunciação. • O pouco caso relegado ao estudo da significação e do sentido entre outras questões de igual modo importantes. As diferentes linhas linguístico-teóricas anteriormente citadas romperam com o estruturalismo linguístico, cada uma em função de um(ns) ou outro(s) aspecto(s) e a partir disso delimitaram 13 Teorias do TexTo seus limites de pesquisa sobre a língua(gem). No caso da linguística textual, todos esses aspectos negligenciados pela tradição estruturalista justificaram a delimitação/instauração do campo de estudo do texto, alguns mais crucialmente que outros. Alguns dos aspectos mais importantes que foram criticados na tradição estruturalista e que serviram de ponto de partida para a instauração da linguística textual, no sentido de serem obstáculos a serem superados foram: • a delimitação da frase (e não do texto) como unidade máxima de análise; • a desimportância relegada ao texto e sua organização global; • a desconsideração da fala (do texto falado) e seus aspectos funcionais e organizacionais; • e, por fim, a total desconsideração do sujeito (falante) e da situação comunicativa na análise linguística. Saiba mais Para entender melhor essa discussão, você pode aprofundar a leitura com o artigo Estudos do texto e do discurso no Brasil, de Diana Luz Pessoa de Barros, disponível on-line em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0102-44501999000300008>. É importante salientar mais uma vez que tais aspectos problemáticos, caracterizadores das lacunas da tradição linguístico-estrutural, levaram esse “lugar de ruptura teórica”, os estudos do texto, a empenhar-se: • em ir além dos limites da frase; • em reintegrar o sujeito e a situação sociocomunicativa ao escopo de investigação teórica; e • em desenvolver e ampliar o estudo do texto em suas modalidades oral e escrita, a partir de sua organização estrutural, processamento cognitivo e funcionamento sociointeracional, instaurando assim a linguística textual (doravante LT). 1.2 da frase ao texto: as três fases de construção da linguística textual Agora vamos trilhar um pouco do percurso da linguística textual. Em sua constituição, a LT passou por três fases de desenvolvimento. Conforme apontam Bentes (2007), Indursky (2006) e Koch (2009, 2007, 2006), não houve um desenvolvimento exatamente homogêneo dessas três fases. Os estudos acerca do texto desenvolveram-se e ampliaram-se em diferentes países dentro e fora da Europa 14 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 (destaquem-se a produção norte-americana, germânica e anglo-saxã), mais ou menos à mesma época e com preocupações teóricas variadas. Assim, é importante perceber que não houve precisamente uma sucessão cronológica na transposição de uma fase à outra. O que melhor caracteriza a mudança de uma fase para a outra é muito mais a ampliação e o aprofundamento gradual dos estudos da LT, marcando cada vez mais fortemente o seu afastamento em relação à linguística estrutural. Cada nova fase busca superar os limites e insuficiências da fase anterior. Conforme descrevem Bentes (2007), Indursky (2006), Marcuschi (1983) e Koch (2009, 2007, 2006), entre outros autores clássicos desse campo científico, essas três fases da LT costumam ser conhecidas como: 1a fase transfrástica; 2a fase da gramática textual; 3a fase da teoria do texto. Agora que as fases destacáveis da LT já foram apresentadas rapidamente, é importante considerar que a LT atualmente está mais bem representada por essa terceira fase, em que as suas questões teórico-metodológicas de investigação apresentam-se melhor desenvolvidas. Dito isso, vamos conhecer mais detalhadamente os aspectos e características de cada uma das três fases. lembrete É bom lembrar que, apesar de não se poder levar em conta datas precisas quanto ao início e fim de cada uma das fases, é possível contextualizar aproximadamente (e superficialmente) a fase transfrástica na década de 1960, a fase da gramática textual na década de 1970 e a fase da teoria do texto a partir da década de 1980 até os dias de hoje. 1. Fase transfrástica – a própria designação já aponta o principal interesse dessa fase, a análise transfrástica que vai além dos limites da frase. Essa fase volta-se para os fenômenos linguísticos que nunca foram bem explicados pelas teorias formalistas limitadas ao nível da frase. Segundo Bentes (2007, p. 247), na análise transfrástica, parte-se da frase para o texto. Exatamente por estarem preocupados com as relações que se estabelecem entre as frases e os períodos, de forma que construa uma unidade de sentido, os estudiosos perceberam a existência de fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas teorias sintáticas e/ou pelas teorias semânticas: o fenômeno da correferenciação, por exemplo, ultrapassa a fronteira da frase e só pode ser melhor compreendido no interior do texto. 15 Teorias do TexTo O fenômeno da correferenciação estuda o múltiplo referenciamento e significa que o referente textual, ou seja, aquilo sobre o que o texto fala, encontra-se retomado ao longo do texto de diferentes formas, por exemplo: a. “Ana adora bolo, massas e frituras. A danadinha está passando do peso. Essa menina poderá ter problemas, se não fechar a boca.” b. “Maria foi à feira. Ela se assustou com os preços altos.” Observe que o referente “Ana” foi retomado pelas formas “a danadinha” e “essa menina”. Isso fez fluir e progredir a construção do sentido ao longo das sequências, de modo que cada sequência introduzida por um novo correferente veio a acrescentar informações em uma direção argumentativa. Se prestarmos atenção, veremos que o referente “Ana” não dá nenhuma pista sobre tratar-se de uma criança, contudo quando consideramos os correferentes “a danadinha” e “essa menina” somos levados a essa possível leitura sem que nenhuma menção explícita tenha sido feita a isso. Em uma análise transfrástica, é possível olhar o pronome pessoal de 3a pessoa diferentemente da visão tradicional estruturalista, que vê apenas uma simples substituição no nome “Maria” pelo pronome “ela”. Perceba que o uso do pronome propicia ao ouvinte/leitor instruções de conexão entre a predicação que se faz do pronome “se assustou com os preços altos” e o próprio sintagma nominal em questão “Maria” (considerado como aquele sobre o qual também já se disse algo). Tal mecanismo colabora na construção do perfil do referente “Maria” por parte do ouvinte/leitor. Observação Não é a concordância de gênero e número entre nome e pronome (Maria = ela) que garante a equivalência entre esses dois termos, mas as relações estabelecidas entre as suas predicações. É por causa dessas relações que sabemos que o pronome “ela” se refere ao SN “Maria”. Entretanto, o mero mecanismo de correferenciação entre sequências não constitui obrigatoriamente um texto. Ampliando seus esforços, os estudiosos foram observando,ao lado da correferenciação, outros fenômenos que também estabelecem relações entre as orações por meio de sequenciação (conectivos), pronominalização (pronomes), definitivização (artigos definidos e indefinidos), concordância verbal, relação tópico-comentário entre outros. Você deve observar, todavia, que a investigação acerca dos elementos conectivo-sequenciadores, que estabelecem relações entre as orações, levou os teóricos a questionarem se havia obrigatoriedade de relações conectivas presentes entre os enunciados para se constituir um texto. Vejam-se os exemplos: a. Genival não foi ao casamento de sua prima: enviou-lhe flores e um presente. 16 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 b. Genival não foi ao casamento de sua prima: estava adoentado. c. Genival não foi ao casamento de sua prima: não pode dizer quem estava chorando. Como você pode constatar, em (a), é a relação adversativa, implicada pelo conector “mas”, que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciado. Em (b), é a relação explicativa, implicada pelo conector “porque”, que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciado. Em (c), é a relação conclusiva, implicada pelo conector “portanto”, que se estabelece entre o primeiro e o segundo enunciado. Entretanto, os conectores “mas”, “porque” e “portanto” não estão presentes entre os enunciados, mas isso não impede que o ouvinte/leitor reconstrua o sentido da sequência, constituindo mentalmente as relações argumentativas próprias entre as orações. Desse modo, considerar o conhecimento intuitivo do falante acerca das relações a serem estabelecidas entre sentenças e o fato de nem todo texto apresentar o fenômeno da correferenciação [...] [constituíram] fortes motivos para a construção de uma outra linha de pesquisa, que não considerasse o texto apenas uma simples soma [...] de frases (BENTES, op. cit., p. 249). Os estudiosos partem, então, para uma segunda fase de desenvolvimento da LT, considerando os múltiplos mecanismos possíveis que garantem a linearidade, progressão textual e construção de sentidos. 2. Fase da gramática textual – essa fase apoiou-se no objetivo de criar gramáticas textuais. Mesmo considerando-se já um bom desenvolvimento nas investigações da LT, acreditava-se ser o texto um sistema uniforme, estável e abstrato, e nesse ponto ainda se aproximavam um pouco da forma como o estruturalismo descrevia a língua (sistema uniforme, estável e abstrato). As gramáticas textuais refletiam acerca de fenômenos linguísticos não explicáveis por uma gramática da frase. Nesse período, postulava-se o “texto” como uma unidade teórica formalmente construída, em oposição ao “discurso”, unidade funcional, comunicativa e intersubjetivamente construída (ibidem). Entenda que, nessa fase, é possível constatar a forte influência teórica da gramática gerativo- transformacional de Noam Chomsky. O gerativismo é outra corrente linguística que nasce na segunda metade do século XX e que também rompe com o estruturalismo linguístico, mas que mantém um caráter de pesquisa bastante formal que afirma ser a língua um sistema inato ao homem e não um produto de aprendizado social, portanto, desse ponto de vista, as regras da língua são uniformes e estáveis e já estão prontas na mente. Seu objeto de estudo será então o sistema abstrato de regras linguísticas inatas à mente humana e não o uso que se faz delas no plano social. Assim, o texto é tomado como a maior unidade linguística de análise, que pode ser decomposto (e recomposto) em unidades menores classificáveis em uma gramática do texto, buscando assim 17 Teorias do TexTo descrever que papel cada elemento desempenha textualmente. Assim, como o gerativismo considera a competência linguística do falante ideal, que detém o conhecimento internalizado de todas as regras da língua (mesmo que não seja levado a usá-las socialmente, ou seja, ele tem a competência, mas não necessariamente o desempenho), essa segunda fase considera a competência textual: Todo falante nativo possui um conhecimento acerca do que seja um texto [...], sabe reconhecer quando um conjunto de enunciados constitui um texto [ou não] [...], é capaz de resumir e/ou parafrasear um texto [...] [e] perceber se ele está completo [ou não] (BENTES, op. cit., p. 250). Nesse sentido, o falante possuiria três capacidades textuais básicas, conforme aponta Charolles (1989 apud BENTES, op. cit., p. 250): 1a A capacidade formativa (produzir e compreender). 2a A capacidade transformativa (reformular, parafrasear e resumir). 3a A capacidade qualificativa (reconhecer e tipificar: narração, descrição, argumentação). Uma gramática do texto teria as seguintes tarefas, conforme apontam Fávero & Koch (1988): • observação dos princípios e fatores de textualidade responsáveis pela coesão e coerência textual flagrados na superfície do texto; • observação de critérios para delimitação do texto em sua completude; • diferenciação dos vários tipos textuais. Veja que o texto é tomado como um “tecido” com princípios específicos, regras e fatores que formam o conjunto homogêneo e uniforme da textualidade. Assim como o gerativismo concebe o falante ideal, as gramáticas textuais concebem o texto ideal. O texto seria uma unidade teórica, e considerá-lo em funcionamento era considerar o discurso e não o texto. No entanto, a pretensão das gramáticas textuais não alcançou todos os objetivos da investigação acerca do texto, deixando vários fenômenos inexplicáveis ou mal-explicados. Não eram capazes de descrever todas as possíveis regras de textualidade, até porque os gêneros textuais são plurais e muito produtivos. Todos os dias podem surgir novos gêneros textuais (orais e escritos) com princípios e regras particulares (até bem pouco tempo não se tinha o e-mail ou o chat, por exemplo!). Cai, assim, o princípio de homogeneidade textual. Esse tratamento das gramáticas textuais começou a ser visto como excessivamente formal e iniciou-se um terceiro movimento. 3. Fase da teoria do texto – conforme sintetizam Bentes (2007) e Indursky (2006), diferentemente das gramáticas textuais que tencionavam a competência textual de falantes/ouvintes ideais, nessa fase, busca-se: 18 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 investigar a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos em uso (grifo nosso) [...] [adquirindo] particular importância [...] [o] seu contexto pragmático [, ou seja,] o conjunto de condições externas da produção, recepção e interpretação dos textos (BENTES, op. cit., p. 251). A língua passa a ser entendida não mais como um sistema abstrato (virtual), mas atual, em funcionamento, em uso efetivo. Nessa medida, o texto deixa de ser visto como um produto formal pronto e acabado (ideal) e passa a ser entendido como um processo (real) em funcionamento. Você pode contatar que, nessa perspectiva, a LT torna-se uma disciplina de caráter interdisciplinar, relacionando seus interesses com os de outras áreas do conhecimento que envolvem questões de linguagem e sociedade. Conforme Marcuschi (1998), a LT pode ser bem compreendida como “uma disciplina de caráter multidisciplinar, dinâmica, funcional e processual, considerando a língua como não autônoma, nem sob seu aspecto formal” (MARCUSCHI, 1998). Maiores detalhes sobre essa fase serão aprofundados nos itens que se seguem, em função de essa ser hoje a fase referencial (atual) da LT. Saiba mais Para conhecer mais a respeito do percurso teórico da linguística textual, você pode ampliar seus horizontes lendo o texto (1)Linguística textual: quo vadis, da autora Ingedore Villaça Koch (uma autora de referência nessa área) e a entrevista (2)Linguísticatextual: uma entrevista com Ingedor. Esse material está disponível on-line nos links: <url20.ca/1Bj>; <http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44502001000300002&script=sci_arttext>. 1.3 Aprofundando e delimitando o conceito de texto Você deve supor que, assim como a LT evoluiu ao longo de suas três fases, o conceito de texto também evoluiu. Observem-se as características principais que constituem as concepções de texto predominantes em cada fase. 1. Em um primeiro momento (fase transfrástica), o texto é concebido como: • “uma sequência pronominal ininterrupta” (dada a ênfase na questão da correferenciação); • “uma sequência coerente de enunciados”; • “forma de organização do material linguístico”; • “unidade linguística superior à frase”. 19 Teorias do TexTo 2. Em um segundo momento (fase da gramática textual), o texto é concebido como: • “complexo de proposições sintático-semânticas” (apresenta um conjunto de conteúdos); • “estrutura pronta e acabada” que obedece a uma estrutura formal articulada estritamente a partir de sete fatores de textualidade: – coesão; – coerência; – aceitabilidade; – informatividade; – situacionalidade; – intertextualidade; – intencionalidade. • “produto de uma competência linguística idealizada” (ênfase no aspecto formal do texto – extensão e constituintes); • “maior unidade linguística com sequência coerente e consistente de signos linguísticos.” Uma definição de texto que representa bem esses dois primeiros momentos é o de Stammerjohann: O termo abrange tanto textos orais como textos escritos que tenham como extensão mínima dois signos linguísticos, um dos quais, porém, pode ser suprido pela situação, no caso de textos de uma só palavra, como “Socorro!”, sendo sua extensão máxima indeterminada (1975 apud BENTES, 2007, p. 253). Entre os conceitos de texto da primeira e segunda fases não há representativas diferenças. Porém, vale a pena salientar ainda que as gramáticas textuais assim como definem o texto também definem o não texto: • Texto = “sequências linguísticas coerentes entre si”. • Não texto = “sequências linguísticas incoerentes entre si”. Essa oposição (texto x não texto) em si já se mostra um tanto desconexa se se considerar estranho ou difícil de imaginar uma “sequência” que não seja lógica e coerente. Só é sequência porque possui uma lógica, do contrário seria apenas um amontoado aleatório de elementos! Consideravam-se não texto as produções que “ferissem” algum(ns) dos sete fatores de textualidade. 1. Em um terceiro momento (fase da teoria do texto), a noção de texto é completamente revista. A teoria do texto não considera a possibilidade do “não texto”, primeiramente por ser ilógico conceber uma sequência linguística incoerente em si. Se há uma sequência linguística, certamente há uma lógica. 20 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 É possível, por exemplo, encontrar textos precários, incompletos, lacônicos etc., mas que não perdem o seu estatuto de texto por isso. Desde que uma “sequência” faça sentido para alguém, já será um texto. Por exemplo, se considerarmos um gênero textual bastante informal e corriqueiro, mesmo que escrito, o “recado de geladeira”. Imagine que alguém (uma moça) que mora com a mãe, escreva o seguinte recado de geladeira: A.1. “Mãe, deixei o Lucas na creche agorinha. Volto na próxima segunda. Beijo, Luíza.” É possível que algum purista que analise esse texto o julgue incompleto, lacônico, mal-estruturado por falta de referências... Entretanto, considerando o funcionamento social desse gênero, a situação comunicativa que o envolve, os possíveis interlocutores/falantes que dele façam uso para estabelecer uma comunicação etc., vemos que é um texto absolutamente possível, funcional e suficiente. Não está faltando nem sobrando informação. Elas são justas ao que é necessário nessa situação comunicativa, cujas interlocutoras são “Luíza”, autora do texto, e sua “mãe”, a interlocutora/leitora. A “mãe”, interlocutora/leitora do texto, sabe muito bem que é sua filha, a irmã do “Lucas”, quem escreve, sabe que “Lucas” é uma criança pequena e por isso ainda vai à creche, que “agorinha” significa, por exemplo, de manhã, horário natural em que se deixam as crianças na creche e sabe ainda quando vai ser a “próxima segunda”, dia em que a filha vai voltar para casa. Não é preciso acrescentar nada: imagine como seria esquisito e impróprio um “recado de geladeira”, nessa mesma situação comunicativa, que trouxesse todas essas informações implícitas (que são totalmente possíveis de inferir) sem a mínima necessidade de sua presença: A.2. “Prezada senhora Marilda Pinheiro, eu, sua filha Luíza Pinheiro, 24 anos, residente nesse mesmo domicílio, informo solenemente que entreguei o seu filho Lucas Pinheiro, meu irmão caçula, de três anos de idade, aos cuidados da creche Criança Feliz, domiciliada à rua Jatobá, 66, centro, às 7h da manhã do dia 10 de Outubro de 2010. Informo ainda que estou viajando a trabalho para Belo Horizonte e tenho meu regresso datado para a próxima segunda-feira, dia 18 de Outubro de 2010. Sem mais para o momento, firmo-me: Luiza Pinheiro.” Por outro lado, um texto pode fazer todo sentido para um falante e para outro pode não fazer nenhum sentido. Para ilustrar essa possibilidade, vejamos como exemplo o texto a seguir: A vaguidão específica (Millôr Fernandes) “As mulheres têm uma maneira de falar que eu chamo de vagoespecífica” (Richard Gehman). — Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte. — Junto com as outras? — Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer qualquer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia. — Sim senhora. Olha, o homem está aí. — Aquele de quando choveu? — Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo. 21 Teorias do TexTo — Que é que você disse a ele? — Eu disse para ele continuar. — Ele já começou? — Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse. — É bom? — Mais ou menos. O outro parece mais capaz. — Você trouxe tudo pra cima? — Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para deixar até a véspera. — Mas traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo. É melhor senão atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite. — Está bem, vou ver como. Note-se que o problema de coesão caracterizado pela falta de referências não chega a constituir, de forma alguma, falta de coerência no texto, que impossibilite a comunicação entre as interlocutoras dele, pois a proposta do autor é a de que a situacionalidade preencha as lacunas referenciais entre as interlocutoras. Talvez para outros interlocutores/leitores o texto não faça sentido algum, mas definitivamente as informações veiculadas por ele são suficientes para as interlocutoras dessa interação, que possuem o conhecimento partilhado necessário à compreensão da sua suposta falta de referência em si. Ou seja, um texto pode fazer sentido para uns e para outros não! Considere-se ainda que, no texto em questão, o autor não prioriza as informações do texto em si, cujas referências estão ausentes, mas especialmente o tom de humor em referir-se sarcasticamente a certas características apontadas como do universo feminino. Para essa terceira fase, o texto não pode ser entendido como uma estrutura pronta e acabada, um produto, mas como um processo com atividades globais de comunicação – planejamento, verbalização e construção. Lembre-se de que considerar o texto como um processo é considerar seu funcionamento com atividades de planejamento, verbalização e construção a partir de aspectos: • linguísticos (sintáticos, lexicais etc.); • semânticos (conteúdo, coerência, significação); • pragmáticos (seu uso, situação comunicativa,contexto etc.). E sem perder de vista a importante relação entre os sujeitos da produção textual: falante/ ouvinte; autor/leitor. Essa relação é crucial para que o texto faça sentido e se organize especificamente de uma forma e não de outra; quer essa relação se dê no aspecto interpessoal (entre pessoas), ou entre instituições, ou entre uma intituição e uma coletividade, ou entre uma mídia e uma coletividade etc. 22 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Saiba mais O texto disponível no link <url20.ca/-Fb> pode ajudar você a refletir de forma geral sobre estas questões de coerência e coesão e poderá ilustrar essa reflexão com uma imagem bem definidora da articulação entre esses dois eixos de construção da textualidade: a coerência que se dá na globalidade do todo (a mulher de chapéu) e a articulação coesiva que se dá entre os elementos (palavras). O material é do blog Gest ação: leitura e leitores, da professora Aparecida Brasileiro. Figura 1 – A coerência e a coesão na costrução do sentido dos textos Você deve compreender que o mesmo texto, inclusive, é passível de diferentes leituras em um mesmo momento histórico ou se lido em épocas e contextos diferentes. Como exemplo disso, podemos citar bem rapidamente as diferentes interpretações dos textos bíblicos que as pessoas fazem de um modo geral ou para si próprias. A própria forma linguística da Lei abre “brechas” para distintas interpretações. Ou, ainda, um texto pode ser considerado moralmente impróprio, ou vulgar, ou acintoso aos valores sociais, familiares e religiosos etc. e em outro momento/contexto pode ser considerado revolucionário, à frente de seu tempo, verdadeiro etc.: os poemas de Gregório de Matos (o poeta barroco conhecido como Boca do Inferno) podem ser um bom exemplo disso. 23 Teorias do TexTo Ou, por outro lado, um texto que pode ter sido considerado poético, verdadeiro e bonito em dado momento histórico pode hoje ser motivo de piada e referência de preconceito e opressão: por exemplo, a música Ai, que saudades da Amélia, de Ataulfo Alves e Mário Lago, de 1941, sobretudo em sua segunda estrofe, que hoje faz-nos considerar “Amélia” um adjetivo pejorativo quanto à caracterização da mulher moderna: Ai, que saudades da Amélia Nunca vi fazer tanta exigência Nem fazer o que você me faz Você não sabe o que é consciência Nem vê que eu sou um pobre rapaz Você só pensa em luxo e riqueza Tudo o que você vê, você quer Ai, meu Deus, que saudade da Amélia Aquilo sim é que era mulher Às vezes passava fome ao meu lado E achava bonito não ter o que comer Quando me via contrariado Dizia: “Meu filho, o que se há de fazer!” Amélia não tinha a menor vaidade Amélia é que era mulher de verdade Fonte: Alves; Lago, 1941. Voltando à questão da conceituação do texto, na terceira fase da LT, conforme descreve Koch (op. cit.), a definição de texto deve considerar que: Quadro 1 1. A produção textual é uma atividade verbal 2. A produção textual é uma atividade verbal consciente 3. A produção textual é uma atividade verbal, consciente e interacional O falante/ouvinte pratica ações, atos de fala. O falante/ouvinte tem objetivos e intenções – ele sabe o que faz, como faz e por que faz. O texto é o produto da interação entre falante/ouvinte, autor/leitor. Há sempre um objetivo a ser atingido. O sujeito/falante tem um papel ativo na produção textual – dizer é fazer. Os interlocutores estão obrigatoriamente envolvidos nos processos de construção e compreensão do texto. Os enunciados são dotados de certa força (atos) – saudação, pergunta, asserção, solicitação, convite, despedida etc. Há uma consciência no uso do conhecimento, elementos linguísticos e fatores pragmáticos e interacionais. Esses atos estão inseridos em contextos situacionais, sociocognitivos e culturais. 24 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Veja agora as três definições de texto de diferentes autores, que são exponenciais nesse momento mais atual da linguística textual, mas que devem ser tomadas em sua complementaridade entre si, uma vez que não deve haver apenas uma definição engessada em si mesma para definir o texto (apud BENTES op. cit., p. 255-256): • Bakhtin (1929): “Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra se apoia sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor”. • Koch (1997a): “Poder-se-ia, assim, conceituar o texto como uma manifestação verbal constituída de elementos linguísticos selecionados e ordenados pelos falantes durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais”. • Marcuschi (1983): “Proponho que se veja a linguística do texto, mesmo que provisória e genericamente, como o estudo das operações linguísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de textos escritos ou orais. Seu tema abrange a coesão superficial ao nível dos constituintes linguísticos, a coerência conceitual ao nível semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações ao nível pragmático da produção do sentido no plano das ações e intenções. Em suma, a linguística textual trata o texto como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas. Por um lado, deve preservar a organização linear, que é o tratamento estritamente linguístico, abordado no aspecto da coesão e, por outro lado, deve considerar a organização reticulada ou tentacular, não linear: portanto, dos níveis do sentido e intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e funções pragmáticas”. 2 cOnSTruIndO SenTIdOS nO TexTO: OrgAnIZAçãO eSTruTurAl e PrOceSSAMenTO TexTuAl Uma vez que já construímos o panorama teórico da constituição da LT de seu nascimento, desenvolvimento até à caracterização de seu objeto de estudo (o texto) no perfil atual e vigente desse campo de investigação, agora serão apresentadas algumas das principais categorias teóricas de análise relacionadas à organização estrutural, às estratégias de processamento e funcionamento e ao contexto interacional. Essa descrição será topicalizada da seguinte maneira: I. Processamento textual II. Organização estrutural 25 Teorias do TexTo I. Processamento textual: o texto deve sempre ser entendido como um processo. O processamento textual acontece mediante sistemas de conhecimento acionados no texto e no contexto de produção (KOCH, 2007; 2006). Na produção textual, toda ação (fazer) é necessariamente acompanhada de processos de ordem cognitiva, de maneira que o sujeito dispõe de modelos e tipos de operações mentais. Os interlocutores, na comunicação, dispõem de saberes acumulados sobre os diversos tipos de atividades da vida social, eles têm conhecimentos na memória que precisam ser ativados para que a atividade seja efetivada com sucesso. Tais atividades geram expectativas, e isso compõe um projeto nas atividades de compreensão e produção do texto. Considerando o texto como um processo, Heinemann e Viehweger (1991apud KOCH, 2007) definem três grandes sistemas de conhecimento, responsáveis pelo processamento textual global: • Conhecimento linguístico: diz respeito ao conhecimento do léxico e da gramática, responsável pela escolha dos termos e pela organização do material linguístico na superfície textual, inclusive dos elementos coesivos. • Conhecimento enciclopédico ou de mundo: corresponde às informações armazenadas na memória de cada sujeito. O conhecimento do mundo abrange o conhecimento declarativo, manifestado por enunciações acerca dos fatos do mundo (“A Ponta do Seixas, na Paraíba, é o extremo leste do continente americano”; “São Paulo é a cidade mais populosa do Brasil”) e o conhecimento episódico e intuitivo, adquirido por via da experiência (“Não dá para fritar o ovo sem quebrar a casca”). • Conhecimento interacional: compreende dimensão interpessoal da linguagem, ou seja, a realização de certas ações por meio da linguagem. Divide-se em: – conhecimento ilocucional: meios diretos e indiretos para atingir um objetivo; – conhecimento comunicacional: meios adequados para atingir os objetivos desejados; – conhecimento metacomunicativo: meios de prevenir e evitar distúrbios na comunicação – atenuação, paráfrases, parênteses de esclarecimento etc.; – conhecimento superestrutural: modelos textuais globais, que permitem aos usuários reconhecer um texto como pertencente a determinado gênero ou certos esquemas cognitivos. Entenda que tais formas de conhecimento são estruturadas em modelos cognitivos. Nessa medida, os conceitos são organizados em blocos, formando uma rede de relações, de forma que um dado conceito sempre aciona uma série de entidades. É o caso da eleição, à qual se associam: políticos, eleitores, corrupção, CPI, leis, Senado, dinheiro e hoje em dia até cuecas! É por causa dessa estruturação que o conhecimento enciclopédico transforma-se em conhecimento procedimental e fornece instruções para agir em situações particulares e agir em situações específicas. 26 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 II. Organização estrutural: de modo geral, alguns autores, como por exemplo, Dijk (2000), Koch (2007; 2006), Fávero (2009) e Kleiman (2004; 2007), orientam uma organização textual a partir de três níveis estruturais (inter-relacionáveis entre si) a serem apresentados e brevemente descritos a seguir: superestrutural, macroestrutural e microestrutural. lembrete Superestrutural – ou de nível global, com ênfase nas relações esquemático-cognitivas. Macroestrutural – ou de nível semântico, com ênfase nas relações de coerência textual. Microestrutural – ou de nível de superfície linguística, com ênfase nas relações de coesão textual. Quanto ao nível superestrutural, este se refere tanto às estruturas textuais globais, que permitem o reconhecimento dos gêneros ou tipos (ver exemplos a seguir), como também envolve o conhecimento sobre estratégias esquemáticas cognitivas relacionadas à significação global da base textual. São estratégias facilitadoras na produção/recepção de textos que acionam na memória o conhecimento armazenado, por meio de modelos globais, como esquemas, frames, scripts e planos. Quadro 2 Modelos globais Frames Certo conjunto convencional de elementos armazenados na memória sem uma organização sequencial, que acionamos cognitivamente em uma situação de uso. Por exemplo, ao se mencionar o frame “festa de aniversário”, acionamos o conjunto “balões, brigadeiros, bolo, vela, crianças, salgados, presente etc.” sem uma necessária ordem desses elementos. Outros exemplos de frames: natal, carnaval, correios etc. Esquemas Certo conjunto convencional de elementos armazenados na memória e organizados sequencialmente que acionamos cognitivamente em uma situação de uso. Por exemplo, ao se mencionar o esquema “um dia de trabalho”, acionamos o conjunto em uma determinada ordem “acordar, levantar, urinar, tomar banho, vestir-se, tomar café, sair de casa, chegar ao trabalho, trabalhar até meio-dia, sair para o almoço... etc.”. Planos Modelos de comportamento manifestados pelas pessoas no sentido de alcançarem certo propósito, que são acionados em uma situação de uso. Ao deparar-se com uma situação típica produzida pelo falante, o ouvinte já interpreta suas intenções. Por exemplo, um adolescente que organiza um plano para conseguir dos pais permissão para viajar sozinho. Scripts São planos mais estabilizados ou estereotipados com rotina bem estabelecida e que geralmente especificam papéis e ações dos interlocutores. Por exemplo, carta de amor, infância, novela etc. 27 Teorias do TexTo Quadro 3 Tipos de texto Técnico e científico Argumentativo Dedução Indução Jurídico Administrativo Publicitário Coloquial-dialetal Expositivo Narrativo Dialogado Descritivo Opinativo Informativo Humanístico Literário Periodístico Ensaio Quanto ao nível macroestrutural, este se refere às relações de coerência textual, responsáveis por construir a significação global no texto por meio dos processos de produção e compreensão textual, analisados em uma leitura top-down (no eixo vertical). A coerência textual é considerada fundamental para a textualidade, pois dela depende em grande parte o sentido do texto. A construção da coerência textual depende da organização tentacular de fatores de diversas ordens: linguísticos, cognitivos, socioculturais, interacionais e pragmáticos. Autores como Costa Val (2006) e Koch (2007, 1997, 2006) apresentam a coerência como responsável pela diferença entre um texto e um aglomerado de frases. É pela coerência que as ideias são conectadas, harmonizadas, não contraditórias, propiciando a compreensão semântica global. Platão e Fiorin (1996, p. 397-400) simplificam essa questão, apresentando os diferentes níveis de coerência: • Coerência narrativa é a que ocorre quando se respeitam as implicações lógicas existentes entre as partes da narrativa [...]. • A coerência argumentativa diz respeito às relações de implicação ou de adequação que se estabelecem entre certos pressupostos ou afirmações explícitas colocadas no texto e as conclusões que se tiram deles, as consequências que se fazem deles decorrer [...]. • Coerência figurativa diz respeito à combinatória de figuras para manifestar um dado tema ou à compatibilidade de figuras entre si [...]. • Coerência temporal é aquela que respeita as leis da sucessividade dos eventos ou apresenta uma compatibilidade entre os enunciados do texto, do ponto de vista da localização no tempo [...]. 28 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 • Coerência espacial diz respeito à compatibilidade entre os enunciados do ponto de vista da localização espacial [...]. • Coerência no nível de linguagem usado e a compatibilidade, do ponto de vista da variante linguística escolhida, no nível do léxico e das estruturas sintéticas utilizados no texto [...]. Note que alguns autores como Koch (2007, 2006, 2009), Fávero (2009) e Bentes (2007) defendem importantes critérios de textualidade, relativos à coerência textual, entre os quais os mais importantes são: • Princípio de interpretabilidade: depende da coparticipação entre produtor e receptor na situação de comunicação e da intenção comunicativa. Não há textos incoerentes em si, eles são coerentes dentro de um contexto interacional, e o que pode ser incoerente para um pode fazer todo sentido para outro. • Situação comunicativa: diz respeito à situacionalidade que envolve a interação e interfere na produção/recepção do texto, podendo ser entendida em sentido estrito (contexto imediato) e em sentido amplo (contextosociopolítico-cutural). • Conhecimento de mundo e conhecimento partilhado: conhecimento de mundo é toda memória de vida (social, histórica e individual) armazenada mentalmente, e o conhecimento partilhado é a intersecção de conhecimentos comuns compartilhados por produtor e receptor na interação comunicativa. • Polifonia (várias vozes): diz respeito ao jogo de vozes e pontos de vista presentes no texto. Muitas vezes a mudança de vozes nem sempre aparece nitidamente marcada no texto. • Inferência: relaciona-se às estratégias cognitivas que, com base no conhecimento de mundo, organizam e acionam os modelos globais de estruturas textuais: frames, esquemas, planos, scripts. • Intertextualidade: é um fator importante para o processamento cognitivo do texto, na medida em que recorre ao conhecimento de outros textos. Todo texto traz em si, em níveis variáveis, um grau de intertextualidade, seja ela explícita (quando há indicação da fonte) ou implícita (quando não há indicação da fonte). • Intencionalidade: esse critério tem uma forte relação com a argumentatividade e refere-se à forma como os sujeitos usam textos a fim de perseguir e realizar suas intenções, de modo que seus textos produzam-se adequados à obtenção dos efeitos desejados. • Informatividade: é o grau de previsibilidade informacional presente no texto que também está condicionado à intencionalidade, e é regulado pelo contexto situacional mais amplo. O grau de informatividade vem imediatamente da relação “dado-novo” referente às informações do texto. Um texto pode trazer um nível de informações novas alto, intermediário ou baixo. É importante salientar que esse critério também depende da interação emissor/receptor: o texto “a terra é redonda” pode ter nível zero de informação para um e ter nível alto de informação para outro (uma criança, por exemplo). 29 Teorias do TexTo Observação Outros aspectos que também merecem consideração sobre a questão da coerência: a consistência e relevância, a aceitabilidade, os fatores de contextualização e os próprios elementos linguísticos, que em si já servem de pistas argumentativas. Quanto ao nível microestrutural, este se refere às relações coesivas lineares, que dizem respeito ao modo como os elementos presentes na superfície textual (no eixo horizontal) estão interconectados através de recursos linguísticos, constituindo sequências veiculadoras de sentido. Veja que diferentemente da coerência, a coesão diz respeito à estrutura formal do texto. Trata da manifestação linguística da coerência e apresenta-se na forma como conceitos e relações subjacentes são expressos no texto. A coesão é construída por meio de elementos gramaticais (pronomes anafóricos, catafóricos, artigos, elipse, concordância, correlação entre os tempos verbais, conjunções etc.), que definem as relações entre frases e sequências de frases e no interior das mesmas, e elementos lexicais, através da reiteração, da substituição e da associação (COSTA VAL, 2006, p. 6). As várias possibilidades de coesão textual podem ser agrupadas dentro de três grandes tipos (FÁVERO, 2009): Quadro 4 1. Coesão referencial 2. Coesão recorrencial 3. Coesão sequencial Diz respeito aos elementos que têm a função de estabelecer referência. Não são interpretados pelo seu sentido próprio, mas referem-se a alguma outra coisa, relacionando o signo a um objeto. A coesão referencial é obtida por meio da substituição e reiteração de termos. Esta se dá quando, apesar de retomadas estruturais, a informação progride, o discurso segue adiante. A coesão recorrencial é obtida por meio da recorrência de termos, paralelismo, paráfrase e recursos fonológicos. Esta tem por função (assim como a recorrencial) fazer o texto progredir, encaminhar o fluxo informacional, porém não pela retomada de itens ou estruturas, mas pela sequenciação das sentenças por meio de mecanismos temporais e conectivos. Para considerarmos uma apresentação mais pormenorizada do eixo da coesão na organização do texto, devemos levar em conta que cada um dos três tipos de coesão (1. Referencial; 2. Recorrencial; e 3. Sequencial) organiza-se a partir de um conjunto de subtipos. Para estudarmos mais detalhadamente esses aspectos, consideraremos as descrições da autora supracitada, Leonor Fávero, que tão bem apresenta a coesão textual em suas microrrelações na construção do texto: I. Coesão referencial: relacionada objetivamente com o estabelecimento da referência, subdivide-se em dois tipos: substituição e reiteração. 1. Substituição: dá-se quando um elemento é retomado ou antecedido por uma proforma (elemento gramatical de baixa densidade sêmica – o pronome, por exemplo). As proformas podem ser: 30 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 • pronominais: “Esmeralda comprou um vestido. Ele é vermelho”. A proforma pronominal ele retoma o referente um vestido; • verbais: “Luiz acorda cedo todos os dias no campo. Antônia faz o mesmo”. A proforma verbal faz o mesmo retoma o referente acorda cedo; • numerais: “João e Pedro são primos. Ambos trabalham na siderúrgica”. A proforma numeral ambos retoma o referente João e Pedro; • adverbiais: “Pierre vai à Natal todos os anos em dezembro. Lá faz muito calor”. No caso da retomada do referente, tem-se uma anáfora, por exemplo: A.1. “Elizabete é uma moça trabalhadora e esforçada. Ela levanta cedo e dorme tarde, pois, para trabalhar, essa moça pega quatro conduções todos os dias”. Quadro 5 Elizabete = referente Ela = proforma pronominal Essa = proforma pronominal No caso da sucessão do referente, tem-se uma catáfora, por exemplo: A.2. “Mariana só me disse isto: não quero casar com José”. Quadro 6 Isto = proforma pronominal Não quero casar com José = referente Podem ainda ser incluídos no tipo de coesão referencial por substituição os subtipos: • Anáfora esquemática: “Meu filho vai casar-se. Ela é modelo”. O pronome retoma a ideia de que o filho vai casar-se com uma mulher. • Definitivização: “Era uma vez uma princesa encantada que vivia presa em uma torre. A princesa era filha...”. O referente é introduzido indefinidamente e retomado definidamente. 31 Teorias do TexTo • Elipse: é a substituição por zero ∅. _ “O que você fez ontem o dia inteiro? _ ∅ Nada. _ Não fez nada durante o dia inteiro? _ ∅ Não”. 2. Reiteração: dá-se quando há repetição de certas expressões que possuem a mesma referência no texto. Os tipos de reiteração são: • Repetição do mesmo item lexical: “A água acabou com a cidade. A cidade ficou alagada. Da cidade não sobrou nada”. • Sinonímia: “Josué é calvo” / “Josué é careca”. • Hiponímia: “Judite foi vendedora de imóveis. Os apartamentos eram de primeira linha”. • Hiperonímia: “Laura viu o carro. O veículo vinha em alta velocidade”. II. Coesão recorrencial – voltada à recorrência temática para construir o movimento dado-novo que retoma as informações dadas e acrescenta informações novas, fazendo fluir o texto. 1. Recorrência de termos: tem função de ênfase, intensificação e possibilita o fluir da informação no texto. Por exemplo: Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor [...] (BANDEIRA apud FÁVERO, op. cit., p. 27). 2. Paralelismo: traz estruturas (lexicais) ou ideias (do mesmo campo semântico) paralelas. Por exemplo: Eia! Eia! Eia! Eia eletricidade, nervos doentes da Matéria! Eia telegrafia sem fios, simpatia metálica do inconsciente! Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez! [...] (PESSOA, apud FÁVERO, op. cit, p. 28). 3. Paráfrase: ato de reformulação pelo qual dizemos a “mesma coisa” com outras palavras, relacionando texto-fonte e texto-derivado. 4. Recursos fonológicos: “a forma fonética é uma consequência daestrutura semântica fornecida pela sintaxe”, considerando-se nesse aspecto os funcionamentos pragmáticos, estilísticos e psicolinguísticos da produção textual (FÁVERO, p. 29). Os recursos fonológicos podem ser de dois tipos: 32 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 • Segmentais: aliteração, assonância, cacofonia etc. • Suprassegmentais: ritmo, silêncio, entonação etc. III. Coesão sequencial: também faz o texto progredir como os mecanismos recorrenciais, fazendo caminhar o fluxo informacional, mas não há neles a retomada a itens ou expressões anteriores. 1. Temporal: toda sequenciação é temporal, mas essa categoria quer indicar o tempo no “mundo real”, conforme explica Fávero (op. cit.). Aqui temos os seguintes subitens: • Ordenação linear dos elementos: “Levantou cedo, tomou café e saiu”. • Expressões ordenadoras ou continuadoras: “Inicialmente você lava os cabelos. Depois aplica a máscara capilar. A seguir você enxágua e escova os cabelos”. • Partículas temporais: “Não deixe de escovar os dentes à noite”. • Correlação dos tempos verbais: “Eu solicitei que saíssem da minha casa”. 2. Por conexão: subordinação dos enunciados a outros para construir a compreensão por meio de sua interdependência, seja de ordem semântica, lógica ou pragmática. • Operadores do tipo lógico: estabelece relações gramaticais lógicas de interdependência. – Disjunção inclusiva: “Há vagas para moças ou rapazes”. – Disjunção exclusiva: “Dilma ou Serra será eleito presidente do Brasil”. – Condicionalidade: “Se chover, não iremos à praia”. – Causalidade: “Se Sócrates é homem, então ele é mortal”. – Mediação: “Fugiu para que não o prendessem”. – Complementação: “Jéssica deu uma flor à professora”. – Restrição ou delimitação: “Atropelei a moça que faz artesanatos”. • Operadores do discurso: estabelecem relações argumentativas, discursivas. – Conjunção: “Chove e faz sol”. – Disjunção: “Estude bastante para as provas. Ou vai querer pegar uma DP?”. – Contrajunção: “Estudou muito, porém não passou no vestibular” [contudo / todavia / entretanto...]. – Explicação ou justificativa: “Deve haver um engano, pois eu estou aqui desde ontem”. – Conclusão: “Não gosto de você, portanto saia da minha casa”. 33 Teorias do TexTo • Pausas: restabelecem a conexão entre dois enunciados, mesmo com a ausência do conectivo – “Não mexa nesses fios; levará um choque” / “Não fui ao enterro; mandei uma coroa de flores”. 3 AIndA AlguMAS cOnSIderAçÕeS SObre A lInguíSTIcA TexTuAl Vamos agora aprofundar o nosso olhar crítico! Feitas todas as minuciosas descrições anteriores acerca da LT, seu nascimento, suas fases, suas relações epistemológicas, suas categorias teóricas e de análise textual etc., é importante mencionar aqui que esta importante teoria tem algumas fragilidades que seus próprios pesquisadores reconhecem e buscam superar e ainda que os teóricos de outras áreas vizinhas da linguagem criticam. A autora Freda Indursky (2006) sintetiza bem isso pontuando alguns aspectos que ela aponta como fragilidades da linguística textual. Vejamos a seguir alguns destes pontos mais frágeis: Além dos dois critérios de textualidade semântico-formais, coerência e coesão, que são enfaticamente trabalhados nas duas primeiras fases da LT, acrescentam-se mais cinco critérios de textualidade de ordem pragmática (do uso), que vão ser analisados mais cautelosamente na terceira fase da LT: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade, intertextualidade, além de outros critérios de natureza também pragmática, mais recentemente considerados, como conhecimento de mundo e partilhado, inferências, polifonia, consistência e relevância, argumentação, princípio de cooperação/interpretabilidade e ainda outros que também procuram contemplar melhor os elementos da exterioridade do texto. Pois bem, conforme a crítica feita por Indursky (2006), os dois níveis de critérios de textualidade não são igualmente valorizados. Há uma nítida relevância dada aos critérios de natureza semântico-pragmática em detrimento dos critérios de natureza pragmática, estes aparecem com importância visivelmente secundária em relação aos primeiros, de modo que o que fica a ser entendido subliminarmente é que os critérios pragmáticos não seriam tão essenciais para a construção da textualidade, como são os critérios semântico-formais (coerência e coesão), pondo em evidência na análise do texto o trabalho com os mecanismos linguísticos em seus funcionamentos de tomada, retomada e progressão textual, voltados à trama de superfície formal do texto. I. O primeiro problema está relacionado a outro: a autora menciona que a linguística textual, por se constituir bastante heterogênea e interdisciplinar, faz muitas interfaces com outras áreas da linguagem e toma emprestado muitos conceitos de outras áreas, adaptando-os em seu arcabouço teórico próprio (o que não é necessariamente um aspecto negativo!). Muitos desses conceitos estão localizados exatamente no que descrevemos anteriormente como critérios de natureza pragmática. O problema é que a LT “importa” esses conceitos de outras áreas para compatibilizá-los na teoria do texto, porém eles entram em um lugar periférico, secundários em relação ao que a teoria acaba priorizando como central na análise textual (a coerência e a coesão). Além disso, os conceitos “importados” não passam por uma apresentação mais profunda, cuidadosa por parte da LT, que os descreve muitas vezes de forma simplista e confusa, sem nenhuma teorização. Vejamos a seguir um quadro que relaciona alguns conceitos mais comumente empregados pela LT e que são emprestados de outras áreas de estudo do texto e da linguagem: 34 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 Quadro 7 Áreas de interface com a LT Conceitos emprestados Estudos cognitivos • Inferências • Conhecimento de mundo • Conhecimento partilhado • Modelos cognitivos globais Estudos enunciativos • Polifonia • Argumentação • Locutor/alocutário Pragmática • Interacionalidade comunicativa • Intencionalidade e aceitabilidade • Consistência e relevância • Princípio de cooperação • Situacionalidade Análise de discurso • Discurso • Condições de produção II. Um terceiro problema mencionado por Indursky (op. cit.) é a categoria de sujeito que não sofre uma teorização mais cuidadosa e apresenta-se confusa entre categorias subjetivas, que são subjacentes a diferentes modos de análise e, portanto, não querem dizer a mesma coisa, a saber: sujeito = locutor/ alocutário; falante/ouvinte; autor/leitor; emissor/receptor etc. III. E por fim um último problema que seria a confusão generalizada entre os conceitos de texto e discurso, que, via de regra, aparece na LT como sendo a mesma coisa. Veja-se que a noção de discurso é bastante múltipla e tem diferentes significados em diferentes teorias, de modo que não pode ser simplificada a ponto de ser confundida com o conceito de texto. 4 OuTrAS TeOrIAS cujO ObjeTO de eSTudO TAMbÉM É O TexTO Como é sabido, além da linguística textual, também houve outros lugares de ruptura com o estruturalismo linguístico, o que culminou na gênese de novos campos de investigação. Assim, como a LT, muitos desses campos também apresentam o texto (e não a frase) como objeto de estudo. Conforme foi advertido anteriormente, a LT mantém certa interdisciplinaridade com vários desses outros campos de investigação, cuja preocupação maior é o estudo do texto. Nesse sentido, serão apresentados aqueles campos mais representativos, para que se possa melhor conhecê-los (ainda que superficialmente) e estabelecer as possíveis relações com a LT. I. SociolinguísticaEssa área investiga a relação entre linguagem e sociedade, por meio dos textos, e postula o princípio da diversidade linguística. Nesse sentido, já é fácil notar o seu perfil interdisciplinar. Ela inscreve-se na corrente das orientações teóricas contextuais e funcionais sobre o fenômeno linguístico não apenas sob 35 Teorias do TexTo o ângulo das regras de linguagem, mas também sob a perspectiva das relações de poder manifestadas na e pela linguagem. Seu interesse está em relacionar as variações linguísticas observáveis em uma comunidade às diferenciações existentes na estrutura social dessa mesma sociedade, pois o objeto da sociolinguística é a diversidade linguística. Nesse sentido, é possível identificar certos fatores socialmente definidos, relacionados à diversidade linguística, como: • identidade social do emissor ou falante; • identidade social do receptor ou ouvinte; • o contexto social (estilos formal e informal); • o julgamento linguístico-social distinto que os falantes fazem de si e dos outros. É importante salientar ainda que a sociolinguística diz respeito prioritariamente ao estudo da língua falada, observada, descrita e analisada em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. Seu ponto de partida é a comunidade linguística. Ela se interessa pelas pesquisas voltadas, por exemplo, para as minorias linguísticas e para a questão do insucesso escolar de crianças oriundas de grupos sociais desfavorecidos. Para a sociolinguística, a língua é um fato social, um sistema convencional adquirido pelos indivíduos no convívio social, de onde se podem abstrair as múltiplas variações observáveis da fala. Conforme os estudos sociolinguísticos, as línguas variam de diversas formas: • Uma língua varia em relação à outra ou a outras línguas, ou seja, as línguas variam entre si. • Uma mesma língua falada em países diferentes varia de um país para outro em que seja falada. • A língua falada em um país varia de região para região nesse mesmo país. • A língua falada em um país varia de comunidade de fala para comunidade de fala no mesmo país. • A língua falada em um país varia em diversos aspectos: étnico, etário, social, sexual, econômico, profissional, cultural etc. • A língua varia até em um mesmo indivíduo em relação aos seus diferentes níveis de formalidade e situações linguísticas. • A língua pode variar em diferentes níveis (lexical, morfológico, sintático, fonético e semântico). II. Pragmática Observe que a pragmática analisa, de um lado, o uso concreto da linguagem, tendo em vista seus usuários, na prática linguística e, de outro lado, estuda as condições que governam essa 36 Unidade I Re vi sã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : L éo - 2 9/ 04 /1 1 prática. Ela pode ser apontada como a ciência do uso linguístico, cuja preocupação é antes com a linguagem que com a língua. Nesse sentido, também se afasta dos pressupostos estruturalistas (de Saussure). A pragmática defende a não centralidade da língua em relação à fala. Essa área aposta nos estudos da linguagem, considerando a fala e não observa a língua isolada de sua produção social. Os estudos pragmáticos pretendem definir o que é linguagem e analisá-la (por meio de textos) trazendo para a definição os conceitos de “sociedade” e de “comunicação”, descartados pela linguística saussuriana na subtração da fala (e do falante). Há um forte interesse pelos fenômenos linguísticos que não são puramente convencionais, mas sim compostos também por elementos criativos, inovadores, que se alteram e interagem durante o processo de uso da linguagem. O recorte de análise da pragmática não está reduzido a fatos delimitados e convencionais da língua como sistema (inato), mas sim trabalha a partir de indícios de funcionamento da linguagem, mesmo que isso implique visualizar erro, exceção, licença poética! Observe agora as seguintes correntes pragmaticistas que podem ser apontadas como as principais: Quadro 8 O pragmatismo americano Foi desenvolvido por W. James & Morris sob forte influência dos estudos semiológicos de Charles Peirce, enfatiza a inclusão do sujeito na construção do sentido e desconstrói a noção clássica de Verdade. Os estudos dos atos de fala São influenciados pela filosofia da linguagem (Wittgenstein) e alavancados por Jonh L. Austin, enfatizam a performatividade da linguagem, cuja definição estaria diretamente relacionada à ação e interação. É grande a ênfase nas categorias de enunciados constativos e performativos; nos atos loucionais, ilocucionais e perlocucionais; e nas regras conversacionais que regem o princípio da cooperação na linguagem. Os estudos da comunicação Integram ambos os interesses teóricos anteriores, mas acrescentam ainda o interesse pelas questões sociais e históricas em que priorizam as relações sociais, de classe, de gênero, de raça e de cultura. Vamos entender melhor: das três vertentes supracitadas, a que tem maior repercussão historicamente é a teoria dos atos de fala. Então, aprofundando os estudos dos atos de fala, é importante destacar alguns tópicos, conforme sintetiza Pinto (2007): 1. A discussão sobre a “teoria dos atos de fala” foi aberta para debater como as construções gramaticais podem levar a confusões lógicas entre filósofos. Nesse contexto, J. Austin foi quem melhor se destacou na exposição dos problemas, discutindo a materialidade e historicidade das palavras. Seus estudos procuraram refletir sobre a possibilidade de uma teoria que explicasse questões, exclamações e sentenças que expressam comandos, desejos e concessões. A Teoria dos Atos de Fala, que tem por base conferências de Austin publicadas postumamente em 1962 sob o 37 Teorias do TexTo título How to do things with Word (Austin, 1990), concebe a linguagem como uma atividade construída pelos/as interlocutores/as, ou seja, é impossível discutir linguagem sem considerar o ato de estar falando em si – a linguagem não é assim descrição do mundo, mas ação (PINTO, op. cit., p. 57). 2. Inicialmente, na teoria dos atos de fala, um dos pares conceituais mais importantes é a distinção entre os enunciados: • Performativos – que realizam ações porque são ditos: “Eu vos declaro marido e mulher em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. • Constativos – que realizam apenas uma afirmação, constatação: “A mosca caiu na sopa”. A análise dos contrastes entre esses tipos de enunciados, o performativo e o constativo, levou Austin a prosseguir no raciocínio e a aventar a separação de níveis de ação linguística por meio de enunciados (PINTO, op. cit, p. 58). Esses níveis de ação agem simultaneamente no enunciado, e Austin os denomina: • Atos locucionários – os que dizem alguma coisa: “Eu vou estar em casa hoje”. Tem a ver com o conjunto de sons que se organizam para efetivar um significado referencial e predicativo, pois efetiva uma sentença sobre o eu. • Atos ilocucionários – os que refletem a posição do locutor em relação ao que ele diz: “Eu vou estar em casa hoje”. É a força que o enunciado produz que se tipifica em pergunta, afirmação, promessa, ameaça, ordem, pedido etc. • Atos perlocucionários – os que produzem certos efeitos e consequências sobre o interlocutor, sobre o próprio locutor ou sobre outras pessoas: “Eu vou estar em casa hoje”. É o efeito produzido na pessoa que ouve o enunciado, por exemplo, sendo efeito de agrado, de medo, de ameaça, transformando-se em ação. 3. Os atos de fala podem trazer ambiguidades em suas interpretações, pois um enunciado pode tanto ser entendido como uma ordem, como uma ameaça ou como um pedido: “A porta está aberta”. Assim, é importante considerar sempre o contexto, a situação de fala entre os falantes em questão, e mesmo assim os limites da análise linguística
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