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Autora: Profa. Daniela Emilena Santiago Colaboradoras: Profa. Josefa Alexandrina da Silva Profa. Ivy Judeinsnainder Teoria Política Contemporânea SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Professora conteudista: Daniela Emilena Santiago Assistente social graduada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e mestranda em História pela mesma universidade. Atualmente é funcionária pública do município de Quatá/SP, atuando como assistente social junto à Secretaria Municipal de Promoção Social. Exerce também a função de docente e líder junto ao curso de Serviço Social da Universidade Paulista (Unip). Partindo de sua vinculação à Unip, como docente atuante no curso de Serviço Social, emergiu a oportunidade de seu atrelamento também ao curso de graduação em Serviço Social na modalidade SEI, prestada pela Unip Interativa, o que lhe proporcionou a oportunidade de ministrar aulas de diversas disciplinas nessa modalidade de ensino. Além dessa inserção, ministrou, na modalidade SEPI, aulas da disciplina Política Social de Saúde no curso de pós‑graduação de Gestão em Políticas Sociais, oferecido pela Unip. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S235t Santiago, Daniela Emilena Teoria Política Contemporânea. / Daniela Emilena Santiago. – São Paulo: Editora Sol, 2016. 120 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXII, n. 2‑125/16, ISSN 1517‑9230. 1. Teoria política. 2.Biopolítica. 3. Neoliberalismo. I. Título. CDU 32 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Elaine Pires Juliana Mendes SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Sumário Teoria Política Contemporânea APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 BIOPOLÍTICA E BIOPODER: A PERSPECTIVA DE MICHEL FOUCAULT ..............................................9 1.1 O conceito de poder ...............................................................................................................................9 1.2 Biopolítica e Biopoder ....................................................................................................................... 16 2 “ESTADO DE EXCEÇÃO COMO REGRA”: O IMPASSE POLÍTICO CONTEMPORÂNEO NO PENSAMENTO DE GIORGIO AGAMBEN ...................................................................................................... 22 2.1 O Estado de Exceção no cenário internacional e no Brasil ................................................. 31 2.1.1 O Estado de Exceção no cenário internacional .......................................................................... 31 2.1.2 O Brasil e o Estado de Exceção .......................................................................................................... 35 2.1.3 Estado de Exceção e contemporaneidade no Brasil ................................................................. 45 3 MULTIDÃO E DEMOCRACIA: A PERSPECTIVA DE MICHAEL HARDT E ANTONIO NEGRI ...... 47 3.1 Spinoza e o conceito de Multidão: algumas aproximações ............................................... 48 3.2 Multidão e Democracia: as contribuições de Hardt e Negri ............................................... 49 3.2.1 Multidão no pensamento de Hardt e Negri ................................................................................. 49 3.2.2 Democracia conforme Hardt e Negri .............................................................................................. 54 4 EM BUSCA DA POLÍTICA: O DIAGNÓSTICO DE ZYGMUNT BAUMAN ......................................... 63 Unidade II 5 A PERSPECTIVA DE BOAVENTURA SANTOS SOBRE A PARTICIPAÇÃO SOCIAL E O CONTEXTO HISTÓRICO DO BRASIL ....................................................................................................... 75 5.1 A democracia e a participação popular de Boaventura Santos ........................................ 75 5.2 O Brasil e a Democracia ..................................................................................................................... 82 6 O PODER DAS REDES: A FORTUNA CRÍTICA DE MANUEL CASTELLS .......................................... 83 7 CAPITALISMO GLOBAL E TECNOLÓGICO ................................................................................................ 88 8 NEOLIBERALISMO............................................................................................................................................ 89 8.1 O Liberalismo, o papel do Estado e o Welfare State .............................................................. 90 8.2 O Neoliberalismo no cenário internacional ............................................................................... 95 8.2.1 Brasil e Neoliberalismo .......................................................................................................................101 7 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 APRESENTAÇÃO Nesta disciplina, buscaremos discutir as mais variadas conceituações sobre o Estado que têm sido atribuídas pelos teóricos contemporâneos, considerando para tanto o contributo de autores vinculados à perspectiva crítica marxista. Por assim dizer, na disciplina em pauta, estudaremos ainda aspectos relacionados ao desenvolvimento capitalista, tendo em vista a correspondência que há entre o formato de produção de uma sociedade e a definição do Estado. Por conseguinte, esta disciplina é fundamental para de instrumentalizá‑lo na construção crítica do conceito de Estado, assim como no entendimento da influência que os meios de produção exercem na determinação deste e dos fenômenos correlatos a esse processo. Assim, o alcance desse estudo buscará oferecer a você parâmetros para analisar criticamente a realidade em que estamos inseridos na perspectiva da totalidade, compreendendo como uma série de eventos políticos, econômicos e sociais estão imbrincados e conformandoa vida em sociedade. Por oportuno, nesta disciplina ofereceremos a você conceitos extremamente valiosos para a sua formação como sociólogo, e tais conceitos irão instrumentalizá‑lo para a atuação em qualquer área em que seja inserido futuramente, na docência, na pesquisa, no gerenciamento de políticas sociais, ou quaisquer outras áreas de atuação. INTRODUÇÃO Vamos adentrar os conteúdos de nossa disciplina. Abordaremos as diversas formas de conceituar o Estado, segundo as perspectivas de Michel Foucault e Giorgio Agamben. Com tais teóricos pretendemos apresentar a você os conceitos de poder e Estado de Exceção, demonstrando assim compreensões distintas e complementares sobre a constituição do Estado. Na sequência apresentaremos um conceito diferenciado sobre a forma do poder ser exercido por meio do conceito de Multidão abordado por Hardt e Negri. Com esses autores também discutiremos a questão da Democracia e do direcionamento dessa forma de governo a escalas gerais, ou seja, formas diferenciadas de poder a serem instituídas em todo o globo, na sociedade geral. Encerrando, abordaremos a perspectiva de Bauman sobre a política, não sendo, nesse caso, realizada uma conceituação sobre o Estado, mas sim sobre a atual configuração política que observamos na sociedade contemporânea e para a qual concorre o desenvolvimento econômico vigente na era dos monopólios. Dando seguimento aos nossos estudos, abordaremos as perspectivas de Boaventura Santos e Manuel Castells. Ao passo que Boaventura Santos discute a relevância da participação popular na sociedade atual, indicando a relevância dos espaços de participação popular para além do voto, Castells discute a relevância e a potencialidade das redes. 8 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Concluindo os nossos estudos, abordaremos ainda questões que nos permitirão conhecer o desenvolvimento capitalista contemporâneo, que, como sabemos, é assentado no desenvolvimento tecnológico. Derivando de tais colocações, abordaremos aspectos afetos ao desenvolvimento do Neoliberalismo no Mundo e também em nosso país. Vamos dar início aos nossos estudos, afinal, os conteúdos aqui abordados são fundamentais para sua formação acadêmica e para sustentar seu exercício profissional futuro. 9 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA Unidade I 1 BIOPOLÍTICA E BIOPODER: A PERSPECTIVA DE MICHEL FOUCAULT Prezado aluno, convidamos você para dar início a nossos estudos com base nas valiosas contribuições de Michel Foucault. Recorrendo a esse teórico, abordaremos o conceito de poder para, na sequência, também compreendermos as formulações foucaultianas de Biopolítica e Biopoder. Antes de adentrarmos a discussão teórica posta, gostaríamos de apresentar a você Michel Foucault. Bem, Foucault foi um filósofo, historiador e crítico literário francês que dedicou grande parte dos seus estudos a discutir a questão do poder. Nesse sentido, Foucault empreende uma análise sobre a relação existente entre poder e saber. Em sua análise discute a importância do poder do Estado, mas orienta também seus estudos para entender outras formas de expressão do poder, em várias instituições e nas relações cotidianas. As primeiras produções foucaultianas foram ancoradas na arqueologia – tendo em vista a grande recorrência do autor a dados e informações históricas – e colhidas de diversas fontes. Como exemplo dessa colocação podemos citar o livro História da Loucura, escrito pelo autor em 1961, no qual temos uma descrição pormenorizada sobre o desenvolvimento da loucura no mundo. Nessa obra, Foucault indica as diversas formas de entendimento do louco que surgiram na sociedade e destaca ainda as ações que eram desenvolvidas nos mais diversos momentos históricos junto a esse segmento. Assim, podemos indicar que Foucault vivenciou, em sua produção acadêmica, uma fase inicial em que os seus estudos estavam assentados em dados arqueológicos. Nesse estágio, o autor construiu sua produção com recorrência a dados históricos acerca de tais fenômenos. Após essa fase, a obra de Foucault foi orientada para a produção de estudos sobre a evolução do poder nas sociedades e suas especificidades. Assim, os estudos genealógicos são construídos embasados nos eventos históricos, porém, considerando a sua evolução na sociedade nos mais variados momentos e incluindo em sua análise o estudo da realidade contemporânea. Na sequência, passaremos a discutir o conceito de poder contido na obra de Foucault. 1.1 O conceito de poder A análise de Foucault sobre o poder está posta em grande parte de seus trabalhos. No entanto, em Microfísica do Poder, lançado em 1979, temos quase um tratado sobre o poder e suas diversas formas de expressão. É importante que se destaque que essa obra de referência é composta por textos de entrevistas e conferências de que Foucault participou, assim como por textos que o autor mesmo escreveu. A análise de toda a obra do autor nos dá, no entanto, uma ampla visão de sua construção teórico‑conceitual. 10 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Unidade I Bem, Foucault nos coloca que as análises até então empreendidas em relação à questão do poder, sobretudo os estudos mais críticos, acabam constituindo, enquanto objeto de estudo, as formas de expressão do poder por meio dos Estados que têm sido constituídos. Na verdade, o autor entende que o Estado é uma forma de poder, porém, não a única. Assim, o que Foucault pretende é discutir as expressões de poder que estão presentes em outros momentos do viver do ser humano para além de sua expressão no Estado. Para isso, o autor observou como as relações de poder estão presentes no tratamento conferido à loucura e ao doente mental, o que teria resultado em obras como História da Loucura (1961) e Nascimento da Clínica (1963), que olham para o fenômeno do atendimento ao louco considerando para tanto as relações de poder que são firmadas nesses espaços. Melhor dizendo, Foucault olha para como o poder é exercido nas relações cotidianas estabelecidas pelo homem e, no caso específico, examina como essas relações se expressam nas instituições constituídas no espaço de atendimento psiquiátrico. Nesse sentido, as obras nos apresentam a intervenção psiquiátrica ao longo dos anos e as práticas desenvolvidas e voltadas à normalização mental dos indivíduos, mas, além disso, nos chamam atenção para a “mecânica do poder” e para a “concretude do poder” (FOUCAULT, 1979, p. 7), ou seja, indicam os dispositivos que efetivam o poder em tais instituições e chamam atenção para o poder como algo concreto, para além da teoria, como algo real presente na vivência do homem. Além disso, o autor realizou a análise das prisões, sobretudo por meio da obra Manicômios, Prisões e Conventos, publicada em 1961, em que destaca quão repressoras são as prisões. Para tanto, conforme Foucault (1979), na prisão a expressão do poder é considerada como algo inerente àquela instituição, e a repressão utilizada nesses espaços como expressão de poder se manifesta sem que para isso precise se justificar. Na prisão, o poder se apresenta como tirania, mas, mesmo assim, não é percebido dessa forma, posto que é compreendido como uma suposta vitória do bem sobre o mal. Equivale a entender que todas as pessoas que ali estão merecem esse tratamento. Melhor dizendo: “A prisão é o único lugar onde o poder pode se manifestar em estado puro em suas dimensões mais excessivas e se justificar como poder moral. Tenho razão em punir pois vocês sabem que é desonesto roubar, matar [...]”(FOUCAULT, 1979, p. 43). Por conseguinte, Foucault aproxima seu estudo à realidade, ou seja, sua análise aborda questões que estão presentes no dia a dia da sociedade. Aliás, o autor chega até a criticar as teorias que discutem conceitos muito distantes da realidade concreta. No sentido posto, Foucault tece uma série de colocações ao marxismo indicando que tal corrente teria sido um dos principais responsáveis por estudar a questão do poder, porém, as teorias marxistas são suficientes apenas para explicar conceitos distantes da realidade cotidiana das pessoas. Na verdade, o autor faz uma crítica contundente à produção acadêmica, que sempre buscou estudar aspectos gerais da realidade ao passo que indica como relevante a mudança na produção de conhecimento observada a partir da Segunda Guerra Mundial, em que os produtores do conhecimento passaram a olhar mais para setores determinados e específicos da vida do homem. Esse perfil de pesquisador Foucault denomina “intelectual específico” (FOUCAULT, 1979, p. 9), visto que se ocupa 11 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA da produção de conhecimento junto a questões específicas do fazer humano. Assim, tais pesquisas nos indicariam a conhecer mais sobre o poder e sobre como o poder está presente e se expressa nas relações diárias. Observação O texto IV, “Os intelectuais e o poder” (FOUCAULT, 1979), traz a descrição da entrevista entre Foucault e Gilles Deleuze. Deleuze foi um filósofo francês que estabeleceu um forte vínculo de amizade com Foucault. Na perspectiva foucaultiana, caberia a esse intelectual desvelar os entendimentos sobre o poder presentes na realidade e instrumentalizar as massas, transmitindo a elas informações sobre o poder. Assim, para o autor, o intelectual tem um papel de destaque por desmistificar a realidade que está envolta nas expressões de poder. O papel do intelectual não é mais o de se colocar “um pouco na frente ou um pouco de lado” para dizer a muda verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da “verdade”, da “consciência”, do discurso (FOUCAULT, 1979, p. 42). De tal maneira, Foucault ressalva que o intelectual tem um papel de destaque na luta contra o poder imposto. Para ele, a produção teórica é uma forma de oferecer às massas o embasamento de que necessitam. Portanto, compreende a teoria como uma forma de luta, uma maneira de construir um discurso contra o poder instituído. Nesse sentido, o autor exemplifica com o estudo realizado junto aos presídios, indicando que só poderemos compreender o poder amplamente se analisarmos o discurso do preso sobre as formas de expressão do poder em sua realidade cotidiana. O intelectual possuiria assim as condições necessárias para construir um contradiscurso. Esse contradiscurso é entendido por Foucault como uma possibilidade de mudar aquilo que é instituído como verdade e que por conseguinte determina também o que é compreendido como poder. No que diz respeito ao poder, conforme diz Foucault, após suas pesquisas, podemos inferir que o poder está diretamente relacionado ao conceito de verdade. Para ele, a verdade é relacionada aos conceitos que possuímos sobre os fenômenos com os quais nos deparamos. Assim, a verdade também é uma produção do poder, e, muitas vezes, provém de coerções. Melhor dizendo, o que é verdade em uma sociedade busca explicar a realidade, mas essa explicação expressa também o poder, visto que, muitas vezes, o que entendemos como poder provém de uma interpretação que foi em nós criada. Aquilo que uma sociedade produz como verdade, por outro lado, também produz resultados na construção do que é definido como poder. Por conseguinte, verdade e poder são conceitos que estão totalmente relacionados e interdependentes. Tanto a verdade influencia o poder como o poder é construído pela verdade. 12 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Unidade I Foucault ainda nos coloca que cada sociedade tem uma verdade que é construída socialmente. Cada sociedade tem determinados discursos que aceita e outros que refuta. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro (FOUCAULT, 1979, p. 10). Por conseguinte, não há verdades absolutas, mas o que é verdade vai depender de cada sociedade, e também o que é poder, e como deve ser distribuído. Assim, podemos inferir que para Foucault poder é verdade e, como tal, é construído em cada sociedade. Podemos também concluir que o intelectual tem um papel relevante em tornar conhecidas as expressões de poder, sobretudo às massas. Mas a noção de poder não se esgota no que apontamos supra. Aliás, para que possamos entender amplamente o conceito de poder de Foucault precisamos avançar em nossos estudos. Foucault (1979, p. 43), em sua discussão sobre o poder, coloca‑nos que este é exercido por meio do que denominou “pueridade” dos exercícios do poder. Conforme o autor nos diz, muitas vezes o poder se exerce por técnicas que são usadas para “educar” crianças, por exemplo, quando na prisão os presos permanecem apenas a pão e água. É uma técnica pueril, infantil, buscando obter sujeição por meio de um castigo. Assim, Foucault nos coloca que não sabemos ainda o que é poder, e esse conceito está em constante construção. O autor nos diz que o poder é algo que pode ser visível ou invisível, expressando‑se de forma subliminar. Coloca que o poder está investido e presente em toda parte, mesmo que nem sempre isso seja perceptível. Assim, o poder não está presente apenas no Estado, mas em todos os momentos da vida do ser humano. Aliás, podemos dizer que o grande diferencial da obra de Foucault reside no fato de chamar atenção para as outras formas de expressão do poder às quais o homem está exposto. “Mas quando penso na mecânica do poder, penso em sua forma capilar de existir, no ponto em que o poder encontra o nível dos indivíduos, atinge seus corpos, vem se inserir em seus gestos, suas atitudes, seus discursos, sua aprendizagem, sua vida quotidiana” (FOUCAULT, 1979, p. 74). Portanto, o autor nos coloca que quando há uma luta pelo poder, há uma luta sob um foco particular de poder. Quando há, no entanto, uma denúncia sobre um foco particular de expressão do poder, podemos então ter uma luta. Sempre que há denúncia, há luta. A luta não precisa acontecer com os envolvidos presentes na mesma área geográfica, mas sim que tenham vinculação com a denúncia. Vamos pensar em um exemplo? O caso de mulheres que lutam contra a opressão masculina, elas não estariam denunciando um foco particular do poder? Sim, estariam, o poder exercido por homens. Precisariam as mulheres residirem no mesmo espaço, no mesmo território? Não, isso não seria necessário. 13 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA Outro aspecto extremamente importante destacado por Foucault em relação ao poder é a questão da disciplina, termo usado pelo autor no sentido de que o poder é alcançado por meio dela, do controle dos corpos. O autor nos coloca que a imposição de uma disciplina para o domínio do homem é uma técnica de exercício dopoder que é utilizada há um longo tempo, sobretudo nos primeiros exércitos e nas escolas. Inicialmente, segundo o autor, nos exércitos e também nas escolas não havia uma organização, e mesmo no exército os soldados eram amontoados nos espaços. No século XVII, foi inserida uma forte disciplina nesses espaços, visando assim orientá‑los. Com o tempo, sobretudo no começo do século XVIII, a disciplina nas escolas, no exército e em vários outros espaços passou a ser utilizada, conforme Foucault, para alcançar uma ação. A disciplina imposta sobre um corpo faz que ele adote a ação desejada. Por conseguinte, a disciplina é uma forma de exercer o poder. Além disso, a disciplina é também uma técnica de poder que possibilita a vigilância perpétua. O autor ainda nos coloca que a disciplina, para fazer valer o poder, demanda um registro contínuo. Dessa forma a vigilância é possível. Nesse registro, nenhum detalhe escapa. Toda essa ação tem como alvo e resultado os indivíduos. Apenas para provocar maiores reflexões sobre a questão da disciplina, considerando a realidade contemporânea, observe o texto a seguir. Especialistas em educação analisam diferentes formas de criar os filhos Chegamos ao tempo em que resgatar antigos costumes é uma boa alternativa para solucionar velhos problemas. Uma das tarefas mais difíceis, e que exige tempo e dedicação, é educar os filhos. A escolha entre uma educação rígida, com normas e limites, como os antigos defendiam, se confronta com uma maneira altruísta, em que as crianças ficam no poder e garantem mimos e vontades. Mas, afinal, qual é o melhor caminho? De que forma o comportamento dos adultos influencia a educação infantil? Os filhos geralmente se espelham no comportamento dos pais, mas é uma ideia equivocada achar que todos os problemas e, principalmente, o que as crianças fazem de errado seja culpa da mãe e do pai. E talvez isso passe despercebido, em meio a uma vida tão agitada e cheia de afazeres. Também é difícil entender que as necessidades das crianças, atualmente, são diferentes daquelas que todos vivemos anteriormente. Isolar os conflitos e vivências da infância de cada pessoa é algo desafiador. Tampouco as crianças filhas dos mesmos pais são iguais, ainda que carreguem carga genética similar; muitas vezes elas precisam ter tratamentos diferenciados. Em meio a tantos questionamentos, como educar as crianças, com rigidez ou flexibilidade? Atualmente, um dos grandes dilemas das famílias é a falta de limite. Conseguir dizer não para uma criança que vive um cotidiano carregado de estímulos está mais trabalhoso. É melhor ceder a todas as vontades das crianças para agradá‑las ou saber dizer não na hora certa? Como ser forte e transmitir aos filhos o que é aceitável, adequado e essencial? Muitos pais cedem por comodismo, porque superficialmente parece mais fácil dizer sim às crianças, sem pensar que isso pode acarretar danos futuros. A frustração dos filhos traz sofrimento 14 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Unidade I aos pais, que distorcem a realidade, sem deixar que as crianças façam suas escolhas e aprendam suas consequências de forma sadia. Interagir com a vida ao redor é fundamental para a criança. Dalila Amorim Simas, 60, coordenadora do Centro de Educação Infantil Criarte, defende o uso da metodologia sociointeracionista, que busca a interação do sujeito com o meio social no qual ele está inserido, contribuindo para a construção do seu conhecimento. Segundo Dalila, com essa construção, o aluno é capaz de interagir com o grupo através da mediação do professor, enriquecendo e ampliando sua aprendizagem, formulando ideais e hipóteses particulares que resultam em um trabalho de criação e significado. Sobre birras e desrespeito, Dalila diz que a conversa e a reavaliação sobre o que foi combinado com a própria criança entram em ação. A professora fala em voz baixa e fica na mesma altura da criança, demonstrando a ela segurança e repetindo o que ficou combinado para a execução e a continuação da proposta de trabalho. — Quando precisamos conversar com os pais, a respeito de qualquer assunto e sobre seus filhos, realizamos uma conversa informal, assinalamos os pontos positivos e os que necessitam de reforços, respeitando cada caso e cada criança ‑ explica Dalila. A tecnologia trouxe momentos cômodos para os pais, porém, traz consequências para as crianças, já que deixam de interagir totalmente com o meio social. Como as crianças podem entender que é permitido usar a tecnologia em casa, para se distrair, e serem reprimidas na sociedade? Simone Almeida, 42, sócia e administradora do Criarte, fala sobre esse problema atual. — Alguns pais que em casa são permissivos demais com os seus filhos para não serem incomodados, podem fazer as suas tarefas e assistir a seus programas sossegados, liberam televisão, eletrônicos como iPad, aplicativos como Netflix, jogos de video game como Nintendo, jogos no celular. Tudo sem qualquer limite para crianças de 3, 4, 5 anos. E, quando estão na escola, entre amigos ou família, os pais ficam envergonhados em virtude das atitudes e da falta de limite, que deveria começar em casa. Algumas vezes os pais cobram que a escola ensine coisas básicas, mas essas coisas só vão funcionar se houver exemplo em casa ‑ conclui. [...] Fonte: Goulart (2016). Exemplo de aplicação Analisando a matéria inserida, reflita sobre os seguintes quesitos: a) A disciplina para crianças pequenas, como a que fora representada no texto, é positiva ou negativa? Quais seriam os aspectos que justificariam ou então refutariam a recorrência a práticas assentadas na disciplina de crianças? b) As relações familiares estabelecidas entre pais e filhos também constituem expressões de poder? 15 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA Na verdade, isso nos leva a outros conceitos que estão vinculados à questão do poder, sendo estes o de punição e de vigilância. Retomaremos o conceito de disciplina no item subsequente. Foucault nos coloca que até meados do século XIX vigiar era considerado melhor do que punir. A partir desse período surgiu uma nova expressão do poder, para além de vigiar, em que a punição assumiu um papel de destaque. A punição também funciona como um exemplo para que outras pessoas não cometam o mesmo erro. A punição incide sobre o corpo. No corpo é que temos a grande expressão do poder. O poder, quando exerce influência coletiva, gera o corpo social. O corpo social pode ser equiparado à consciência social. Essa constituição do corpo social e, em tese, da aceitação do poder acontecem por meio da formação de uma subjetividade. Ou seja, não podemos acreditar que o poder seja exercido somente por meio da repressão; antes, temos de compreendê‑lo como decorrente de uma manipulação da subjetividade, o que torna, muitas vezes, difícil sua percepção. Assim, se a subjetividade do ser humano é condicionada ao fato de que este tem de obedecer a determinadas regras e normas, é muito difícil que a pessoa que foi assim condicionada percer isto. Pois se o poder só tivesse a função de reprimir, se agisse apenas por meio da censura, da exclusão, do impedimento, do recalcamento, à maneira de um grande superego, se apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil. Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos a nível do desejo − como se começa a conhecer − e também a nível do saber. O poder, longe de impedir o saber, o produz. Se foi possível constituir um saber sobre o corpo, foi através de um conjunto de disciplinas militares e escolares (FOUCAULT, 1979, p. 84). Isso porque não podemos associar o poder “apenas” aatos agressivos, mas devemos compreendê‑lo também como algo que acontece, muitas vezes, sem que as pessoas percebam. Em grande parte das vezes o poder é manifesto por meio do discurso. Discurso que está expresso em grande parte das relações sociais que o ser humano estabelece. Tais relações, conforme Foucault, também são, por conseguinte, relações de poder. [...] em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso (FOUCAULT, 1979, p.101). Assim, essas relações não estão expressas apenas no aparato estatal, ou no meio jurídico, mas presentes nas relações de trabalho, nas relações familiares, nas relações escolares, entre outras afins, reforçando assim a perspectiva do autor, segundo a qual o poder está expresso em todas as relações. Sintetizando, podemos concluir que para Foucault poder tem relação direta com a verdade; cada sociedade constrói sua verdade e isso influencia em seu entendimento e em sua organização sobre o poder. Há técnicas pueris para o exercício do poder, e este pode ser percebido pelo ser humano ou 16 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Unidade I pode estar oculto. Vimos ainda que o poder não recorre apenas a atos agressivos, mas também molda a subjetividade das pessoas. Vimos, por fim, que a disciplina, a punição e o ato de vigiar também integram o conceito de poder. Na sequência, abordaremos outros conceitos de Foucault: Biopolítica e Biopoder. 1.2 Biopolítica e Biopoder Bem, adentrando os conceitos de Biopolítica e Biopoder, é preciso que se diga que eles não estão contidos em uma única obra de Foucault, mas sim diluídos em vários trabalhos do autor. Danner (2010) nos diz que a primeira vez que Foucault teria feito uso do termo “Biopolítica” teria sido em 1979 em uma palestra no Rio de Janeiro, intitulada O Nascimento da Medicina Social. No entanto, os conceitos análogos a Biopolítica e Biopoder já teriam sido abordados pelo autor em Vigiar e Punir (1975). Tais conceitos foram retomados na obra de Foucault nos cursos que ministrou no Collège de France, em 1970, os quais resultaram na obra Nascimento da Biopolítica, de 1978‑1979. Este último livro seria o mais orientado à discussão dos conceitos de Biopolítica e Biopoder. Para o entendimento de tais conceitos é basal a compreensão do que Foucault entendeu por disciplina, e foi em Vigiar e Punir que o autor fez as maiores considerações sobre o assunto. Abordamos a questão da disciplina quando discutimos sobre o poder, e agora retomaremos para melhor estruturar nosso conhecimento sobre o tema. Foucault (1975) nos coloca que a disciplina integra o desenvolvimento do ser humano; para tanto, somente a partir do século XVII ela passou a ser utilizada como uma técnica de poder orientada a alcançar o controle dos corpos. Esse controle visaria alcançar resultados no âmbito macropolítico, que seria fundamental na consolidação do Estado Liberal. Assim, cabe ressaltar que o Estado Liberal se caracteriza pela ausência de intervenção nas questões sociais. Trata‑se das protoformas do Estado Mínimo. Lembrete Conforme salientamos, Foucault analisa as múltiplas formas de expressão do poder, compreendendo que o Estado é um dispositivo de poder, porém não o único. Foucault nos coloca que por volta dos séculos XVII e XVIII as monarquias soberanas até então hegemônicas foram sendo substituídas por outros formatos de Estado, os quais deixaram de recorrer ao poder do soberano e passaram a estar assentados na utilização das disciplinas. Por conseguinte, o poder, que antes era concentrado na figura do rei, agora passa a ser diluído nas instituições por meio das disciplinas, mesmo que em grande parte das vezes esse poder não seja percebido. Mas em que medida a disciplina é importante para o Estado? Podemos nos perguntar. Foucault poderia então nos responder que a disciplina é importante porque auxilia no estímulo da criação do corpo dócil, controlado e servil ao Estado. Além disso, o autor nos diz que a disciplina torna o exercício 17 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA do poder menos custoso, ou seja, menos cansativo. Dessa forma, os efeitos e resultados do poder são intensificados, potencializados. Dada a sua natureza, a disciplina, nesse contexto específico, aumenta a docilidade dos corpos. O autor nos diz ainda que a disciplina é exercida por meio de três dispositivos nomeados por ele como olhar hierárquico, sanção normalizadora e exame. O olhar hierárquico relaciona‑se à vigilância exercida sobre os corpos; a sanção normalizadora faz menção aos mecanismos penais que são constituídos visando à punição daqueles que não se encaixam no que é disciplinado; e o exame consiste na análise do sujeito após o processo de disciplinamento. Essas disciplinas, no dizer de Foucault, foram potencializadas no século XVII porque foi nesse momento que tivemos o surgimento e a grande expansão de instituições como o exército, a escola, o hospital e a fábrica. Isso porque nesse momento a disciplina poderia ser utilizada em um espaço, com uma finalidade a alcançar. Os resultados das técnicas disciplinares passam a ser mensurados, checados, acompanhados e orientados. Dessa maneira, forma‑se o corpo dócil, que é funcional ao Estado Liberal, mas que também é funcional às necessidades das instituições aqui citadas. Agora, no Estado Liberal, o ser humano passa a ser necessário à acumulação capitalista. Por isso ele precisa ser disciplinado, controlado, moldado. Foucault entende que a disciplina torna‑se assim um dispositivo para se exercer o poder, mas também para atender as necessidades geradas pelo desenvolvimento econômico, ou, melhor dizendo, a disciplina: [...] dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por um lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dele uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada (op. cit., p. 119). A aceitação da disciplina pelo sujeito é considerada como uma qualidade, para que você seja aceito socialmente precisa aceitar a disciplina que lhe é imposta, e aquilo que lhe foi “ensinado” deve ser aprendido e resultar em uma aptidão. O indivíduo disciplinado deve aprender como agir e também como se comportar. Foucault entende que a disciplina do século XVII contou com um importante dispositivo para ser constituída, o que o autor designou pelo termo panóptico. O panóptico designaria uma máquina de vigilância que permite a alguns indivíduos conseguir vigiar outros. Em tese, a disciplina torna‑se efetiva à medida que os seres humanos são vigiados. Para o autor há três elementos fundamentais para que a vigia dos corpos aconteça: um espaço circular e fechado em que os indivíduos estejam alocados; espaço para a segregação dos indivíduos em pequenos espaços ou celas; torre central que permita a visualização de todos os espaços. Com tais características, o autor nos cita as prisões. Nesses espaços, apesar de haver várias pessoas convivendo, 18 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Unidade I sua segregação na maior parte do tempo estimula o fim da noção de coletividade,prevalecendo assim o aspecto individualista na determinação da personalidade. De forma que o homem fabricado entre os séculos XVII e XVIII por meio da disciplina, que não estava presente apenas nas prisões, mas também, como dissemos, nas escolas e nas fábricas, era, conforme Foucault, o tipo de ser humano necessário para a economia capitalista. Aqui, vemos um grande salto nas colocações do autor, ao passo que estabeleceu uma analogia entre as disciplinas utilizadas no período em questão e a necessidade capitalista. Mas, vejamos, essa relação existe? Como entender essa colocação de Michel Foucault? Sim, existe. Diante do desenvolvimento capitalista, eram necessários homens que fossem letrados, que pudessem administrar a nova ordem social constituída e que produzissem. Por esse motivo a escola foi tão importante. Essa disciplina também era necessária nas indústrias. Assim, o homem da Idade Feudal, com os conhecimentos que possuía, com os comportamentos que adotava, não era funcional para o capitalismo. Por isso, foi necessário fundar‑se o novo homem, e nesse processo a disciplina foi fundamental. Isso corresponde ao surgimento de um novo formato de Estado, que passa, por meio do poder, a controlar os processos biológicos. Foucault nos coloca que essa maneira de gestão teria se consolidado a partir do século XVIII, em que vemos o surgimento da chamada Biopolítica. De certa maneira, a Biopolítica é entendida por Foucault como a ampliação da capacidade do Estado de controlar a vida humana. Atrelada a essa noção o autor nos coloca que surge o corpo múltiplo, representado por todos os corpos que passam a ser controlados pelo Estado. O autor recorre ainda ao termo corpo dócil, pelo qual busca designar o controle do indivíduo. Observação O corpo múltiplo representa os corpos coletivos controlados pelo Estado. Para entender o que é Biopolítica são necessárias outras colocações. Vamos a elas? Foucault nos coloca que o conceito de Biopolítica nos remete ao entendimento dos processos biológicos relacionados ao homem, à vida humana. Assim, a partir do século XVIII, observamos que a vida humana passa a ser regulamentada pelo Estado. Para esse controle passa a ser necessária a realização de uma análise de dados populacionais, motivo pelo qual o autor nos indica que tivemos o surgimento da Estatística e da Demografia com tal finalidade. Também tivemos no mesmo momento histórico o desenvolvimento da Medicina Sanitária, esta por sua vez destinada a conferir parâmetros para a vida sadia da população, mas também utilizada como uma forma de controle sobre os corpos, introduzindo hábitos considerados como bons e necessários à preservação da vida. O Estado foi a partir de então incumbido de promover a vida por meio da instauração de normas e regras que devem ser observadas por toda população. Essas normas são instituídas por meio de 19 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA mecanismos reguladores que possuem aplicabilidade contínua e que têm, além da funcionalidade de regular a vida em sociedade, a função de delimitar punições e formas de correção para aqueles que porventura não correspondam à norma. Tal raciocínio pode parecer algo distante de nossa realidade atualmente, mas pensando, por exemplo, no caso do nosso país, em que o Estado define a proibição do aborto, não seria uma regulação do Estado sobre a vida? Tal regulação, atualmente, como sabemos, proíbe o aborto e dá ao Estado o direito de punir quem o cometer. Por conseguinte, vemos quão contemporânea é a obra de Foucault, ao passo que, mesmo sendo escrita em meados da década de 1970, ainda se mostra extremamente contemporânea e trata de questões que ainda estão presentes em nossa realidade. A Biopolítica, por conseguinte, só é possível quando os fenômenos gerados pelos vivos, pela vida cotidiana do homem, passam a integrar a prática do Governo. Assim, Foucault nos coloca que mesmo durante a vigência da doutrina neoliberal, sobretudo no segundo Pós‑guerra, temos a instituição, pelo Estado, de uma série de formas de controle da vida humana. O Neoliberalismo surgiu em meados dos anos 1940; foi uma corrente teórica que ofereceu novos parâmetros para a forma de gestão estatal e pressupõe a ausência de intervenção do Estado junto aos problemas sociais, assim como disciplina que a economia deve ser autorregulada, ou seja, o desenvolvimento econômico não poderia ser orientado pelo Estado. Junto ao desenvolvimento dessa doutrina, o autor nos coloca ainda que temos o desenvolvimento de diversas formas de controle dos indivíduos e das populações pelo Estado. Essas formas de controle seriam mantidas ainda no período em que Foucault escreveu a obra em questão e, a nosso ver, são desenvolvidas até os dias de hoje. Observação O Neoliberalismo foi uma doutrina econômica e de regulação do Estado que em tese pressupõe a diminuição da intervenção estatal em viabilizar o acesso da população mais vulnerável às políticas e aos direitos sociais. Nesse período surgiu o que Foucault denominou pelo termo Homo economicus, que seria o ser humano estimulado para atender as novas exigências do mercado. O ser humano sempre busca responder a essas exigências. Assim, é importante a disciplina que prepara o homem para que, por meio de sua inserção no mercado, tenha suas necessidades contempladas. Bem, se podemos compreender a Biopolítica como uma forma de o Estado gerir e controlar a vida humana, que teve seu início no século XVII, manteve‑se no século XVIII e se mantém atualmente, podemos nos questionar: o que seria o Biopoder? Como resposta a essa pergunta, Foucault nos diz que o Biopoder é a forma de a Biopolítica se expressar. Observação O Biopoder é a forma de o Estado exercer a Biopolítica. 20 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Unidade I Na verdade, o Biopoder surge, conforme o autor, em meados do século XVII e início do século XVIII como um complemento às técnicas disciplinares até então utilizadas pelo Estado. O Biopoder é composto por técnicas de poder que não têm tanta semelhança com as disciplinas. Na verdade, as disciplinas coexistem com o Biopoder, sendo, entretanto, formas distintas e complementares de o poder ser implementado. Assim, qual seria a distinção existente entre disciplina e Biopoder? A disciplina exerce controle sobre o corpo, e o Biopoder aplica‑se a vidas de modo geral. O Biopoder é exercido massivamente, dirigindo‑se à população inteira. Via de regra, busca regulamentar e orientar aspectos afetos à natalidade, à longevidade e à mortalidade de um determinado grupo. Por oportuno, intervém em problemas que são partilhados entre as pessoas de uma sociedade. Para a intervenção nesses problemas são utilizados mecanismos de regulamentação normativos que visam garantir a vida e prevenir a morte. Não é um dispositivo exclusivo do Estado, posto que é exercido por outros órgãos de defesa, por exemplo, as instituições e categorias médicas. O principal executor do Biopoder, porém, é o Estado. Visando consolidar o entendimento acerca das diferenças entre disciplina e Biopoder, observe a imagem. Biopoder Disciplina • Destina‑se ao controle das vidas • Relaciona‑se ao controle de natalidade, mortalidade e longevidade • Forma de expressão da Biopolítica • Controle dos corpos e estímulo de comportamentos • Orientada para o corpo Figura 1 – Distinção entre Biopoder e disciplina Em tese, no século XVIII e mesmo no século XIX esse poder disciplinador e normalizador exercido pelo Estado era posto em prática por meio de políticas estatais. Tais políticas podem ser exemplificadas com o controle da natalidade,ou mesmo, conforme o autor, pela iminência de guerras. Foucault nos coloca que as guerras, mesmo as civis, são dispositivos de controle populacional. entretanto, tivemos também Estados que em nome de uma suposta melhora da raça e ancorados em argumentos supostamente científicos perpetraram a morte de muitas pessoas. No caso do nazismo, havia argumentos assentados em uma pseudociência que “justificaria” a morte de todos aqueles que não atendessem o padrão alemão de “raça”. O autor nos coloca que o mesmo poder que gera e protege a vida pode também sustentar ações que levem à morte, motivo pelo qual tivemos nesse período, do século XIX, as guerras mais sangrentas da história. A respeito da questão da natalidade e também das mortes sancionadas com o respaldo estatal, o autor nos coloca que o poder do Estado é tamanho que pode até decidir sobre quem deve viver e quem deve morrer. 21 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA É importante, entretanto, reforçar que mesmo no século XIX, conforme Foucault, a disciplina foi usada para gerenciar a vida das populações, assim como em seu surgimento enquanto técnica de adestramento nos exércitos, escolas e fábricas. No século XIX, a administração do corpo social tornou‑se ainda mais intensificada pelo Estado. Atualmente, ainda de acordo com Foucault, o formato de gestão assentado na Biopolítica ainda é mantido. Nesse contexto, o autor nos diz que temos a economia e o mercado como instâncias supremas para a regulação da vida no mundo contemporâneo. Nesse estágio posto, sobretudo a partir de meados do século XX, o Estado passa a adotar formas sutis de controle da população, de controle do corpo social. A imagem a seguir é bastante representativa do conceito de Foucault sobre o controle dos corpos. Vejamos: Figura 2 – Ser humano controlado por agente externo A figura representa um corpo que é controlado, ou seja, que tem seus movimentos decorrentes de um agente externo. Por analogia, podemos entender o corpo como o corpo dócil ou mesmo o corpo social. Esse corpo muitas vezes é controlado pelo Estado, sem que muitas vezes se perceba disso. Por conseguinte, à guisa de conclusão, podemos apontar que a obra de Foucault é vasta, ampla e traz uma abordagem substancial sobre a questão do poder. Como pudemos observar no início deste 22 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Unidade I texto, Foucault conseguiu analisar as expressões de poder presentes na realidade cotidiana em que os seres humanos estão inseridos, expressões presentes no trabalho, na família e em outros espaços afins. No entanto, a genialidade de Foucault está no fato de não restringir sua análise apenas às expressões de poder presentes no cotidiano, mas também compreender como o poder do Estado tem se expressado no controle dos corpos. Tendo nos aproximado dos conceitos de Estado, conforme Foucault, agora, convidamos você para a interlocução com a obra de Giorgio Agamben, que também adotou como referência para seus estudos o trabalho de Foucault. Saiba mais Para ampliar sua reflexão sobre o controle do Estado na vida dos indivíduos, recomendamos os filmes: 1984. Dir. Michael Radford. Reino Unido: Virgin Records, 1984. 113 min. V de Vingança. Dir. James McTeigue. Reino Unido: Warner Bros, 2006. 132 min. 2 “ESTADO DE EXCEÇÃO COMO REGRA”: O IMPASSE POLÍTICO CONTEMPORÂNEO NO PENSAMENTO DE GIORGIO AGAMBEN Agora, convidamos você para conhecer melhor o conceito de Estado de Exceção, de acordo com a perspectiva de Giorgio Agamben, um filósofo e jurista italiano que escreveu sobre uma série de assuntos, dentre os quais a discussão sobre estética e também o conceito de Estado, que ora apresentamos a você. Saiba mais Visando ampliar o conhecimento sobre a obra de Giorgio Agamben, recomendamos a leitura da obra citada a seguir: AGAMBEN, G. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2007. Disponível em: <http://petdireito.ufsc.br/wp‑ content/uploads/2016/05/AGAMBEN‑G.‑Homo‑Sacer‑o‑poder‑soberano‑ e‑a‑vida‑nua.pdf>. Acesso em: 7 out. 2016. Agamben foi vinculado à Escola de Frankfurt e, como veremos, sua obra foi fortemente influenciada por Walter Benjamim e Carl Schimitt. Também foi influenciado por Foucault, de quem extraiu grande parte de suas considerações sobre o Estado de Exceção, conforme veremos. Em seus estudos, recorreu ao método genealógico, o que corresponde a dizer que Agamben recorreu à história, à origem e ao 23 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA desenvolvimento dos fenômenos que estudou, ou seja, o conceito de Estado de Exceção fora construído por meio de uma sólida e contundente análise histórica (PONTEL, 2012). Tendo tais colocações arroladas, cabe a nós questionar: O que podemos compreender como Estado de Exceção? Seria esse um conceito antiquado? E mais, quais seriam as possíveis colaborações de Agamben na delimitação de tal conceito? Para ter essa e outras questões respondidas, dê seguimento à leitura do presente material. Saiba mais Vamos conhecer mais dos conceitos de Giorgio Agamben? Veja a entrevista realizada por Flavia Costa: COSTA, F. Entrevista com Giorgio Agamben. Rev. Dep. Psicol., Niterói, v. 18, n. 1, p. 131‑6, jun. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0104‑80232006000100011&lng=en&nrm= iso>. Acesso em: 18 ago. 2016. A análise de Agamben parte da premissa de que grande parte dos países deveria ser governada por Estados de natureza democrática. No entanto, diante de qualquer situação atípica, poderia então ser decretado o Estado de Exceção, ou seja, uma forma de governo específica para um momento atípico. No entanto, as particularidades desse “tipo” de Estado dificultam a elaboração de um conceito sobre ele. Agamben (2004), buscando fazê‑lo, recorreu a várias fontes e, dessa forma, conseguiu avançar substantivamente na conceituação do Estado de Exceção. O autor nos indica que há dificuldade até mesmo em escolher um termo que designe a forma de governo em situações atípicas. Assim, diz‑nos que na Alemanha são utilizados os termos ausnahmezustand e notstand (AGAMBEN, 2004, p. 15), os quais correspondem à noção de Estado de Necessidade. Já na França, seria usado o termo Estado de Sítio, e nos países de origem anglo‑saxônica os termos mais usados são martial law e emergency powers, que correspondem, respectivamente, a lei marcial e poderes de emergência. Há uma diversidade de termos, mas ambos buscam designar o formato que é momentaneamente assumido pelo poder em uma dada região. No que concerne à questão terminológica, Agamben optou pelo termo Estado de Exceção por entender que é o mais próximo de designar esse formato de organização estatal. No sentido em tela, o autor nos diz que quando recorre ao termo Estado de Exceção está se referindo a organizações estatais em que podemos observar a existência de guerras, ou seja, podem acontecer expressões de tal magnitude. Como o autor também nos diz, no Estado de Exceção é também comum que o Governo recorra à lei marcial e decrete o Estado de Sítio. Além de tais especificidades, o autor nos coloca que o termo Estado de Exceção também designa momentos em que temos uma espécie de suspensão da própria ordem jurídica. Melhor dizendo, no Estado de Exceção muitos direitos são suprimidos, supostamente, em nome da seguridade nacional. 24 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 UnidadeI Assim, recorrendo a Carl Schmitt, especialmente à obra Politische theologie, publicada em 1922, Agamben nos diz que uma das especificidades do Estado de Exceção é que o soberano, a pessoa que está no poder, decide sobre quando essa medida poderá ser instituída. Para ser instituído, o Estado de Exceção é movido por uma necessidade, ou seja, uma dada situação que demandou tal intervenção. Via de regra, essa necessidade está presente nos momentos de crise política. Por conseguinte, é possível inferir que não há, conforme Agamben, uma sustentação jurídica para a instituição do Estado de Exceção, tendo em vista que este pode ser motivado em virtude de uma necessidade específica, e não de um ordenamento jurídico. Ainda vemos que uma das possíveis “necessidades” que motivam o Estado de Exceção seria a existência de guerra civil, insurreição e também resistência da sociedade a um determinado aspecto de gerenciamento do Estado. Motivo pelo qual, muitas vezes, o Estado de Exceção acaba sendo relacionado à ocorrência de guerra civil e outras expressões de resistência. No sentido posto, Agamben indica alguns exemplos, dos quais falaremos no decurso deste material, em que o Estado de Exceção acabou sendo instituído por meio de guerras, por exemplo, no regime de Hitler, na Alemanha. Nesse caso, o Estado é considerado Exceção porque fugiu ao formato usual de governo. O diferencial nesse caso é que para fazer valer os ideais então difundidos pelo Estado Alemão foi constituída guerra civil com o massacre de muitos povos. Observação Hitler ficou conhecido como defensor do Nazismo, uma teoria que estava assentada no racismo científico e no antissemitismo. Agamben (2004) ainda nos coloca que o Estado de Exceção deveria ser uma medida de governo adotada apenas em casos específicos e excepcionais. No entanto, para esse autor, o Estado de Exceção acaba se constituindo como uma forma de governo indeterminada, ao passo que está situada entre a democracia e o absolutismo. Como tal, o Estado de Exceção não tem uma lei a ser seguida. Na verdade, o que prevalece não é o ordenamento jurídico instituído, mas a atenção à necessidade que motivou a instituição do Estado de Exceção. A teoria da necessidade não é aqui outra coisa que uma teoria da exceção (dispensatio) em virtude da qual um caso particular escapa à obrigação da observância da lei. A necessidade não é fonte de lei e tampouco suspende, em sentido próprio, a lei; ela se limita a subtrair um caso particular à aplicação literal da norma [...] (AGAMBEN, 2004, p. 41). Por assim dizer, toda lei passa a ser subordinada à necessidade, que, em tese, representa uma forma de auxílio para o homem que vive em uma determinada sociedade. Conforme o autor, no Estado de Exceção podem também ser adotadas medidas extrajurídicas, e isso não é considerado, nesse momento, 25 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA algo ilegal, mas sim ato desenvolvido com vistas a um bem maior. Isso inauguraria uma nova ordem jurídica, na qual tudo será condicionado pela necessidade. Entende assim que o contexto do Estado de Exceção pode ser compreendido como a suspensão do Estado de Direito, e, em alguns governos, em que a exceção torna‑se regra, seria sua total eliminação. Para que isso aconteça, o autor nos diz que há casos em que o Estado de Exceção não é decretado formalmente, mas é instituído de uma forma velada, em que a população de determinada sociedade sequer consegue aperceber‑se de tal situação. Agamben ressalta, entretanto, que não podemos entender que no Estado de Exceção não há ordenamento jurídico a ser seguido. Assim, diz que mesmo nas ditaduras pode haver uma norma jurídica, no entanto essa norma servirá aos interesses do Estado de Exceção. O autor nos esclarece que para o ordenamento jurídico há dois elementos fundamentais: a norma e a decisão. Por conseguinte, para haver uma lei é fundamental a decisão, a ação. Nesse formato de Estado, a decisão cabe ao Soberano. “O soberano, que pode decidir sobre o estado de exceção, garante sua ancoragem na ordem jurídica” (AGAMBEN, 2004, p. 56). No percurso adotado por Agamben em sua obra, o autor apresenta as compreensões distintas de Estado de Exceção que foram difundidas por Walter Benjamin e Carl Schmitt. Observação Walter Benjamim foi um filósofo judeu vinculado à Escola de Frankfurt e, por conseguinte, vinculado ao pensamento marxista. Carl Schmitt, por sua vez foi um especialista em direito alemão. Walter Benjamin entendia que o Estado de Exceção é um formato de governo que expressa a violência, ou melhor, esse formato de organização estatal é a violência revolucionária que é organizada pelo ser humano. No entanto, para Benjamin, no Estado de Exceção temos a deposição e a inauguração do direito, que oferece sustentação para tal formato de governo. Para ele, somente o Estado pode e deve impedir a constituição do Estado de Exceção; o autor entende que esse formato de governo é nocivo às sociedades. Schmitt escreveu várias obras, entre as quais estão Die diktatur, de 1921, e Politische theologie, de 1922, as quais iniciam uma discussão fecunda sobre o Estado de Exceção. Na obra Die diktatur, Schmitt orientou seus estudos para a questão da ditadura; chegou até a indicar que há duas imagens de ditaduras que podem ser construídas: a ditadura comissária e a ditadura soberana. Conforme o autor, a ditadura comissária defende a reforma da Constituição, ao passo que a ditadura soberana faz menção aos modelos em que o soberano torna‑se um ditador. No ano de 1922, entretanto, Schmitt passou a se referir a esse formato de organização estatal com o termo “Estado de Exceção” (AGAMBEN, 2004). 26 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Unidade I Schmitt entendia ainda que é um direito do Estado a constituição do Estado de Exceção. Nos coloca assim que cabe ao soberano exercer esse direito e, se considerar que convém, decretar o Estado de Exceção. Para ele o Estado de Exceção surge no caos, na crise, mas responderia e atenderia a uma determinada ordem jurídica específica. Aliás, para o autor, a suspensão de determinadas regras ou normas não significa a sua anulação, mas sim que para aquele momento elas não são válidas. Em tese, esses autores discutiram, por suas obras, o conceito de Estado de Exceção, buscando cada qual defender a sua perspectiva sobre tal fenômeno. Além disso, Agamben chama nossa atenção para outras especificidades do Estado de Exceção. A primeira delas refere‑se ao conceito de “luto”. Para ele, sempre que temos o Estado de Exceção, também vivenciamos o luto público, em decorrência da morte da democracia que lhe é inerente e da desestruturação do país que é provocada por esse formato de Estado. No sentido posto, no luto vemos que as “[...] regras e instituições sociais parecem se dissolver rapidamente” (AGAMBEN, 2004, p. 102). O luto, por sua vez, resulta nas situações de anomia e crise social. Na anomia não temos regras, e isso resulta em desorganização social. Na anomia, conforme Agamben, temos também a suspensão dos direitos antes adquiridos pela população. A título de exemplo, considerando a contemporaneidade, observe o texto a seguir. Maduro decreta estado de exceção na Venezuela contra um suposto “golpe” Presidente impõe restrições diante de um cenário de descontentamento popular Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, decretou estado de exceção e emergência econômica, na última sexta‑feira, diante da possibilidade de um suposto “golpe” contra seu Governo. O decreto é uma carta em branco que, segundo os opositores, tenta apaziguar a pressão popular que busca organizarum referendo que coloque um fim ao seu mandato este ano. “Isso é para proteger nosso povo”, disse o chefe de Estado. O mandatário não especificou o alcance dessa medida. Apenas adiantou que o decreto lhe dá poderes para lidar com a acentuada crise econômica, que mergulha o país em um iminente colapso, e evitar uma conspiração contra seu governo, mediante medidas excepcionais: “Isso nos permite, durante os meses de maio, junho, julho, e por toda a extensão do que vamos fazer constitucionalmente durante o ano de 2016 e seguramente em 2017, recuperar a capacidade produtiva do país”, explicou. A Venezuela, asfixiada pela inflação mais alta do mundo (180,9% em 2015) e uma crítica escassez de alimentos e remédios, começa a mostrar sinais de tensão social. Em apenas três semanas, intensificaram‑se as tentativas de saques a lojas e protestos nas ruas em vários locais do país. 27 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA “Decidi aprovar um novo decreto de estado de exceção e emergência econômica que me dê o poder suficiente para derrotar o golpe de Estado, a guerra econômica, para estabilizar socialmente nosso país e para enfrentar todas as ameaças internacionais e nacionais que existem contra nossa pátria neste momento”, disse Maduro, durante um conselho de ministros que chefiou no palácio presidencial de Miraflores, transmitido em cadeia obrigatória de rádio e televisão. A oposição, representada pela aliança de partidos políticos Mesa da Unidade Democrática (MUD), convocou manifestações às ruas, nos últimos dias, para pressionar o Conselho Nacional Supremo Eleitoral (CNE) – controlado pelo chavismo – com a intenção de que se agilizem trâmites para uma saída imediata do governo de Maduro, mediante a convocação de um referendo. A oposição convocou manifestações às ruas e tenta aprovar um referendo para encurtar o mandato de Maduro. Mas o Executivo é de ferro. Os dirigentes do chavismo juraram à oposição que eles não tomarão o controle político. Jorge Rodríguez, prefeito de Caracas e um dos máximos dirigentes do Partido Socialista de Venezuela (PSUV), indicou que o referendo para revogar o mandato do sucessor de Hugo Chávez não será realizado este ano. Isso representa um tropeço para os planos dos opositores, que resistem a ceder terreno ao chavismo. Henrique Capriles, governador do Estado de Miranda e ex‑candidato à presidência, não suspendeu uma manifestação popular programada para este sábado, que exigirá que a CNE agilize o processo de revogação do mandato de Maduro. Fonte: Castro (2016). Exemplo de aplicação Analisando a matéria supra, podemos inferir que no Estado de Exceção temos expressões ou situações de anomia. Considerando a matéria, indique quais seriam as principais situações presentes na realidade venezuelana e que correspondem à anomia. Podemos dizer que o Estado de Exceção fortalece o acontecimento desses fenômenos? Por quê? O conceito de festa usado por Agamben em Estado de Exceção é análogo ao de luto. Assim, em uma festa temos também a suspensão do direito. Essas festas seriam as comemorações cíclicas que acontecem durante o Estado de Exceção e nas quais também não vemos normas a serem seguidas. Por exemplo, o Carnaval é uma festa de tal magnitude que envolve toda a sociedade e na qual temos a total liberação de grande parte das normas sociais convencionalmente instituídas. Muitas dessas festas têm autorização legal para acontecer mesmo que contrariem princípios e valores legais antes vigentes e aceitos socialmente. Assim, vejamos, quem nunca pensou ou agiu de maneira distinta do seu comportamento cotidiano em uma festa de Carnaval? 28 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Unidade I Na festa, de acordo com Agamben (2004), em que temos uma suspensão da lei, temos a anomia, motivo pelo qual o autor denomina as festas do Estado de Exceção com o termo “festas anômicas”. Agamben (2004) nos coloca ainda que nesse contexto foram conferidos plenos poderes ao Estado, que pode até promulgar decretos com força de lei. Nesse sentido, o Estado passa a representar os vários Poderes (Legislativo e Judiciário). Até o momento, conseguimos apresentar a você alguns dos conceitos de Agamben. Assim, vimos que há uma dificuldade conceitual de definir o que entendemos por Estado de Exceção. No entanto, apesar da aparente dificuldade conceitual, conseguimos, à luz do referencial adotado, sumariar as especificidades presentes no Estado de Exceção. Entre tais especificidades, podemos citar: sempre é o soberano que decide a instituição do Estado de Exceção; o Estado de Exceção sempre é motivado por uma necessidade; mesmo com grande esforço de teóricos por conceituá‑lo, ainda se trata de uma forma indeterminada de Estado; é um Estado em que temos a suspensão da lei; e, nesse formato de constituição estatal, temos presente o luto, a anomia e a festa anômica. No entanto, esse formato de Estado, assim como toda organização estatal, nos remete à questão do poder. Neste texto apresentamos a questão do poder conforme a perspectiva de Michel Foucault. Mas Agamben também discute a questão de poder em sua obra, mais especificamente no capítulo final, apesar de essa discussão estar imbuída em toda a sua produção. Por assim dizer, o autor nos coloca que o soberano é dotado de poder que não se baseia apenas em autorização jurídica. As leis conferem legitimidade ao poder do soberano. Partindo disso, o autor inicia uma discussão sobre a questão da autoridade utilizando o termo auctoritas. Sua discussão busca entender a constituição assim como a instituição de autoridade presente na figura do soberano. Nesse sentido, o autor recupera a organização do Senado Romano, que indicaremos no item posterior. Para o momento, cabe a nós destacarmos que Agamben também entende que essa autoridade, para constituir‑se, também recorre à legislação, e, no caso do Estado de Exceção, a autoridade também é alcançada e mantida por meio da coerção e da violência. Assim, Agamben destaca que a autoridade, via de regra, é imposta. Mas há outros dizeres sobre o Estado de Exceção nessa brilhante obra de Agamben, entre eles o fato de que essa medida deveria ser excepcional, adotada apenas e tão somente em momentos específicos. No entanto, conforme o autor nos diz, esse formato de Estado é inicialmente instituído sob a perspectiva da excepcionalidade, mas acaba mantido como uma técnica constante de governo. Sinalizamos que uma das influências de Agamben foi Michel Foucault. Lembre‑se de que já estudamos o conceito foucaultiano. Foucault estudou o poder do soberano na vida nua e, de certa forma, tentou entender o Estado de Exceção como uma forma de controle e expressão de poder, apesar de ressaltar que há expressões de poder presentes no cotidiano dos seres humanos. Em Homo sacer (2007), Agamben extraiu, em grande parte, de Foucault a sua compreensão do Estado de Exceção, que representa um poder, uma maneira de controle instituída para um período específico, mas que acaba instituída como forma de governo permanente. 29 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA Partindo disso, Agamben aprofunda o entendimento do Estado, porém orientando a reflexão do Homo sacer e da vida nua. Vamos compreender tais conceitos? Em tese, o conceito de Homo sacer nos remete ao Direito romano. Na Antiguidade Romana, o Homo sacer fazia menção ao homem que está desprotegido pela legislação vigente, ou seja, era o homem que não possuía os seus direitos garantidos. Esse homem podia ser morto, e isso não trariajulgamento àqueles que o agredissem. No entanto, essa morte não poderia acontecer por meio de sacrifício religioso, ou seja, nesse caso, a morte poderia ser punida. Podemos dizer que havia uma suspensão da norma instituída (AGAMBEN, 2007). Saiba mais Os filmes a seguir representam uma realidade futurística em que os crimes, incluindo assassinatos, são sancionados pelo Estado e representam grande similaridade com o conceito de Homo sacer romano. UMA NOITE de Crime. Dir. James DeMonaco. Estados Unidos: Universal, 2013. 88 minutos. UMA NOITE de Crime 2: anarquia. Dir. James DeMonaco. Estados Unidos: Universal, 2014. 104 minutos. Agamben retorna a Aristóteles (384 a.C. ‑ 322 a.C.), que nos dizia que o homem é zoé, que significa vida nua, existência. Assim dizendo, todos os homens nascem zoé. Com o tempo, por meio da mediação da linguagem, o homem consegue ascender à vida política, que seria descrita com o termo politikòn zôon, ou bios políticos, também denominado “animal político”. Segundo Agamben, acreditava‑se que todos os homens na vida nua nascessem para viver bem. Quando ingressavam na pólis, os homens deviam proporcionar o bem para os outros homens. Acreditava‑se que dessa forma todos alcançariam uma vida boa. No entanto, o poder do soberano, que inclui decidir quem vive e quem morre, pode ter comprometido muito a capacidade do homem de viver bem e, em muitos casos, de sobreviver. Isso porque caberia também ao soberano decidir sobre a vida dos homens, sobre aqueles que deveriam viver e aqueles que deveriam morrer. Esse poder do soberano existente na Roma antiga também está presente na contemporaneidade. Assim, vemos que no Estado Moderno ainda é esse ente que decide quem vive e quem morre. No caso, Agamben indica que o Estado mata sob o argumento de que seria para defender os demais membros da nação, e isso não é recriminado. Assim, por analogia ao antigo Direito romano, pode‑se entender o Homo sacer como o ser humano ou os seres humanos que podem morrer, ou seja, aqueles cuja morte seria facilmente aceitável. 30 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Unidade I No entanto, no caso conceitual de Agamben, o Estado, denominado Soberano, teria então o papel de coordenar as mortes, de avaliar quais seriam aqueles que teriam direito de viver e quais teriam o direito de morrer. A esse direito Agamben denominou tanatopolítica, que seria o poder atribuído ao soberano de decidir quem vive e quem morre. O soberano, conforme o autor, não responde pelo fato de cometer atos que podem resultar na morte das pessoas. Nesse sentido, não responde a normativas jurídicas e torna‑se a própria normativa. Ainda há muitos Estados cujos membros são Homo sacer. Neles, a vida não tem valor, cabendo ao Estado decidir sobre quem vive e sobre quem morre. Na notícia a seguir vemos um exemplo retratado pelo Estado da Coreia do Norte. Coreia do Norte: sete curiosidades sobre o ditador Kim Jong-un O líder da Coreia do Norte é o primeiro ditador a demonstrar afeição por personagens da Disney Kim Jong‑un é filho de Kim Jong‑Il e neto de Kim Il‑sung, o fundador do Partido dos Trabalhadores da Coreia (o único do país). Foi designado para comandar a nação após a morte do pai, em 19 de dezembro de 2011. Apesar de liderar o regime mais fechado do mundo, sobram evidências sobre sua personalidade distinta (adjetivando de modo equilibrado). Nesta quarta‑feira (6), Kim Jong‑un voltou aos holofotes ao anunciar que a Coreia do Norte realizou, com sucesso, testes com bomba de hidrogênio – 50 vezes mais potente do que uma bomba atômica, como a que destruiu a cidade de Hiroshima, na Segunda Guerra Mundial. “Fazer o mundo olhar para a força nuclear do nosso país e do Partido dos Trabalhadores ao abrir o ano com o emocionante barulho da primeira bomba de hidrogênio”, escreveu em um documento. O anúncio desta semana pode marcar também as comemorações de seu aniversário. Como em relação a tudo em torno dele, não há certeza sobre sua data de nascimento, mas o dia apontado é 8 de janeiro de 1983. Ele faria, então, 33 anos na sexta‑feira. Confira sete curiosidades sobre esse homem de rosto arredondado e corte de cabelo único, com poder de amedrontar e chantagear as grandes potências. 1. Kim Jong‑un não aceita divergências Mesmo com aparência inofensiva, só em 2015, a imprensa internacional veiculou dezenas de execuções atribuídas às ordens do líder, apesar de informações sobre eventos ocorridos na Coreia do Norte serem de difícil confirmação. A tia Kim Kyong‑hui, de 68 anos, não foi poupada por ter reclamado da execução de seu marido, Jan Song‑ thaek, em 2013. Ela morreu por envenenamento, conforme relato do dissidente Mr. Park à rede CNN. Já o tio, assassinado dois anos antes, criticou alguns projetos 31 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA megalomaníacos do ditador, como um resort de esqui e um parque aquático, diante do mau desempenho da economia nacional. O ex‑ministro da Defesa da Coreia do Norte Hyon Yong‑chol foi executado por, entre outros “desrespeitos”, dormir em um evento comandado pelo presidente. Ele foi morto diante de centenas de pessoas. Kim Jong‑un também ficou insatisfeito ao ver que dezenas de bebês tartaruga morreram em um aquário. O administrador do local, então, foi assassinado. Em abril de 2015, os serviços secretos sul‑coreanos afirmaram que o ditador já havia executado 15 membros do governo e quatro músicos no ano. O motivo: basicamente, opiniões diferentes das suas. Em julho, a Coreia do Sul comunicou que, desde o início de seu regime, ele orientou a execução de 70 funcionários.[...] Fonte: Soprana (2016). Exemplo de aplicação No caso, o ditador coreano decide sobre a execução de todos que desejar. Como podemos inferir, o Estado coreano não responde legalmente pelos atos cometidos. Podemos dizer que, nesse contexto, os coreanos seriam Homo sacer? Argumente. Os aspectos que indicamos supra sinalizam em grande medida o entendimento de Giorgio Agamben sobre o Estado de Exceção, porém não o esgotam. Mais à frente abordaremos também as colocações desse autor sobre os principais momentos em que observamos no Brasil e no Mundo a constituição do chamado Estado de Exceção. 2.1 O Estado de Exceção no cenário internacional e no Brasil Neste item indicaremos uma série de informações a respeito dos principais momentos de desenvolvimento do Estado de Exceção, de acordo com Agamben. Nessa análise, indicaremos o relevante conceito de institum, além de uma série de outras contribuições do autor que nos permitirão compreender o Estado de Exceção no cenário internacional. Além disso, mencionaremos, com recorrência a outros autores, uma série de informações a respeito dos momentos de instituição do Estado de Exceção no Brasil. 2.1.1 O Estado de Exceção no cenário internacional Para que possamos entender de forma ampla o conceito de Estado de Exceção, vamos saber um pouco mais sobre o tema compreendendo suas primeiras manifestações pelo mundo. Em Estado de Exceção (2004), Agamben entende que uma das formas mais primitivas de Estado de Exceção teve sua origem na Roma antiga. Lá, sempre que fosse constatado qualquer tipo de ameaça ou qualquer perigo à República, o Senado Romano poderia estabelecer o chamado senactus consultum ultimun (decreto do senado), que permitiria ao Senado adotasse qualquer 32 SO CI - R ev isã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 3/ 10 /2 01 6 Unidade I medida para salvaguardar o Estado. Na verdade, conforme o senactus consultum ultimun, mesmo os cônsules, pretores
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