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comtrole judicial das politica

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'lutorizados a 
medicamentos especiais 
mentos 
Ou ainda, poderhlm 
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SUMARIO 
INTRODU(:AO ................................................................................................ 17 
CAPITULO 1: A FUNI;AO JUDI<;IAL NO EST ADO CONSTITUCIO-
NAL E DEMOCRAT! CO DE DIREITO........................... 25 
1.1 Os limites da atividade judicial na perspectiva de Ronald Dworkin...... 31 
1.2 Jmisdic;ao e democracia no Brasil a partir da concepc;ao de Habermas.... 37 
!3 Os limites da atividade judicial na concepc;ao de John Ely.................... 44 
!A Argumentos de fundamentac;ao e adequac;ao: legitimidade das deci-
soes judiciais sob a 6tica de Klaus GUnther ..................................... ,.... 51 
!5 Justic;a distlibutiva x Justic;a corretiva.................................................... 55 
1.6 lnterpretac;ao e aplicac;ao das leis pelos jufzes ....................................... 60 
1.7 A func;ao politica da atividade judicial.................................................. 64 
1.8 Govemabilidade e intervenc;ao judicial: os jufzes governam? .............. 69 
CAPITULO 2: A A TIVIDADE LEGIS LA TIYA E ADMINISTRA TIV A 
DOPODERJUDICIARIO.................................................. 75 
2.1 Discticionariedade legislativa e judicial................................................ 81 
2.2 Limites da atividade Iegislativa do Poder Judiciatio.............................. 82 
2.2.1 Distin<;ao entre direitos subjetivos publicos e interesses jutidica-
mente protegidos ........................................................................ 83 
2.2.2 R~quisitos especificos da atividade legislativa do Poder Judi-
ctano .......................................................................................... 87 
2.3 Naturezajuridica da sentenc;a normativa ............................................... 88 
2.4 Atividade legislativa especffica em substituic;ao da atividade normati-
va do Poder Executivo ........................................................................... 95 
2.4.1 Atividade regulamentadora com efic6.cia externa....................... 97 
2.4.2 Omissao Nom1ativa do Poder Legislativo e A>iio Civil Publica ... I 0 I 
2.4.3 Atividade legislativa no controle gen61ico da execuc;ao das po-
liticas sociais............................................................................... I 03 
14 Eduardo Appio 
2.5 A atividade administrativa do Poder Judiciario ..................................... 104 
2.5.1 Discricionariedade administrativa e discricionariedade polftica: 
Atos administrativos x Atos politicos ........................................ 106 
2.6 0 controlejudicial do conteudo dos atos admin.istrati,·os...................... 109 
2.6.1 Controle da discricionariedade administrati,·a............................ 113 
2.6.2 A vincula<;iio da Adm.inistra<;iio PUblica aos principios consti-
tucionais ................................................................. :.................... 120 
2.6.3 A questao dos conceitos jurfdicos indeterminados ..................... 123 
2.6.4 Discricionariedade e motiva~ao dos atos administrativos........... 128 
CAPITULO 3: AS POLITICAS PUBLICAS CONTROLADAS ATRA-
VES DO PODER JUDICIARIO.......................................... 133 
3.1 Controle judicial das politicas publicus e neoliberalismo ...................... 137 
3.2 A doutrina das quest6es politicas (Political Questions Doctrine).......... 140 
3.3 As politicas publicas eo Estado contemporaneo ................................... 142 
3.4 Controle judicial das politicas publicus eo principia da separa<;iio dos 
poderes ... ...... .... ........... .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . ...... .. ... ... ......... ........ ........ 148 
3.5 Controle judicial da formula<;iio de polfticas publicas .......................... 151 
3.5.1 Argumentos jurfdicos contr:irios a uma interven9ao do Poder 
3.6 
Judiciario .................................................................................... 152 
3.5.2 0 Judiciario como Superpoder.................................................... 155 
3.5.3 A democracia pmticipativa e o processo de formular;ao de po-
liticas publicus ........................................................................... 157 
3.5.4 Conselhos deliberativos e atividade administrativa: a democra.: 
cia participativa .......................................................................... 159 
Controle judicial da execu<;ao de polfticas publicas .............................. 167 
3.6.1 Programas sociais nao previstos na Constitui,ao e na lei .......... 168 
3.6.2 Politica social prevista de modo especifico na Constitui<;iio: 
execw;ao de decisOes judiciais que detenninam o aumento das 
despesas publicas ........................................................................ 169 
3.6.3 Politica social prevista em lei......................... ............................ 171 
3.6.4 Polftica social atraves de uma atua~fio negatiYa.......................... 172 
3.6.5 Prote<;iio de direitos fundamentais .............................................. 173 
3.6.5.1 0 Principia da lsonomia e a "Resen·a do Passive]"....... 174 
3.6.5.2 A Lei Or~amentitria Anual e a "reserYJ. do possfvel": a 
questiio dos creditos suplementares ································· 179 
3.6.5.3 As polfticas sociais como pressuposto do atendimento 
das necessidades individuais do cidadao......................... 182 
3.6.5.4 0 direito fundamental a salide 
3.6.5.5 0 direito fundamental a educa<;iio .................................. . 
184 
189 
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Controle Judicial das Politicas Publicas no Brasil 15 
''.../ 
3.7 Controlejudicial das politicas economicas............................................ 192 ~ 
3.7 .l Constlu9fio de obra pUblica ou presta9fio de servi~o previsto na 
lei on;ramentaria anual................................................................. 194 ~ 
3.7.2 Reajuste e revisao geral dos vencimentos: lim.ites impastos pela 
Lei de Responsabilidade Fiscal .................................................. 196 
3.7.3 Controle das concess6es de servi<;os publicos ............................ 199 
~ 
'.../ 
3.7.3.1 Regime juridico impasto aos servi<;os publicos.............. 202 ~ 
3.7.3.1.1 Consumidor x Usuario: quem ganha, quem '...._/ 
perde? ............................................................. 207 
3.7.3.1.2 A aplica<;ao do C6digo de Defesa do Consu-
midor ............................................................... 209 
''"-"' 
"..._/ 
3.7.3.2 0 poder normative das agendas reguladoras ................. 212 
3.7.3.2.1 Naturezajmidica, origem e fun<;ao das agencias 
reguladoras ....................................................... 215 
~ 
~-
3.7.3.2.2 Legitimidade da atividade normativa das agen-
das reguladoras ............................................... 217 ·~ 
3.7.3.2.3 lndependencia das agencias reguladoras .......... 221 ·~ 
3.7 .3.2.4 A atividade Jegislativa das agendas regulado-
ras e o principia da separa<;iio dos Poderes da 
Republica ····················.····:································ 226 ~ 
'.../ 
. ..._/CONCLUSAO .................................................................................................. 233 
•...J 
REFERENCIAS .................... :........................................................................... 239 ~ 
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APENDICES .................................................................................................... . 255 
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INDICE ALFABETICO 281 ..._/ 
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INTRODUC;AO 
0 presente trabalho tratani da interven.;ao do Poder J udiciario em 
areas tradicionalmente afetas aos poderes Legislativo e Executivo no 
Brasil, como as de formular e executar polfticas publicas, de natureza so-
cial e economica. 0 problema central consiste em definir em que medida 
cste controle judiciale compatfvel com a democracia no Brasil. Com este 
intuito, propor-se-a que as decisoes judiciais contramajoritarias, em sede 
de controle de politicas publicas, dependam de argumentos que envolvam 
a Moral, a Polftica e o Direito, niio se podendo subsumir a democracia 
num modelo exc!usivo de representa<;iio eleitoral. 0 debate publico sobre 
o conteudo e o momento mais adequado para a implanta<;iio de polfticas 
publicas niio e novo. Ja Arist6teles sublinha a importancia do processo de 
delibera.;ao coletiva acerca dos meios atraves dos quais o bem sera con-
cretizado'. 
0 estudo tratara, exclusivamente, a realidade do Brasil e enfocara 
um novo fenomeno polftico-constitucional que emerge dos tribunais, na 
atualidade: as rela.;oes entre a democracia e a atividade jurisdicional atra-
ves da Constitui<;iio. Muito embora a explora.;ao cientifica da participa.;ao 
do Poder Judiciario na revisiio da atividade lcgislativa e administrativa nao 
seja novidade, o controle judicial das polfticas publicas o e, ja que pelo im-
pacto da obra de Adam Smith - especialmente em sua Riqueza das Na-
1 ARISTOTELES, Etica a Nicomaco. 3. ed. Tradu,ao de Mario Kury. Brasilia: UnB. 1992. Uvro Ill. 
113a, p. 55. "Deliberamos mia sabre os fins, mas sim, sabre meios, pais um medico nao delibera para 
saber se deve curar, nem um arador para saber se deve convencer, nem um estadista para saber se 
deve assegurar a concordia, nem qualquer outra pessoa delibera sabre a propria finalidade de sua 
aWidade. Definida a finalidade, as pessoas procuram saber como e por que meios tal linalidade deve 
ser alcam;ada; se Illes parece que ela e resultante de varios meios, as pessoas procuram saber como e 
por que meia podem a/canra./a mais laci/mente e realiziJ.fa melhor; se ti passive/ chegar a e/a par um 
linica meio, as pessoas procuram saber como ela podera ser realizada por este meio, e par que meios 
este meio sera alcam;ado, ate chegarem a primeira causa, que e a Ultima na ordem da descoberta". 
18 
Eduardo Appio 
<;iies - as decisoes sobre polftica econ6mica ocupavam espa~o preferencial 
na economia, mas eram pouco abordadas nas perspectivas do direito e da 
sociologia'. Assim sendo, a detennina9iio de compra de medicamentos es-
peciais, a constru9iio de obras publicas, a concessao de reajuste de venci-
mentos de servidores publicos, a fixa9ao do valor de tarifas publicas e a edi~ao de nonnas genericas sao exemplos paradigmaticos de uma nova rea-
lidade. A vasta gama de provimentos jnrisdicionais vocacionados a inteife-
Iir, de modo direto, nas fim96es desenvolvidas pelos demais poderes daRe-
publica cresce dia1iamente, muito embora o fen6meno seja pouco estudado 
no pals. 0 controle judicial das polfticas publicas no Brasil surge, assim, 
como decon·encia direta de v:iJios faton~s que, de fonna desconcettada, ctia-
ram as condis;oes para mna maior interven.;:ao judicial. 0 fato de serem os 
jufzes- atraves da intetpreta9ao constitucional - os responsaveis pela defi-
nis;ao dos limites da pr6ptia jtnisdi9ao, representa um fator detenninante na 
escolha do tema, na medida em que estes limites nao podem depender ex-
clusivamente da ideologia de cada um deles, sob pena de se inviabilizar um 
controle efetivo por pa1te da sociedade. 
Os efeitos sociais da ado9ao de um modelo econ6mico neoliberal 
nao afetam somente as classes menos favorecidas da sociedade, pois 
atingem diretamente os interesses dos jufzes brasileiros, atraves de meca-
nismos legais de conten9ao de gastos com pessoal - como a Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal, por exemplo- como pela refonna do sistema previ-
denciario publico e do Poder Judicifuio. 0 fato de serem os jufzes parcela 
importante de um Estado brasileiro cuja atuas;ao foi redesenhada pelo 
neoliberalismo econ6mico, tambem afeta o conteudo das decisoes judiciais 
e incentiva a transposi9ao de limites tradicionalmente reconhecidos do Po-
der Judiciario. A emergencia ao poder, no pals, de um partido de esquer-
da que declara, publicamente, nao deter condis;oes polfticas que penni tam 
colocar em pnitica seus postulados de justi9a social e, tambem, um ele-
mento adicional nesta nova sociedade. 0 crescimento do Ministerio Pu-
blico ap6s a promulga9ao da Constitui9iio brasileira de 1988 representa, 
por fim, um relevante fator de judicializa9iio de muitas questoes politicas. 
A propria dependencia em que se encontra o Poder Executi vo, de 
amp las maimias parlamentares no Congresso Nacional brasileiro- tendo 
em vista as refonnas que transfonnaram a Constituic;:ao de 1988 - implica 
1 
Cf. LINDBLOM. Charles E. 0 processo de decisao politica. Tradu(ao de Sergio Bath. Brasilia: UnB. 1981 p. 7. 
Controle Judicial das Pol~icas Publicas no Brasil 19 
redu9ao da importancia do papel tradicionalmente desenvolvido pelas 
oposi96es que recorrem a via judicial como fonna de amplificar seus 
pr6prios programas. Sao inumeros os fatores que separam a realidade po-
!ftica brasileira da mesma realidade em outros palses, especialmente 
aqueles com longa tradic;:ao constitucional, como a Alemanha e os Esta-
dos Unidos onde, g~ralmente, nossos juristas vao colher subsidios para 
enfrentar o debate nacional. Os efeitos da globalizac;:ao nao afetam, de 
identica maneira, os cidadaos dos pafses centrais e os cidadaos dos pafses 
perifericos. Por conseguinte, as demandas levadas ao Poder Judiciario sao 
de natureza diversa. 
Ante o processo de exclusao social gerado pela globaliza9iio, o 
controle judicial das politicas publicas pode significar uma declarac;:ao de 
que os Estados nacionais sao peps de museu ou mais importantes que 
nunca, dependendo da perspectiva de quem analisa a sociedade contem-
poranea. 
0 movimento pendular da hist6tia podetia inspirar ideias sobre a 
retomada do papel desempenhado pelo Estado-providencia ao Iongo do 
seculo XX, mas a hegemonia desta nova religiao, fundada na plena liber-
dade de mercado, parece advertir que lui muito foi ultrapassado o no re-
turning point. Neste contexto, a principal caracterfstica do que se pode 
denmninar p6s-modemidade e o absoluto ceticismo, a causa hist6rica da 
maiotia das ideologias de natureza totalitaria, razao pela qual se desco-
nhece que tipo de democracia sera reconhecida pelas gera96es futuras. 
Enfim, estiio ctiadas as condi96es ideais para um decisionismo ju-
dicial no pafs sem que se conhe9am, ao certo, as conseqUencias deste 
processo hist6tico-politico. Os riscos desse compmtamento sao os mes-
mos que os derivados de um populismo do Poder Executivo, muito em 
voga nos pafses da America Latina. Para um grande numero, inclusive, o 
decisionismo do Poder Judiciario setia uma especie de populismo dos 
jufzes, reconhecidamente derivados da instabilidade polftica e dos impas-
ses constitucionais com graves riscos para a democracia. 0 fato de os 
discursos dos consen·adores terem, como ah·o tradicional, uma maior 
participa9ao dos jufzes na vida polftica do pafs esconde, por 6bvio, inte-
resses pr6prios e inconfessaveis,pois foi, desde muito, superada a con-
cep9iio de Montesquieu fundada na soberania da Na9ao exercida somente 
atraves da lei. A crftica a um conservadorismo que nao pennite uma n\pi-
da evolu9ao social nao pode servir, contudo, como fundamento de adesao 
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1 
l 20 Eduardo Appio 
a uma postura diametralmente oposta: a mptura como Direito Constitucio-
nal, baseada num poder de fato dos jufzes. A ados:ao de urn modelo judicial 
ancorado num suposto realismo judichhio - sob o argumento de que, se 
cabe aos jufzes decidir sobre o conteudo da Constituiqao, tambem lhes cabe 
govemar - e inaceitavel em urn regime democratico, pois significa render 
graqas ao "imperio da fon;a bmta''. A fmstraqao coletiva decorrente de urn 
Brasil contemporiineo, que ve cada uma das promessas sociais ser substituf-
da por mais uma reforrna da Constituis:ao e pelo aumento do contingente 
policial, nao pode legitimar uma atuaqiio judicial arbitraria. Teorias de 
ruptura se justificam, unicamente, em sistemas em que a Constituiqao nao 
possui qualquer normati,·idade. Conflitos familiares mal resolvidos fa-
cilmente se transfonnam em laboriosas teorias jurfdicas de ruptura com o 
sistema vigente, atraves de uma revoluqao do Poder Judiciario. A profes-
sora Ingeborg Maus alena para urn processo de "divinizaqao" dos jufzes, 
no que pode ser considerada uma nova teocracia constitucional: o Judiciario 
exerceria a funqao de superego da sociedade, atraves de urn processo de 
infantilizagao dos cidadaos3 
Toda concentras:ao de poder polftico e nociva. As democracias dos 
pafses perifericos, entretanto, s6 conseguem subsistir gragas a concentra-
s:ao de poder polftico dos govemos eleitos pois, caso contrario, o menor 
esforqo do mercado financeiro poderia demtbar govemantes escolhidos 
pelo voto da populaqao. Este e urn dos paradoxos da democracia brasilei-
ra contemporiinea. A inten·en9iio de jufzes nao-eleitos no processo de 
tomada de decisoes govemamentais e urn fen6meno recente, possfvel em 
raziio de urn processo incompleto de redemocratizaqao do pafs iniciado 
em 1985. A panir do momento em que os Estados contemporiineos se 
conveneram abenamente ao neoliberalismo - que pode ser considerado 
uma nova religiiio estatal, com seus fcones e dogmas- e inconcebfvel que 
a democracia representati va seja o unico instrumento de participaqiio do 
cicladao na vida polftica do pafs'. A clemocracia pazticipativa surge, 
3 
MAUS, lngeborg. Judiciario como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na 
"sociedade Orfa". Tradu~ao de Martonio lima e Paulo Albuquerque. Revista Novas Estudos, CEBRAP (Centro Brasileiro de Analise e Planejamcnto). Sao Paulo, n. 58, p. 183-202, nov. 2002. 4 
Andrade critica o conceito restritivo de cidadania previsto na Constitui~ao de 1988 a partir de um 
paradigma liberal. Sobre o lema, o aurar ensina que ·a cisao liberal entre esfera pUblicae estera priva-
da, em sua versao democriitica, somente reconhece como instancia de media(:8o entre ambas as 
esferas a representarao politica. A cMadania, enquanto direito a representacao e, pais, a titu!aridade 
de direitos politicos, e o status que possibilita ao individuo, sintese de uma privacidade despolitizada, 
regressar ao plano da politica e do publico. sob formas predeterminadas. to status. enfim, pelo quat e 
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Controle Judicial das Politicas Publicas no Brasil 21 
assim, como um fen6meno diretamente associado a uma maior interven-
ciio judicial, argumento valiclo no importante debate sobre a legitimidade 
dos jufzes. Muito embora Habermas aclmita que uma democracia proce-
dimental - atraves dos mecanismos de clemocracia pmticipativa, por 
exemplo - clepencla de "uma base social na qual os direitos iguais dos 
cidadaos conseguiram eficacia social", niio se pode clesprezar a importiin-
cia cia legitimiclacle do processo coletivo de formulas:ao das polfticas pu-
blicas no Brasil'. Esta legitimiclade, buscada por Robert Alexy" em uma 
fundamentaqao racional clas clecisoes judiciais e por Ronald Dworkin' em 
princfpios morais, talvez esteja mais proxima do que se imagina, desde 
que se compreencla que o processo de clecisao judicial niio se resume a 
urn ato isolaclo do juiz que, enclausurado em seu gabinete, decide qual e a 
polftica publica mais confom1e a Constituiqao. Admitir o completo iso-
lamento clos jufzes em urn oraculo constitucional implicaria verdadeira 
adesao a um moclelo de aristocracia clemocratica. A clecisiio judicial apre-
senta-se apenas como urn clos elos clesta cacleia comunicativa que deve 
envolver cliversos atores sociais. A legitimidacle das clecis6es judiciais 
advem, portanto, cia amplias:ao do debate clemocratico sobre o conteudo 
clos princfpios e valores constitucionais. Neste contexto, a visao totaliza-
clora de urn Pocler Jucliciario que assume a missao de unificar os cliscursos 
referentes ao conteuclo cia Constituiqao, conferindo unidade a um fen6-
meno polftico niticlamente heterogeneo, soa como puro artificialismo. A 
Constituis:ao e, justamente, o espaqo clas diferenqas, da tolerancia neces-
saria a convivencia clos eli versos segmentos cia populaqao. Nem mesmo a 
Alemanha nacional-socialista teve exito na missiio de unificar os discursos e 
opini6es em torno de uma icleologia comum, pois somente com o uso da 
forqa e possfvel silenciar o debate constitucionaL A triste experiencia hist6-
rica de regimes totalitarios que govemavam a partir de um discurso unico 
demonstra a importiincia da cliferenqa e do respeito a opiniiio alheia. 
Apesar cia cleterminaqiio de juristas que despertaram para a impor-
tancia do tema, a clefiniqao do objeto nao tem siclo clara na medida em 
passive/ existir e se expressar no esparo publico monopo/izado pelo Estadd'. (ANDRADE. Vera Regina 
Pereira de. Cidadania: do direito aos direitos humanos. Sao Paulo: Academica. 1993. p. 115) 
5 HABERMAS, JOrgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradu~ao de Flavia Beno 
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 2, p. 33. 
6 ALEXY, Robert. Teoria da argumenta~ao juridica: a teoria do discurso racional como teoria da justi-
fica~ao juridica. Sao Paulo: Landy, 2001. 
7 DWORKIN, Ronald. Juizes politicos e democracia. 0 Estado de S. Paulo, Espaco Aberto. 26 abr. 
1997. 
22 Eduardo Appio 
que ora se aplica a temia do controle dos atos administrativos - a pmtir 
do cabedal dogmatico ja existente - ora se busca no proprio direito cons-
titucional as respostas para imp01tantes questoes: quais sao os limites da 
jurisdi<;ao do jufzes brasileiros? Ou ainda, ate que ponto cabe falar de po-
litiza<;iio do Poder Judiciario com a qual, segundo Carl Schmitt', os jufzes 
nao teriam nada a ganhar mas, ao contrario, tudo a perder? 
Este novo fenomeno - o controle judicial das polfticas ptiblicas -
deve ser estudado pelo direito constitucional, o ramo do Direito que per-
mite tratar juridicamente as questoes polfticas. Trata-se de traduzir, para 
uma linguagem normativa, ideal, uma fascinante dinamica que envolve as 
mazelas da reconstru9iio da democracia no pafs. A aplica9iio das teorias 
do direito administrativo, especialmente as que abordam o controle judicial 
dos atos disc!iciontirios, merece reservas que seriio o objeto do estudo. 
A hip6tese se insere, pmtanto, no Direito Constitucional e propoe 
uma abordagem inedita de um problema atual. Muito embora o princfpio 
da separa9iio dos poderes seja um dos pilares do constitucionalismo, o 
espa<;o dcstinado ao Poder Judiciario, no Brasil, foi ampliado, nao por 
obra da doutrina ou de teoriza96es da ideologiados jufzes, mas sim, por 
conta de demandas concretas, de natureza social, que surgem como de-
conencia da redefini9ao do papel do Estado. A plena normatividade da 
Constitui<;iio Federal niio e um desejo coletivo. Muito pelo contnirio: a 
maior parte da popula<;ao brasileira, diante das precarias condi96es de 
vida impostas pela expansiio do processo de exclusiio social, sequer tem 
conhecimento dos direitos previstos na Constitui9ii0 e da importancia da 
respectiva nonnatividade. A parcela que tem acesso aos bens culturais, 
por sua vez, subestima o papel da Constitui9iio, naquilo que Km·l Lo-
ewenstein denomina a "erosao da consciencia constituciona/"9 diante das 
dificuldades praticas de fazer cumprir as promessas sociais e economicas 
do constituinte de 1988. Apenas pequena parcela da sociedade brasileira, 
sobretudo os juristas, compreende a real importancia do papel da Consti-
tui<;ao no inconsciente coletivo nacional, pois reconhecem que o espfrito 
a SCHMITT. Carl. La defensa de Ia Constitucion. 2. ed. Madrid: Tecnos. 1998. 0 autor sustenta que a 
proposta de Kelsen, de criar um Tribunal Conslitucional de natureza politica na Alemanha. a partir da 
experiencia norte-americana, e inviavel. Primeiro, porque a Suprema Corte dos Estados Un1dos nao 
desempenha uma fum;:ao politica, mas a garan!ia dos direitos individuais, e segundo, porque a experi-
encia da Suprema Corte "se desenvo/veu no ambito de um Estado anglo-saxao do tipo )udicialista, que, 
como Estado sem Direito Administrativo, se mostra em evidente oposi(:i!iO aos Estados do continente 
europed. 
' LOEVIENSTEIN, Karl. Teoria de Ia Constitucion. Traduccion por Allredo Gallego Habitarte. 
Barcelona: Ediciones Ariel. 1970. p. 226. 
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Controle Judicial das Pollticas Publicas no Brasil 23 
de unidade nacional depende da supera<;iio de uma dogmatica conforma-
da pelo paradigma constitucional liberal. A patticipa\;iio direta da socie-
dade na formula\;UO e execu\;iiO das polfticas ptiblicas rompe com um dos 
pilares do neoliberalismo, pois sustenta um tratamento desigual do Esta-
do frente a desigualdade dos cidadaos. A fi!osofia neoliberal, por sua vez, 
buscani uma prote\;iio identica do Estado em rela\;iio aos seus cidadaos, 
pois a este incumbe assegurar a observancia das regras do jogo10 • 0 con-
trole judicial das polfticas ptiblicas - sociais e economicas - ocorre nos 
ambitos administrativo e legislativo, pois surge como decorrencia da in-
ser<;ao de direitos sociais no bojo das Constitui96es contemporaneas. 0 
exercfcio destes direitos sociais demanda presta\;6es de natureza nmmati-
va e material, do que resulta a interven9ao direta dos juizes em areas ate 
entao exclusivas dos demais poderes, com grande repercussao na lei or-
9amentaria anual. 
Nao existe um metodo especffico de abordagem do tema, pois a 
ado9a0 de qualquer metodo pressupoe a possibilidade de uma analise 
onto16gica do objeto que se pretende analisar, fenomeno completamente 
desm.istificado pela henneneutica filos6fica. 0 tema sera analisado numa 
perspectiva crftica11 , relacionando sujeito e objeto, rejeitando a possibili-
dade de aplica9ao de um metodo geral que tomaria possivel conhecer a 
essencia do ser, ja que em rela9iio as ciencias do espfrito a verdade de-
pende de uma compreensao que envolva o ser interpretante. Heidegger 
inaugura a crftica sobre o problema ao afirmar que "a ontologia grega e 
sua hist6ria, que ainda hoje determina o aparato conceitual da filosofia, 
atraves de muitas filiar;i5es e diston;i5es, e uma prova de que a presenra 
se compreende a si mesma e o ser em geral a partir do mw1do"
1
'. Ao 
"Arnaud recorda que "a jusli>a social eo concrario ate da propria justi>a: segundo Hayek. atributo da 
conduta humana ... A expressao )ustif;a social" nao e antiga, como observa Hayek, e nao remonta a 
mais de um seculo. Ela corresponde a uma constatar;aa. que a maneira pela qual as vantagens e os 
onus sao afetados pelo mecanismo do mercado e algumas vezes muito injusta". (ARNAUD, Andre-
Jean. D Direito entre modernidade e globaliza~ao. Tradu,ao de Patrice Charles Wuillaume. Rio de 
Janeiro: Renovar, 1999. p. 121) 
11 SALDANHA. Nelson. Ordem e hermeneutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. "0 pensar, diante da a/go assim, dado como mundo ou estrutura social, pode /imitar-se ao registro ou chegar iJ 
aceita>iiO, atraves de formas de linguagem que vao da simples palavra designadora a consagra(:iiO ou 
iJ apologia justificativa; pode tambem, dentro de uma escala correlata, substituir a aceita(:iiO e a apolo-
gia pela nega(:iiO e pela concesta(:ao. [ste )Jode' e que nos permite rotula-lo com o nome de critico. 
entendida a critic a ai como a/go bastante amplo." 
" HEIDEGGER. Martin. Ser e tempo. Parte II. 10. ed. Tradu(ao de Marcia Sa Cavalcante 
Schuback. Petropolis: Vozes, 2002. p. 50. Para Vallino "( .. .}a disso/u(:iio da estabilidade do sere ape· 
nas parcial nos grandes sistemas do historicismo metafisico do secuto XIX: ai, a ser mlo 'est8', mas 'se 
torna', de acordo com ritmos necessarios e reconheciveis, que, portanto, ainda conservam certa estabi-
lidade ideal. Nietzsche e Heidegger pensam-no. ao contrlirio. radicalmente. como evenco. sendo por-
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24 
Eduardo Appio 
abordar o problema do metodo, Gadamer recorda que "a e.\perib1cia do 
mundo social hist6rico nao se eleva a uma ciencia com o processo indu-
tivo das ciencias da natureza"13• Sendo a linguagem o unico ser que pode 
ser compreendido pela raziio humana, o autor tern autoridade para afirmar 
que ela e a m01·ada do ser. Atraves cia filosofia cia linguagem, e possfve! aperfei~:oar o processo de compreensiio da he1meneutica constitucional, 
inserinclo urn dos principais protagonistas clesta atividade - o juiz - mun 
debate amplo acerca das fun~:oes icleo!6gicas por ele clesempenhadas 
quando remete as motiva~:oes vagas, amparado por urn argumento consti-
tucional. Neste contexto, uma jurisdis;ao principiol6gica nao c!ispensa, de 
f01ma alguma, uma detida motiva~:ao das decis6es judiciais. Muito ao 
contn1rio, e!a impoe ao juiz urn clesafio de profunda retlexao sobre o pa-
pel clos valores e princfpios constitucionais, em face do qual a maioria 
dos julgadores nao se sente suficientemente preparada ja que, atualmente, 
juristas sao produzidos cia mesma forma que chips de computador, em 
grandes linhas de montagem industrial. 
0 trabalho de pesquisa se divide em tres capftulos, inter!igados por 
urn unico fio condutor: a necessidade de uma clefini~:ao clara clos limites 
da atividac!e jurisdicional num Estado Democratico de Direito. 
0 primeiro capitulo do trabalho tratara da fun~:ao jurisdicional no 
Estado Constitucional e Democratico de Direito a partir da concep~:ao de 
autores como Habe1mas, Ely, Dworkin e Giinther, h~a vista a existencia 
de uma rela~:ao c!ireta entre a interven~:ao judicial e o princfpio democra-tico no pais. 
Nos dois ultimos, capftulos, o controle judicial clas polfticas publi-
cas surgira com a pretensao de solucionar problemas concretos de c!ireito 
constitucional. A introdu~:ao ao tema enunciara os problemas a serem re-
solvidos a partir proposi~:oes metodol6gicas, para que se constituam no 
conhecimento futuro de alunos e professores. Como recorda Warat, "ter-
minou o tempo dos 'claustros' universitdrios, de um saber produzido 
para circular entre pares que se sent em iluminados"'". 
tanto decisivo para e/es, precisameme para tatar do ser, compreender 'em que ponto' nose ele proprio 
estamos'. (VA TTl NO, Gianni. 0 fim da modemidade: nillismo e hermeneutica na cultura pos-moderna. Tradu,ao de Eduardo Brandao. Sao Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 9) 13 
GADAMER, Hans-Georg. Verdadee metoda: tra,os fundamentais de uma hermeneutica filosofica. 3. ed. Tradu,ao de Flavm Paulo Merer. Petropolrs: Vozes, 1999. p. 40. 
" WARAT, Luis Alberto. La Ciudadania sin ciudadanos: tdpicos para un ensayo interminable. Revista Se~uencia (revista do curso de pos-gradua,ao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina), Flonanopolis, n. 26, ano XIV, p. 1·17,jul. 1993, p. 12. 
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Capitulo 1 
A FUN~AO JUDICIAL NO 
ESTADO CONSTITUCIONAL E 
I 
DEMOCRATICO DE DIREITO 
0 modelo constitucional contemporaneo tern, por escopo, assegurar 
o equilfbrio entre o princfpio democratico e uma concep9ao substancial de 
justi9a, ou seja, entre o direito e a moraL Os princfpios constitucionais 
sao elos operativos que conectam estes sistemas parciais, na medida em 
que a Constitui~:ao inco:-pora os valores e objetivos que provem da socie-
dade atraves da interpreta<;ao judicial clos princfpios. 0 debate acerca do 
conteudo cia Constitui~:ao brasileira de 1988 gravita em tomo de urn tema 
central: o conflito entre direitos individuais baseados no respeito a vonta-
de humana e uma concep<;ao comum e solidaria de justi9a. Neste con-
texto, o caniter desagregador dos direitos estritamente individuais - que 
alcan9aram seu apice com o Estado Liberal do final do seculo XIX - pas-
sa a ser confrontado com a natureza solidarista de uma concep<;1io judicial 
sobre ajusti9a, como escopo de assegurar harmonia ao grupo social". As 
decisoes contramajoritarias dos jufzes - especialmente em sede de con-
trole de constitucionalidade- afrontar1io, em muitos dos casos, a vontade 
das maiorias parlamentares que expressam, por sua vez, os objetivos tra-
yados pelos gmpos mais fortes da sociedade. Como equilibrar dois ins-
tmmentos essencialmente contramajoritarios - o controle judicial da 
constitucionalidade das leis e a existencia de urn nucleo rfgido nas Cons-
tituiy6es contemporaneas - e uma concep~:ao da democracia tradicional-
15 Sabre o confronto entre direitos individuais com sentido socialmente desagregador e os principios de 
JUstr'a encartados nas Constitui(oes contemporaneas, remete-se a ZAGREBELSKY, Gustavo. El 
derecho dllctil: ley, derecho, justicia. 4. ed. Madrid: Trotta, 2002. p. 97, item 3: a oposi,ao a forr;a 
desagregadora dos direitos individuais. 
26 Eduardo Appio 
mente vinculada a representa91io popular'6? Como inibir o arbftrio nas 
decisoes judiciais, uma vez que a interpreta9ao constitncional esta funda-
da na concep91io de um homem: o juiz"? Como evitar que o modelo de 
Estado idealizado pelo julgador seja a unica condicionante do processo 
de decisao judicial sobre o conteiido da Constitui9iio, o que implicaria puro 
arbftdo ~. em ultima analise, o totalitadsmo judici<hio no Estado demo-
cratico de direito18? 
A resposta passa, inicialmente, pelo exame do conceito de Consti-
tui9iio. Ela confere racionalidade as decisoes judiciais, alem de assegurar 
a legitimidade matedal e sua eficacia social. A distin9ao entre democra-
cias formal e substancial pode ser sustentada na concep9iio dos mecanis-
mos constitucionais de exercfcio e distribui9iio do poder politico'9• 
A democracia esta tradicionalmente associada ao exercfcio do po-
der politico atraves de instfincias fom1ais de representa9ilo, razao pela 
qual a cidadania e tomada apenas em seu aspecto funcional, ou seja, 
como um mecanismo atraves do qual se fara a sele91io dos representantes 
dos cidadaos/eleitores. Equiparam-se, portanto, os conceitos de cidadao e 
eleitor no modelo liberal dedvado da soberania popular, forjada atraves 
de uma constm91io dos fil6sofos contratualistas, inspirado num paradig-
" Cf. FREIRE, Anlonio Manuel Peiia. Constitucionalismo garanlista y democracia. Curitiba. Revista Critica Jurfdica, n. 22, p. 31-65, jul./dez. 2003. 
17 
Canotilho arena que "A terceira dificuldade radica no perigo de um direito de conteUdo varia vel, con-
ducente a um perigosissimo subjetivismo judiciano. Com efeito, o pluralismo de princlpios esta a pare-
des-meias com fragmentar;oes interpretatilras dos juizes, ficando tudo inseguro desde a regra aplicada 
e jurisdicionalmente mediada'c (CANOTILHO, J. J. Gomes. A Principializacao da jurisprudencia atraves 
da Constituicao. Estudos em homenagem ao Ministro Salvia de Figueiredo Teixeira. Revista de Pro-
cesso, Sao Paulo, n. 98, p. 83-89, abr.ijun. 2000) 
18 
LEAL, Roger Sliefelmann. A Judicializacao da polilica. Cadernos de Direito Constitucional e Cien-
cia Politica. Sao Paulo, RT, v. 7, n. 29, p. 231-237, out./dez. 1999. Sabre olema, o autor lembra que 
"A ambiguidade das normas legais e constitucionais, aliada a um sentimento de co-responsabilidade do 
juiz, na medida em que e chamado a corrigir as desvios na execw;ao das finalidades inscritas nos 
textos legais e constitucionais, tem o condao de afastar o juiz da classica neutra/idade. 0 juiz passa a 
ser encarado como elemento participante do sucesso au do fracasso politico do Estado. Contudo, tal 
ideologizar;ao do juiz tem um efeito perverso, pais cada juiz rem para si o seu Estado ideal Dificilmente 
os juizes entrarlam num acordo em retar;ao a qual mode/a politico e o mais correto. Desse modo, im-
buidos da responsabilidade poli/ica que o Welfare State ihes impos, as juizes interpretam as conceitos 
indeterminados explicitados a/raves de princlpios e diretrizes gerais de modo que mais lhes agradam politicamente, ou, ao menos, se veem tentados a tantd'. 
" 808810, Norbeno. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da politica. 10. ed. Sao 
Paulo: Editora Paz e Terra, 2003. p. 157. Bobbio sustenta que a democracia e um regime caracterizado 
pelas fins ou valares em direcao aos quais um determinada grupo politico tende e opera, senda que a 
igualdade juridica esta associada a uma concepcao de democracia formal e a igualdade economica e 
social esta vinculada a urn conceito de democracia substancial. 
j 
Controle Judicial das Politicas Publicas no Brasil 27 
ma liberal da burguesia. Concebendo-se a democracia como um mero 
regime de exercfcio do poder, ou seja, como uma mera op<;:ao polftica dos 
nacionais por um modelo que garanta 6timas decis6es polfticas com o 
menor investimento possfvel de recursos piiblicos, adota-se um criterio 
formal-utilitarista de democracia. A democracia substancial, todavia, 
consiste no valor nuclear da Constitui9ao brasileira de 1988, a pmtir da 
conjuga<;:ao dos val ores de cidadania e dignidade da pessoa humana. 
0 criteria formal de democracia se revela insuficiente para a socie-
dade brasileira contemporanea, ja que a complexidade das decisoes sobre 
as polfticas piiblicas produziu urn ambiente exclusivo em que as rela96es 
entre govemos eleitos e empresas ptivadas nunca foram tao pr6ximas. 
Em contrapattida, o cidadao (eleitor) nunca esteve tao distanciado do nii-
cleo politico das decisoes, seja por conta da proposital aliena9ao imposta 
pelos meios de comunica<;:ao social (empresas privadas), seja pelo discur-
so cientffico de uma tecnocracia invisfvel que opera no interior do Estado 
usando de sua estrutura burocratica. As decisoes sobre o conteudo das 
polfticas piiblicas, no Brasil, raramente passam por um processo de avalia-
9ao previa da popula9ao. Nao raro, as polfticas publicas endere9adas a 
um mesmo set or sao objeto de constantes e profundas altera~oes, criando-
se mecanismos in-acionais de decisao modulados de acordo com os inte-
resses dos atingidos. As polfticas publicas surgem como mais um produto 
da maquina de propaganda dos govemos eleitos, a qual parece ser a unica 
a funcionar com eficiencia no Brasil, e para a qual os recursos publicos 
raramente sao contingenciados. A ilusao substitui a democracia. Trata-se, 
pmtanto, de um argumento pragmatico, que parte da analise das condi-
96es existentes na atualidade, mas que se reproduzem no nfvel global, 
atingindo os demais pafses perifericos,em especial a Amedca Latina, na 
qual govemos militares e desp6ticos sempre se altemm·am no poder. 
Como responder as sociedades contemporaneas, reconstmfdas a partir dos 
escombros da democracia na America Latina, sabre as demandas sociais, 
sem afetar as bases de um exercfcio democnitico do poder? A democracia 
e a busca da igualdade social podem conviver pacificamente na Am6ica 
Latina? 
A Constitui~ao respondera a esta pergunta, pois o Estado constitu-
cional e democn\tico de direito tern base em urn conceito substancial de 
democracia, atra\'es do qual se impoe a amplia<;:iio do espa~o de pmtici-
pa9ao dos nacionais na escolha do conteiido e forma de execu<;:ao das po-
lfticas publicas. Neste sentido, todos os 6rgaos do Estado assumem a fun-
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28 Eduardo Appio 
~;iio de proteger os direitos fundamentais do cidadiio, incumbindo ao Po-
der Judiciario o controle das a,oes e omissoes do Estado que colidam 
com a prote,ao da dignidade da pessoa humana'0 • 
Qual e, portanto, 0 grau de efetiva representatividade dos governos 
eleitos, quando se considera a interven<;ao exercida por organismos inter-
nacionais na fonnula,ao das po!fticas publicas do pais21 ? Neste sentido, 
os partidos politicos deixaram de se apresentar como o principal espa<;o 
de interlocw;-ao entre Estado e sociedade civil, ja que surgiram fonnas 
altemativas de participa,ao polftica22• Contudo, nao existe possibilidade 
de superas;ao do modelo representativo a Juz da Constitui<;ao vigente, re-
velando-se importante, desta maneira, a combina,iio entre democracia 
representativa e direta. Gesta Leal, ao abordar a importancia do sistema 
representativo, sustenta que, 
apesar da descrem;a que atinge os representantes e as instituirOes repre-
sentativas, a representariio po!ftica continua sendo um instrumento de 
diref'iiO e imp/eme!Uar(iiO de po/fticas p1ib/icas, ate porque a capacidade 
diretira dos sistemas polfticos, que podem ser democriiticos ou niio ... de-
pende da habilidade na execw;iio das decisoes ( confomWf'iio com as 
pautas de priorirlades previamente definidas), e a arregimentar;iio de 
respaldo para essas decisOes exerce um papel importante 1w processo-
20 Cf. FERRAJOLJ. Luigi. Op. cit., 28. 0 autor recorda que, "De modo particular, o principia da /ega/ida· 
de nos novas sistemas parlamentares modifica a estrutura do s£!jeito soberano, vincu/ando-o nao ape-
nas a observancia da le1: mas tambem ao princtpio da maioria e aos direitos fundamentais - logo, ao 
povo e aos individuos -, e transfonnando os poderes pUblicos de poderes absolutos em poderes funcio-
nais. Sob esse aspecto, o modelo de estado de direito, por fon;a do qual todos os poderes ficam subor-
dinados a lei, equiva/e a negarao da soberania, de forma que dele resultam exc/uidos os sujeitos ou 
poderes /egibus so/uti; asstm como a doutrina liberal do estado de direito e dos limites de sua ativida· 
de equivale a uma doutrina de negarao da soberania". 
21 MOLLER. Friedrich (Op. cit., p. 264). ao enfocar os efeitos da globalizacao nos parses perifericos. 
recorda que, ·se desse modo os eleitos nao mais decidem (porque decidem o 'mercado', a bolsa de 
valores, o FMI, o Banco Mundial & Cia.] e aque/es que deciriem nao sao e!eitos, faz.se mister de sen· 
volver estrategias de resistencia democrBtica. Do contrario, as formas de democracia direta ou partici-
pativa ficam inteiramente impossibilitadas, e mesmo a democracia tradicional do modelo representativo 
sucumbe diante de uma exclusao que cava vez menos pode ser acobertada - a uma exclusao da esle· 
ra na qual sao tomadas as decisoes de Iongo alcanai'. A falla de Jisura da contabilid<ide e/eitoral decor· 
re. essencialmente. do absenteismo de juizes e promotores eleitorais, os quais sO raramente invesU-
gam a idoneidade das conlas apresemadas. Considerando que todos os partidos, sem excecao, bunam 
a legislacao vigeme atraves de "contribuiroes nao-oficiais' que alimentam campanhas milionarias, o 
conlrole a ser exercido pe/os proprios partidos nao e efetivo e o poder judiciario apenas se encarrega 
de chance/ar a contabilidade suspeita. 
12
• GOUVEA, Rona/do Guimaraes. Po/Uicas ptlblicas, governabilidade e globalizacao. Revista do le· 
g1slativo. Brasilia, n. 25, p. 59-66, janlrnar. 1999, p. 64. 
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Controle Judicial das Polilicas Pilblicas no Brasil 
seniio dejinitivo -_: as instituirOes r~fresentativas - ojiciais ou nfio 
ralmeute oportumzam este respaldo-·. 
29 
ge· 
Nao existe uma supera~ao do sistema represeutativo - expressa-
mente previsto na Constituiqao brasileira de 1988 - mas a amplia<;iio do 
conceito de cidadania, atraves de fun"oes complementares a serem de-
sernpenhadas pela propria sociedade'4 • Nao se pode subestimar a impor-
tfmcia do sistema representativo no Brasil e as conquistas obtidas atraves 
do direito de sufragio. A pura e simples supressao de urn modelo repre-
sentativo, alem de colidir com o texto da propria Constitui,ao Federal, 
poderia ampliar o espa<;o de desigualdade social, na medida em que a 
"sociedade organizada" possui interesses proprios, de natureza privatista, 
os quais geralmente nao coincidem com os interesses das coletividades 
nao organizadas. As desigualdades culturais poderiam ampliar, neste 
contexto, as desigualdades sociais, engendrando urn verdadeiro circulo 
vicioso no qual a democracia participativa se constituiria em mero artifi-
cio ret6rico de uma democracia aristocnitica. As elei~oes sao, portanto, 
uma pon;ao indispensavel da democracia contemporanea. A democracia 
depende, portanto, da ampliaqao dos bens ligados a educa~iio e cultura. 
Sem estes ultimos, mesmo a democracia direta, na fonna de participa~ao 
popular, mostra-se individualmente insuficiente na constm~ao de uma 
cidadania emancipat6ria do ser humano';. 
0 sistema representativo, a par de sua expressa inscri~ao na Cons-titui~ao brasileira de 1988, assume uma capital importancia no debate em 
tomo da democracia constitucional, quando se considera o recente proces-
so de redemocratiza~ao, no pais, e a escassa priitica da interven~ao politi-
ca por parte do Poder Judiciario. 0 debate sobre o alcance do principia da 
separa<;iio dos poderes conduz a urn exame da propria legitimidade das 
decisoes judiciais, porque fruto da vontade de agentes politicos que nao 
sao escolhidos pela popula<;ao, atraves do direito de sufn'igio, mas sim, 
por criterios de sele~ao intema aplicados pelos membros do proprio Po-
13 
GESTA LEAL, Rogerio. Teoria do Estado: cidadania e poder politico na modernidade. 2. ed. Porto 
Alegre: livraria do Advogado, 2001. p. 151. 
14 
cr. BENTO, Leonardo Valles. Governan~a e governabilidade na reforma do Estado: entre eficien· 
c1a e democratizacao. Barueri: Mano/e, 2003. p. 234. 
25 
Cf. LINDBLOM, Charles E. 0 processo de decisiio politica. Traducao de Sergio Bath. Brasilia: 
UnB, 1981. p. 89. (a partir da analise de pesquisas empiricas realizadas nos Estados Unidos na decada 
de 1970 por sociO/ogos da Universidade de Michigan.) 
30 Eduardo Appio 
der. A democracia constitucional tern de ser discutida a partir de dois pa-
radoxos, quais sejam, o fato de que o conteudo da Constitui~ao sera 
constmfdo a partir de decisoes judiciais em sede de controle de constitu-
cionalidade- ou seja, que jufzes nao-eleitos limitem a vontade de gover-
nantes eleitos pela popula~ao - bern como que atraves das Constitui<;i5es 
vigentes a gera~ao atuallimita a liberdade das gera<;i5es futuras". 
Neste senti do, a democracia passa a ser rediscutida a partir do ar-
gumento contramajoritario, uma vez que e tradicionalmente vinculada as 
instii.ncias de representa~ao formal. Compatibilizar a vontadeda maim·ia 
com ptincfpios constitucionais estaveis coloca em tennos claros a oposi-
9iio entre democracia representativa e justi~a. 0 conflito, contudo, e apa-
rente para os que sustentam que a democracia depende de uma interpreta-
<;iio judicial de jufzes nao-eleitos, a pat1ir de uma moralidade que pode 
ser da pr6ptia sociedade. Neste sentido, Dworkin sustentara que a demo-
cracia constitucional e compatfvel com uma concep<;iio substancial dos 
jufzes acerca dos valores morais, o que os autoriza a adotarem posi~oes 
contramajoritatias. Outros autores, como John Hm1 Ely, por sua vez, de-
fenderao uma concep<;i'io procedimemal da democracia, segundo a qual 
os jufzes devem interpretar a Constitui<;iio de maneira a assegurar as con-
di~oes de desenvolvimento do jogo democriitico, ou seja, devem garantir 
que os cidadaos sejam efetivamente representados. Finalmente, autores 
como Bruce Ackerman argumentam que os jufzes podem adotar posi<;oes 
contramajoritatias sempre que os membros dos demais poderes atentarem 
contra os princfpios basilares da Constitui~ao, uma vez que a maior pm1e 
dos cidadiios da gera~ao atual nao esta vinculada a discussao publica so-
bre polftica e moralidade. A concep<;i'io dualista de Ackennan fixa, par-
tanto, urn debate entre princfpios constitucionais que decorrem da vonta-
de de uma gera<;ao passada, formada por cidadaos efetivamente interes-
sados nas questoes polfticas, e a gera<;iio presente, que se faz representar 
no Congresso not1e-ameticano, mas que rararnente se envolve com o de-
bate sobre os destinos da comunidade27• Neste sentido, a interpreta<;iio 
15 Cf. FREIRE. Antonio Manuel Pena. Constitucionatismo garantista y democracia. Curitiba. Revista Criti· 
ca Juridica. n. 22. p. 31·65. jul./dez. 2003. p. 32. Neste artigo, o autor analisa a rela(ao da democracia 
com a natureza fortemente contramajoritaria do con!role judicial da constitucionalidade das leis, con-
duindo que, em democradas imperfeitas, o controle judicial se faz necessaria como forma de ampliar o 
debate democratico acerca do contelido da Cons!ituir;ao. 
"ACKERMAN. Bruce. We the people: foundations. Massachussets: Harvard University Press. 1990. 
p. 262. Segundo o "dualismo". existem dais tipos diferentes de decisoes politicas numa democracia. A 
primeira e tomada diretamente _pelo povo america no, em urn verdadeiro momenta constitucional; a 
~-----~----"'~-..-' 
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Controle Judicial das Politicas Publicas no Brasil 31 
contramajoritaria dos jufzes da Suprema Corte dos Estados Unidos niio 
afrontaria, em verdade, a democracia; muito ao contrario, refor~a-la-ia, 
garantindo a estabilidade dos princfpios constitucionais ante a vontade de 
um Congresso que s6 formalmente representa a da popula~ao. Segundo o 
autor, somente nos verdadeiros momentos constitucionais, depois de mo-
bilizada uma comunidade que pouco se interessa pela politica, poder-se-ia 
debater a natureza antidemocratica da decisao dos jufzes em face de uma 
proposta de altera~iio do texto constitucional. 
0 debate entre as concep<;oes procedimental e substancial de de-
mocracia passa, portanto, pela analise da concep~ao de algumas das mais 
imp011antes expressoes do constitucionalismo contemporii.neo. 
1.1 OS LIMITES DA ATIVIDADE JUDICIAL NA PERSPECTIVA 
DE RONALD DWORKIN 
A perspectiva de Ronald Dworkin assume grande significado para 
os constitucionalistas contemporaneos, pois traz a luz nma discussiio tra-
dicionalmente contomada pela dogmatica positivista, a qual estabeleceu 
uma clivagem absolnta entre Direito eMoral. Nesta tarefa, in\ produzir 
sua concep~ao pr6ptia sobre o Direito. Neste contexto, o problema de 
Dworkin niio e a figura do operador jurfdico - o qual assume grande rele-
vo no pragmatismo, por exemplo - mas sim, o que os operadores consi-
deram como Direito". Como recorda Habermas, "Dworkin exige a cons-
tnt<;i'io de uma teo ria do direito e nao de uma teo ria de justi<;a"". Outros 
segunda. pelos governantes eleitos. 0 autor superou a "dificuldade contramajoritaria", estabelecendo 
uma distin(ao entre a polilica normal, ou seJa. a legiSia(ao que resulta da atividade ordinaria do Con· 
gresso, pela qual a comunidade nao se interessa diretamente, com uma atividade legislativa que efeti-
vamente toea no amago da Constitui(<iO norte·americana, quando entao, caso esteja mobilizada a 
comunidade em fa'lor de uma determinada posi(ao legislativa. podera ser oposto o argumento contra· 
maJontano como um hm1te da at1v1dade JUdiCial. 0 duahsmo constltUI·Se em argumento de supera~ao da 
dificuldade contramajoritaria. partindo da grande dificuldade de mobiliza,ao politica da gera(ao pre· 
sente diante das grandes causas que envolvem a moralidade eo destino da na(ao norte·americana. 
"ALBUQUERQUE. Mario Pimentel. 0 Orgao jurisdicional e sua fun~iio: estudos sabre a ideologia. 
aspectos crilicos, eo controle do Poder Judiciario. Sao Paulo: Malheiros, 1997. p. 41. Albuquerque 
recorda que "a missiJo especifica de descobrir os princfpios e valores socials que supeditam o Direito, 
propiciando decisoes justas, nos casas diffceis. constitui uma tarefa hercV/ea, que nao pode ser confia· 
da a qualquer jurista. Para enfrentar essa dificuldade, Dworkin concebe a reoria do Direito de Hercules. 
hipott!tico juiz dot ado de habilidade, erudifiiO, paciencia e perspicacia sobre·humanas, que e capaz de 
sofucionar os casas di(fceis e encontrar resposcas corretas para todos os problemas, mediante a cons-
trur;ao de uma reoria sdfida, coerente, tundamentaf. 
19 HABERMAS. JUrgen. Direito e democracia: entre f~cticidade e validade. Tradu,ao de Flavia Beno 
Siebeneichler. Volume I. Rio de Janeiro: Editora T-empo Brasileiro, 1997, p. 263. 
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32 Eduardo Appio 
aut ores tambem buscaram na justificac;:ao e racionalizac;:iio do processo de 
decisiio dos jufzes um elemento de manutenc;:ao dos princfpios da demo-
cracia. Robert Alexy, por exemplo, enuncia, ja no infcio de uma de suas 
obras, a importi\ncia da discussao acerca dos processos de racionalizac;:ao 
na tomada de decis5es dos jufzes30• 
A analise de Dworkin, de forma alguma pode ser desprezada, na 
medida em que a forma como os jufzes decidem os casos que lhes sao 
submetidos influencia o destino de uma comunidade. Dworkin opta, por-
tanto, por sustentar uma teoria do Direito e da Democracia a partir da ati-
vidade judicial nos Estados Unidos31 • 
Ronald Dworkin tenciona responder de que maneira um controle 
judicial amplo nos Estados Unidos (judicial review) pode conviver com urn 
sistema de representac;:ao popular, bern como com a autonomia dos Esta-
dos que comp5em a Federac;:ao norte-americana. Assim, ira defender uma 
concepc;:iio substancial do princfpio democratico, a partir do direito de 
cada cidadao a urn tratamento justo e ison6mico". Segundo Dworkin, 
existe uma distinc;:ao entre as concepc;:oes majoritaria e a constitucional da 
democracia. No primeiro caso, nao se aceita que uma posic;:ao contrama-
joritaria dos jufzes possa prevalecer, a partir de uma leitura moral da 
Constituic;:ao. Ja a partir de uma concep9iio constitucional da democracia, 
os jufzes estiio autorizados a limitar a vontade das mai01·ias parlamentares 
atraves do controle de constitucionalidade, sempre que nao forem obser-
vadas "condic;:oes democraticas", ou seja, sempre que o processo legisla-
tivo deixar de tratar todos os cidadaos com igual respeito e considera-
c;:iio33. Esta concepc;:ao constitucional da democracia de modo algum coli-
30 Cf. ALEXY, Roben. Teoria da Argumenta<;ao Juridica: a teoria do discurso racional como teoria da 
justifica<;ao juridica. Sao Paulo: Landy. 2001. p. 12. A pergunta e onde e ate que ponto sao necessarios 
os julgamentos de valor, como deve ser determinadoo relacionamento entre estes julgamentos de 
valor e os metodos de interpreta<;ao juridica, bern como as proposi<;oes e concenos da dogmatica juri· 
dica, e como estes julgamentos de valor podem ser racionalmente fundamentados ou justificados. 
31 Cf. DWORKIN, Ronald. 0 Imperio do direito. Traduo;ao de Jefferson Luiz Camargo. Sao Paulo: 
Manins Fontes, 1999. p. 19. "Estudaremos o argumento juridico formal a panir do ponto de vista do 
juiz, niio porque apenas as juizes sao imponantes au porque podemos compreendi!-/ostotalmente se 
prestamos atencao ao que drzem, mas porque o argumento Juridrco nos processos JUdrcrars e um bom 
paradigma para a explorarao do aspecto central, proposicional, da pratica juridica." 
32 Dworkin empresta, a eXemplo de boa parte dos constitucionalistas norte-americanos. uma grande 
imponancia a liberdade humana. Oeste modo, a igualdade concebida por Dworkin nao pode ser recon-
duzida ao conceito de igualdade material, que caracteriza os Estados socials, mas sim uma igualdade 
instrumental de acesso a bens e SeiVi~os prestados pelo Estado, o que fortalece o debate em torno da 
· discrimina~ao positiva. 
33 Cf. DWORKIN, Ronald. Freedom's law: the moral reading of the American Constitution. Massachus-
sets: Harvard University Press, 1996. p. 17. Para o autor, as decisoes majoritarias somente podem ser 
repuladas como formas legitimas de aulogoverno, caso os membros desla comunidade possam ser 
--: 
Conlrole Judicial das Politicas Publicas no Brasil 33 
de com a premissa majoritaria, ja que a democracia depende de um 6rgiio 
e!eito pela comunidade com a fun9ii.o especffica de regular os temas afe-
tos a moralidade, como o aborto e a pena de morte, por exemplo. Toda-
via, a concep9iio constitucional da democracia considera que a interven-
9ii.o judicial, a partir de uma "leitura moral da Constitui9iio", mostra-se 
necessaria nos casos de quebra do princfpio da isonomia, nao se podendo 
considera-la como uma anomalia do processo democratico, mas sim, 
como garantia do tratamento ison6mico. Trata-se, portanto, de fund a-
men tar um discurso judicial de prote9ii.o dos direitos das minorias a partir 
de um argumento de ordem pratica, ou seja, se alguem tern de dar a (tltima 
palavra sobre os limites a vontade das mai01ias ele e o juiz constitucional, 
a partir de uma leitura da moralidade da sociedade em que se encontra 
inserido3". 
considerados como nmembros marais" da comunidade, ou seja, que possuam o direito de participar;ao 
nas decis6es que afetem a comunidade, bern como que a comunidade trate todos os seus membros 
com igual considera<;ao e respeito (especialmente no tocante a distribui<;ao de recursos publicos) e. 
final mente, que o membra da comunidade se sinta como urn membra efetivo da comunidade, ou seja, 
que se reconhe<;a como sua pane integrante. Estas senam condio;oes estruturais (p. 24) para o reco-
nhecimento de uma comunidade moral genuina. 
" Ct. DWORKIN, Ronald. Virtud soberana: Ia teoria y Ia praclica de Ia igualdad. Traduccion de 
Fernando Aguiar y de Mana Julia Benomeu. Barcelona: Paidos, 2003. p. 203. A relao;ao entre demo-
cracia e a atividade judicial consiste em urn dos temas centrals da obra de Dworkin, o qual pode ser 
considerado como urn dos maiores te6ricos da atualidade acerca dos limites da atividade judicial. Nes-
sa obra -capitulo 4 - ao tratar da "igualdade poHtica", Dworkin ira advertir que o conceito de democra-
cia nao e unlvoco, ao contrcirio, e uma ideia de grande abstrar;ao e mesmo ambigOidade. Neste senti-
do, o autor propoe a existencia de duas concepr;Oes distintas sabre a democracia, a concepr;ao depen-
dente e a independente. Segundo a concepcao independente de democracia, esta consiste num meca-
nismo de distribuir;ao eqOitativa do poder sabre as decisoes poHticas de uma determinada comunidade. 
Neste sentido independente, a democracia nao e julgada pelos resultados que produz, mas sim, a panir 
do respeito a obser;ancia da vontade da maioria, ou seja, da ador;ao de procedimentos eleitorais que 
assegurem o direilo de panicipao;ao de todos os cidadaos, em sua funo;ao simblilica, de agencia e 
comunitaria. Na fun<;ao s1mb61ica existe a declarao;ao comunitaria de que o individuo possui as condi-
<;oes de panicipar das decisoes polilicas. Na funo;ao de agencia, o individuo assume a capacidade de 
fazer inserir suas pr6prias concepr;Oes marais no processo coletivo de tomada das decisoes politicas e, 
sob uma perspectiva comunrraria, trata-se de assegurar que o individuo se sinta como pane de uma 
comunidade que companilha de uma mesma tabua de valores e objetivos. Dworkin ira rejeitar esla 
concepo;ao independente - e formal - de democracia, muito embora reconhe<;a que esta concep<;ao e a 
que goza de maior estima junto a populao;ao, pois pressupoe uma aparente neutralidade sobre as op-
<;lies de uma comunidade. Opla, ponanto, por uma "concep<;ao dependente" de democracia, segundo a 
qual os resultados produzidos pelo sistema democrcitico interferem na concepcao sabre a justir;a ou 
adequao;ao deste mesmo sistema, no peninenle a distribuio;ao de recursos e oponunidades entre os 
cidadaos da comunidade none-americana. Segundo esta ultima concepo;ao "dependenle", os juizes 
exercerao uma funr;ao de capital importancia na democracia constitucional, ja que irao limitar a vontade 
das maiorias parlamentares alraves do controle de constilucionalidade das leis, ou seja, os resultados 
produzidos pelo sistema de distribuio;ao do poder politico serao avaliados pelos juizes a panir do direilo 
de igual respeito e considerao;ao ja presente na concepo;ao de Rawls, por exemplo. Segundo Dworkin, 
urn sistema democralico deve permitir '\gualdade de influencia" no processo politico, o que se da, fun-
damentalmente atraves da liberdade de expressao, motivo pelo qual uma concep<;ao independenle de 
34 Eduardo Appio 
Neste sentido, Dworkin estabelecera diferew;:as entre principios e 
polfticas, como intuito de demonstrar a existencia de uma unidade intlin-
seca inerente ao Direito a partir dos prindpios, os quais deveriio guiar os 
jufzes em suas decisoes15 • Os jufzes estarao jungidos, portanto, a uma or-
dem moral superior, ja que as decisiies judiciais devem se basear em 
princfpios, niio em estrategias polfticas. Ademais, o Dire ito como imegri-
dade insiste na observilncia dos precedentes ja existentes sobre o tema na 
fundamenta~iio das decisiies (vertical), bern como na rnanuten~ao dos 
mesmos fundamentos nas decisiies futuras (horizontal)36• 
Ronald Dworkin ini rejeitar, p01tanto, uma concep~ao jusnatura-
!ista do Direito17, passando a sustentar que a toda pretensao jurfdica cor-
responde uma ideia original, nao havendo espa9o para uma cria~iio dis-
cricionaria do juiz·". Em sfntese, as decisiies judiciais de vern ser tomadas 
em estrita observfincia de princfpios constitucionais que conferem inte-
gridade ao ordenamento, sob pena de serem ilegftimas ao afrontarem o 
sistema representativo sobre o qual se assenta a democracia nmte-
amelicana. Existe uma resposta c01reta que pode (e deve) ser obtida a 
democracia nao se coaduna com o poder de inf!uencia de determinados segmentos da sociedade tais 
como os proprietarios dos meios de comunicac;ao etc. 
35 MORAES, Germana de Oliveira. Op. cit., p. 26. Recorda a autora que Dworkin chama de diretriz ou 
diretriz polilica o tipo standard que pro poe um objetivo que tem de ser alcancado, geralmente uma 
melhoria em algum aspecto economico, politico ou social da comunidade. Chama "principios" a um 
standard que tern de ser alcancado nao porque favoreca ou assegure uma situacao economica, politica 
ou social que se considera desejavel. senao porque e uma exigencia da justi(a, da eqUidade ou de 
alguma outra dimensao na moralidade. Cademartori, ao tratar da 1mportancia dos princfpios na obra de 
Dworkin, recorda que "Se, no caso das normas comuns au regras. estas se aplicam ou nao aos casasconcretes dentro de uma perspectiva de 'tudo ou nada' (an all or nothing), os principios estabelecem as 
razoes para decidir de uma forma determinada e, ao contrario das outras normas comuns, o seu enun-
ciado nao determina as condic;oes de sua ap/icac;ao, mas sim, o seu conteUdo material ou peso especi-
fico, ou seja, o valor que encerram e que definem quando efes serao aplicados ou nao (CADEMARTORI, 
Luiz Hennque U. Discricionariedade administrativa no Estado constitucionaf de direita. 1. ed, 4. tir. 
Cuntiba: Jurua, 2004. p. 101) 
"Ct. DWORKIN, Ronald. Freedom's law: the moral reading of the American Constitution. Massachus-
sets: Harvard University Press, 1996. p. 83. 
37 Cf. CALSAMJGLIA, Albert. Apresentacaa il edicao espanhola do Jivro Derechos en serio, de. Ronald 
Dworkin, traduzido por Patricia Sampaio. Barcelona: Ariel, 1984. Segundo o autor, "Dworkin nao e um 
autor jusnaturalista porque nao ere na existencia de um direito natural que esta constituido par um 
cotifunta de pniJcipios unitarias, universais e imutaveis. A teoria do autor americana nao e uma caixa de 
torrentes transcendental que permite solucionar todos os problemas e que fundamenta a va/idez e a 
justi~a do d1ieito. Dworkin recusa o mode/a de argumenta~ao tipico do naturalismo - que se baseia na 
existencia de uma moral objetiva que o homem pode e deve descobrir. 0 autor americana tenta cons-
truir uma terceira via - entre o jusnaturalismo e a positivismo - fundamentada no mode/a reconstrutivo 
de Rawls". 
"CHUEIRI, Vera Karam de. A dimensao juridico·etica da razao: o liberaiismo juridico de Dworkin. 
Florianopolis. 217 p. Disserta,ao apresentada no curso de Mestrado em Direito da UFSC, p. 2. 
... .,·._ ... 
Controle Judicial das Politicas Pliblicas no Brasil 35 
-partir de uma pratica interpretativa por pmte dos jufzes, combinando-se 
princfpios e detennina~iies de objetivos politicos do legislador. 
Sobre o tema, Klaus GUnther recorda que 
0 descobrimento 011 a busca por nonnas impHcitas niio ocorre de modo 
arbitrGrio. Dw01*in insiste para que os juf;.es niio criem novas direitos. 
mas descubram os direitos que sempre existiram, ainda que freqiiente-
mente de modo implfcito. Esta argumentm;ao de D\rorkin e conseqiiente. 
porque, no (imago, direitos sfto de nature:a moral. portanto inacessfreis 
a intenrao positivadora. E/es n[ro silo derirados de l/111 aro legiferante Oll 
judicatiro. mas do direito ao respeito e considerarOes iguais, enraiz_ado nos 
fimdamentais princfpios /egirimadores de 11111a com1111idade
39 
-0 fundamento de legitimidade da atuac;iio dos jufzes nos casos difl-
ceis consistiria, portanto, mais na sua capacidade de deduzir princfpios 
morais regentes do sistema jurfdico a partir da propria Constitui~ao. Nao 
se pode olvidar, contudo, que Dworkin escreve a pmtir da experiencia 
judicial norte-americana, utilizando-se de precedentes nos quais a busca 
de um ptincfpio substancial de democracia impunha uma verdadeira ati-
vidade criadora, o que de modo algum se presta a uma universalizac;ao 
plena desta experiencia. 0 "Direito como integridade'' busca, em ultima 
analise, conceber soluc;oes judiciais que possam ser justificadas a pmtir 
de um modelo politico fundado na igualdade. 
A pergunta a ser feita, no tocante a legitimidade do modelo conce-
bido por Dworkin e: o modelo classico, que preve a eistencia de fmwoes 
distintas e especializadas dentro da organizac;ao do Estado, visando um 
exercfcio equilibrado e compartilhado do Poder, resolve e ex plica os pro-
blemas da p6s-modemidade? 
Pode-se afirmar que nao, na medida em que inumeras questiies de 
indole estritamente politica, as quais ate recentemente eram discutidas e 
resolvidas dentro da esfera- ou sistema- politico, agora sao trazidas dia-
riamente ao exmne do Poder Judiciario, dada a complexidade das ativida-
des desempenhadas pelo Estado e as colisoes de tais atividades com os 
" GUNTHER. Klaus. Teoria da argumenta<;ao no Direito e na Moral. Tradu<;ao de Claudio Molz. Sao 
Paulo: Landy, 2004. p. 410. Em outra passagem (p. 411) o autor recorda que "A exigencia de juslificar 
decis6es legislativas e judiciais, segundo uma teoria pofftica coerente. estabefece uma ponte entre 
argumentos principiol6gicos marais e decisOes a re.speito de normas jurfdicaS'. 
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36 Eduardo Appio 
intcresses de milh5es de pessoas no Brasil. Ronald D"·orkin argumenta 
que, 
Sem dlh·ida, e Perdade, como descririio hem geral, que mana democracia 
o poder estd nas miios do povo. Mas e par demais e\·idente que nenhuma 
democracia proporcimra a igualdade gemdna de poder politico. Muitos 
cidadtios, par wn motivo ou ozttro, stio inteiramente destittddos de privi-
legios. 0 poder econOmico dos grandes neg6cios garante poder po!ftico 
especial a quem os confere (. .. ) devemos levar em conta ao julgar quanta 
os cidadiios individualmente perdem de poder politico sempre que uma 
questiio sabre direitos individuals e tirada do legislati\'0 e entregue aos 
tribunals. Alguns pen:lem mais que outros apenas porque tem mais a per-
der( ... ;"0 
Tanto no Brasil, como nos Estados Unidos, os grupos empresariais 
exercem enonne influencia no processo de defini~ao das polfticas piibli-
cas pelo Executivo e pelo Legislativo, alijando, na maioria dos casos, os 
diretamente prejudicados pelas decis5es do processo democratico formal. 
Em artigo publicado em jomal de grande circula~ao no Brasil, Dworkin_ 
refere que o controle judicial sobre os atos do Legislativo nao e urn mo-
delo perfeito de exercfcio democratico do poder, mas, urn instmmento 
viavel, e que se tern mostrado eficiente na realidade norte-americana: 
Deste modo, niio e amidemocrdtico, mas pmte de um anunjo estrategica-
mente inteligente para garantir a democracia, estabelecer wn controle 
judicial sabre o que o Legis/ativo majoritariamente decide, gararztindo 
que os direitos iudividuais, que silo pri-requisitos da prOpria legitimida-
de deste, niio seriio violados. Natura/mente os jui~es, como os /egis/ado-
res, podem cometer erros em relariio aos dirdtos indiFiduais. 1\<fas a 
combinartto de legis/adores majorittirios, revisiio judiciale nomeariio dos 
ju[zes pe/0 Executivo provou ser wn dispositivo ra!ioso e filenamente de-
mocJ.;dtico para reduzir a injustira polfticano Iongo pra:;o 1• 
No caso brasileiro, a revisao de polfticas piiblicas pelo Poder Judi-
ciario sofre uma crftica mais intensa pela sociedade e pelos membros dos 
40 DWORKIN, Ronald. Uma questao de principios. Traducao de Luis Carlos Borges. Sao Paulo: 
Martins Fontes, 2000. p. 27. 
41 DWORKIN. Ronald. Juizes polilicos e democracia. 0 Estado de S. Paulo, Espaco Aberto, 26 abr. 1997. 
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Controle Judicial das Politicas Publicas no Brasil 37 
demais Poderes, os quais, tendo sido eleitos, sentem-se trafdos pelo fato 
de que a legisla9ao brasileira permite - cacla vez mais - a revisao de seus 
atos atraves do sistema misto de controle de constitucionalidade. 
Dworkin ira sustentar que a atividade judicial se funda num peculiar tipo 
de argumento, de natureza principiol6gica, o qual deve prevalecer em 
rela9ao aos argumentos de natureza polftica. Neste sentido, estabelece 
uma distin91io entre as decisoes polfticas de capital importancia para a 
presente tese, qual seja, entre questoes sensfl•eis c1 eleir;cio e questoes in-
sensfveis a eleircio, concluindo que as questoes de politic a sao "sensfveis 
a elei9ao" (e a vontade da maioria), enquanto que as quest5es de princf-
pio "nao sao sensfveis a eleis:ao", pennitindo, p01tanto, a interven9ao re-
guladora dos jufzes. Neste sentido, a decisao sobre a constnt91io de urn 
estiidio de esportes ou sobre a constm91io de uma estrada publica dependeda elei9ao da comunidade, o mesmo nao podendo ser aceito no tocante it 
discrimina91io racial ou it pena de morte42 • Existe, pOitanto, uma coJTes-
pondencia 16gica e necessaria entre participas:ao democratica e polfticas 
piiblicas. Nesta concep(:ciO substancial de democracia, os jufzes possuem 
uma grande importilncia, pois sera atraves da interpretac;:ao judicial dos 
princfpios constitucionais que o espa90 destinado a cada urn dos 6rg1ios 
doEstado sera fixado. Conclui-se que, it luz da concepc;:ao substancial de 
Dworkin sobre a democracia, o processo de formula9ao das polfticas pii-
blicas e uma questcio sensfvel a elei<;cio, o que se converte em urn impor-
tante argumento da presente tese em favor de uma limita~ao cia atividade 
judicial. 
1.2 JURISDIC;AO E DEMOCRACIA NO BRASIL A PARTIR DA 
CONCEPc;;:AO DE HABERMAS 
A teoria da at;cio comunicativa se funda, basicamente, na tentativa 
de solu9ao de urn problema de ordem polftica, qual seja, a legitimiclade 
da ordem jurfdica e os conflitos entre faticidade e validade, a partir de 
uma perspectiva socio16gica. Utiliza-se, para tanto, da concep91io de Kant 
"DWORKIN, Ronald. Virtud soberana: Ia teoria y Ia praclica de Ia igualdad. Traduccion de Fernando 
Aguiar y de Maria Julia Berlomeu. Barcelona: Paidos. 2003. p. 224. A obra foi originalmente publicada 
em ingles no ano de 2000. Nela, Ronald Dworkin ira dizer que "a decisao de usar ou nao os ftmdos 
ptiblicos disponiveis para construir um novo centro de espones ou um novo sistema de estradas e 
norma/mente sensivel a e/eir;Jo". Mais adiante escreve que "(...) a\decisao de matar ou ntw as assassi-
nos convictos ou de proibir a discriminat;ao racial no traba/ho parece. por outro /ado, insensivel a efei. 
t;ad'. 
38 Eduardo Appio 
acerca das diferens;as entre a moralidade e a legalidade", com o que in-
tenta explicar a vinculas;ao dos cidadaos ao Direito a partir de uma legi-
timidade buscada no consenso. Muito embora reconhes;a a complementa-
ridade entre o direito e a moral, Habennas adverte que, "Todavia, mesmo 
tendo pomos em comum, a morale o dire ito distbzguem-se prima facie, 
porque a mora/ p6s-tradicional representa apenas 111110 forma do saber 
cultural, ao passo que o dire ito adquire obrigatoriedade tambeznno n[vel 
institucional. 0 direito niio e apenas wn sistema de sfmbolos, mas tam-
bintum sistema de arGo"~. 
Neste sentido, sua analise est:i centrada na consideras;ao de que 
sera com o surgimento da modemidade que ocon·era uma transfonnas;ao 
da consciencia moral, sendo que, numa nova dimensao da moral institu-
cionalizada ou convencional, ela se revelara fundamental para a especifi-
cidade de mn novo direito". A forma como a democracia se expressa nas 
sociedades contemporaneas e analisada sob uma perspectiva kantiana, 
segundo a qual deve existir um consenso em torno das decisoes polfticas, 
tomadas no interior de espas;os publicos que permitem a interlocu<;ao en-
tre os cidadi\os. A comunicas;iio entre os cidadiios, atraves de instancias 
publicas, consistiria em um mecanismo eficiente para mitigar o processo 
de distanciamento da Administra<;iio em relas;ao a massa de eleitores, 
conseqiiencia natural das press6es exercidas no interior do sistema politi-
co pelos grupos organizados da sociedade. Habennas observa um fen6-
meno de absoluta insuficiencia dos mecanismos tradicionais de repre-
senta<;ao, segundo os quais os partidos politicos realizariam uma "filtra-
gem" das expectativas populares, razao pela qual prop6e um "modelo de 
"BOBBIO, Norbeno. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. 4. ed. Tradu(ao de Alfredo 
Fait Brasilia: UnB, 1997. Segundo Bobbio (p. 55), em Kant a distin(ao entre Morale Direito consistiria 
apenas na forma atraves da qual o individuo se obriga, pois enquanto no Direilo nao ha qualquer im· 
pulso inferno, na Moral existe urn impulso do agente voltado para a a(ao, ou seja, "o que laz da a(Oao 
conlorme a esre dever sucessivamente uma a(Oao moral au juridicae a dilerenre motiva(Oiio da a(Oad'. 
44 HABERMAS. Jurgen. Direito e democracia: entre lacticidade e validade. Tradu(ao de Flavia Beno 
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v.l, p. 141. 0 autor recorda, ainda, que (p. 141) 
"A concep(Oao empiricamenre in/armada, segundo a qual as ordens ;undicas completam.se co· 
originariamente uma moral que se tomou aut6noma, nao suporta par muito mais tempo a representa-
r;ao platonizante, segundo a qual existe uma relar;ao de c6pia entre o direito e a moral- como se tra-
tasse de uma mesma figura geometrica que apenas e projetada em niveis diferentes. Par isso, nao 
podemos interpretar os direitos fundamentals que aparecem na figura positiva de normas constitucio-
nais como simples c6pias de direitos marais, nem a autonomia polftica como simples c6pia da moral. 
lsso e devido ao fa to de que normas de ar;ao gerais se ramificam em regras marais e juridic aS'. 
45 CADEMARTORI. Luiz Henrique Urquan. Os fundamentos de legitimidade do Estado Constitucional: As 
analises de Weber e Habermas. tn: CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquart. Temas de Politica e 
Direito Constitucional Contemporaneo. Florianopolis: Momenta Atual, 2004. p. 5·20, p. 15. 
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Controle Judicial das Politicas Publicas no Brasil 39 
circula,ao do poder polftico". Neste sentido, ao tratar da democracia, Ha-
bennas constata que as teorias existentes ate a decada de 60 estavam an-
coradas em um modelo liberal de representa~ao popular, de acordo com 
as quais havelia uma integra<;ao entre a massa de eleitores e os govemos 
eleitos. Por isto ira sustentar, a partir de uma concep<;ao contemporanea 
da teoria dos sistemas - a qual inclui o chamado "mundo da vida" - que 
"lui evidf'lzcias de que o sistema administrativo s6 pode operar 1111111 es-
par;o muito estreito; parece que ele age mais no n[vel reativo de uma po-
!ftica que tenta contomar crises do que wna polftica que planeja"". 
Para tanto, Habennas reco!Te a uma teoria na qual todos os mem-
bros da comunidade jurfdica sao considerados sujeitos capazes de enten-
dimento e, portanto, de comunicas:ao, atraves da qual sera possfvel - a 
partir de um amplo debate - a obten<;ao de consensos acerca da legitimi-
dade das nom1as positivadas. Para Leone] Severo da Rocha, "a teo ria da 
ariio C0111llnicativa fomece instrumentais para 11111{1 me/hor compreensiio 
da racionalidade democratica e construr;iio de uma nova cultura polfti-
ca""'. Esta nova cultura polftica se assenta na chmnada "democracia pro~ 
cedimental" que se baseia na amplia<;ao dos espa<;os democraticos de de-
bate acerca das decis6es polfticas, transcendendo os limites da tradicional 
representa<;iio popular, a partir de uma perspectiva fundada em "uma 
pratica discursim dia/6gica, face a face e oriemada para o entendimento 
mzituo, atraves exclusivamellte da forr;a do me/hor argumemo""'. A teo-
ria da a,ao comunicativa vai buscar nos espa<;os paraestatais a formula-
<;ao de polfticas baseadas na delibera<;ao e no consenso dos cidadaos. 
Trata-se, pmtanto, de uma tese que busca conferir legitimidade a atua<;iio 
do Estado contemporaneo, a pmtir de uma 16gica discursiva, para a qual 
contribuem as opinioes do maior numero possfvel de cidadaos. A legiti-
midade das nonnas jurfdicas, a ser obtida a partir da efetiva participa<;iio 
'' HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradu~ao de Flavia Beno 
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v.ll, p. 61. 
" ROCHA, Leone! Severo da. Direito, cultura politica e democracia. Anuario do programa de p6s· 
gradua(ao em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Sao Leopolda: 2000. p. 
141·157, p. 156. 
'
8 GESTA LEAL Rogerio. Os pressupostos episternologicos e filosoficos da gestao das politicas publi· 
cas no Estado Democratico de Oireito. In: GESTA LEAL, Rogerio (Org.). Direitos Sociais e Politicas 
POblicas: Desafios

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