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--.,,~~~.,..,._~ 0 NOVO RECURSO DE AGRAVO, NA PERSPECT!VA DO ,!.\rvlPLO ACESSO A JUSTICA, GARANT!DO PELA CONST!TUiCAO FEDERAL TERESAARRUDAALVIM Wi\MBIER Mestre, Doutora e Uvre-Docente pela PUC/SP. Professora dos Cursos de Graduayao, P6s-Graduayao Lato Sensu, Mestrado e Doutorado da PUC/SP. Professora do Mestrado da Faculdade de Direito de Cur!tiba. Advogada" SUMARIO: 1ntroduyao- i. A recorribiiidade e suas impiicay6es na prestayao da tutera jurisdicional - 2. A tentativa de desafogar o Poder Judic1<3rio pela via da exclusao do acesso a justiya - 3. P,s mudam;as !egis!ativas ocorridas no recurso de agravo, nos Ultimos anos- 4. A Ultima alteragao, em fins de 2005- 5. Conciusao. INTRODUt;AO 0 Professor Jose Carlos Barbosa Moreira e autor, dentre tantos trabalhos, todos imprescindiveis para uma s6iida fo;magao em Direito Processual Civil, de um dos maio- res c!assicos da doutrina contemporanea" Trata-se de seus Comentarios ao C6digo de Processo Civii, magnifica e detalhada anaiise do sistema recursai, visto como um todo, e dos recursos previstos no CPC, em especie. Assim, tao logo n6s pensamos em organizar esta coletanea em sua homenagem, nossa proposta pessoai foi de escrever, justamente, sobre aquele que reputamos ser o mais controvertido recurso do sistema processuai brasiieiro, sabre o quai tern incidido su- cessivas reformas tegls!ativas: o recurso de agravo, no contexto constitudonai do principia do amp!o acesso a justi9a, com assento na Consutuiy8o FederaL 0 recurso de agravo tern sido acusado, lnjustamente; ern nosso sent!r, de ser uma das mais fortes raizes dos inumeros males de que padece o sistema jurisdicional brasilei- ro. Apontado como um dos "pontes de estranguiamento" do sistema, tern sido objeto de intensa atividade leglslativa, sofrendo, como afirmamos llnhas atras, sucessivas reformas, todas voitadas - ainda que !sso nao seja expressamente confessado - a reduzir a sua . . Utiliza,ao peias partes. • 108 JURIS PLENUM- Ano Ill- Numero 15- maio de 2001 - Doutrina em que ocorre visivel deieriorayao do sistema de prestat;:ao jurisdicional (significando esta expressao o servi9o juridlco prestado a sociedade, por todos os operadores do Direito) como fruto de uma serie de fatores, a respeito dos quais procuraremos discorrer, ainda que brevemente. Alem desse fen6meno, ha outro, igualmente relevante, e que ocorre paralelamente. Consiste no crescimento que se deu, especialmente na ultima decada, do numero de pronunciamentos judiciais capazes de causar gravame a parte. Veja-se, nesse sentido, a significative proliferaqao de liminares, especialmente depois do advento do art. 273 do CPC, que inc lui, em nosso sistema, em termos genericos, a possibilidade de se anteciparem efeitos da sentenqa. E necessaria destacar, tambem, o aumento do numero de liminares concedidas efTl>sede de processo coietivo, cada vez mais presente nos nossos foros. Ve-se tambem, especialmente, numa impressionante lista de projetos que tramitam no Congresso Nacional, uma tentativa, as vezes classista, outras vezes patrocinada ate mesmo peio Governo Federal, no sentido de excluir hip6teses de acesso a justiqa cons- titucional historicamente consagradas, sob o pretexto, com o qual nao concordamos em hip6tese aiguma, de diminuir o volume de trabalho do Poder Judiciario, ernbora concor- demos que, ern determinadas regioes do pais (e ai esta o grande risco da generalizayao), de fato, ocorra desumana sobrecarga. Atormentados com as reclamaq6es, especialmente aquelas geradas nas grandes cidades ou nos Estados mais populosos, os legisladores, incentivados, orientados ou ate mesmo "endossados" pela doutrina, tem promovido sucessivas aitera<;Oes, como num exercicio empirico de "ensaio e erro", buscando fazer dessas mudangas bandeiras ligadas a necessaria busca de efetividade. Todavia, as causas multo amplas e historicamente consolidadas, para a falencia do sistema, aqui ou acola, nesse imenso pais, jamais tem sido atacadas, seja pela via legislative, seja, sequer, pelo desejavel caminho da organizagilo de dados que pudes· sem orientar, nacional e regionalmente, a formulaqao de propostas de soiug6es para os tantos e graves problemas de sobrecarga que pontualmente ocorrem em alguns lugares do pais. Nao temos dados confiaveis e isentos, colhidos fora dos ambientes puramente corporativos (associag6es de juizes ou de advogados e os pr6prios tribunals), que nos permitam identificar onde e em razao de quais motivos o processo e Iento, ineficaz, etc. Com !alta desses dados, nossas reformas legislativas; ( e mesmo constitucionais, o que e mais grave) ocorrem ao sabor de dados iocais, daqui ou dali, sem que se possa promover a devida avaliagao da operacionalidade do sistema em todo o pais. Exemplo disso esta na recentissima EC 45, de fins de 2004, que elevou ao patamar de garantia constitucionai o direito da parte a imediata distribuigao de seu feito (e inclusive de seus recursos). Certamente essa medida, ineficaz na pratica, esta ligada a constataqao de que no Tribunal de justiga de Sao Paulo havia lila de espera pa;a a distribuigaode ~ '- ----~---~ ........ ~ ..... ,....,...,.._,.r;rlr. em r~7~0. ..-!::~ P.X\.eSSiVB SObrecafg{;i de 0 NOVO RECURSO DE AGRAVO 109 recursos que aportavam ao Tribunal. Agora, a parte tem direito a distribuiqao imediata. Mas, eo juJgamento? Bem. Esse e um outro problema. Recentemente, em fins de 2005, houve nova alteraqao do reg ramen to do agravo. Muitas criticas tern sido feitas a nova sistematica desse recurso, especialmente por trans- former em regra geral seu manejo, pela parte, pelo modo retido, deixando para hip6teses excepcionais, apenas, sua interposiyao por instrumento. Enquanto, seriamente, nao se conseguir sentir vontade politica voltada ao ataque das reais causas (sejam circunstanciais ou estruturais) dos problemas que levam ao des- credito do sisterna de prestaqao da jurisdiqao, a perspective que se poe a nossa !rente nao e das mais promissoras. Quantas reformas da lei processual ainda se farao, sem que se busque resolver, passo a passo, as quest6es financeiras, politicas, regionais e estruturais que antecedem - como causa das disfunq6es do sistema - eventuais falhas da lei? t A RECORRIBILIDADE E SUAS IMPLICA(;OES NA PRESTA(;AO DA TUTELA . JURISDICIONAL Oiversos sao os aspectos que exigem observaqao e prudente analise, para que se possa discutir, sem paix6es, mas, es.sencialmente, com os olhos postos no texto consti- tucional e na realidade social brasileira contemporanea, a questao da recorribilidade das decis6es (em sentido arnplo) judiciais, muito especialmente no caso das interlocut6rias. Em primeirissimo plano, temos que iixar nossa atenvao na ConstituiQao Federal, que em seu art 5', a todos garante direito a ampla defesa, ao contradit6rio, ao devido . j·; · processo legal e, em ultima analise, a qualificado resultado do principia constitucional do t acesso a justiga. J• Trata-se de garantia prevista por clausula petrea, que esta na base do regime l-c. politico adotado na CFi88, com uma serie de desdobramentos no plano da lei processual 1 :• ihfraconstitucional. i 1 .. ·.·.· A democracia como expressao politica do Estado de Dire ito exige respeito aos _,; '?ostulados constitucionais expressos e a todos quantos derivem desse modelo de gerencia r• do Estado. /Y Como ja sustentamos, "[ ... ] e preciso ter-se em mente que qualquer alteraqao da . i:~;\ei,de_entendimento junsprudenciai ou edi930 de sumula que tenha por prop6sito un~ca _e ;,;.;exclus1vamente d1mmU1r a carga de trabalno dos tnouna~s, sejam eles qua1s forem, nao e. · l;(pprsis6, legitima; ou seja, exciusivamente porque s6 tem esta finalidade como finalidade I;1~nica, sao ilegitimas".' ::k:<·;_; Jt~'· l' \ . 4!2 .. _;,:~ ::-------- .·,:fi ~/:NAMB!ER Tt=m:u:,:~ll.rrl!ri~ A!uim Roctri,-.fioc inr1o>Jiri>:>e <:!('> rtiroit,-, r'io rO('r.rror o,.,,;"'" rlr. Drr.r-r."""' {,';;,.... 112 .JURIS PLENUM- Ano Ill- Numero 15- maio de 2007- Doutrina o aspecto humano (a respeito de que tambem discorremos no item antecedente). Falta, enfim, resposta eficiente do Poder Publico ao veemente clamor da sociedade brasi!eira por acesso a justi9a. Parece que o efeito dessa relevante questao, que eo excessivo volume de a96es e de recursos, ficou mais relevante do que as principais causas desse fen6meno inexoravel na democracia, os quais, ao nosso ver, consistem no crescimento da litigiosidade, na ex- pansao da informa9ao e na garantia constitucional de acesso a justi9a. Houve tambem, na sociedade brasileira, expressive crescimento do ponto de vista quantitativa. E inexoravel, portanto, o crescimento vertiginoso do numero de pretensiies deduzidas em juizo. Ness~ sentido, Athas Gusmao Carneiro, com a experiencia de mais de quarenta a nos de magistratura e com a sabedoria correspondente, com habitual profundidade e 0NDVORECURSODEAGR.4VO 113 Tribunal?? Esse certamente sera sobrecarregado com apefa<;oes, e tera que cumpnr, de certo modo, papel de juizo de primeiro grau, na hip6!ese de o reu oferecer suas contra- raz6es. Que diferen<;a trara, esse novo metoda em rela<;ao ao jufgamento antecipado da lide, esse sim, com pieno contradit6rio e como exaulimento da atividade jurisdiciona/ em primeiro grau? Certamente, nenhuma diferen<;a expressiva, ate porque a ilnica "fase" que se estara evitando seria a da cita<;ao seguida da apresenta9ao de contestaqao. Ora, sese trata de materia de direito, logo ap6s o eventual exercicio do dire/to de defesa, pelo reu, ou ainda, na hip6tese de revelia, pode o magistrado (pela via do julgamento antecipado) proferir senten9a, sem qualquer atropelo e sem qualquer fissura no con junto de garantias processuais constitucionais. serenidade de pensamento, afirma, categoricamente: "Vale, todavia, reiterar que a pletora I ~·AS MUOAN~AS LEGISLATIVA de agravos e de certa forma inerente ao processo civil moderno, em que as exigenciasde . · ULTIMOS ANOS S OCORRIDAS NO RECURSO DE AGRAVo N ceieridade na soluyao (ainda que provis6ria) da !ide levaram o iegislador, no Brasil como • . Ja e 19 . ' OS alhures, a autorizar, sob cognigao superficial, a concessao liminar de providencias caute- 1 Uma das m m f5· houve substanciais alterav6es na sist . f lares e de antecipa<;6es dos efeitos da (provavel) futura sentenga de procedencia".' ' que por ats rdeevantes modtf1ca96es, em nosso sentir cema tlca dorecurso de agravo. " " . . . " . · , asSim 1zer aava " . , ons1s 1u na 1ntrodu " d Entao, a aitera9ao da lei, arnda que se possa constatar a extstencta de inten9ao. ··ag· rav·o· d . t ' nova Vida" a um regime bast t \'BO e regra . . . . . . e tns rumento se . . an e remoto s expressa no senlido de dotar o s1stema de ma1or grau de efel!Vidade, nada mais faz do ·. · Ap . na mterposto diretamente nos tr'b . ' egundo o qual o " d' I ., d ld bt · d d' t d t · d' ., · · · roxtmadamente seis a no d · 1 unats. que remena- o., e mo e a o er um pouco mats. e ren ;men o a es rutu;a JU ICtaria tornou praticame . . . s epots, pela Lei 10.352/2001 . . " pasta a serv190 aa soctedade, sem que qualquer esror9o efeltvo se tenha fe1to no sentido . de instrumento 5 nte obngatono, flcando restrito a hipoteses de u- 0 :egtme da reten9ao se de melhor aparelhar o Poder Judiciario. J. E. Carreira Alvim e Luciana Gontijo Carreira .· ' perm!l!ndo ao relator a conversao do re i 'gene/a 0 uso do agravo Alvim Cabral, comentando a nova sistematica do agravo, aflrmam que a eventual irrecor- 4.A ULTIMAALT " g me. ribilidade das decisoes interlocutorias nao teria, por si s6, o condao de tornar o proce$so . ERA9AO, EM FINS DE 2005 mais celere, ate porque, sustentam. com absoluta razao, "a morosidade decorre mais da · ·. .•... . . _lsto fic~u clarissimo agora, na Lei 11 , 8 . propria estrutura judiciaria do que do formalismo processua!".' . .. . . retengao, se nao houver urgencia, e fei· ·' . 712005· a parte recorrente deve optar pel Aprovado pel a Congresso Nacional em meados de janeiro, o novo art. 285-A,entao · v:rter 0 agravo de instrumento em r~tid:~eqw~ocadamente a op<;ao, pode 0 relator con~ inserido no CPC por meio da Lei 11.277/2006, e uma demonstraqao eloqiiente e !~men- ..•. •• ;~aode ~octo expresso, nao cabe recurso,al e~~ao de que, segu~do diz a nova lei, embora tavel dessa tentat1va de resolver os grandes problemas estruturars do pats (inclusive do, ·• ... 1 27 • paragrafo umco. que vem prevalec d 9 · E a lnterpretaqao dared a gao atuai do art processo) pela via da negativa de frUi9ilO de garanti~sconstitucionais. Diz esse dispositive.· r havla mwta discussao tanto no pia~~ ~~Antes .da mudanqa introduzida pe/a referfd~ que podera o JUIZ, na h1potese de se tratar ae matena exclustvamente de dtretto e de:a • .. %no da posstbilldade de se recorrer dest d a~utnna quanta no da jurisprudencia em existir no !uizo juigamentos" de ca~os identicos no me~mo sentido •. p;olatar senten<;aJ~.;. M ~zer constar de seus regimentos inte~no:cts~o, exrstmdo ate tlibunais que cheg~ram !mprocedencla, sem a c1tagao do reu, que somente sera crtado na h;potese de retrata§~~i ; < ~ltos · constderavam esta disposi<;ao , a ,rrecornbilidade deste pronunciament ou para apresentar sua contrariedade ao recurso de apela9ao lnterposto pelo au. tor. .. Sfc .. •··.· ... '.'.· ·· .... ~~~ regtmentos internes de tribunat·s reg.mental tnconsttlucional, pais que na"o ca. bo. · · · · · · · "'Pole d seJam estes · 1 e gundo os mentores desse projeto, essa iniciativa tende a desafogar o juizo de pn~; t (j;sci ses e cabimento de recursos.'ja oue se tr quais ,orem, a fun9ao de estabelecer grau, ev1tando o contradttono (pasmem ... ) e a sobrecarga de traba!ho, portanto. Ora,t.1., ', ... : pltnada par le1 federal. · ata de matena processual que deve ser ,'i"1ji '.······::>- . ·· · ''/Iii" >' · .. · ·· Para Brun o 11.18712005, na ccletanea Aspectos atuais e polem1cos dos rocursoJ' .• :fi 'l'i .. :n, CO/ u 0 antas Nasc;mento (Jnovaqoes • . ii).)'. '"• ·. e,•neaAspectos t . - . naregenc!adorecursod . . . '""i;JSY/£: , :j..i&~ne 9).), a refor rl a ua/s e potemlcos dos recursos civeis e e agravo tr<lZ!das pe/a Lei 11.18712005 ma o~rt !1?? ~m ?001 fni tlmirl, n """'M"' assuntos afins. sao Paulo: RT 2006 6 .· "'-·--·---~--.... , __ ,_,.,, ·• .p. 0. JURlS PLENUM- Anc li\- NUmero i5- maio de 2007- Ooutrlna Constata-se, portanto, que o perfil do recurso que cabe contra as inter!ocut6rias proleridas pelo juizo de 1° grau, sob o regime de instrumento au de reten9ao, nao vern produzindo os resultados desejados, ate o presente momenta, em virtude da quantidade de altera~6es que vern sofrendo tanto no seu procedimento quanta, a rigor, como se ver3, ate mesmo em suas hip6teses de cabimento. i'\4 Mas o que se tern que perceber e que, diante da pro!iferayaO das liminares, decor- rencia direta e inexoravel da atuai reda9ao dos arts. 273, 461 e 461-A, realmente nao e possivel se estreitar exageradamente o acesso ao 2' grau de jurisdi9ao. A atribuiyao de maiores poderes ao magistrado de 1' grau deve corresponder, necessaria mente, uma larga margem de controle das decis6es desse juizo pelos tribunals, acompanhada de permanente processo de aprimoramento na forma9ao intelectual e etica da magistratura. 0 aum~nto do numero de agravos nao deveria ter surpreendido a comunidade \uridica, ja que cresceram significativamente tambem as hip6teses de decisoes capazes de gerar serios e graves prejuizos as partes contra as quais sao proferidas. Alias, sese tern em conta que estas decis6es sao proferidas com base em prova nao exauriente, potencialmente os danos podern ser considerados ainda maiores. A possibilidade de concessao de medidas liminares aumentou considerave\mente,por urna serie de rszoes multo interessantes e peculiares ao nosso tempo. De lata, os pressupostos para a concessao de !iminares nao sao mais exciusivamante !igados a perspectiva de ineficacia do provimento principal, rigido conceito de periculum in mora, como ocorre principaimente nas medidas de carater genuinamente cautelar. 0 dana mar- ginal, ou seja, o prejuizo natural decorrente da dura9ao do processo, ado,uiriu propor96es absoiutamente desastrosas. Portanto, o agravamento do prejuizo, que o autor aiega e comprova estar suportando como decorrilncia dade mora do processo, tern side causa de concessao de medidas de urgencia. Par outro !ado, ainda, ha bens, hoje preservados com enfase peio sistema, cuja iesao, rigorosamente, nao e indenizavel como, por exemplo, o ambiente, a saude ou o patrim6nio hist6rico. 0 simples fate de sa aiegar haver probabi- iidade de dano a estes bens ja predisp6e o magistrado a concessao de iiminar, uma vez que o prejuizo, eventualmente, ocorrido jamais podera ser efetivamente reparado pela presta9ao pecuniaria. De tudo o que se disse, e de tudo o mais que se poderia dizer, decorre a inexora· bilidade do aumento consideravel dos recursos interponiveis e efetivamente interpostos contra estas decisoes. Natural que o numero de recursos tenha, correlatamente, expressivo aumento. Dos que ja tern escrito aiguma coisa sabre a nova configurayao do recurso de aqravo. chamou-nos a aten9ao a obserJayao feita por Heitor \Jitor M. de Sica, 5 comparando ' Em texto pubiicado nos Aspectos po/emicos e atuais dos recursos civeis. cooroena;;ao Nelson Nery Jr. e - A·--··~- ilh·'"" \il.bmh\Ar serle 9. int\tulado 0 agravo eo ~mito de Prometeff: considera1ioes sobre a 0 NOVO RECURSO DE AGRAVO 115 o agravo com Prometeu, personagem da peya do teatro classico escrita por Esquilo, Prometeu Acorrentado. Assim como Prometeu, que desafiou a tirania de Zeus, o deus dos deuses, e roubou do O!impo, morada de todos eies, ousadamente, o fogo, monopolizado por eies. para que os mortals tambem pudessem usa-lo, o agravo tambem surgiu, sem forma nem figura de juizo, num momenta hist6rico em que havia sido proibido recorrer-se de decis6es que nao fossern a senten9a propriamente dita. Foi, portanto, resultado da rebeldia e do inconformismo dos iitigantes contra a irrecorribilidade das interlocut6rias. Dai para a frente, tornou-se remedio cornum, tendo-se incorporado a nossa cultura processual, nao tendo jamais deixado de existir, seja no '3rasil, seja em Portugal. Como Zeus imp6s a Prometeu o castigo de permanecer para sempre acorrentado a urn monte, em que urn abutre diariamente comia seu figado, que se recompunha durante a noite, com o agravo ocorre a mesma coisa: o legislador jamais quis exterrnina-lo, mas ha mais de urn seculo envia abutres para enfraquece-io ... E ele vai, assim como o figado de Prometeu, se regenerando, ora par si s6. ora travestido, par exemplo, de mandado de seguran9a contra ato do juiz. E interessante observar, depois de refletirmos sabre esta tragica e interessante analogia, que nenhum dispositive do Capitulo iii do Titulo "Recursos", no CPC, mantem sua reda9ao originaL Mais da metade dos 72 artigos nao sao mais os mesmos, e muitos foram modificados mais de uma vez, como, por exemplo, os arts. 511 e 526. Dai, infere-se que esta deveria ser, ao que tudo indica, a parte mais defeituosa do C6digo ... afirma9ao esta que demanda, sem a menor sombra de duvida, vagarosa e profunda refiexao. Hoje, com a nova iei, a fungibilidade que havia entre os regimes da reten9ao e do instrumento praticamente desapareceu. Em certos casas, o recurso cabivel e o agravo de instrumento - caso a parte esteja correndo o risco de sofrer \esao grave e de difici! repara9ao, case se Irate de decisao que indefere a apela9ao ou declare em que efeitos esta sendo recebida. Nos demais casas, sera retido. Tendo a parte feito a op9ao errada, cabe ao relator converter o agravo de instrumento em retido, por meio de decisao de que nao cabe recurso. Ja ha quem afirme, em nosso entender sem razao, que, equivocada a opgao da parte, cabe ao relator indeferir o recurso, devendo haver conversao s6 em caso de duvida. E a opiniao de Manuel Caetano Ferreira Fiiho, da qual nao comungamos, por uma serie inflnita de razoes. A principal de/as e a de que se trata do mesmo recurso, com regimes ou procedimentos diversos. Sese edmite a fungibilidade entre recursos diferentes,' como 7 Texto publicado nos Aspectos potemicos e atuais dos tecursos civeis, de coordenayao de Neisen Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier, v. 10, Sao Pau!o: RT, 2006, intitu!ado ConsiderayOes sobre a Lei 11. !87. de 19.10.2005, que aitera a disdo!lna do agravo de instrumento. !16 JURiS PLENUM- Anc !i\- NUmero i5- maio de 2007- Doutrina obstar a parte o dlreito de recorrer porque se ter\a equ!vocado quanta ao regime do recurso escolh!do? Por outro lado, sera que os termos urgencia, dano irrepar.Sve!, dano grave, etc. j3 nao envo!vem~ necessaria e propos!tadamente, certa dose de d\scutib1Hdade? Nao serla aque!a pela aual opta Manoel Caetano uma so!uy§o contra todas as tend8ncias do processo civil contempor8neo, Hgadas ao principia da instrumentalidade? Adernals, no que pode atrapalhar o andamento do processo um recurso retido? 0 legislador deveria ter dito daramente que os agravos serao de instrumento no processo de execur;ao, ja que nao se trata de processo vocacionado a gerar senten9a de que se venha a interpor apela9ao. Mas agravar retidamente, sem dUvida alguma, uma vez em vigor a nova norma, 8 regra. Resta sabcr-se se como ter-se tornado regra a interposi9ao do agravo no regime da reten98o, nos casas em que nao na urgenc\a, em que se lnadmlte a apelayao ou em que se dec!ara em que efeitos esta estara sendo recebida, haven't, realmente, a desejada diminui9ao considerave! do numero de agravos. Em nosso entender, trata-se de op~ao elogiavel, ja que nao lere o dire ito das paries, e, ao mesmo tempo, pode gerar o efeito dese- jado, desde que, e ciaro, se selecionem com serenidade e no interesse do jurisdicionado as h\p6teses ern que realmente h8. urg8ncla, nao torn an do a urgencia caracteristica exclusiva dos agravos interpostos contra med1das liminares concedidas ou nao. As liminares nao esgotam todas as possiveis situa96es de urgencia no processo. Ou seja, pensamos que pode haver decisoes a respeito de materia probat6ria que, dependendo do caso concreto, podem envolver urgenc!a, e assim se justificaria a op9ao pelo regime do instrumento. 0 mesmo se diga quanta a decisoes que resolvem incidentes relatives a ccmpetencia. Par Jsso e que nos parece ter andado bem o !egislador em nao iimitar a op9ao pe!o regime do instrumento a casos de concessao ou n§o concessao de medida !iminar, em que a urg8nda esta praticamente 1mpllc\tal A urgencia, cuja demonstra9ao se exige do recorrente, que se requer para que o agravo seja de instrumento, nao e a mesma urgencia, sob o ponto de vista da intensidade, que se espera ver demonstrada peia parte para obter efeito susp_ensivo. Se asslm fossa, a ato do agravo de instrumento dever-se-ia conceder efeito suspensive. A urg8ncia para a obtent;ao de efeito suspens!vo h3 de ser mais aguda. 0 agravo interposto das decis6es proieridas em audiencia deve ser retido e oral, de acordo com a nova lei. Em bora a regra agora seja a da interposi9ao orai de agravo retido quanto as decisoes proferidas em audiencia, tambem nao se deve, por exemp!o, esquecer de que nesta lase, ou memento processuai, o juiz tambem pode proferir decis6es que geram urgencia. Pode negar ou conceder ume iiminar! /\queie que a pleiteou, obviamente, tem urg6ncia em sua concessao< E, ademais, n§:o e ocloso lembrar que, sendo a lirninar absolutamente descabida em reia9ao aqueie que pretende revoga-ia, existe uma especie rio : wr.Anri:::1 nm~1 1miri::1__ semorel 0 NOVO RECURSO DE AGRAVO 117 0 contradlt6rio reouerido peio juiz para fins de eventuaimente se retratar, deve. no . . ceso de o agravo ser retido. tambem ser orale ter Iugar durante a audiencia. para que se veja respeitado o principia da i.sonornia, Na rova lei se diz que o agravo de instrumento podera juntar a documenta9ao que entender conveniente. Mas. e obvio, que conste dos autos. S6 podem ser juntados documentos aue nao constem dos autos se o agravado ainda nao contestou ou se nao os juntou na contestayao por forya maior. Com certeza, a aiteraqao ma1s relevante da nova iei e a de dispor quase expres- samente sobre a irrecorribiiidade da decisao que concede ou que nao concede efeito suspensive ou "ativo" ao agravo. Dissemos, pro,oositadamente, que a lei foi quase expressa. Diz o art. 527, paragrafo unico, 1n verbis: "a decfsao [ ... ] somente e passive! de reforma no memento do }U!garnento do agravo, salvo se o proprio relator a reconsiderar". Em debate sobre o assunto, ja ouvimos interessante opiniao no senti do de que este agravo seria o que teria sido interposto da decisao (um agravo interne, portanto), e esta reconsideraqao a que se refere a lei sera o juizo de retrataqao deste agravo interposto. Mas, entao, a lei diria o 6bvio: cabe agravo e este agravo comporia retrata9ao, o que se consubstancia na regra gerai!!r .1\fastada esta interpretaqao, tem-se e de que nao cabe recurso. De fato, aiterar-se a decisao sobre o efeito suspensive, ou sobre a antecipa9ao da tutela recursal do agravo, ou sobre se o agravo sera retido ou de instrumento, no julgamento deste proprio agravo e, no mlnimo, inteiramente inUtiiH!! Ou seia, ceria dose de cinismo ha na reda9ao da lei, que niio diz expressamente que nao cabe recurso destas decisoes, mas lixa um memento para que se redecida o assunto. em oue eventual altera9ao do teor da decisao anteriormente proferida seria de integral imprestabilicade para o recorrente. Ha os que defendem ser inconstitucional esta proibi9ao, como Bruno Dantas do Nascimento 8 Sustenta este autor que o juiz natural, quando o processo esta no Tribunal, eo 6rgao colegiado e o reiator nao e senao aiguem que age em nome do coiegiado a que pertence, devendo sua decisao ser conf!rmada ou infirmada pela Camara, T urrna, etc., sob pena de ver-se ferida esta regra constituc!onal. Nao nos pareca que se trate de uma regra que nao possa ser afastada em nome de outra que seja tida como mais relevante, naqueie contexte, anarogamente ao aue ocorre corn o prindpio da ampla defesa, deixado de iado quando concedida uma liminar inaud!la altera parte. --------------- j <' :; ;~.' • 118 JURIS PLENUM- Ano Ill- Numero 15- maro de 2007- Doutrina Assim, o que resta a parte e formular um pedido de reconsiderayao, eventual mente apresentar embargos de declarayao, e em casas mais graves, em que o erro do Tribunal seja gritante, impetrar mandado de seguranya. A esse respeito, e desejavel uma reflexao ace rca da passive! revitaiizayiio do man- dado de seguran9a, sendo empregado de modo pouco ortodoxo, bastante criticado pela doutrina tradiciona!, como objetivo de impugnar atosdo Poder Judiciario. Nao e ocioso lembrar que a primeira alterayao do agravo, nesta ultima onda reformat6ria do C6digo de Processo Civil, ocorreu justamente p_ara evitar o usa do mandado de seguran9a contra ato judicial. Nao estariamos andando em circulos??? Par lim, e interessante que se trate da possibilidade de haver uma decisao dita complexa, proferida pelo Juizo de primeiro grau, e que abranja uma parte consubstanciada em decisao que enseja recurso que deva ser imediatamente julgado, e outra parte, de que o recurso pode ser retido, sem problemas. Como fazer? 0 correto seria a interposi9ao de dais agravos. Todavia, se a parte interpuser ode instrumento, parece que a conversao parcial do agravo em retido envolve dificuldades de carater procedimental que podem tornar tudo muito mais complexo do que o desejado. Portanto, nos parece que o agravo deve ser admitido como instrurnento, para ambas as partes da decisao. 5. CONCLUSAO Em conclusao, diriamos que se pode perfeitarnente compreender que providencias sejam tomadas tambem no plano do dire ito positive (mas nao seen ten de par que s6 neste piano ... ) no sentido de amenizar a carga de trabalho do Poder Judiciario, desde que haja tambem, par detras destas altera:;oes, o intuito de tornar a presta9ao jurisdicional mais qualificada. Ou pelo menos, ode nao prejudicar a sociedade. Por isso e que, em nosso entender, sao bem vindas as altera:;6es que se introduziram tanto ern 2001 quanta em 2005 no regime deste recurso. lsto nao ocorre, par exemplo, com a recente Sumula 735 do STF, que estabelece a regrade que nao cabe recurso extraordinario contra ac6rdao que defere iirninar. editada justamente agora, momenta em que se aiirma correnternente na doutrina que liminares, de um modo geral, tern sua matriz, sua razao de ser, enraizadas exatamente na Constitui9ao Federai! 0 que de iato nos parece e que o legislador deva deixar, durante algurn tempo, a cargo da criatividade dos advogados e da sabedoria da jurisprudencia, criar boas saidas para os eventuais problemas que a ado:;ao destas novidades vai inexoravelmente gerar, algumas mendon ad as neste artigo. E que nao se veja na alterayao ininterrupta dos textos da lei a solu:;ao para todos as problemas da justi:;a brasiieira, ate porque, verdadeiramente, nao e a mera alterayao legislativa que fara com que o sistema funcione mais adequada- mente aos seus fins. j --( OS EMBARGOS A EXECU<;Ao DE TiTULO EXTRAJUDICIAL* LUIZ RODRIGUES WAMBIER TERESAARRUDAALVIM WAMBIER JOSE MIGUEL GARCIA MEDINA Advogados do escrit6rio Arruda Alvim Wambier Advocacia e Consultoria Juridica. SUMARlO: 1. No<;6es gerais - 2. Visao geral da reforma, quanta a admissibilidade e aos efeitos dos embargos - 3. lndeferimento liminar dos embargos a execu<;ao, nos casas descritos no art. 739- 4. lndeferimento liminar dos embargos, quando fundados em excesso de execu<;ao (art. 739-A, § 5') - 5. Os embargos a execu<;ao, em regra, nao Him efeito suspensive (art. 739-A, caput)- 6. Requisites para a atribui.;ao de efeito suspensive (art. 739-A, § 1 ')- 7. Materias alegilVeis nos embargos a execu<;ao de titulo extrajudicial - 8. Conclus6es. 1. NOvOES GERAIS Na sistematica anterior a alteragiio da Lei 11.382/2006, o executado somente podia opor-se a execugao atraves de embargos ap6s a penhora (cf. redagao dos arts. 669, 736 e 737), em prazo contado da juntada aos autos da prova da intimagao da penhora (art . . 738, antes da alteragao). No entanto, os embargos eram, sempre, recebidos com efeito suspensive (cf. § 1' do art. 739, na redagao anterior a reforma). A doutrina, de um modo geral, admitia a apresentagao de excegao ou objegiio de pre-executividade, quando o executado, por meio deste expediente, alegasse vicios no que diz respeito ao ju izo de admissibilidade da execugao cuja demonstragao se pudesse fazer por meio de instruyiio nao complexa. Cercada de polemicas, que comegavam em torno da sua designagao, agora existe a duvida a respeito da subsistencia desta figura, no contexte do novo regime dos embargos a execugao, como se vera. • 74 JURIS PLENUM- Ano Ill- Numero 14- mar9o de 2007- Doutrina Com as modificaq6es da Lei 11.382/2006, devera ser observada a seguinte es- trutura:' (a) 0 prazo para a oposiqao de embargos e de 15 dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citaqao (art. 738); (b) Os embargos poderao ser opostos independentemente de ter havido penhora (art. 736, caput); (c) Os embargos, em regra, nao tem efeito suspensivo, a nao ser que o juiz, pre- sanies os requisitos do art. 739-A, lhes atribua tal efeito. Tais alteraq6espodem ser sintetizadas no seguinte quadro: • Como era Como ficou Condiqao para opor Necessidade de seguranqa -+ lnexiste necessida- embargos. do juizo. de de seguranqa do juizo. Momenta para apre- Ap6s a intimaqao da penhora, -+ · Ap6s a citaqao, no sentar embargos. . no prazo de 10 dias. prazo de 15 dias. Efeito suspensivo Embargos sempre recebidos -+ Embargos, em regra, dos embargos. com efeito suspensive. recebidos sem efeito suspensivo, sendo possivel a atribuiqao judicial de tal efeito. ------------- ------------------------········-···---- Com a nova estrutura, tendo em vista que os embargos devem ser apresentados quando o processo de execuqao ainda esta no inicio, tal soluqao tende, senao a eliminar, pelo menos a reduzir significativamente o uso disseminado de exceqoes de pre-executi- vidade, pelo menos no seu emprego habitual. ~ Alem disso, possibilita-se o prosseguimento da execuqao sobre os bens do execu-tado se este nao oferecer cau9ao id6nea ou nao fundamentar seus embargos em motivos que, para o juiz, justifiquem a suspensao da execuqao. Examinemos, particularmente, a nova redayiio do art. 736, de acordo com a Lei 11.382/2006. E corrente, na doutrina, a ideia de que os embargos a execu9ao constituem a9ao de conhecimento, incidente e aut6noma, em relaqao a aqao de execU<;ao-' Embora pareqa-nos 1 Cf. tambem o que escreveu, a respeito, urn dos autores dos presentes estudo, Jose Miguel Garcia Medina, (Execuqao civil, 2002, item 4.8.3.). Sabre os requisites eo efeito suspensive dos embargos do executado: OS EMBARGOS A EXECU(;AO DE TiTULO EXTRAJUDICIAL 75 inegavel que esta tenha side a opqao do legislador, pensamos, tambem, que hii situaqoes em que nao h3 razao alguma para que os embargos sejam assim considerados, e que, embora tratados como "a9ao" pelo C6digo, as embargos mais se assemelham a um mero incidente processual. Neste passo, interessa-nos identificar os motives que justificaram a adoqao da estrutura adotada pelo CPC brasileiro, fazendo com que convivam, paralelamente, duas aqoes distintas: a aqao de execuqao e os embargos do executado. 0 principia da autonomia entre cogniviio e execuyiio inspirou o legislador a desenhar o processo de execu9ao na versao original do CPC de 1973. A conseqliencia mais evidente da adoqao deste principia reside na positivaqao de regras que exibem a concepqao de que os processos de conhecimento e de execuqao seriam "puros", isto e, de que nao se deveriam realizar atos executivos no curso do processo de conhecimento, bem como nao deveria haver atos cognitivos sabre a existencia da obrigaqao no processo de execu9ao 3 Argumenta-se, em favor da adoqao do principia, que as atividades operadas nos dois processos sao bastante distintas,' o que aconselha que se desenvolvam em processos diversos-' 0 juiz, de todo o modo, seja na execu9ao de titulo extrajudicial, seja na de titulo judicial, deveria ser considerado mero "exec~tor", e se deveriam afastar ao maximo as possibilidades de defesa do executado no curso do processo de execuqao, qualquer que fosse a natureza do titulo executivo Qudicial ou extrajudicial). Como afirmava Liebman, "se o devedor pretende provocar uma decisao, cabe-lhe propor uma aqao chamando o juizo o credor''.6 Como cora/aria desta concepqiio, tem-se que as eventuais defesas que o execu- fado live sse a opor deveriam ser apresentadas em processo distinto, no dire ito brasi/eiro chamado de embargos. 3 . Par outre lado, a atividade realizada pelo juiz como fim de conferir se h8 titulo executive e atividade cognitiva, embora a cogniy3o, nesse case, nao se realize com o intuito de declarar se o exeqUente tern o direito material que subjaz ao titulo. 0 mesmo pode-se dizer quanta a atuac,:ao do juiz em re!ac,:ao a averlguaqao da validade dos atos executives. Como corretamente asseverou Kazuo Watanabe, ''inexiste ac,:ao em que o juiz nao exen;a qualquer esp8cie de cogniy3o" (Da cogniqao no processo civil. 2. ed. Bookseller, n. 7.1, p. 37). No mesmo sentido, cf. tamb8m, Pontes de Miranda, Coment8rios ao C6digo de Processo Civil. 10. ed. Forense, t. I, p. 7i; Celso Neves, Comentarios ao C6digo de Processo Civil. 7. ed. Forense, v. VII, p. VII; Candido Rangel Dinamarco, Execuqao civil. 6. ed. Malheiros, n. 101, p. 173-174. 4 Afirma Araken de Assis que "ha !nequ!voca incompatibHidade funcional na convivencia de atos executives com atos de indole diversa, simultaneamente, na mesma estrutura (processo). Esta 8 a ideia fundamental pasta a base dos embargos do executado" (Manual da execuqao, 10 ed. RT, n. 482. p. 1047). Depois de apontar as diferent;as entre as atividades cognitlvas e executivas, escreve Enrico Tu!llo Liebman que "€:, pols, natural que a cognh;ao e a execw;;ao sejam ordenadas em dois processes distintos, construidos - , r '"'··'·-·--·''---''··-¥---"ln~~~ .... --,.,,..;"'"'v~'>l""''""'"' 76 JURiS PLENUM. Ano Ill· Numero 14. maryo de 2007. Doutrina Na versao original do CPC de 1973, a tutela jurisdicional executiva realizava-se, quase que exclusivamente, de acordo com o modelo previsto no Livro II do CPC, tendo o Codigo estabelecido a unificaqao procedimental das a96es executivas, impondo-se o mesmo procedimento para as aqoes de execuqao fundadas tanto em titulos executivos judiciais quanta extrajudiciais,7 distinguindo-se, apenas, as materias que poderiam ser arguidas nos embargos a execuqao fundada em titulo judicial (CPC, art. 7 41, na reda9ao anterior a Lei 11.232/2005)8 e em titulo extrajudicial (CPC, art. 745, antes da reforma da Lei 11.382/2006). Desse modo, assim como a execu9ao fundada em titulo extrajudicial, tambem a execu9ao da senten9a e, de acordo com a versao originaria do CPC, realizada em processo aut6nomo e, portal razao, as defesas que o executado poderia opor a execuyao deveriam ser apre~entadas em a9ao de conhecimento distinta da a9ao de execu9ao. Com a reforma da Lei 11.232/2005, a execw;ao de senten9a pode ser oposta impugnaqao, regulada nos arts. 475-Le 475-M do CPC, que nao se desenvo/ve de modo procedimenta/mente aut6nomo, tal como ocorria com os embargos a execuqao de sentenqa. Ao os; ao a execu ·o, na sistematica implantada pela Lei 11.232/05, realiza-se inciden· talmen e no e o rocedimento ue estao sendo realizados os atos executivos-' A natureza aut6noma dos embargos a execuqao de titulo extrajudicial (arts. 736 ss.), consoante se observou acima, decorre, antes, de opqao do legis/8dor, que expressa- mente afastou a possibilidade de, no proprio processo executivo, haver discussao acerca da existencia ou inexistencia da divida. T rata-se de opqao que foi mantida, com a reform a da Lei 11.382/2006: ajuizados !Jos embargos, estes serao distribuidos por dependencia a a<:;ao de execuqao e autuados em apartado (cf. nova reda9ao do art. 736, paragrafo unico). 1 Cf. item 21 da Exposiyao de Motives do C6digo de Processo Civil, de 1973, em que se ressalta que "sao evidentes as vantagens que resultam dessa unifica98o". Esta modifica980 fol considerada urn avan9o, em re!a9ao ao C6digo de "1939, e, como se afirmou na doutrlna, "Urou o direito brasHeiro, sob esse aspecto, de urn atraso de seculos com relayao aos sistemas europeus" (Candido Rangel Dina marco, Execur;8o civil, n. 38, p. 83). 8 Tratamos das altera<;Oes decorrentes da Lei 11.232/2005 no nosso Breves coment8rios a nova sistematica processua/ civil - 2, RT, 2006. \ , 9 Nao queremos com isso dizer, contudo, que, no case, se esta diante de mero incidente do processo, tal como ocorre, p. ex., como pedido de assistencia (art. 50), a impugna9ao ao valor da causa (art. 261), a exceyao de-incompetencia (art. 307), etc. N8o obstante a impugnaif8o a execuy<I10 tenha inegavel funyao I de defesa do executado, reahzada incidentalmente, no curso da fase executiva do processo, pede assumir a forma de ayao, exatamente comoocorria com as embargos do devedor na reda<;3o anterior do art. 741 4 j do CPC, embora, agora, a luz da Lei 11.23212005, nao em procedimento aut6nomo. Assim, a impugna9ao a · ) execuyao referida nos arts. 475-L e 475-M tambem pode ter natureza de aq8o de conhecimento (ainda que I movida incidental mente, no curso da execw;:ao realizada nos termos dos arts. 475-J ss.). Par outro lado, OS EMBARGOS A EXECU(AO DE TiTULO EXTRAJUDICIAL 77 lmportante inova9ao foi a supressao do requisito da "seguranga do juizo", a que, antes, se referia o art. 737, revogado pel a Lei 11.382/2006. De acordo com a nova red a gao do art. 736, caput, o executado podera opor embargos "independentemente de penhora, deposito ou caugao". Por outro lado, o executado pode opor-se a execuqao no prazo de 15 (quinze) dias, "contados da data da juntada aos autos do mandado de citagao". Segundo pensamos, tal altera9ao elimina, praticamente, a utilidade do manejo da exce9ao de pre-executividade, no inicio do desenvo/vimento do processo de execw;:ao. Com efeito, dentre as principals raz6es apresentadas pela doutrina e pela jurisprudencia para justificar a admissibilidade da exce9ao (ou obje9ao) de pre-executividade, encontra- se, como se sabe, a ideia de que seria injusto submeter os bens do executado a penhora para, so depois, possibilitar-lhe a alegagao de pagamento, de nulidade do titulo, etc. 10 Com a reforma da Lei 11.382/2006, o manejo da exce9ao de pre-executividade na execu9ao de titulo extrajudicial tende a reduzir-se, ja que, como se disse, os embargos a execu9ao deverao ser oferecidos no prazo de 15 dias, "contados da data da juntada aos autos do mandado de cita9ao" (art. 738, caput), independentemente de penhora (art. 736, caput). Nada impede, portanto, que o executado argua qua/quer materia de defesa nos embargos a execuqao (cf. art. 7 45, cuja redaqao tambem foi a/terada pel a referida Lei), que poderao ser recebidos com efeito suspensivo, se presentes as circunstiincias mencionadas no art. 739-A, § 1'. Ainda assim, contudo, em hipoteses excepcionais, sera possivel o manejo de excegao de pre-executividade nas execuq6es de titulo extrajudicial. Por exemplo, na · jurisprudencia ja se admitiu que a ausencia de titulo executivo possa ser arguida apos o momenta processua/ adequado para a apresentaq!io de embargos, 11 ou, ate mesmo, e ap6s a rejeiqao de embargos, enquanto estiver em curso a agao de execuyao, "vez que a questao nao esta sujeita a preclusao". '' Mais recentemente, decidiu-se que e "admissivel o questionamento sobre as condi96es da agao mediante excegao de pre-executividade, se o tema nao foi objeto de discussao nos embargos do devedor ja opostos"-" _ Ve-se, assim, que continua possivel o manejo de exce9ao de pre-executividad~ no processo de execuqao de titulo extrajudicial, com o intuito de alegarem-se materias a respeito das quais nao tenha ocorrido preclusao, ainda que ja se tenha exaurido o prazo para a apresentaqao de embargos. De todo o modo, incidem, no caso, as disposiq6es constantes dos arts. 22 e 267, § 3', 2a parte, ex vi do art. 598 do Codigo. 1 ° Cf., a respeito, amplamente, Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentenqa, 6. ed. RT, 2007, n. 3.2.4; Jose Miguel Garcia Medina, Execuqiio civil, RT, 2002, n. 19.3. " 1' TACivSP, 11' C., Agln 803630-6, Rei. JuizAry Bauer, i- 24.08.1998, RT7621282. :~ ~~J. 3' T., REsp 442448/SP, Rei. Min. Castro Filho, j. 25.03.2003, DJU 07.04.2003, p. 282. ? r· fJ ;t ft ~!£ ~ y; §:' ~ f~' f ' ~ JURIS PLENUM- Ano Ill - Numero 14- mar<;o de 2007 - Doutrina No caso de execuc;;ao de sentenc;;a, foi mantida a penhora como condic;;ao para a apresentac;;ao de impugnac;;ao (cf. art. 475-J, § 1', na redagao da Lei 11.232/2005). Diante * J disso, parece-nos correto entender que a excec;;ao de pre-executividade continua admis- sivel, e muito provavelmente continuara a ser utilizada na pratica, antes da realizagao da penhora, nos casas em que falte algum dos requisites para a execugao da sentenc;;a. 0 paragrafo unico do art. 736 faz remissao expressa ao disposto no§ 1' do art. 544, que estabelece que "as copias das pec;;as do processo poderao ser declaradas autenticas pelo proprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal". Curiosamente, a propria Lei 11.382/2006 inseriu o inc. IV no art. 365, segundo o qual "as copias reprograticas de peyas do proprio processo judicial poderao ser declara- das autenticas pelooproprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal, se nao lhes for impugnada a autenticidade". Trata-se, como se percebe, de regra mais abrangente que aquela estabelecida no § 1' do art. 544, razao pela qual a remissao inserida. no paragrafo (mica do art. 736 e, a rigor, desnecessaria. 0 art. 740 foi alterado pela Lei 11.382/2006, passando a·nova redayao do caput do artigo a compreender a disciplina antes estabelecida tambem no paragrafo unico da redagao anterior. A (mica alte!agao procedimental de relevo consiste na ampliagao do prazo para a manifestagao do exequente sabre os embargos do executa do, de 10 ( dez) -r> para 15 ( quinze) dias. Refere-se agora o caput a tentativa de conciliagao, o que, a despeito da inexistencia de mengao expressa na redac;;ao revogada, podia ser inferido em razao de aplicagao supletiva das normas referentes ao processo de conhecimento (cf. arts. 331 c/c art. 598).14 2. VISAO GERAL DA REFORMA, QUANTO A ADMISSIBILIDADE E AOS EFEITOS DOS EMBARGOS A red a gao anterior do art. 739 tratava de dois temas: 1 ') hipoteses em que os em- bargos devem ser indeferidos liminarmente (caput); 2') efeito suspensive dos embargos (§§ 1' a 3°). Com a reforma da Lei 11.382/2006, o art. 739 ficou r~to ao tratamento das situa- goes em que os embargos devem ser indeferidos liminarmente. A disciplina do efeito sus- pensive dos embargos, par sua vez, passou para o art. 739-A, inserido pela mesma Lei. 0 § 5' do art. 739-A, contudo, versa tambem sabre o indeferimento liminar dos embargos, razao pela qual, segundo pensamos, tal disposigao deveria ter sido inserida pela Lei 11.382/2006 no corpo do art. 739, como um quarto inciso ou um paragrafo. De todo o modo, nao obstante tal regra tenha sido alocada como um paragrafo do art. 739-A, OS EMBARGOS A EXECU<;:Ao DE TiTULO EXTRAJUDICIAL 79 nao deixa de ser, como se disse, mais uma hipotese em que os embargos podem ser liminarmente indeferidos. Da nova redagao do art. 739 foi excluida a hipotese de indeferimento dos embargos "quando nao se fundarem em algum dos fatos mencionados no art. 7 41 ", ja que tal red a gao referia-se aos embargos a execugao de sentenga.15 Com a reforma da Lei 11.232/2006, a execugao de sentenga podera o executado opor impugnaqao, admissivel nos casos descritos no art 475-L Ao art. 739 foi acrescentada, por outro lado, nova hip6tese de indeferimento dos embargos, que ocorre quando estes forem manifestamente protelatorios. Examinemos as novas hipoteses de indeferimento liminar dos embargos a exe- cugao. 3. INDEFERIMENTO LIMINAR DOS EMBARGOS A EXECUc;Ao, NOS CASOS DESCRITOS NO ART. 739 De acordo como inc. I do art. 739, os embargos serao indeferidos "quando intem- pestivos".16 Como se observou antes, o prazo para oposigao de embargos, de acordo com a nova redagao do art. 738, e de "15 (quinze) dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citagao". Assim, de acordo como modelo estabelecido pela Lei 11.382/2006, o momenta processual adequado para a apresentagao dos embargos nao tern mais ligagao com a "seguranga do juizo" a que se referia o revogado art. 737, sendo os embargos admissiveis independentemente de penhora, deposito ou caugao (cf. nova redagao do art. 736, de acordo com a mesma Lei). Nesse contexto, o executado e citado, em conformidade com a nova redagao do art. 652, caput,apenas para adimplir a obrigagao constante do titulo executive. Feita a citagao, devera o oficial de justiga providenciar a imediata devolugao da primeira via do mandado, para que esta seja juntada aos autos e, com isso, tenha inicio o prazo de 15 dias para a apresentagao de emb<¥gos a que se refere o art. 738, caput-" v ;~ 15 -Atualmente, com a reforma da Lei 11.23212006, o art. 741 refere~se apenas aos embargos 8 execu~ao de sentent;a contra a Fazenda PUbHca. De todo o modo, caso a embargante apresente fundamentos diversos dos referidos no art. 741, deverao os embargos ser indeferidos, a despelto da altera9ao do inc. II do art. 739, comentada no texto. 16 _ Nao houve, substancialmente, altera9ao em rela980 a reda9ao anterior, que se referia a embargos "apresentados fora do prazo legal". 17,...; - . 80 JURIS PLENUM- Ano Ill - Numero 14- maryo de 2007- Doutrina Tendo em vista que, como se disse, a "seguran9a do juizo" nao tern mais qualquer relayao com o estabelecimento do termo a quo do prazo, os incisos do art. 738 foram revogados, em bora, como se vera adiante, nem todos os novas dispositivos \ega is leva ram em conta este fen6meno. Os §§ 1° e 2° do art. 738 seguem o principia segundo o qual o prazo para cada urn dos executados opor embargos e aut6nomo, tal como ocorria antes da Lei 11.38212006. Assim, de acordo como§ 1° do art. 738, sendo varios os executados, o prazo para a apresenta9ao de embargos conta-se da juntada do respectivo mandado citat6rio, "salvo tratando-se de c6njuges"; par outro \ado, tendo em vista que os embargos constituem a9ao distinta da de execuyao, nao incide, aqui, a regra de contagem do prazo em dobro para "falar nos autos",~ que se refere o art. 191 (cf. § 2° do art. 738). 0 § 1° do art. 738 excepciona, expressamente, como se mencionou, a contagem do prazo para embargar quando da cita9ao de c6njuges. Em razao da expressa exce9ao legal, aplica-se, subsidiariamente, a regra constante do art. 241, Ill, contando-se o prazo da data da juntada aos autos do ultimo mandado cumprido. Tal regra, segundo nosso entendimento, somente incide quando os conjuges ocu- pam, desde o inicio, o: polo passivo da relaqao juridico processual, is to e, quando entre os c6njuges formar-se litiscons6rcio passivo originario, no processo de execu9ao. 0 mesmo nao ocorre, contudo, quando se forma litiscons6rcio passivo ulterior (ou superveniente) entre c6njuges, no processo de execu9ao, na hip6tese prevista no novo § 2° do art. 655, norma esta equivalente ao paragrafo unico do art. 669, revogado pela Lei 11.382/2006. Na vigencia do art. 669, paragrafo unico, preponderava na jurisprudencia o entendi- mento de que, "incidindo a penhora sabre bern im6ve\, o prazo para oferecer embargos do devedor come9a a correr a partir da juntada aos autos da ultima intima9ao feita a urn dos c6njuges".18 Para parte da doutrina, com a penhora de im6vel, formar-se-ia litiscons6rcio necessaria entre os c6njuges. 19 Este raciocinio- formula do em uma epoca em que a penhora marcava o termo a quo do prazo para oporem-se embargos- e inaplicavel, segundo pensamos, para so\ucionar "ST J, REsp 681266/0F, Rei. Ministra Nancy Andrighi, 3' I,julgado em 02.06.2005, OJ 01.07.2005. p. 530. No mesmo sentido, STJ, REsp 42364/RS, Rei. Min. Costa Leite, 3' 1:, julgado em 18.08.1998, OJ 09.11.1998. p. 83; ST J, REsp 156678/SP, Rei. Ministro Eduardo Ribeiro, 3' 1:, julgado em 04.11.1999, OJ 07.02.2000. p. 154; STJ, REsp 256.187/SP, Rei. Ministro Castro Filho, 3'1:, julgadoem 11.10.2005, OJ 07.11.2005. p. 254; STJ, REsp 328635/GO, Rei. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4' 1:, julgado em 12.03.2002, OJ 20.05.2002. p. 150. 19 Nesse sentido, Humberto Theodora JUnior, Comentarios ao C6digo de Processo Civil, v. VI, Forense, n. 332, p. 479-480; Ernane Fidelis dos Santos, Manual de direito processual civil, v. 2, 10. ed. Sara iva, 2006, n. · ~ · .,_,- -- =· ·-=---· . ..l:..n .... :.-. <::T 1 oc::.,,., 1~1 ')f~n RPI Mini~trn S<'ilvio de Fiaueiredo OS EMBARGOS A EXECU(:AO DE TiTULO EXTRAJUDICIAL 81 o impasse criado entre § 2° do art. 686 e o § 1 o do art. 738, ambos na reda9ao da Lei 11.382/2006. E que o executado originario, como se viu, deve opor embargos em quinze dias, contados da juntada aos autos do mandado de cita9ao (art. 738, caput). Quando da oca- siao da oposi9ao de embargos, pode ocorrer- e e provave\ que isto ocorra na maioria dos casas- que nenhum bern do executado tenha sido penhorado, ou, talvez, que ten ham sido penhorados outros bens, nao im6veis, nao permitindo a incidencia do§ 2° do art. 686. Pode ocorrer que, posteriormente, haven do penhora de im6vel e sendo necessaria a intimayao do c6njuge do executado (§ 2° do art. 686), os embargos apresentados pelo executado origimirio poderao encontrar-se tramitando em lase adiantada ou, ate, ja terem sido rejeitados. Neste caso, havendo penhora sabre im6vel, e intimando-se o c6njuge do executa- do originario, nao se podera tolher, evidentemente, o direito que este tern de apresentar embargos, 20 bern como nao se pod era tornar sem efeito os embargos ja apresentados pe\o executado originario. Assim, como o executado originario ja apresentou seus embargos, nao incide, na hip6tese, o disposto na parte final do§ 1° do art. 738. Conclui-se que; (a) o prazo para a apresenta9ao de embargos e comum, contando-se da juntada do ultimo mandado de cita9ao devidamente cumprido, nos casas em que os c6njuges sao originariamente executados, incidindo o § 1°, in fine, do art. 738; (b) o prazo para a apresenta9ao de embargos e aut6nomo, contando-se da jun- tada de cada urn dos mandados de cita9ao, nos casas em que apenas urn dos c6njuges e citado, originariamente, como executado, e o outro somente passa a integrar o polo passivo da execu9ao em razao da penhora de im6vel, nos termos do art. 686, § 2°, acima comentado. Em se tratando de cita9ao por carta precat6ria, estabelece o § 1 o do art. 738 que "a cita9ao do executado sera imediatamente comunicada pelo juiz deprecado ao juiz de- precante, inclusive par meios eletr6nicos, contando-se o prazo para embargos a partir da juntada aos autos de tal comunicayao". Trata-se de medida que indubitavelmente tende a agilizar esta lase do processo de execu9ao. Perdeu a Lei 11.382/2006, no entanto, a oportunidade de alterar tambem o inc. IV do art. 241, que trata, de modo mais amplo e aplicavel a todas as demais modalidades de processes, da cita9ao par carta precat6ria. De todo o modo, o § 3° do art. 202, na reda9ao da Lei 11.419/2006, estabelece que a carta precat6ria "pode ser expedida por meio eletr6nico, situa9ao em que a assinatura 20 ~p6s a intimar,:ao, o c6njuge do executado origin8r!o tambem passa a ser tratado como executado, tendo r_j·. ( 82 JURIS PLENUM -Ano Ill- Numero 14- mar,o de 2007- Doutnna do juiz devera ser eletr6nica, na forma da lei". A soluyao do§ 1° do art 738, assim, tende a ser absorvida pelos mecanismos implantados pela Lei 11.419/2006, de que tratamos em outro trabalho, 21 em rela(:ao a informatizayao do processo judiciaL Segundo pensamos, tendo os embargos sido apresentados fora do prazo legal, o juiz devera ater-se ao conteudo dos embargos, antes de, simplesmente, indeferi-los limi- narmente. Assim, (a) se os embargos intempestivos versarem materia de ordem publica, que deve ser conhecida ex officio pelo juiz da execuyao, a respeito da qual nao se opere a preclusao, devera o juiz conhecer de tal materia, a despeito da intempestividade dos embargos; (b) se os embargos, embora apresentados intempestivamente, veicularem conteudo de a9ao de conhecimento, devera o juiz indeferir seu processamento como embargos, admitilldo tal demanda, contudo, como aqao aut6noma. Nesse sentido decidiu com acerto o Superior Tribunal de Justi9a, em ac6rdao rela- (tado pelo Min. TeoriAlbino Zavascki:"Embargos a execu9ao, visando ao reconhecimento F, da ilegitimidade do debito fiscal em execu9ao, tem natureza de a9ao cognitiva, semelhante l··j· ada a(:ao anulat6ria aut6noma. Assim, a rigor, a sua intempestividade nao acarreta neces-::. sariamente a extin(:ao- do processo. lnterpretayao sistematica e·teleol6gica do art. 739, I, '· ( do CPC, permite o entendimento de que a rejeiyao dos embargos intempestivos nao afasta \% a viabilidade de seu recebimento e processamento como ayao aut6noma, ainda que sem a eficacia de suspender a execuyao. Esse entendimento e compativel como principia da instrumentalidade das formas e da economia processual, ja que evita a propositura de outra ayao com identicas partes, causa de pedir e pedido da anterior, s6 mudando o nome (de embargos para anulat6ria)". 22 Significa, por outro lado, a incidencia do iura novit curia. Ap6sa reforma da Lei 11.382/2006, esta orienta(:ao se justifica pormais uma razao: os embargos, a tear do que dispoe o art. 739-A, nao tem efeito suspensive, em regra. De acordo com o novo inc. II do art. 739, os embargos serao indeferidos "quando inepta a petiyao (art. 295)". Segundo pensamos, melhor era a redayao revogada do inc. Ill do mesmo artigo, segundo a qual os embargos deveriam ser indeferidos "nos casas previstos no art 295". E que, diversamente do que sugere o inc. II do art. 739, em sua nova reda9ao, nem todas as hip6teses contidas no art. 295 dizem respeito a inepcia, mas apenas aquelas referidas no paragrafo unico deste mesmo artigo. Como, de todo o modo, no direito brasileiro os embargos do executado sao trata- dos como a9ao de conhecimento aut6noma e incidental, e natural que se lhe apliquem, no que couber, as regras relativas a admissibilidade da peti9ao inicial a que se refere o art. 29523 21 Breves coment8rios a nova sistematica processual civil- 3, RT, 2007. OS EMBARGOS A EXECU<;:AO DE TiTULO EXTRAJUDICIAL 83 0 inc. Ill do art. 739 contem previsao nova, antes inexistente no direito brasileiro: a possibilidade de indeferimento dos embargos "manifestamente protelat6rios"-'4 Segundo pensamos, rigorosamente, os embargos nao podem ser indeferidos pelo fa to de, apenas e tao-somente, terem carater protelat6rio, mas, sim, se presentes algumas das circunstancias referidas nos arts. 295 ou 285-A (inserido pela Lei 11 .277/2006). Pod era ocorrer, p. ex., que o executado veicule nos embargos pedido juridicamente impassive! e de modo "manifestamente protelat6rio". Neste caso, os embargos serao indeferidos em razao da ausencia d~ condi(:ao da a<;ao (art. 295, paragrafo unico, Ill, c/c 739, II), e nao por serem protelat6rios. Ter carater "manifestamente protelat6rio", assim, e um plus, avaliado a luz do '1· comportamento do executado, que pode, ate mesmo, ensejar a incidencia de multa de,,, 20% (vinte por cento) a que se refere o paragrafo unico do art. 740.25 Com mais esta alterayao do art. 7 40, fica patente a preocupar;ao do legislador em impedir a pratica abusiva de atos processuais,26 em rela9i'io aos embargos a execu(:ao. E que as possiveis razoes que levam ao acolhimento dos embargos podem significar, para o litigante malicioso, uma porta aberta para malabarismos verbais, em que se pretende, p. ex., demonstrar a "injusti9a" da cobranya de determinada divida. Observe-se, por oportuno, que o paragrafo unico do art. 7 40 assemelha-se ao art. 187 do C6digo Civil, que estabelece, em um plano mais geral, os requisites necessaries a configurayao do exercicio abusivo do direito. Segundo estabelece o referido dispositive legal, "comete a to ilicito o titular de um direito que, ao exerce-lo, excede manifestamente 24 . H8, no entanto, referenda a atos processuais protelat6rios em outros dispositivos do C6digo (v.g., arts. 17, VII; 31; 130; 273, II; 538, paragraio unico; 995, II). 25 Cf. tambem arts. 600, II e 601 do C6digo. 26 Evidentemente, o problema do abuso do processo e universal. Michele Taruffo, em interessante texto de Direito Comparado, observa que muito freqUentemente atltudes enquadr3veis sob a denominayao "abuso" nao sao como tais previstas pela lei. Portanto, e importante que o estudo do Direito Comparado se centralize na natureza dos fen6menos analisados, e nao no nome que, circunstancialmente, lhes d8 a lei. Diz o autor: "Un altro problema che serge quando si cerca di definire l'abuso del processo e che i comportamentl abusivi sono spesso previsH e sanzionati da!la iegge, rna sotto denominazioni che non menzionano l'abuso'. Quindi ll problema e di occuparsi del fenOmeno reale attribuendo attenzione relativa ai nomi che esse assume, magrado il pericolo di estendere eccessivamente I' area dell'abuso del processo e di indudervi situazioni che possono non integrare abusi in sensa proprio. Se tuttavia si considerano come comportamenti abusivi solo a proposito dei quali Ia Iegge par!a espressamente di 'abuse', si corre il rischio opposto di rimanere com pochi esempi non interessanti. lnoltre, cosi facendo si lascerebbero probabilmente 'fuori della porta' mol!i casi rilevanti di abuse del processo {Hesse particolarmente chiaro ne! segnalare questa problema com riferimento alia Germania e all' Austria). D'altronde, vale !a pena di considerare che alcuni comportamenti che in civil law non sana esplicitamente definlti come abusi sana tuttavia qualificati come tali negli ordinamenti di cammon law. Questa e una buona dimostrazione del fatto che i nomi non dovrebbero essere considerati pill -·t "If 84 JURIS PLENUM- Ano Ill- Numero 14- marr;o de 2007- Doulrina os limites impastos pe\o seu lim econ6mico ou social, pela boa-le ou pelos bons costu- mes". Segundo pensamos, as bases estabelecidas pelo art. 187 do C6digo Civil devem ser observadas, para a averiguagao da ocorrencia ou nao de exercicio abusivo do direito a que se relere o CPC. Nota-se que o direito civil brasileiro, a semelhanga do direito portugues, que \he serviu de inspiragao (cl. art. 334 do C6digo Civil daquele pais), adota o criteria objetivo, funcionaf ou finafistico para que se possa aferir ter havido o exercicio abusivo do direito, segundo o qual, mais relevante que a intengao do agente, e a constatagao de que o direito subjetivo tera sido exercido de modo contrario a sua linalidade economica ou socia\.27 Assim, o abuso e verificavel objetivamente, isto e, desde que seja possivel avaliar externamente o ato realizado, e fim de discernir-se setal conduta e ou nao reprovavel, por destoar da boa-fe objetiva, dos bons costumes e do lim social ou economico do direito. Aadogao do referido criteria pela legislagao brasileira, antes de tudo, e uma medida de seguranga juridica, ja que evita que ocorra uma imprecisa e vaga val ora gao de inteng6es ou interesses que pod em haver movido aque\e que exerceu o direito. 28 De acordo com o art. 187 do C6digo Civil brasileiro, para que se considere haver exercicio abusivo do direito, o excesso deve ser manifesto, isto e, deve ser flagrante, indiscutiveL A exigencia de que se esteja diante de excesso evidente e presente tambem no C6digo Civil portugues (art. 334). De acordo com a doutrina daquele pais, nao losse assim, se criaria uma situagao socialmente insuportavel, com uma litigiosidade sem lim.19 Exige-se, por isso, que "o direito seja exercido 'em termos clamorosamente olensivos da justiga' "30 Algo similar ocorre, segundo pensamos, em relagao ao exercicio do direito refe- rido no art. 740, paragralo unico. Tambem neste caso exige-se que os embargos sejam 27 Cf., a respeito, Nelson Nery JUnlor e Rosa Maria de Andrade Nery, Cbdigo Civil anotado, 2. ed. Revista dos Tribunals, 2003. p. 255; Bruno Miragem, Abuso do direito, Revista dos Tribunals, v. 842, dez. 2005. p. 22; Fabio Pallaretti Calcini,Abuso do direito eo novo C6digo Civil, Revista dos Tribunals, v. 830, dez. 2004. p. 41; na doutrina portuguesa, nomesmo sentido, d. Fernando Augusto Cunha de Sa, Abuso do direito, A! medina, 1997, n. 60 ss., p. 465 ss.; Joao de Matos Antunes Varela, Oas obrigaqoes em geral, v. I, 10. ed. Almedina, n. 156, 2000. p. 545; Mario Julio de Almeida Costa, Oireito das obrigaqoes, 7. ed. Almedina. n. 5.3, 1999. p. 69. Como exp!ica J.M. de Carvalho Santos, "a denUncla, mesmo feita como intuito Unicode prejudicar, nao d3 Iugar a nenhuma indenizayao, se 8 julgada procedente" (C6digo Civil brast1eiro interpretado, 9. ed. Freitas Bastes, v. HI, 1963. p. 366). A investiga980 da inten980 do agente, assim, nao e caminho seguro para averigua98o da ocorrencia de exerdcio abusive do direito. 28 Nesse sentido, em relayao ao direito argentino, cf. Jorge Bustamante Alsina (Teorfa general de Ia responsabilidad civil, 9. ed. Abeledo-Perrot, 1997, n. 1223, p. 468). 29 Cf. Jose de Oliveira Ascensao (A desconsideraQ80 do abuse de direito, Revista de direito do Tribunal de '- ,-.,_..J_ ..J- n;- ,.J.., l~n.-..;~.-.. " :::;c: ')(lf'l~ n 1=\(1 <:.<::\ OS EMBARGOS A EXECU<;:AO DE TiTULO EXTRAJUDICIAL 85 "manifestamente protelat6rios". Nao losse assim, sempre que uma sentenga rejeitasse os embargos, haveria, ipso facto, exercicio abusivo do direito, o que o aniquilaria.31 Tendo em vista que o direito brasileiro filia-se a teoria objetiva do exercicio abusivo do direito, segundo o qual mais relevante que a intengao do agente e a constatagao de que o direito subjetivo loi exercido de modo contrario a sua finalidade econ6mica ou social, o abuso do direito de embargar, assim, e verilicavel cbjetivamente, isto e, desde que seja passive! avaliar, externamente, o ato realizado, a lim de discernir-se se tal conduta e ou nao reprovavel, por destoar da bo3-fe objetiva, dos bons costumes e do lim social ou econ6mico do direito. Devera o juiz, levando em conta tais aspectos, valorar a conduta do embargante, lixando, entao, multa de ate 20% (vinte por cento). Alem da hip6tese ora referida, a propria Lei 11.382/2006, inseriu outras modificag6es importantes, relativas ao tema, que permitem a imposigao de multa nao s6 ao executado, mas tambem ao exeqUente (cf. comentarios aos arts. 600, IV; 615-A, § 4°; 745-A, § 2°; 746, § 3°; todos na redagao da Lei 11.382/2006). Diante disso, estabelece o art. 739-B, tambem inserido pe\a Lei 11.382/2006, que a mu!ta ou a indenizagao estabe!ecida pe!o juiz devera ser compensada ou executada nos pr6prios autos- a semelhanga do que ocorre, por exemplo, na hip6tese prevista no paragrafo unico do art. 811' 4. INDEFERIMENTO LIMINAR DOS EMBARGOS, QUANDO FUNDADOS EM EXCESSO DE EXECU(fAO (ART. 739-A, § 5') De acorcto com o § 5' do art. 739-A, se os embargos lundarem-se em excesso de execugao, a petiqao de vera declarar o valor que o executado entende devido, "sob pen a de rejeigao liminar dos embargos au de nao conhecimento desse lundamento". Trata-se, 31 Segundo ensina Pontes de Miranda, comentando o art. 17 do CPC, "o que condenou, no texto legal, foi o abuso. A !iberdade de se defender em justi,a e essencial a propria liberdade de pensamento e de a,iio, sem a qua! a sodedade se envllece e regride. Onde a justi~a falha, a lnfe!icidade humana se insinua; onde se cerceia a defesa, estrangula~se a !iberdade humana, antes mesmo que a justi~a fa!he' (ComentBrios ao CPC. 5. ed. Forense, t. I, 1996. p. 358). Decidiu o ST J que "a promo~ao de execuyao, como regra geral, constitui exerdcio regular de direito, nao gerando obrigayiio de indenizar, ainda que reconhecida a falta de razao do exequente" (STJ, REsp 198.4281 SP, Rei. Minislro Eduardo Ribeiro. 3' l, julgado em 20.06.2000, OJ 21.08.2000. p. 122). No mesmo sentido, mais recertemente, cf. STJ, AgRg no Ag 704.019/0F, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 3' l, julgado em 08.11.2005, OJ 28.11.2005. p. 285. Afirma Antunes Varela que un§o basta que o exercicio do direito cause prejuizos a outrem. A reclama~ao do cr9dito pe!o credor abastado ao devedor em ma situayao econ6mica sera contr8ria aos interesses deste. f l hA~~ ~~ ---h··~ ..< ..... ,.. """~" h,..,, .... ~,<.. ,...,.., ,...~;,..,.,1..,;,.. .-.h,,,....., rlr. rlir,.,;;" ,,;<-tn .., '>lriht oi,-..:Jr. rln rlin:.i!f'l tr:=~rll17ir r~· 86 JUR!S PLENUM* Ano I! I~ NUmero 14 ~ mar9o de 2007- Doutrina portanto, de decisao que nao chega a analisar a procedencia do fundamento invocado, razao pela qual tal pronunciamento encarta-se no disposto no art. 267 (na redagao da Lei 11.232/2006). Com esta regra, passa-se a observar, tambem nos embargos do executado, o principia segundo o qual niio pode o devedor escusar-se de cumprir a parte incontrover- sa da obrigaqiio, o que consistiria em abuso do direito de defesa. Este mesmo principia autoriza a concessao de tutela antecipada, na hip6tese do§ 6° do art. 273 (na redagao da Lei 10.444/2002), em relat;ao a parcela incontroversa do pedido,32 e, mais recentemente, pelos arts. 49 e 50 da Lei 10.931/2004, que estabelecem, cor.1o condit;ao para a concessao e manutent;ao de liminares em favor daquele que obteve o credito imobiliario, que este de vera: 1 °) discriminar na petit;ao inicial os valores sobre os quais pretende controverter; 2°) continuar a pagar o valor tido por incontroverso'' Com tais reg'ras, o sistema juridico deixa claro que nao mais se tolera que o devedor deixe de adimplir a obrigagao tida par incontroversa, nao se permitindo que o devedor erie obstaculos injustificaveis a realizat;ao imediata do direito do credor. A semelhant;a do que decorre do § 5° do art. 739-A, ora inserido pela Lei 11.382/2006, e das outras hip6teses anteriormente existentes no direito brasileiro, em relat;ao a outras at;6es movidas por devedores, a jurisprudencia ja vinha dispensando tratamento semelhante, quanto as dividas denominadas "incontroversas".34 Tai se da na at;ao movida por devedor, com o intuito de retirar o registro de seu nome em cadastro restritivo de credito (Serasa, Seproc, SPC, etc.). Nesse caso, tem-se decidido que, sendo discutida apenas parte do debito, a liminar somente pode ser concedida se o devedor depositar 0 valor referente a parte tida por incontroversa.35 Os argumentos que fundamentam esta orientat;ao sao os seguintes: (a) o fato de o devedor ser protegido pelo C6digo de Defesa do Consumidor nao significa que o con- sumidor nao deva pagar suas dividas;36 (b) o simples fato de parte da divida estar sendo 32 A respe!to, cf., amplamente, o que escrevemos em Breves coment8rios a nova sistematica processual civH -1, 3. ed. RT, 2005. p. 165 ss. Cf. tambem, a respeito, Rogeria Dotti Doria, A tutela antecipada em reiaqiio iJ parte incontroversa da demanda, Sao Paulo: RT, 2000. p. 78-80 e 91-92; William Santos Ferreira, Aspectos po/l§micos e pr8ticos da nova reforma processual civil, Forense, 2002, n, 15.2, p. 200 ss. Sabre o tema, na doutrina ita!iana, cf. Romano Vaccarella, Bruno Capponi e Claudio Cecchel!a, fl processo civile dopa Ia riforma, Torino: G. Giappichelli, 1992. p. 117 ss., e bibliografia ali citada. 33 A respeito, cf. o que escreveu Luiz Rodrigues Wambier, Boa-fe objetiva e adimpiemento da obrigayao incontroversa: notas sobre os arts. 49 e 50 da lei 10.93112004, Revista dos Tribunals, v. 95, n. 846, abr. 2006. p.117-129. 34 Como adiante se vera, as soluy6es encontradas estao em absoluta conson3ncia como principia da boa-f€ objetiva, referido no art. 422 do C6digo Civil. 35 STJ, REsp 527618/RS, Rei. Ministro Cesar Asfor Rocha, 2' Seqao, julgado em 22.10.2003, DJ 24.11.2003. p. 214. Trechos da decis8o sao citados abaixo. 3ll "0 C6digo de Defesa do Consumidor veio em amparo ao hipossufic!ente, em defesa dos seus direitos, nao servindo, contudo, de escudo para a perpetua9ao de dlvidas" (REsp 527618/RS, trecho do vola condutor OS EMSARGOS A EXECU~AO DE TiTULO EXTRAJUDICIAL 87 discutida em juizo nao e fundamento para que o restante da divida naoseja adimplido;" (c) frequentemente, tais at;6es sao movidas apenas como intuito de impedir o credor de exigir o cumprimento da obriga<;ao, e nao, propriamente, de se discutirem eventuais vicios do contrato.36 Nesse sentido vem se manifestando a jurisprudencia mais recente.39 Similarmente, em rela9ao a at;ao de despejo fundada em lalla de pagamento (Lei 8.245/91, art. 62), e a jurisprudencia no senti do de que "a contestagao a at;ao de despejo por falta de pagamento apenas surtira efeito desconstitutivo do direito do locador se acompanhada do deposito da importiincia acaso tida como incontroversa" (Sumula 28 do extinto 2° TACivSP). Ou seja, "se o reu alega que seu debito e menor que o afirmado pelo autor, tem de depositar a parte incontroversa, para poder discutir a outra"40 Assim, caso o locatario, na contestaQao, nao deposite o valor lido por incontroverso, sujeitar-se-3 ao imediato despejo." Sao varios OS fundamentos deste principia: (a) lnexiste fundamento ou principia (moral, etico ou juridico) que justifique 0 nao cumprimento de obrigag6es nao controvertidas enquanto tram ita a a gao judicial'' A at;ao judicial nao pode ser empregada como mecanismo que justifique o descumprimento das obriga<;6es, ja que o processo existe para realizar o direito material, e nao para impedir a sua realizaqiio;" (b) 0 processo nao pode servir ao abuso de direito. Evidentemente, quanta mais demoraro processo, mais ele sera usado para par aquele que pode extrair disso vantagens econ6micas, ainda que nao tenha direito. 37 "N3o tern respaldo legal, no meu entender, obstaculizar o credor do registro nos cadastros de prote<;3o ao cr8dito apenas e t8o-somente pe!o fato de o d8bito estar sendo discutido em juizo, ainda que no afa de proteger o consumidor" (REsp 527618/RS, grifado no original). 38 Assim afirma o Min. Cesar AsforRocha, no julgado citado: "Devo registrar que tenho me deparado, com relativa freqU8ncia, com situag6es esdrUxulas e abusivas nas quais devedores de quantlas consider3veis buscam a revisao de seus d8bitos em juizo, que nada pagam, nada depositam e, ainda, postulam o impedimenta de registro nos cadastros restritivos de cnidito" (REsp 527618/RS, cit.; g.n.). 39 No mesmo sentido, cf., dentre outros. os seguintes julgados: ST J, REsp 662.358/PE, Rei. Ministro Jose Delgado, 1' T., julgado em 20.09.2005, DJ 17.10.2005. p. 184; STJ, REsp 608716/PE, Rei. Ministro Joao Otavio de Noronha, 2' T., julgado em 16.09.2004, DJ 25.10.2004. p. 308; STJ, REsp 725.761/PE, Rei. Ministro Castro Filho, 3' T., julgado em 01.09.2005, DJ 26.09.2005. p. 374; STJ, REsp 744745/SP, Rei. Ministro Jorge Scartezzini, 4' T., julgado em 24.05.2005, DJ 01.07.2005. p. 560. <.a Extinto 2'TACivSP, RT730/272. No mesmo seniido, mais recentemente: T JSP- Apelaqao Civel n' 710.587- 0/4- Sao Paulo- 28' Camara de Direito Privado- Relator Celso Pimentel-19.04.05- V.U.; T JSP- Apelaqao Civel n' 834859-0/2- Bauru- 26' Camara de Direito Privado- Relator Renato Sartorelli- 16.05.05- V.U.: TJSP- Apelaqao Civel n' 846.516-0/7- Barueri- 35' Camara de Direito Privado- Relator Artur Marques - 06.06 05- V.U. " ST J, REsp 201.237/RJ, Rei. Ministro Fernando Gonqalves, 6' T., ju!gado em 19.08.1999, DJ 06.09.1999. p. 146. 42 No mesmo sentido, Luiz G. Marinoni, Tutela antecipat6ria e jufgamento antecipado: parte incontroversa da demanda. 5. ed. RT, 2002. p. 130 ss. 43 -Aflrma Chiovenda que ~a necessidade de servir-se do processo para obter razao nao pode reverter em dana 1 ~ !;}1 88 JURIS PLENUM- Ano Ill- Numero 14- mar'o de 2007- Ooutrina Nesse contexto e que se insere o § 5° do art 739-A, pais, niio raro, o executado, a pretexto de discutir apenas sabre a parte excedente da execu<;iio, opoe embargos, sem definir com precisao o valor do excesso. Tal altera<;iio, assim, encontra-se em consonancia com os postulados mais modern as da legisla<;iio e da jurisprudencia: niio se neg a que o devedor tern direito de discutir sua divida ou clitusulas contratuais em juizo em embargos, mas o ajuizamento de tal a<;iio niio pode ser artificio que permita ao devedor deixar de cumprir suas obriga<;6es. E interessante notar, a prop6sito, que o exercicio abusivo da posi<;iio juridica de devedor e tambem alva de reprimenda, no direito civil brasileiro. 0 C6digo Civil de 2002 positivou, textualmente, vitrios principios juridicos que repercutem em todd o processo obrigacional, isto e, no inicio de sua formulaqiio, em sua conclusiio e em sua execuqiio. Nesse sentido, o art. 422 do C6digo estabelece, expres- samente, que "os contratantes sao obrigados a guardar, assim na conclusiio do contrato como em sua execu<;iio, os principios da probidade e boa-fil''. 0 principia da boa-fe objetiva e "uma norma de conduta que impoe aos participantes da rela<;iio obrigacional urn agir pauiado pela lealdade, pela considera<;iio dos interesses da contraparte".44 Esie dever, agora reconhecido no§ 5' do art. 739-A, importa na realiza<;iio pratica do principia da boa-fe objetiva, na fase de execu<;iio do contrato. Como explica Alvaro Vi\la<;a Azevedo, em raziio do principia da boa-fe objetiva devem os contratantes manter seu espirito de lealdade, "cumprindo suas obriga<;6es nos moldes pactuados, objetivando a realiza<;iio dos fins econ6micos e socials do contrata- do".45 0 principia da boa-fe objetiva tern desdobramentos no dever contratuaf de coope- raqiio. Na sociedade contemporanea, a inter-rela<;iio entre os membros da sociedade e acentuada, revelando o que a doutrina moderna denomina de "rede de rela<;6es". 46 lsso significa que: (a) Quem faz contratos estabelece clitusulas e condi<;6es de acordo com a conduta esperada da outra parte, que deve coincidir com a conduta devida, de acordo com uma dada ordem juridico-econ6mica; "Cf. Judith Martins-Costa, Comenlilrios ao novo C6digo Civil, v. V. Forense, t. II, 2003. p. 33. Ha obra especffica da autora sabre o tema, intitulada A boa-re no direito prlvado (RT, 2000), na qual o ass unto e tratado aprofundadamente. Cf. tambem, a respeito,Antunes Varela, Oas obriga96es em gera/. 10 ed. Coimbra: Almedina, v. 1, 2000. p. 125. ~5 0 novo C6d1go Civi! brasHeiro: tramitar;ao; funr;ao social do contrato; boa-te objetiva; teorla da imprevis3o e, em especial, onerosidade excessiva (/aesio enormis). !n: ALVIM, Arruda; CtSAR, Joaquim Partes de Cerqueira; ROSAS, Roberto (Coord.). Aspectos controverlidos do novo C6digo Civil: escritos em homenagem · ·'-•-- '--.!. ~"'~~1-,.. ~~ ....... ,..,; .. .., i\hra<- PT ')(\(\~ n 'V:; OS EMBARGOS A EXECU<;AO DE TiTULO EXTRAJUDICIAL 89 (b) Coincidindo as condutas esperada e devida, valoriza-se a confian<;a que urn contraente desperta no outro47 A legitima confian<;a e uma das bases fundamentals da ordem juridico-contratual moderna. Por isso, as normas tendem a impor as partes uma conduta etica, por via da coer<;iio juridica'' A confian<;a, assim, e postulado etico protegido juridicamente, corno se extrai do art. 422 do CC; (c) 0 contrato e fator econ6mico e social (CC, art. 421), que materializa a "rede de rela<;6es". Assim, "tudo o que ocorre relativamente a urn contrato tera, for<;osamente, repercussao em outros casas que digam respeito ao mesmo tipo de contrato. Essa e apenas uma das consequencias da nova sociafidade do contra to" 49 Compreende-se, assim, que, caso se permitisse aquele que discute apenas uma parte da obrigagiio executada deixasse de cumprir o todo, se romperia o principia da boa-fe objetiva. Com efeito, o comportamento da parte que se vale do processo judicial para, a pretexto de discutir parte da divida, deixar de curnprir integralmente sua obrigagiio, consiste em urn exercicio abusivo de uma posi<;iio juridica, que deve ser reprimido pelo Poder Judiciario.50 Nota-se, assim, a confluencia entre o principia ora analisado e a solu<;ao adotada pelo
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