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80 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 Unidade III 7 A INSTRUMENTALIDADE NO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL Prezado aluno, chegamos à última parte de nossos estudos, em que faremos nossas reflexões finais. Nesta Unidade, discutiremos o conceito de instrumentalidade. Esse conceito será discutido porque pretendemos refletir sobre aspectos ligados à operacionalização do fazer profissional do assistente social, pensando em suas atividades desenvolvidas cotidianamente. Isso porque já realizamos as discussões sobre as mudanças ocorridas no trabalho e já refletimos como tais mudanças afetam o mercado de trabalho do profissional e sua prática diária. A propósito, realizamos uma série de apontamentos com relação à prática, ao perfil que é esperado do assistente social, sempre com o objetivo de buscar uma atuação que enfoque a competência, a defesa das atribuições privativas e, sobretudo, a efetivação dos direitos sociais dos segmentos mais empobrecidos de nossa sociedade. No entanto, nesta Unidade direcionaremos nossa atenção para a questão instrumental presente em nossa profissão e para a necessidade imediata de pensarmos as perspectivas profissionais e o Serviço Social. Para tal, dividiremos didaticamente o texto em dois tópicos: o tópico 7 tratará da prática do assistente social (conhecimento, instrumentalidade e intervenção profissional), bem como das competências do Serviço Social na contemporaneidade (política, ética investigativa e intervenção). Já o tópico 8 discorrerá sobre as dimensões ético-política, técnico-operativa e teórico-metodológica no Serviço Social, além de abordar os rumos ético-políticos do trabalho profissional. Vamos então iniciar nossos estudos tratando da prática do assistente social: conhecimento, instrumentalidade e intervenção profissional. Observação Instrumentalidade: capacidade, propriedade de algo. 7.1 A prática do assistente social: conhecimento, instrumentalidade e intervenção profissional Para que possamos melhor compreender nosso exercício profissional, precisamos conhecer melhor nosso instrumental. Como vimos, para Iamamoto (2004), o profissional competente é aquele que, além de uma série de habilidades, possui conhecimento e domínio do instrumental técnico. Para que possamos ser versados nesse instrumental, é necessário conhecê-lo e entendê-lo de uma forma diferenciada. Começaremos pelas informações que possuímos sobre a história de nossos instrumentais, dos “objetos” que permitem e viabilizam nossa intervenção profissional. 81 SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL Cabe destacar, antes de tais considerações, que o conceito de instrumentalidade ainda é novo no Serviço Social. Anteriormente, na década de 1990, os profissionais graduados (como uma das autoras deste livro-texto) não conheciam esse conceito. O que era ensinado era como atuar, o que se denomina de instrumentais e técnicas. Hoje ainda recorremos a estes, porém com uma visão diferenciada. Contudo, para entender como a nossa profissão chegou a esse conceito, estudaremos os instrumentais e as técnicas que foram sendo usados pelos profissionais durante o desenvolvimento histórico-social da área no Brasil. Iniciemos nossos estudos. Saiba mais Sobre os fundamentos de nossa prática profissional, recomendamos a leitura do texto: Os fundamentos do Serviço Social na contemporaneidade: conhecimento e crítica, de Guerra et al., apresentado no 10º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (Rio de Janeiro, 2001). Disponível em: <http://www.ts.ucr.ac.cr/eventos/br-cbass-con-10-po-08.htm>. 7.1.1 A pré-história dos instrumentais no Serviço Social e as práticas desenvolvidas pelos primeiros profissionais Lembrete Precisamos retomar a história de nossa profissão para compreender aspectos da instrumentalidade. Entender os instrumentais do Serviço Social remete à compreensão da pré-história de nossa profissão, ou seja, das primeiras intervenções voltadas para o atendimento das expressões da pobreza no Brasil. Assim, para retomar a história e conhecer as origens de nossa profissão, precisamos entender a história brasileira da década de 1920. Nesse período, o Brasil vivenciava economicamente a expansão do sistema capitalista, mas também possuía uma economia voltada para as atividades de natureza agropecuária. Vivenciávamos o período em que os proprietários de grandes porções de terra detinham o poder político, época descrita por alguns historiadores como do governo “oligárquico”, em que as oligarquias econômicas detinham o poder (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005). Nesse período, segundo Iamamoto e Carvalho (2005), a população da República era composta por muitos segmentos empobrecidos; formava esses segmentos um grande número de desempregados, escravos libertos e até trabalhadores. Sim, prezado aluno, também trabalhadores. Ocorre que nesse período estes possuíam péssimas condições de vida e de trabalho, chegando a trabalhar, em média, 14 horas por dia, e essas condições laborais afetavam inclusive mulheres e crianças. 82 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 Dessa forma, na República Velha, nos idos da década de 1920, as condições de grande parte da população brasileira eram muito ruins. Isso significa dificuldade de alimentação, de moradia, de sobrevivência digna. Segundo apontam Iamamoto e Carvalho (2005), para essas pessoas, que não conseguiam garantir meios suficientes à sobrevivência ou que tinham dificuldade para tal, havia a caridade da Igreja Católica. Essa caridade empreendida pela Igreja contava com o serviço do laicato, ou do segmento leigo da referida instituição. Este era composto por moças vinculadas à Igreja, pertencentes a famílias burguesas e que exerciam a caridade para atender aos segmentos empobrecidos que se ampliavam na realidade brasileira. Essas moças prestavam ajuda material e também buscavam transmitir os valores da Igreja Católica a essas pessoas em suas intervenções. Ficaram popularmente conhecidas como “agentes sociais”. Outra grande referência ao trabalho desenvolvido no período era a contenção das expressões vinculadas ao Movimento Operário que se organizava no país – as quais representavam grande ameaça à igreja e também ao poder político estabelecido até então. A Igreja Católica desenvolvia essas intervenções porque pretendia recuperar os privilégios perdidos e conter o avanço da religião evangélica. Por isso, recorria à caridade como uma alternativa para recuperar os fiéis perdidos e o prestígio entre os segmentos da realidade brasileira (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005). No entanto, essas iniciativas mostravam-se ineficazes para conter a pobreza do país que, aliás, crescia a passos largos. Isso instigava ainda mais as pressões e manifestações populares. Diante dessa situação, a Igreja começou a repensar sua atuação e considerou que a ampliação da pobreza, mesmo com as intervenções realizadas, acontecia porque as agentes sociais não possuíam formação específica na área de atuação. Para sanar essas demandas, foram constituídas as semanas sociais, que eram organizadas para a formação dessas moças (agentes) e eram ofertadas pela Igreja Católica. Em 1932, segundo Iamamoto e Carvalho (2005), foi constituído o Centro de Estudos e Ação Social, ou Ceas, sendo esse o “equipamento” criado pela Igreja Católica para oferecer essa formação suplementar. No entanto, a constituição do Ceas serviu apenas para a Igreja Católica, mais uma vez, repensar sua prática de formação. Em decorrência dessas reflexões, considerou-seque era necessária uma formação por meio de um curso de graduação. Assim, em 1936 foi criada a primeira escola de Serviço Social, localizada em São Paulo. Na sequência, foi constituída a escola do Rio de Janeiro, em 1937. Partindo dessa profissionalização inicial, é possível entendermos as informações sobre instrumentais e técnicas usados em nossa área. Se considerarmos o surgimento da profissão, veremos que o Serviço Social não possuía instrumentais e técnicas próprios, e sim elaborações obtidas por adoção, ou seja, eram tomados de outras intervenções e correntes de pensamento os instrumentais e as técnicas com os quais realizou parte de seu trabalho. Essa adoção se deu de duas maneiras: recorrência aos métodos já utilizados pela caridade, por meio dos quais as visitadoras sociais vinculadas às igrejas realizavam visitas, entrevistas, ajuda material direta e 83 SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL indireta e aconselhamento; e adoção de técnicas das disciplinas atreladas às Ciências Sociais, tais como a Sociologia, a Medicina e o Direito, das quais, por sua vez, foram transplantadas as técnicas de pesquisa, bem como a prestação de informações e mesmo os métodos de vacinação e puericultura (PIRES, 2007). No que diz respeito ao instrumental do Serviço Social, partindo da constituição das primeiras escolas no Brasil e na América Latina como um todo, Pires (2007) coloca que se percebeu nítida influência dos métodos de intervenção transplantados da Europa e dos Estados Unidos, e a recorrência aos métodos norte-americanos teria se evidenciado somente a partir da década de 1940. Nas protoformas de nossa profissão, observamos a influência até então hegemônica das escolas europeias, sobretudo a recorrência a experiências das escolas franco-belgas. Foi dessas escolas que surgiu a abordagem individual, que se consolidou até a década de 1950 como a principal metodologia aplicada pelo Serviço Social. Essa abordagem consistia em realizar um atendimento individual, caso a caso. Nesse atendimento, os assistentes sociais podiam recorrer a entrevistas, visitas e outras abordagens, porém com o objetivo de descobrir todas as informações possíveis sobre a vida e a personalidade da pessoa que atendiam. Essa prática foi descrita por Iamamoto e Carvalho (2005) com a terminologia “inquéritos sociais”, tal era a natureza da intervenção realizada. As assistentes sociais desse período acreditavam que, se conseguissem descobrir todas as informações de seus clientes, poderiam descobrir onde estava o problema e assim realizar o tratamento. Por essa ótica, todos os problemas de cunho social eram compreendidos como de natureza “pessoal”, “individual”, e jamais com raízes estruturais (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005). Iamamoto e Carvalho (2005) destacam que o grande enfoque era na família operária. As profissionais acreditavam que as reivindicações dessas famílias e sua vinculação ao marxismo eram representações de seus problemas individuais. Acreditavam também que os problemas sociais resultavam da desestrutura familiar que acometia grande parte desses segmentos e chegavam a destacar que parte dos problemas estaria ligada à figura da mulher, que agora não mais se preocupava com sua família, com o ambiente doméstico. Porém, para apreender toda essa dinâmica, era necessária a abordagem caso a caso. Essa abordagem individual também ficou conhecida como “Serviço Social de Caso”. Destacam-se como grande expressão dessa modalidade de intervenção os trabalhos de Mary Richmond, em que a abordagem individual era sistematicamente ensinada aos assistentes sociais. O Serviço Social de Caso recorria à Psicologia enquanto orientação teórica e desenvolvia técnicas de apoio, de influência direta, de catarse e de discussão reflexiva sobre a pessoa-situação, mas todas com influência também da doutrina social cristã (PIRES, 2007). Nos centros de formação, as primeiras assistentes sociais eram doutrinadas para desempenhar a intervenção de caso, mas essas orientações, apesar de recorrerem à Psicologia, eram fortemente influenciadas pela doutrina social da Igreja Católica, como sumariamos anteriormente. Note que a Igreja Católica foi a grande responsável pela constituição das primeiras escolas, e tal influência na formação dos assistentes sociais tornou-se algo inevitável, segundo o que nos diz Aguiar (1995). 84 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 A influência da igreja era sentida, portanto, quando os profissionais iam atuar, prática que, como vimos, também era adotada pelos agentes sociais. Nesse sentido, a fundamentação de recorrência, ou, melhor dizendo, a teoria que orientava a ação era a Filosofia tomista, ou de São Tomás de Aquino. Tal compreensão auxiliava os assistentes sociais a realizarem uma prática focada no individuo e a encontrar alternativas para diagnosticar os problemas trazidos por esse atendido e para realizar o tratamento das anomalias apresentadas (AGUIAR, 1995). Por essa ótica, o indivíduo com o qual atuavam era compreendido como possuidor de corpo e alma. Aguiar (1995) destaca, assim, que os assistentes sociais eram orientados para atender às necessidades materiais e também espirituais do ser humano, ou seja, precisavam entender que sua intervenção provocaria alterações na espiritualidade do ser humano com o qual estavam trabalhando. Esse período da nossa profissão foi marcado pela convivência pacífica entre as correntes teóricas e a doutrina social cristã, disseminada no Brasil de forma hegemônica pela Igreja Católica. Um exemplo dessa “convivência” se expressa na formação oferecida aos primeiros profissionais. Assim, Aguiar (1995) aponta que os profissionais eram orientados a desenvolver uma prática com base em um método composto por quatro princípios: científico, técnico, de formação prática e de formação pessoal, ou seja, eram instruídos para considerar em sua prática os princípios elencados. Nos termos do referido autor, esses princípios deveriam ser observados desde a formação do assistente social. O princípio científico fazia referência à formação que precisava ser buscada em áreas como a Sociologia, a Psicologia, a Biologia e a Moral. Já a técnica fazia referência à abordagem individual, que devia ter como enfoque a contenção dos desajustamentos. A formação prática era a aprendizagem proporcionada pelo estágio, e a formação pessoal congregava a realização de círculos de estudos e abordagens individuais para moldar o caráter do futuro profissional. Aguiar (1995) diz, no entanto, que as próprias alunas também eram submetidas à aceitação dessa doutrina. O autor destaca que os professores deveriam orientá-las quanto à doutrina social da Igreja e tinham até autonomia para corrigir possíveis desvios de caráter. Lembrando mais uma vez que, de acordo com Iamamoto e Carvalho (2005), as assistentes sociais deveriam ser moças preferencialmente pertencentes a boas famílias burguesas da época e católicas. Isso era tão importante que, segundo os autores, para realizarem as matrículas nos centros de formação, as interessadas deveriam apresentar, dentre vários documentos pessoais, a carta de recomendação de uma família. Entretanto, caso houvesse “desvios” no padrão de comportamento esperado, após o ingresso no centro de formação, Aguiar (1995) afirma que deveriam ser corrigidos por meio de orientações individuais ou grupais, dependendo do caso, mas sempre com foco na doutrina social da Igreja. Santos (2004), analisando o currículo dos principais centros de formação desse período, destaca que as matérias oferecidas eram organizadas de forma fragmentada, sempre orientando uma percepçãosetorizada das questões sociais, indicando assim uma fuga da visão da totalidade. Partilhando das posturas dos autores citados anteriormente, destaca que os currículos eram perpassados pelos valores cristãos, como teoria a que recorriam para orientar os futuros profissionais. 85 SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL Assim, as protoformas de nossa profissão caracterizaram-se por intervenções de caso, influência de correntes, como a Psicologia e a Sociologia, e ainda recorrência aos princípios do tomismo. Nesse cenário foi fundada a metodologia de intervenção do profissional daquele período e também a formação, conforme observamos. Os instrumentais de entrevista e visita eram usados pelos profissionais, mas o que chama a nossa atenção não é a utilização destes, mas sim a forma de compreender o homem e o mundo que permaneceu hegemônica na profissão até meados da década de 1960. O Serviço Social de Grupos, por sua vez, também recorreu à Psicologia enquanto matriz teórica, incorporando ainda influências da Pedagogia e da Educação. As técnicas usadas pelo Serviço Social oriundas desses ramos do saber, segundo Pires (2007), são as seguintes: psicodrama, técnicas de grupo, técnicas de apoio, técnicas de motivação e incentivo, técnicas de condução do grupo, dinâmica de grupo, dramatizações e debates. Aguiar (1995) nos coloca que o trabalho em grupo foi introduzido por se considerar que os seres humanos possuíam dificuldades semelhantes e, por isso, seria possível realizar um trabalho conjunto, de forma articulada entre os pares. Algumas alterações foram processadas a partir da introdução do método de Desenvolvimento de Comunidade, iniciando-se uma interlocução com a Sociologia. Quanto a procedimentos técnicos, Pires (2007) destaca a utilização de métodos como observação e enquetes, atividades para o desenvolvimento de liderança e técnicas de motivação, conscientização, participação e mobilização. Aguiar (1995) destaca que a conscientização, a participação e a mobilização deveriam ser controladas pelo assistente social, ou seja, vivenciamos um período em que o profissional deveria controlar a população e orientar a sua prática, sendo a participação desta algo extremamente restrito. O Desenvolvimento de Comunidade fora trazido para o Brasil na década de 1940, transplantado dos Estados Unidos, partindo da constituição da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945. Note-se que a ONU foi inicialmente organizada para atender aos países acometidos pela guerra; com o tempo, começou a realizar intervenções para promover o desenvolvimento de alguns deles, oferecendo ajuda financeira e outros subsídios. Devido a isso, o método de Desenvolvimento de Comunidade foi largamente utilizado pelos assistentes sociais, pois, segundo Aguiar (1995), os profissionais passaram a ser requisitados para organizar os processos de desenvolvimento no âmbito urbano e no rural, fato que causou um expressivo aumento do número de profissionais da área. Esse período pós-guerra foi marcado por orientações com relação à necessidade de adaptação dos seres humanos, evitando assim o confronto e manifestações contrárias da população. A ameaça que deveria ser contida pelos profissionais era o avanço dos ideais comunistas no interior do movimento operário, que começava a ganhar força no Brasil (AGUIAR, 1995). Por isso, o currículo dessas unidades de ensino estava totalmente orientado ao ensino de processo, com foco na adaptação dos seres humanos. Para tal, os profissionais deveriam aprender com acuidade a desenvolver os métodos de Caso, Grupo e Desenvolvimento de Comunidade, tendência observada na profissão até a década de 1950 (SANTOS, 2004). A partir dessa década, percebemos que a formação dos assistentes sociais não sofreu profundas alterações, mas o currículo a ser ensinado pelos profissionais nas faculdades passou a enfatizar a importância do planejamento social, do Desenvolvimento de Comunidade. Nesse período ainda eram 86 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 utilizados os métodos de Caso, Grupo e Comunidade, porém com ênfase no Desenvolvimento de Comunidade, ou desenvolvimentismo, como nos diz Santos (2004). Devemos ainda considerar o momento político em nosso país, que, conforme sabemos, já vivenciava um processo de governos militares sucessivos e de busca constante da minimização da participação popular. Sabemos também que, de certa forma, essa metodologia usada pelo Serviço Social (métodos de Caso, Grupo e Comunidade) acabava por ser funcional no controle necessário do sistema capitalista da época e também na organização política adotada no Brasil e em alguns países da América Latina. Apenas com a constituição dos movimentos sociais de luta pela abertura política e de requisição de melhores condições de vida tornou-se possível um redimensionamento da questão operacional do Serviço Social, reordenamento pensado inicialmente a partir do Movimento de Reconceituação. Apesar de haver no currículo das universidades uma grande tendência ao tecnocratismo, ao burocratismo da prática na busca de procedimentos técnicos que dessem “respostas” às questões sociais que se agudizavam cada vez mais, nesse período começaram as orientações para uma postura crítica por parte da profissão (SANTOS, 2004). Partindo do Movimento de Reconceituação da profissão, a questão instrumental assumiu um determinado tratamento junto às produções teóricas. Pires (2007) identifica três momentos, os quais passaremos a descrever. O primeiro momento teve seu início na década de 1960. Nesse período, algumas produções teóricas analisadas por Pires (2007) teceram considerações sobre a questão instrumental. Assim, as técnicas eram consideradas como definidoras da profissão enquanto uma modalidade de intervenção social. Eram ainda tidas como um meio que o assistente social deveria utilizar para atingir um fim específico e previamente determinado. Por isso, Pires (2007) considera que a técnica, no estágio em questão, era de suma importância ao fazer profissional. Possivelmente em razão disso surgiram colocações sobre a necessidade de que o instrumental técnico do Serviço Social fosse mais bem-estudado, mais bem-elaborado e assim fosse possível oferecer uma orientação mais sistemática e una aos profissionais. Derivando em parte dessa necessária orientação a ser conferida aos assistentes sociais, começaram a se esboçar algumas propostas pela unificação dos métodos, mas que nesse momento ainda não se tornaram concretas, havendo o predomínio de orientações para cada tipo de abordagem. Estas consistem ainda nos métodos tradicionais de Caso, Grupo e Comunidade, que se consolidaram, embora houvesse a minimização das propostas de orientação do Serviço Social de Caso (PIRES, 2007). O segundo momento evidenciado por Pires (2007) teve início na década de 1970 e caracterizou- se por uma severa crítica ao instrumental até então utilizado pelo Serviço Social. Para a autora, essa crítica decorreu da aproximação entre o Serviço Social e a tradição marxista por meio da qual alguns profissionais passaram a compreender o instrumental como uma forma de controlar a população e, assim, servir aos ideais burgueses. A autora ainda nos diz que, apesar de realizar essa crítica, autores que representam essa forma de compreensão do instrumental não apresentam propostas alternativas para a intervenção profissional, e o assistente social acaba ficando sem possibilidades para a sua prática. 87 SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAISEM SERVIÇO SOCIAL O terceiro momento, por sua vez, teria se iniciado, nos termos de Pires (2007), em meados da década de 1980. A autora aponta que houve uma nova aproximação com a questão instrumental, agora considerada relevante para a formação profissional, sem, para tanto, deixar de reforçar a importância de combater o tecnicismo, compreendido como a prática pautada apenas pela execução de técnicas, sem reflexão. Começaram também as propostas de utilização do método único de intervenção. Nesse momento surgiu uma tendência profissional que hoje se constitui em uma necessidade profissional, a saber: compreender a importância da técnica de forma estritamente relacionada à teoria, propondo de tal forma a prática reflexiva desenvolvida cotidianamente. No entanto, essa posição ainda não é hegemônica na categoria: há ainda o predomínio da tecnificação entre muitos profissionais. Essa tendência veio, no entanto, ancorada na primeira reforma curricular de monta processada pelo Serviço Social, na qual tornou-se latente a compreensão da necessidade de crítica ao sistema capitalista, proporcionando também uma maior aproximação da categoria com a teoria marxista, na década de 1980, já no momento de abertura política e de democratização do país. Essa revisão curricular foi retomada na década de 1990, quando a categoria repensou mais uma vez sua teoria e sua prática, definindo que a profissão deve ser orientada pelo entendimento marxista da realidade, tendo como foco a compreensão da Questão Social, de seus principais eixos fundantes e das formas de intervenção junto a essas expressões (SANTOS, 2004). Atualmente, enquanto método, não há mais essa distinção entre Caso, Grupo e Comunidade, e a intervenção é desenvolvida com base no chamado método único. Além da importância da questão instrumental, nota-se também a importância da teoria de orientação, dentre outros e diversos aspectos que perpassam por essa questão do Serviço Social. Na sequência, discorreremos sobre alguns aspectos acerca do instrumental do Serviço Social, realizando uma reflexão sobre conceitos relevantes e que necessitam ser debatidos pela nossa profissão, considerando a sociedade contemporânea. 7.1.2 Instrumentalidade e fazer profissional na contemporaneidade Pudemos observar que, anteriormente, os instrumentos e as técnicas eram considerados como o aspecto mais importante pelos assistentes sociais. Vimos ainda que, nos diversos estágios, a profissão entendeu e defendeu os instrumentais de uma forma diferenciada. Agora estudaremos essa questão, porém considerando a realidade atual de nossa área, ou seja, veremos como a questão instrumental é compreendida e como essa compreensão orienta a ação profissional. Antes de iniciarmos nossas colocações, é preciso pontuar que esse conceito de instrumentalidade foi trazido à nossa profissão pela professora Iolanda Guerra, principal teórica na difusão desses conhecimentos. Guerra (2007) explica que o sufixo “idade” que compõe a palavra em questão refere-se a uma capacidade, qualidade ou propriedade de algo. Assim, diz que a instrumentalidade refere-se a uma 88 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 determinada capacidade ou propriedade de nossa profissão, por meio da qual são realizados um aporte aos conhecimentos teóricos e uma recorrência a estes no momento da intervenção prática. É uma condição para o reconhecimento social da profissão, segundo Guerra (2007), que os profissionais estejam habilitados para a instrumentalidade, e é uma possibilidade de que esse profissional dispõe para objetivar sua intencionalidade de ação, portanto é exercida no cotidiano profissional. Apesar disso, a noção de instrumentalidade demanda uma vinculação ao projeto ético-político de nossa profissão, não pressupondo apenas uma vinculação teórica, mas também operativa, no que concerne a colocar em prática os postulados desse compromisso. A autora, antes de tecer qualquer colocação sobre a instrumentalidade em si, destaca que esse conceito é entendido de forma restrita por alguns profissionais, apenas como a utilização de instrumentais e técnicas. Assim, segundo Guerra (2010), as técnicas e os instrumentos são de suma importância para os assistentes sociais, desde que sejam aplicados com recorrência a uma base teórica. Sem esse referencial, a profissão acaba por ser exercida de forma “utilitarista”, “tecnocrática” e “instrumental”, apenas como um solucionador de problemas de forma imediata e pontual, sem que haja reflexão sobre estes, ocorrendo assim uma aplicação indiscriminada de técnicas. Guerra (2010) salienta ainda que muitas produções teóricas no Serviço Social acabam reforçando essa postura essencialmente tecnocrática e instrumental, portanto colaborando com a manutenção dessa prática. Além de adotar uma abordagem essencialmente tecnicista, os profissionais acabam “desconsiderando” o significado social e político da profissão. Em outras palavras, a postura adotada por determinados profissionais encontra apoio na produção teórica. Essas correntes se preocupam, conforme a autora aponta, em oferecer modelos de reunião, de entrevista e de outras técnicas prontas, algo como uma “receita” para ser colocada em prática. Esses modelos, no entanto, não privilegiam a intervenção reflexiva e sustentam apenas a prática repetitiva e acrítica dos profissionais. Ora, há que se questionar a filiação teórico-metodológica, epistemológica e ideológica das teorias de médio alcance das quais os assistentes sociais tentam extrair modelos de intervenção profissional; os pressupostos contidos na noção de modelo ou paradigma explicativo da sociedade e, ainda, o substrato do pensamento que apreende a realidade sob uma forma fixa, cristalizada, e se reproduz pela repetição e pelo costume, podendo, por isso, reivindicar modelos de intervenção (GUERRA, 2010, p. 150). Essa tendência profissional se apoia na forma fragmentada que o Estado usa para enfrentar os problemas sociais. Assim, segundo Guerra (2010), o próprio Estado, por meio das políticas sociais e dos programas e projetos a elas atrelados, realiza uma intervenção segmentada nas questões sociais, fortalecendo a concepção de que o enfrentamento setorizado e de acordo com intervenções específicas 89 SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL será capaz de resolver todos os problemas sociais; como se cada um deles, para ser resolvido, precisasse apenas de uma técnica, e não de uma reflexão teórica. A autora também comenta que o Serviço Social encontra lugar no mercado de trabalho contemporâneo pelo fato de que, ao passo que estabelece uma relação de compra e venda de sua força de trabalho, está vendendo um conjunto de procedimentos e habilidades que são reconhecidos histórica e socialmente como capazes de produzir determinados resultados. Iamamoto (2004) introduz essa discussão no mesmo sentido que Guerra (2010), porém destaca que o Serviço Social só é contratado porque pode também “produzir algo” por meio de sua intervenção. Ambas, partindo do entendimento da profissão como processo de trabalho, defendem que o Serviço Social tem condições de resultar em um produto, por meio de uma metodologia específica. Em razão disso, há uma ênfase exagerada nas técnicas e nos instrumentais, como se a profissão pudesse ser reduzida à aplicação de procedimentos sistematizados. No entanto, para Guerra (2010), a metodologia, a instrumentalidade do Serviço Social pode assumir dois caminhos: o conservadorismo ou a emancipação. O conservadorismo faz referência à manutenção de práticas já desenvolvidas, sem que sobre elas seja realizadauma reflexão. Já a emancipação consiste em buscar, por meio da práxis, a superação da ação pautada exclusivamente pelo tecnicismo. Deriva disso a requisição de um profissional que seja “culturalmente versado e atento ao tempo histórico”, conforme descreve Iamamoto (2004), mas que tenha também pleno domínio da metodologia de sua intervenção. Somente a partir da relação equilibrada entre a utilização dos instrumentos e a aplicação das técnicas é que será possível ao assistente social desenvolver uma prática condizente com o projeto ético-político de sua categoria e assim colaborar para fortalecer os segmentos menos favorecidos de nossa sociedade. Isso seria a instrumentalidade, ou seja, a capacidade que o profissional adquire durante a sua formação e que lhe permite congregar os instrumentais técnico-operativos a um referencial teórico, que, no caso dos assistentes sociais, é o marxismo. Essa união deve resultar em melhoria significativa da vida dos segmentos mais empobrecidos e pauperizados de nossa sociedade. Merece destaque o que Guerra (2010) coloca sobre a importância da teoria, a qual, para a autora, é o que nos permite realizar essa reflexão sobre a intervenção empreendida; portanto, pensar a instrumentalidade remete-nos a pensar essencialmente na junção necessária entre teoria e prática. Esse processo se dá pela mediação. É possível fazer uma transposição do conhecimento teórico apreendido em espaços destinados à formação mediante a prática profissional, a intervenção. Guerra (2010) comenta que a instrumentalidade precisa estar ancorada nos aspectos teórico- metodológicos, que irão, portanto, fazer referência à formação teórica por nós recebida, mas ainda destaca que a instrumentalidade precisa também estar vinculada à dimensão ético-política, ou seja, ao compromisso ético e político que é assumido por toda a nossa categoria profissional. 90 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 Lembrete Um instrumental estará relacionado à teoria recebida, aos conhecimentos dos quais o profissional se apropriou, bem como aos princípios éticos e políticos que devem orientar a sua ação. Nesse sentido, Guerra (2010) ainda aponta que a instrumentalidade pressupõe que o assistente social se aproprie da realidade sobre a qual irá intervir. Esse conhecimento da realidade fora destacado por Iamamoto (2004), como vimos na Unidade II, sendo considerado pela autora, no período em questão, como algo fundamental ao exercício profissional competente. Também é destacado por Guerra (2010) como algo importante no que concerne a contemplar a instrumentalidade na atuação profissional dos assistentes sociais. Observação O conhecimento da realidade torna-se fundamental ao pensarmos que temos objetivos, finalidades a alcançar. Isso é necessário para que possamos atingir nossos propósitos profissionais, delimitando a técnica ou o instrumento a ser utilizado. Essa leitura de realidade nos permite uma orientação mais acertada sobre os procedimentos a serem adotados. Ir no sentido da instrumentalidade não é tarefa fácil, é algo que precisa ser constantemente construído e reconstruído em nosso cotidiano profissional, ou seja, nossa metodologia está em constante movimento dialético, em constante construção. Entretanto, precisamos saber, conhecer alguns procedimentos técnico-operativos, isto é, precisamos nos apropriar da questão instrumental. Há alguns aspectos que devem ser observados no que concerne à forma e ao método a ser utilizado. Para que você, aluno, possa ter uma formação nesse sentido, veremos as orientações de Santos (2004) em relação a esse assunto e, na sequência, destacaremos também a importância do método de intervenção. Santos (2004) expõe, assim, que os centros de formação devem orientar os alunos, buscando responder às questões: “O que fazer?”, “Por que fazer?”, “Como fazer?” e “Para que fazer?”. As respostas conferidas a essas questões poderão proporcionar a formação dos alunos com relação à questão operacional, mas também irão incorporar essa perspectiva da reflexão sobre a ação a ser desenvolvida. Para o autor, por meio da constituição de disciplinas, bem como da realização de seminários temáticos, oficinas, laboratórios e atividades complementares, os centros de formação poderão colaborar para que o aluno entenda a questão instrumental. O autor destaca ainda como relevante a introdução de modalidades de estágio para os alunos. Especificamente com relação ao método, é hoje consensual na profissão, conforme já referimos, a recorrência ao chamado método único de intervenção. Contudo, há um número de instrumentais 91 SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL que pode ser utilizado pelo assistente social em seu cotidiano. Santos (2004) realiza uma distinção, agrupando-os em instrumentais de trabalhos diretos ou face a face e instrumentais de trabalho indiretos ou “por escrito”. Para ele, esses instrumentais funcionam como mediadores da intervenção do assistente social, mas todos são orientados pelo principal instrumento, que é a linguagem, a possibilidade de comunicação de nossa profissão, e esse pensamento fora extraído de Iamamoto (2004), autora que defende como principal instrumento de ação do Serviço Social a linguagem, recurso básico de intervenção. A modalidade que é destacada por ambos os autores é a linguagem culta. Partindo assim do que é ressaltado por Santos (2004), os instrumentos de trabalho face a face ou diretos são aqueles em que há interação do profissional com o meio no momento de sua utilização. O autor destaca que parte desses instrumentos vem sendo usada ao longo do desenvolvimento do Serviço Social enquanto profissão, mas que, na atualidade, não são empreendidos com o mesmo objetivo pelo qual foram “utilizados” anteriormente. São exemplos desses instrumentos: observação participante, entrevista individual e grupal, dinâmica de grupo, reunião, mobilização de comunidade e visita institucional. Já os instrumentos de trabalho indiretos ou por escrito são aqueles constituídos após a realização da abordagem direta ou face a face. Santos (2008) cita como exemplos desses instrumentos as atas de reunião, os livros de registro, o diário de campo, o relatório social e o parecer social, destacando que, no caso desses instrumentais, faz-se necessário o domínio da escrita pelo profissional. Não cabe aqui realizarmos uma descrição de cada um desses métodos, visto que isso não se constitui no objetivo da disciplina. O que você precisa saber é que a técnica ou o instrumental que irá utilizar é importante, mas só alcançará a instrumentalidade se for seguido de uma reflexão sobre as abordagens a serem adotadas. Não podemos permanecer presos às amarras da técnica e, caso isso se efetive, estaremos fadados ao burocratismo e ao vazio profissional tão criticados por Iamamoto (2004) e apontados no início desta Unidade. Na sequência, discutiremos a importância da competência profissional e veremos como alcançá- la em nossas ações, para que o exercício da profissão seja reconhecido socialmente e seja de fato representativo para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, antes de iniciarmos nossas discussões, observaremos quais são as dimensões necessárias para a formação do profissional e que permitirão constituir um dado perfil. A título de exemplo do que viemos discutindo, prezado aluno, observe a matéria a seguir: Adolescente de 15 anos passou um mês presa em cela com 20 homens Depois de receber uma denúncia anônima, o Conselho Tutelar de Abaetetuba, no interior do Pará, constatou que uma adolescente de 15 anos estava presa havia cerca de ummês em uma cela da carceragem da Polícia Civil com 20 homens. O caso foi denunciado ao Ministério Público do Estado e ao Juizado da Infância e da Adolescência. A adolescente foi libertada ontem (19). 92 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 De acordo com o conselheiro José Maria Ribeiro, a adolescente relatou a uma assistente social que durante o período em que esteve presa, foi vítima de violência física e sexual. “Ela confirmou que sofreu não só violência sexual, mas também maus-tratos. Foi espancada e queimada pelos presos. Quando estava dormindo, colocavam papel entre os dedos dos pés dela e acendiam fogo”, contou. As informações foram confirmadas pela assessoria da Polícia Civil do Estado, que informou que o município de Abaetetuba não possui carceragem feminina. Quando uma mulher é presa na cidade, fica sob a custódia da Polícia até a Justiça autorizar a transferência para a penitenciária feminina da capital, Belém. No caso da adolescente, a Polícia alega que enviou o pedido de transferência à Justiça há cerca de 20 dias, mas não obteve resposta. Sobre a violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que não permite que menores de idade sejam presos como adultos, a Polícia Civil informou que ainda investigará se a adolescente é menor de idade. De acordo com a assessoria da corporação, em outras duas ocasiões em que foi presa, ela teria apresentado certidões de nascimento diferentes, por isso não há garantias de que tenha menos de 18 anos. O representante do conselho rebateu a informação da Polícia Civil e afirmou que, em outros depoimentos e ocasiões, a adolescente já teria dito a assistentes sociais e à Polícia que era menor de idade e que a informação poderia ser comprovada por familiares. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Estado afirmou que “não compactua com práticas ilegais” e que afastou os responsáveis pela prisão das funções que ocupavam enquanto durar a apuração do caso. A Polícia Civil informou que as corregedorias da corporação e do sistema penitenciário estadual estão investigando o caso e que a conclusão, com a apresentação de culpados e de possíveis punições, deve levar pelos menos 15 dias. A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República classificou o episódio como um “caso grave de violação dos direitos humanos” e informou que está acompanhado o caso, mas ainda não definiu as medidas que serão tomadas. Provisoriamente, a adolescente está em Belém, sob a custódia do Conselho Tutelar. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2007-11-20/adolescente-de-15-anos-passou-um-mes- presa-em-cela-com-20-homens>. Acesso em: 30 mar. 2012. Essa matéria destaca que o assistente social ouviu a adolescente e, por meio dessa escuta, outros direitos foram efetivados. No caso, as argumentações de Guerra (2010) e de outros autores contemporâneos não se colocam contrárias às técnicas, pois, como vimos, muitas vezes, é por meio da utilização destas que são efetivados os direitos sociais. O que é necessário compreender é que tais técnicas demandam reflexão e uma ação competente. 93 SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL Saiba mais Vimos que o conceito de instrumentalidade ainda é novo em nossa profissão e, por isso, precisa ser por nós mais bem-apropriado. Uma sugestão para atingir esse objetivo é a recorrência ao texto A prática do assistente social: conhecimentos, instrumentalidade e intervenção profissional, de Charles Toniolo de Sousa. Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br/ index.php/emancipacao/article/view/119/117>. 8 AS DIMENSÕES ÉTICO-POLÍTICA, TÉCNICO-OPERATIVA E TEÓRICO- METODOLÓGICA NO SERVIÇO SOCIAL CONTEMPORÂNEO E OS RUMOS ÉTICO-POLÍTICOS DO TRABALHO PROFISSIONAL As dimensões ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa são aspectos que devem ser observados na formação dos assistentes sociais e também pelos profissionais atuantes. A formação nas escolas de Serviço Social deve estar orientada por essas dimensões, ao passo que os profissionais que já estão graduados devem também ter suas ações respaldadas pela junção dos aspectos que congregam as dimensões elencadas. Por isso, a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), órgão responsável por delimitar aspectos mínimos que precisam ser trabalhados pelos centros de formação de assistentes sociais, reforça a necessidade da compreensão dessas dimensões. Assim, segundo as Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, publicadas em 1997 pela ABEPSS, que devem ser utilizadas como referência na formação dos futuros profissionais por todas as unidades de ensino, em todo o território nacional, essas dimensões precisam ser trabalhadas nos centros de estudos por meio de disciplinas, atividades complementares, estágios e outros mecanismos de formação profissional (SANTOS, 2004). A dimensão teórico-metodológica faz referência à compreensão da importância do desenvolvimento sócio-histórico da profissão, tendo em vista a necessidade de esta ser baseada na totalidade desse processo. Também faz menção, nos termos de Sousa (2008), ao rigor metodológico, partindo da interlocução com a teoria. Esse processo deve ocorrer, nos termos de Iamamoto (2004), acompanhado por uma compreensão ampla tanto da história da profissão quanto da história da sociedade brasileira e, por conseguinte, deve ser relacionado à realidade concreta. O núcleo de fundamentos teórico-metodológicos propõe a realização de atividades e a constituição de conteúdos que proporcionem ao aluno o entendimento das particularidades histórico-sociais da realidade brasileira e da profissão nesse decurso, ao passo que o núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social deve possibilitar a compreensão da realidade social contemporânea sobre a qual o profissional deverá atuar. Para a apreensão da realidade, Iamamoto (2004) relembra a importância de o profissional adotar um perfil investigativo e, portanto, voltado para a pesquisa. 94 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 Segundo Iamamoto (2004), por meio da recorrência à fundamentação teórica será possível realizar uma reflexão sobre as práticas a serem desenvolvidas no futuro, ou seja, pensar o futuro e agir sobre ele demanda reflexão teórica, com foco nos aspectos relacionados à história da nossa profissão e da nossa sociedade, além de um conhecimento que explique a atual dinâmica social. Assim, vê-se a “[...] fundamentação teórico-metodológica como o caminho necessário para a construção de novas alternativas no exercício profissional” (IAMAMOTO, 2004, p. 53). A dimensão ético-política, por sua vez, faz referência à necessária consolidação dos valores apresentados pelo Código de Ética da categoria e pelo projeto ético-político assumido pela nossa profissão. Significa que o profissional precisa ter um posicionamento político, não de cunho partidário, mas tendo como foco a defesa dos direitos, conforme também sinalizado por Santos (2004). Iamamoto (2004), ao tratar do aspecto ético-político, tece uma sutil crítica à postura de alguns profissionais que apenas exercem o papel “político”, destacando que essa dimensão “sozinha” nunca resultará em um profissional competente e que, de fato, exerça a defesa dos direitos sociais dos segmentos marginalizados de nossa população. A autora aponta que a dimensão política é muito presente em nossa profissão, mas que, em virtude de alguns exageros, a prática acabou reduzida apenas a essa dimensão por alguns profissionais.Prossegue em suas colocações apontando que essa prática foi muito importante para a profissão, pois garantiu à categoria grande potencial para o questionamento, mas seria um reducionismo profissional compreender essa dimensão como única ou mais relevante à formação e ao exercício profissional. “Conquanto a militância tenha impulsionado o potencial questionador da categoria profissional, dela não se pode derivar diretamente uma consciência teórica e uma competência profissional” (IAMAMOTO, 2004, p. 54). Essa prática, que se respalda apenas na dimensão política, é descrita por Iamamoto (2004) como uma “prática inócua”, ou seja, como uma intervenção inocente e que não consegue alcançar os objetivos propostos, ou seja, algo que não possui sustentação. Em tese, segundo a autora, o que sustenta a nossa intervenção é a relação entre os conhecimentos provenientes de todas as dimensões. A dimensão técnico-operativa faz alusão à necessidade de instrumentalização da questão operacional para o desempenho das funções da profissão, considerada também por Santos (2008) como necessária habilidade técnica. Já realizamos uma série de considerações sobre esses aspectos, mas cabe lembrar que, quando nos referimos à dimensão técnico-operativa, estamos tratando de instrumentos e técnicas usados em nosso fazer profissional e ainda do conhecimento teórico, ou seja, devemos avançar na compreensão da instrumentalidade. Para isso, é preciso que seja desenvolvida uma orientação quanto aos aspectos técnico-operativos da profissão – considerados por Santos (2004) como centrais na formação, desde que devidamente amparados pelos demais. Para que essas dimensões sejam contempladas pelos centros de formação, a ABEPSS observa ainda que é preciso eleger como metas a capacitação constante dos docentes e a interlocução junto ao 95 SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL mercado de trabalho com profissionais atuantes, pela constituição de diversas modalidades de estágio (SANTOS, 2004). A nosso ver, para que as dimensões citadas sejam alcançadas, faz-se necessário que os docentes dos centros de formação estejam em um processo constante de formação continuada e que possibilitem, além da base teórica, a introdução dos alunos nos campos de trabalho já estabelecidos, favorecendo assim a constituição de diversas modalidades de estágio. Essas dimensões são complementares, tal como é apontado pela ABEPSS e pelos diversos autores aqui elencados. No entanto, há algumas colocações que precisam ser feitas para orientar a nossa intervenção profissional. Iamamoto (2004) denominou essas orientações de “rumos ético-políticos”. São atitudes, comportamentos e posturas que devem ser adotados pelos profissionais e buscam alcançar as dimensões que foram destacadas. Segundo a autora, os rumos a serem seguidos pela profissão estarão relacionados às três dimensões apresentadas, mas possuem também como enfoque o alcance da competência profissional. Assim, prezado aluno, vamos discorrer sobre os rumos ético-políticos que devem ser observados em nossa prática profissional, para que seja possível “sintonizar o Serviço Social” com os novos tempos. Iamamoto (2004) destaca que precisamos decifrar o movimento societário, ou seja, devemos nos apropriar da realidade, com especial atenção para o Serviço Social imbuído em tais relações. Nesse aspecto, a autora aponta que é necessário considerar a interlocução do Serviço Social em suas relações estabelecidas entre o Estado e a sociedade civil. Partindo dessa apropriação do movimento societário e de todos os seus aspectos integrantes, conforme o parágrafo anterior, precisamos redescobrir alternativas de intervenção profissional, sobretudo, considerando as mudanças processadas na contemporaneidade e que, como vimos, têm colaborado para ampliar a Questão Social, já que tal fenômeno não vem sendo atendido pelo Estado. Iamamoto (2004) destaca que, diante dessas situações, devemos conhecer a realidade para propor novas alternativas às demandas apresentadas. A autora argumenta que essa aproximação da realidade nos permite ainda identificar as formas de resistência e contraposição presentes, e essas possibilidades devem ser apropriadas pelos profissionais que desejem romper com uma prática tutelar em detrimento do estímulo a formas de participação e autonomia por parte de nossos usuários. Assim, o conhecimento da realidade: É condição ainda para se perceber as aspirações, os núcleos de contestação, a capacidade de imaginação e invenção da sociedade aí presentes, que contém misturados elementos de recusa e afirmação do ordenamento social vigente (IAMAMOTO, 2004, p. 76). Além disso, Iamamoto (2004) chama a atenção para o fato de que o profissional que não conhece a realidade sobre a qual atua pode ser visto pelos atendidos como se fosse um estranho em seu universo. Nesse sentido, destaca ainda que essa aproximação também passa pela necessidade de uma devolução, por parte do técnico, aos segmentos com os quais atua, de todas as informações que conseguiu obter a partir de suas aproximações da realidade, ou seja, todas as informações 96 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 e as práticas que pretende desenvolver devem ser divulgadas aos segmentos com os quais o assistente social se relaciona. Em relação à prática profissional a ser desenvolvida, a autora afirma que nosso papel de assistente social deve trazer implícita a necessidade de uma prática educativa. Nesses termos, tal educação deve ser desenvolvida para constituir espaços de fato públicos, ou seja, para democratizar os espaços possíveis e que viabilizem a participação dos segmentos da sociedade civil. Iamamoto (2004) destaca ainda que, além desses aspectos, precisamos observar todo o disposto em nosso Código de Ética profissional, apontando que precisamos fazer o referido documento vigorar na realidade, pois de nada adianta uma legislação que não é colocada em prática. “O desafio é a materialização dos princípios éticos na cotidianidade do trabalho, evitando que se transformem em indicativos abstratos, descolados do processo social” (IAMAMOTO, 2004, p. 77). Concluindo suas colocações, destaca que esse profissional que congrega as dimensões em sua prática e que está atento aos rumos ético-políticos deve ser informado, culto, crítico e competente. A respeito da competência, discorreremos no próximo item. Saiba mais Sobre a questão dos instrumentais técnico-operativos, indicamos a leitura do texto: Instrumental técnico-operativo do Serviço Social e sua articulação com o espaço sócio-ocupacional e com os projetos profissionais, de Rosa Trindade, apresentado no 10º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (Rio de Janeiro, 2001). Disponível em: <http://www.ts.ucr.ac.cr/ eventos/br-cbass-con-10-po-08.htm>. 8.1 As competências do Serviço Social na contemporaneidade: política, ética, investigação e intervenção Pensar a prática profissional sob a ótica da competência remete à compreensão dos aspectos legais que orientam a nossa ação. Isso posto, precisamos recorrer à Lei nº 8.662, de 7 de junho de 1993, que regulamenta a profissão de assistente social, visto que é nesse documento que consta uma série de colocações sobre as competências dos profissionais, bem como suas atribuições privativas. Comecemos com as colocações sobre as competências, recorrendo ao artigo 4º da referida legislação, no qual lemos: I – elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou indireta, empresas, entidades e organizações populares; 97 SS O C -Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL II – elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil; III – encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; IV – (Vetado); V – orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; VI – planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais; VII – planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais; VIII – prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo; IX – prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade; X – planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de Serviço Social; XI – realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades (BRASIL, 1993). O que é apresentado como competência profissional, segundo a normativa em questão, diz respeito a uma série de atividades que o assistente social pode vir a desempenhar, ou seja, são práticas para as quais ele possui formação. No entanto, essas atividades podem ser realizadas pelo assistente social ou por outro profissional, desde que possua habilidade para isso. Já as atribuições privativas trazidas na norma em questão referem-se a uma série de intervenções que só podem ser desenvolvidas pelo assistente social, ou seja, são “exclusivas” desse profissional e, nesse caso, não podem ser realizadas por outro. Vejamos o que está elencado no artigo 5º da referida legislação: I – coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; 98 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 II – planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Serviço Social; III – assessoria e consultoria e órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, em matéria de Serviço Social; IV – realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social; V – assumir, no magistério de Serviço Social tanto em nível de graduação como de pós-graduação, disciplinas e funções que exijam conhecimentos próprios e adquiridos em curso de formação regular; VI – treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social; VII – dirigir e coordenar Unidades de Ensino e Cursos de Serviço Social, de graduação e pós-graduação; VIII – dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudo e de pesquisa em Serviço Social; IX – elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões julgadoras de concursos ou outras formas de seleção para assistentes sociais, ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social; X – coordenar seminários, encontros, congressos e eventos assemelhados sobre assuntos de Serviço Social; XI – fiscalizar o exercício profissional através dos conselhos federal e regionais; XII – dirigir serviços técnicos de Serviço Social em entidades públicas ou privadas; XIII – ocupar cargos e funções de direção e fiscalização da gestão financeira em órgãos e entidades representativas da categoria profissional (BRASIL, 1993). Entretanto, para que possamos desempenhar de forma correta nossas competências profissionais e também defender nossas atribuições privativas, precisamos ser capacitados, desenvolver uma prática competente. Vejamos os aspectos que precisamos discutir com o objetivo de melhor compreender a noção de competência profissional, com ênfase em sua aplicação ao Serviço Social. 99 SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL No sentido exposto, precisamos também recorrer às Diretrizes Curriculares que foram estabelecidas pela ABEPSS. Nessas diretrizes, como vimos, estão descritas as necessidades para uma formação mínima de todos os assistentes sociais do Brasil. Nesse documento são apontados os conteúdos mínimos para que os assistentes sociais graduados sejam competentes em sua atuação na realidade concreta. Para que tal competência seja possibilitada no âmbito da formação e transferida para a prática profissional, as Diretrizes Curriculares destacam que é preciso orientar essa formação segundo os núcleos: fundamentação teórico-metodológica, formação sócio-histórica da sociedade brasileira e fundamentos do trabalho social, que possibilitam ainda o alcance das dimensões que foram tratadas no item anterior. Vamos a algumas considerações. O núcleo de fundamentação teórico-metodológica da vida social é aquele responsável pela compreensão do ser social, em sua totalidade, diante das mudanças processadas durante o desenvolvimento histórico-social da realidade brasileira. Esse núcleo demanda o conhecimento do desenvolvimento da profissão e também do desenvolvimento histórico da sociedade brasileira, porém com ênfase na compreensão do trabalho como relevante nessa constituição social. O núcleo de formação sócio-histórica da realidade brasileira, por sua vez, destina-se a uma compreensão profunda dessa realidade, bem como dos processos econômicos, políticos e sociais que conferiram peculiaridade ao surgimento e à constituição da Questão Social. Tal núcleo também demanda o entendimento das formas de constituição dessa sociedade na realidade contemporânea. Por fim, o núcleo de fundamentos do trabalho profissional pressupõe a compreensão do desenvolvimento sócio-histórico de nossa profissão, bem como dos aspectos necessários para a atuação na contemporaneidade. Esse núcleo pressupõe a noção de processo de trabalho, bem como o entendimento das particularidades da profissão que se constitui como trabalho coletivo e do caráter interventivo de nossa atividade. Esses núcleos possuem, como vimos, especificidades, mas, de forma combinada, visam a alcançar as chamadas competências profissionais, que estão expressas, no referido documento, como as competências teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política. As disciplinas constituídas pelos núcleos elencados precisam ser organizadas de forma que as competências possam ser alcançadas no processo formativo e transferidas, pelo profissional, para a sua prática. Vejamos o que consta nas Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social (1996) sobre essa questão: A[s] competência[s] teórico-metodológica, técnico-operativa e ético- política são requisitos fundamentais que permite[m] ao profissional colocar- se diante das situações com as quais se defronta, vislumbrando com clareza os projetos societários, seus vínculos de classe, e seu próprio processo de trabalho (ABPESS, 1996, p. 13). 100 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 Essas competências, tal como vimos, aparecem no referido documento como uma necessidade para a prática da profissão e para que o assistente social possaaprender como se posicionar, como se colocar diante das situações que lhe vão sendo apresentadas. Tal documento ainda afirma que essas competências precisam ser estimuladas para criar nos futuros profissionais e nos já graduados o hábito da pesquisa, descrita no documento com a expressão “postura investigativa”. O documento menciona também que a postura investigativa é importante para estimular a junção entre o conhecimento teórico e a prática profissional, e esse processo de sistematização precisa ser ensinado já na prática, para que, depois de apropriado durante o processo formativo, seja também aplicado na realidade profissional cotidiana. Dessa maneira, tais núcleos precisam ser constituídos segundo um padrão mínimo, para que todos os profissionais e graduandos em diversos centros de formação possuam uma capacitação mínima para a intervenção profissional. Assim, é por meio das disciplinas e das demais possibilidades de formação que são oferecidas as competências teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, com ênfase na intervenção profissional e na pesquisa. As Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social (1996) ainda destacam que, para proporcionar a competência, os centros de formação devem observar os seguintes princípios: 1. Flexibilidade de organização dos currículos plenos, expressa na possibilidade de definição de disciplinas e/ou outros componentes curriculares – tais como oficinas, seminários temáticos, atividades complementares – como forma de favorecer a dinamicidade do currículo. 2. Rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade social e do Serviço Social, que possibilite a compreensão dos problemas e desafios com os quais o profissional se defronta no universo da produção e reprodução da vida social. 3. Adoção de uma teoria social crítica que possibilite a apreensão da totalidade social em suas dimensões de universalidade, particularidade e singularidade. 4. Superação da fragmentação de conteúdos na organização curricular, evitando-se a dispersão e a pulverização de disciplinas e outros componentes curriculares. 5. Estabelecimento das dimensões investigativa e interventiva como princípios formativos e condição central da formação profissional, e da relação teoria e realidade. 101 SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL 6. Padrões de desempenho e qualidade idênticos para cursos diurnos e noturnos, com máximo de quatro horas/aulas diárias de atividades nestes últimos. 7. Caráter interdisciplinar nas várias dimensões do projeto de formação profissional. 8. Indissociabilidade nas dimensões de ensino, pesquisa e extensão. 9. Exercício do pluralismo como elemento próprio da natureza da vida acadêmica e profissional, impondo-se o necessário debate sobre as várias tendências teóricas, em luta pela direção social da formação profissional, que compõem a produção das ciências humanas e sociais. 11. Ética como princípio formativo perpassando a formação curricular. 12. Indissociabilidade entre estágio e supervisão acadêmica e profissional (ABPESS, 1996, p. 6-7). Esses princípios, como podemos ver, destacam muitos aspectos interessantes e que deveriam ser observados pelos cursos de graduação em sua organização curricular, obviamente, para que o profissional graduado possa desenvolver habilidades. Observamos nos princípios a importância do rigor teórico, da necessidade de serem trabalhadas as dimensões investigativas e interventivas, além de asseverarem a importância da interdisciplinaridade, do respeito ao pluralismo e da ética profissional. O documento estabelece que a competência profissional só será atingida se esses princípios forem observados em todos os centros de formação profissional. Aponta ainda que essa competência profissional deve incidir sobre a formação no que concerne a realizar uma capacitação teórico-metodológica, ético- política e técnico-operativa. As Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social (1996) ainda propõem que somente por meio da capacitação nos termos apresentados, observando-se os princípios expostos e constituindo-se os núcleos descritos, os profissionais alcançarão a competência esperada. Assim, o documento expõe que o profissional será competente para realizar: 1. Apreensão crítica do processo histórico como totalidade. 2. Investigação sobre a formação histórica e os processos sociais contemporâneos que conformam a sociedade brasileira, no sentido de apreender as particularidades da constituição e desenvolvimento do capitalismo e do Serviço Social no país. 3. Apreensão do significado social da profissão desvelando as possibilidades de ação contidas na realidade. 102 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 4. Apreensão das demandas – consolidadas e emergentes – postas ao Serviço Social via mercado de trabalho, visando formular respostas profissionais que potenciem o enfrentamento da questão social, considerando as novas articulações entre público e privado. 5. Exercício profissional cumprindo as competências e atribuições previstas na Legislação Profissional em vigor (ABPESS, 1996, p. 7). Isso que dizer que todos os profissionais graduados precisam ser competentes no que concerne a apreender o processo histórico e a situação atual da realidade brasileira, bem como no tocante a apreender o significado social da profissão e das demandas a ela inerentes. Devem compreender, inclusive, as configurações do mercado de trabalho, para que seja possível conferir respostas às demandas apresentadas. Também é necessário que o profissional defenda tanto as competências profissionais quanto as atribuições privativas de nossa atividade. Veremos agora considerações de determinados autores sobre a questão da competência profissional, dentre as quais destacaremos as colocações trazidas ao debate profissional por Souza (2004) e por Iamamoto (2004). Vamos a elas. Souza (2004), afirma que o tema competência surgiu no debate nacional brasileiro a partir da década de 1980. Nesse período, segundo o que o autor destaca, a competência profissional passou a ser exigida de todos, em decorrência dos processos de reestruturação produtiva. Nesse cenário, começou a ser “exigido” que o trabalhador fosse competente em sua área de formação e também tivesse outras habilidades profissionais, ou seja, deveria ir além da sua formação inicial. Esse autor ressalta ainda que, a partir de então, passou a ser requisitado aos profissionais um determinado “pacote de competências”, fazendo menção a uma série de condições necessárias ao profissional que quisesse ser compreendido como competente. Destaca, assim, como integrantes do chamado pacote de competências: a flexibilidade do trabalhador, sua transferibilidade, sua polivalência e sua condição para a empregabilidade. Segundo ele, há uma grande ênfase na questão da polivalência profissional. O profissional polivalente é aquele que desempenha uma série de funções além das que já foi habilitado para desempenhar. Souza (2004), no entanto, ao discutir a questão da competência aplicando-a ao Serviço Social, vem nos dizer que o profissional competente é aquele culturalmente versado e politicamente atento ao tempo histórico que está vivendo. Assim, é necessária competência técnica e estratégica para decifrar a realidade presente. O autor enfatiza que é essencial aos profissionais entenderem que sua ação tem uma dimensão política, e essa compreensão também é indicativa da competência. Assim, “imprimir às ações uma postura política e ética pode ser um dos caminhos a serem trilhados pelos profissionais” (SOUZA,2004, p. 53), visto que o profissional competente condiciona sua prática a uma postura ética e também política. 103 SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL O autor ainda observa que a dimensão política deve ser expressa por meio de uma prática profissional em que os princípios contidos no Código de Ética de nossa profissão sejam colocados em prática. Nesses termos, destaca que é necessária e fundamental a defesa dos segmentos pauperizados da sociedade brasileira. Assim, o autor destaca que é no cotidiano que devemos expressar nossa ação competente; para isso, precisamos considerar que nossa competência profissional precisa ser expressa em um espaço heterogêneo por natureza e, por conseguinte, composto por uma série de dimensões que expressam o viver e o agir dos seres humanos. Para uma intervenção competente, é necessário que o profissional assuma duas posturas ou comportamentos profissionais. A primeira, indicada por Souza (2004), refere-se ao fato de que os assistentes sociais devem ser contrários a compreensões fundadas apenas no senso comum. Já a segunda faz referência a uma capacidade que precisa ser por nós apropriada: a de nos interrogarmos sobre os fenômenos presentes na realidade. O autor ainda destaca que esses comportamentos permitem que nos distanciemos do mundo sobre o qual estamos atuando, para que possamos a ele voltar com um entendimento diferenciado. Somente por meio de uma prática de distanciamento, de investigação de nossa realidade se torna possível uma ação, de fato, competente. Estamos diante de um fato concreto, que precisa ser compreendido para efetivarmos a criação de ações competentes, pois se ele é, em essência, o espaço da alienação, em virtude de uma atitude investigativa por parte do profissional, pode se tornar um espaço de transformação e de objetivação de ações que sejam consonantes com os objetivos maiores colocados pela categoria (SOUZA, 2004, p. 55). Assim, Souza (2004) postula que a competência demanda a formação por meio da qualificação formal e das competências teórica, técnica e política, sendo estas vitais ao exercício profissional e oferecidas no processo formativo. Agora passaremos a tratar da competência de acordo com Iamamoto (2004). Algumas considerações feitas pela autora já foram aqui mencionadas, com o objetivo de destacar a prática competente. Cabe lembrar que é necessário, segundo ela, um profissional culturalmente versado e com compreensão política. Também é preciso ser propositivo, ou seja, relacionado com a pesquisa e com a atualização permanente. Iamamoto (2004) observa que esse profissional precisa dominar o aspecto operacional, com destaque para a extrema importância do domínio da linguagem, que é, como vimos, tratada como um dos recursos fundamentais do exercício da profissão. Retomamos, aqui, que a modalidade de linguagem referida é a forma culta. A autora também enfatiza que o profissional competente é aquele que consegue apreender a história, a realidade atual e os processos constituídos de organização econômica, política e social. Segundo essa 104 Unidade III SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 compreensão, o profissional competente é aquele que, diante dessas constatações, consegue elaborar e propor respostas criativas de intervenção. Para isso, é necessário romper com uma visão endógena da profissão e entender, assim, a importância que a prática profissional precisa assumir para se constituir como uma profissão que seja, de fato, socioeducativa. Compreender esses aspectos sob a ótica da competência significa entender a nossa profissão como uma prática de intervenção e que precisa congregar os princípios éticos assumidos por toda a nossa categoria profissional. Concluindo, a competência ética refere-se, a nosso ver, às possibilidades encontradas pelo profissional para fazer valer os princípios éticos que são apresentados como necessários por toda a nossa categoria profissional e elencados no Código de Ética de nossa profissão. A competência política refere-se a uma compreensão dual que nos leva a perceber que nossa profissão possui uma conotação política implícita em suas ações. Também remete à compreensão necessária de que precisamos identificar os espaços políticos de nossa realidade que proporcionam a construção de uma contra-hegemonia. A competência investigativa refere-se à possibilidade de o profissional inserir a investigação em todos os momentos de sua prática cotidiana, sendo fundamental essa competência para a apropriação da realidade de onde obtemos informações sobre a Questão Social e suas múltiplas formas de expressão, bem como dos fenômenos sociais, políticos e econômicos que a condicionam e interferem em nossa prática profissional. Por fim, a competência interventiva nos remete a uma intervenção, uma prática que seja desenvolvida com a capacidade de resolver os problemas sociais a nós apresentados. Lembrete Essas competências não se expressam no fazer do assistente social de forma dissociada, ou seja, são uma série de habilidades que o profissional precisa desenvolver para que seja de fato realizada uma ação eficiente, pela qual seja possível efetivar os direitos sociais. Esperamos que esses conteúdos tenham colaborado com o seu processo formativo e que você tenha conseguido apreender todas as colocações aqui destacadas. Recomendamos reler o conteúdo exposto e realizar os exercícios no final desta Unidade, a fim de avaliar sua aprendizagem, dada a quantidade de detalhes do tema. Resumo Nesta Unidade, iniciamos nossos estudos sobre a instrumentalidade. Para isso, recorremos às primeiras intervenções de nossa profissão, pelas quais pudemos conhecer um pouco sobre o método de intervenção. Observamos que as primeiras técnicas e os primeiros instrumentais eram 105 SS O C - Re vi sã o: J ul ia na - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 8/ 11 /1 2 PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL utilizados com o objetivo de moldar o caráter das pessoas, de adequar o ser humano à nova ordem vigente. Para isso, era realizado um estudo sobre o ser humano e, assim, buscava-se identificar o problema apresentado por este e, de tal forma, realizar intervenções para solucioná-lo. Nessa metodologia, como vimos, eram usados conhecimentos da Psicologia, da Biologia, da Sociologia e da Moral, além de haver forte recorrência à doutrina social da Igreja Católica. Vimos que essa metodologia utilizada ofereceu a base para o desenvolvimento da profissão e dos instrumentais e técnicas a ela inerentes. No entanto, essa noção já fora superada, e discutimos o conceito de instrumentalidade. Este nos remete a pensar a questão das técnicas, mas também a da teoria, ou seja, a instrumentalidade pressupõe uma junção desses aspectos para que seja possível realizar uma prática reflexiva. Aprendemos que esses conceitos são extremamente importantes para o processo formativo. Estudamos ainda as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, aspectos que precisam ser observados durante o processo formativo dos assistentes sociais e sua prática profissional. Recorremos a essas colocações para enfatizar a importância dos rumos ético-políticos a serem adotados diante das demandas de nossa profissão, enfocando ainda a relevância da competência profissional nesse processo. Vimos como essas dimensões influenciam a constituição dos núcleos de formação profissional, fundamentais para proporcionar uma ação competente, que permita a efetivação dos direitos sociais dos segmentos empobrecidos de nossa
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