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TEXTO SÓ SE EDUCA COM PAIXÃO Hildebrando Barbosa Filho Só educa quem está apaixonado. A educação, como tantas outras, deve ser uma relação amorosa, exposta ao “selo” que imprime cor, graça e sentido à vida, como diz o poeta itabiriano. Estou falando de educação, que vem de “educare” (tirar você desse lugar e pôr num outro), e não do simples processo escolar que se exaure no campo formal do ensino-aprendizagem. Ora, isso ficou para o professor e não para o educador. Quem educa não só cumpre um papel dentro da máquina burocrática do saber, mas quer sobretudo parar nas pessoas: quer atingi-las por inteiro, buscando aquele espaço mágico que está para além do intelecto: a atitude e a sensibilidade. É exatamente aqui que o educador quer mexer. É exatamente aqui onde reside o sentido maior da “coisa”. É exatamente por isso que, não havendo paixão, todo o resto perde o significado... O ser apaixonado vive permanentemente a expectativa do outro. É assim que está o educador, tanto fora como dentro da sala de aula. O outro é a sua matéria prima; a pessoa e não somente o saber é o que lhe motiva; o ser humano, no fundo mesmo, é o que importa. Porque antes de se materializar na camisa de força da transmissão de conhecimentos, a relação pedagógica possibilita um encontro: são duas ou mais pessoas que ocupam o mesmo espaço durante um tempo mais ou menos longo. Estão ali e se vêem, se observam, se indagam, pensam, refletem, riem, se aborrecem, se falam, silenciam... conformando paulatinamente aquela atmosfera de intimidade que deve resultar, quase sempre, num bem querer... A relação pedagógica é, portanto uma relação humana. Deve ser vivenciada sempre no plano do concreto, porque as pessoas são concretas e não seres abstratos. Eles existem a partir de uma simultaneidade de situações, sensações e pensamentos, que não dá para generalizá-las sob o rótulo dessas ou daquelas categorias teóricas. As pessoas não são conceitos. As pessoas são pessoas: com carências, conflitos, perplexidades... é mudá-las, transformá-las, não por um acréscimo da carga informativa, mas por levá-las a assumir novas atitudes, alcançando novas percepções, vendo o mundo e a vida com um outro olhar; saindo do lugar onde estão para apanhar as experiências num ângulo de um outro lugar; motivá-las para a vida; mostrar-lhes o caminho da paixão pelas coisas; incutir-lhes a curiosidade, o interesse, a necessidade “alegre” de novas descobertas... Mas só o educador que pensa e age assim realmente educa. O educador que não ensina o saber para ensinar a paixão. E só ensina paixão quem está apaixonado. Quem se move inteiramente pelo encanto da relação, pela fascinação do outro. Quem quer chamá-lo a si para esse encontro que tende a se multiplicar nesse mundo de experiências feitas. Quem quer invadir o espaço da sala de aula justamente para revelar que a relação não acaba ali; que o bem querer não se esgota ali; que a paixão pedagógica só tem sentido quando se movimenta para o mundo, para fora do “eu” apaixonado. O ser humano capta muito mais o ser do que o saber do outro. É o outro que, com sua atitude, sua postura, sua paixão, pode nos retirar de onde estamos. É a pessoa, mais que o conteúdo, que nos pode motivar. Porque se não ficar o saber, fica a verdade de uma paixão. E nada nos inquieta mais do que certas verdades vividas na pele. E inquietos estando, nos predispomos, sem fronteiras, para a relação pedagógica. Relação que se caracteriza não só pela paixão de quem ensina, mas também pela paixão de quem quer aprender. (Jornal, O NORTE, 19 de abril de 1989)
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