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47 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Unidade II 5 OS PEIXES CARTILAGINOSOS Ao longo da evolução dos vertebrados, surge seu grupo mais importante e representativo nos dias de hoje. Trata‑se dos vertebrados com mandíbula ou gnatostomados. É o passo 3 descrito por Kardong (2011). As novidades evolutivas de seu crânio e, posteriormente, do resto do corpo, fizeram que esse grupo atingisse grande sucesso evolutivo, demonstrado por sua diversidade e abundância ao longo do tempo. Todo o gnatostomado apresenta mandíbulas (próxima figura) e apêndices pares (nadadeiras ou membros). Estão reunidos na Superclasse Gnathostomata (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Figura 23 – Exemplo de mandíbula em peixe ósseo (salmão) Esse grupo será tema do restante da disciplina. Contudo, seu início ocorreu há milhões de anos, com os primeiros representantes da linhagem dos peixes mandibulados, ou seja, os condrictes. A Classe Chondrichthyes corresponde a mais um grupo de peixes com idade bastante antiga (Período Siluriano – figura adiante) e mais conhecidos como peixes cartilaginosos ou, simplesmente, condrictes. Contam, hoje, com cerca de 850 espécies – pouco, quando comparadas às de peixes ósseos. Em destaque, aquela característica que dá nome à classe, ou seja, o esqueleto cartilaginoso (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Serão incluídos nesse grupo alguns gnatostomados primitivos que apresentam clara afinidade com os peixes cartilaginosos. São todos ectotérmicos, o que significa dizer que a temperatura de seus corpos varia de acordo com a temperatura do ambiente. Significa dizer, também que seu metabolismo é muito baixo (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 48 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II M ilh õe s d e an os a tr ás Período geológico Quartenário Terciário Idade dos mamíferos Idade dos dinossauros Idade dos anfíbios Idade dos peixes Placodermos Ac an tíd eo s Pe ix es Pe ix es An fíb io s M am ífe ro s Ré pt ei s Ág na to s Av es Ca rt ila gi no so s Ós se os Cretáceo Jurássico Triássico Permiano Carbonífero Devoniano Siluriano Ordoviciano 65 136 190 225 280 345 395 430 500 Figura 24 – Diversidade das classes de vertebrados. Notar que a largura dos ramos representa sua diversidade Saiba mais Para complementar o conhecimento sobre os vertebrados, ótimas opções são os livros a seguir: ORR, R. T. Biologia dos vertebrados. Roca: São Paulo, 2009. POUGH, F. H.; JANIS, C. M.; HEISER, J. B. A vida dos vertebrados. São Paulo: Atheneu, 2003. 5.1 Classe Chondrichthyes 5.1.1 Sistemática Conforme pode ser observado na Figura 24, os chamados peixes cartilaginosos não correspondem apenas a animais atuais. Há grupos importantes extintos, mas que, em seu auge, eram os principais vertebrados dos oceanos (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Os placodermes e os acantódios são grupos de gnatostomados primitivos, peixes extintos sem afinidade certa com os demais peixes. Os acantódios têm maior afinidade com os peixes ósseos. Os dois grupos serão descritos a seguir (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 49 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Entre os condrictes modernos, nota‑se a classificação em dois grupos: subclasses Elasmobranchii (tubarões e raias – cerca de 815 espécies atuais) (próxima figura) e Holocephali (as quimeras). Costuma‑se chamar de cação os exemplares jovens de tubarões de várias espécies. Mais da metade dos elasmobrânquios são raias, como as raias‑elétricas (Narcine brasiliensis), raias‑jamanta (Manta birostris) e peixes‑serra (Pristis spp.). Os membros da Subclasse Holocephali também apresentam nomes populares muito particulares, como peixe‑rato, peixe‑coelho e peixe‑fantasma (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Raia Tubarão Cação Figura 25 – Representantes da Subclasse Elasmobranchii 5.1.2 História evolutiva A história do grupo pode ser recuperada por meio dos registros fossilíferos desses animais e nos leva direto para o Período Siluriano da Era Paleozoica. Sua raiz está entre os ágnatos. Representantes dos peixes sem mandíbula sofreram profundas mudanças em sua estrutura cranial e inauguraram o mais importante grupo de vertebrados de todos os tempos: os gnatostomados. Conforme destacado, os grupos primitivos foram os placodermes e os acantódios (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Não é possível analisar os condrictes sem observar a teoria que tenta explicar o aparecimento das mandíbulas (próxima figura). Esse foi, sem dúvida, um dos mais importantes acontecimentos na evolução dos vertebrados. Estudos sugerem que as mandíbulas surgiram a partir de modificações nos dois primeiros pares de arcos branquiais cartilaginosos de ágnatos primitivos, conforme pode ser observado em alguns ostracodermes que já possuíam estruturas móveis ao redor da boca. Essas modificações incluíram o dobramento dos arcos branquiais para frente, criando uma articulação na região mediana. Reforça essa série de transformações o fato de que arcos branquiais e mandíbulas têm a mesma estrutura básica (barras superiores e inferiores) e musculatura associada semelhante (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Figura 26 – Tubarões como exemplos de gnatostomados. Destaque para a mandíbula e os dentes dos animais 50 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II As mandíbulas assumiram formas diferentes em cada uma das classes de vertebrados e, dentro delas, em cada grupo menor, a ponto de estarem representadas como bico nas aves e com dentes nos mamíferos. Suas funções estão relacionadas com predação, defesa, captura de alimento, escavação, comportamentos de corte, respiração, enfim, diferentes atividades que deram aos gnatostomados a possibilidade de ocuparem os mais diferentes nichos ecológicos e atingirem uma distribuição enorme no planeta (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Parece que eles foram os primeiros passos dos vertebrados mandibulados. Toda a sua origem e evolução é traçada com base em fósseis, que, por natureza, são registros incompletos da vida pré‑histórica e acabam revelando menos informações do que precisamos. Por esse motivo, novas peças são incorporadas a essa história diariamente, completando nosso conhecimento sobre a evolução do grupo. Sabe‑se, entretanto, que o surgimento das mandíbulas e das nadadeiras pares foram fundamentais para a origem da grande diversidade em vertebrados (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Os tubarões e seus parentes devem ter surgido por volta do Período Devoniano e se diversificaram bastante no Período Carbonífero. Contudo, logo em seguida sofreram grande redução de sua diversidade (Figura 24) antes de se diversificarem novamente na Era Mesozoica. De um dos grupos de tubarão, há cerca de 360 milhões de anos, deve ter surgido o primeiro representante da subclasse Holocephali, e os primeiros registros fósseis para este grupo foram datados como do Período Carbonífero, mas com grande diversificação apenas na Era Mesozoica. Hoje, são apenas 31 espécies de quimeras (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Observação Ambos os nomes, raia ou arraia, são válidos e referem‑se ao mesmo animal. 5.1.3 Morfologia Os Placodermi são os mais antigos representantes desse grupo, tendo surgido no Período Devoniano e desaparecido pouco tempo depois, no Período Carbonífero (Figura 24). Seu corpo caracteriza‑sepor apresentar grossa cobertura de placas ósseas ou recobertas por escamas. Um de seus mais notáveis representantes foi Dunkleosteus terelli, com seus quase 10 metros de comprimento. Os acantódios serão descritos junto aos peixes ósseos (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Um dos maiores vertebrados atuais, com exceção das baleias, é um representante dessa classe, chamado de tubarão‑baleia (Rhincodon typus), e pode atingir 20 metros de comprimento; já o tubarão branco (Charcarodon carcharias), tão temido e famoso, pode atingir 6 metros (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Entre as raias, destaque para os 7 metros de comprimento atingidos pela raia‑jamanta (Manta birostris), medidos entre as pontas das duas nadadeiras peitorais (KARDONG, 2011). Os peixes cartilaginosos típicos perderam a cobertura corporal de placas grossas que caracterizava os grupos primitivos. Outra inovação diz respeito ao esqueleto cartilaginoso no lugar de ossos. A calcificação existe nos condrictes, mas seu esqueleto é cartilaginoso. A notocorda persiste no adulto, embora esteja reduzida (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 51 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Na maioria dos tubarões, o corpo é fusiforme, podendo ser mais esguio ou mais atarracado (próxima figura). Em raias, nota‑se um achatamento dorsoventral maior (próxima figura). Ambos têm na extremidade da cabeça, acima da boca, o rostro, que seria o equivalente ao focinho do animal (figura a seguir). No rostro, há uma narina (bolsa de fundo cego) de cada lado (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Espiráculo Espiráculo Fendas branquiais A B Figura 27 – Diferenciação morfológica externa entre tubarões (A) e raias (B) Complementando o formato hidrodinâmico, estão as nadadeiras peitorais e pélvicas pares, uma ou duas nadadeiras medianas dorsais e cauda heterocerca (ou seja, com desvio da extremidade posterior da coluna vertebral para cima), dificerca em quimeras (ou seja, com extremidade posterior da coluna vertebral que segue reta até a extremidade da cauda) (figura a seguir) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Observação Nos filmes, os tubarões são representados com a típica nadadeira dorsal saindo da água na iminência do ataque. Homocerca Heterocerca Dificerca Figura 28 – Tipos de cauda dos peixes. Ao centro de cada desenho está representada a extremidade posterior da coluna vertebral Observação Atenção para a denominação correta: nenhum peixe tem barbatana, que é uma estrutura presente na boca de baleias (mamíferos cetáceos); aquilo a que se refere como barbatana em tubarões e raias, em verdade, são nadadeiras. 52 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II Em machos, as nadadeiras pélvicas podem estar modificadas em um órgão copulatório chamado clásper. Nas raias, as duas nadadeiras peitorais são alongadas e estão fundidas à cabeça (Figuras 27 e 30). As caudas das raias com ferrão são finas e longas, com um ou mais ferrões ligados a glândulas de veneno (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004; KARDONG, 2011). Há raias que têm musculatura especializada para a produção de choques elétricos, servindo como estratégia de defesa ou ataque (KARDONG, 2011). Saiba mais Em 2006, o mundialmente famoso naturalista australiano e apresentador de programas sobre a natureza, Steve Erwin, conhecido como o caçador de crocodilos, morreu ao ser atingido pelo espinho da cauda de uma raia enquanto nadava durante uma filmagem. O corpo está recoberto por escamas do tipo placoide na maioria dos tubarões e raias (Figura 29). Em quimeras e alguns elasmobrânquios, não há nenhum tipo de cobertura especial. É interessante notar que essas escamas têm a mesma estrutura dos dentes dos vertebrados. Ambos são, portanto, considerados estruturas homólogas (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Epiderme com escamas Esmalte Cavidade da polpa Placa basal Epiderme Derme Dentina Figura 29 – Estrutura das escamas placoides típicas de elasmobrânquios. Note a estrutura semelhante à do dente A boca é sempre ventral (Figura 30). Com a presença da mandíbula, abrir e fechar para executar diferentes tarefas. Nos tubarões, a mandíbula superior não está fundida ao crânio, inclusive, muitos lugares vendem mandíbulas de tubarão para decoração. Além disso, em filmes ou imagens de tubarões alimentando‑se, é possível ver que as duas mandíbulas são projetadas para a frente no momento da captura do alimento. Já, nas quimeras, a mandíbula superior está fundida ao crânio. Nas mandíbulas, estão estruturas para alimentação, que são os dentes triangulares e afiados dos 53 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS elasmobrânquios (Figura 26) e placas achatadas de trituração nos holocéfalos. Os dentes dos tubarões estão dispontos em séries consecutivas e, à medida que são perdidos, são substituídos por outros (Figura 26) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Figura 30 – Visão da boca ventral em raias Saiba mais Para mais detalhes sobre a mandíbula dos tubarões e outros peixes, assista ao documentário televisivo: EVOLUÇÃO – Mandíbulas (evolve). Dir. Christopher Gidez. EUA: Optomen Productions, Inc. For History, History Channel, 2008, 45 min. O sistema digestório é completo. Estômago está ausente nas quimeras e tem forma de J nos tubarões. O intestino é relativamente curto e tem uma estrutura interna especializada chamada válvula espiral (Figura 31). Com essa válvula, o alimento digerido passa por um caminho mais longo para que possa ser mais bem‑absorvido. Nota‑se, também, na maioria dos condrictes, um fígado extremamente grande e cheio de esqualeno, um hidrocarboneto oleoso. Sua função, além de ser uma glândula auxiliar da digestão, é permitir a flutuabilidade do animal, em uma função semelhante à da bexiga natatória, que é exclusiva dos peixes ósseos. No reto, existe a abertura da glândula retal que realiza excreção de cloreto de sódio, ajudando os rins primitivos (opistonéfricos) na tarefa de regular a salinidade do sangue (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 54 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II Figura 31 – Detalhe da válvula espiral no intestino dos condrictes Saiba mais Para detalhes importantes sobre anatomia interna do tubarão branco, assista ao documentário televisivo da série Autópsia Animal: AUTÓPSIA animal – Tubarão branco. Produtor: Alex Tate. EUA: Windfall Films; National Geographic Channels, 2010, 45 min. Nos vertebrados, é interessante a comparação do sistema circulatório entre as diferentes classes (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). A circulação é considerada fechada, simples e completa, ou seja: • É fechada, porque o sangue corre o tempo todo por vasos de diferentes tamanhos e pelo coração. Veias e artérias são os grandes vasos que se ramificam até os minúsculos capilares que se espalham pelo corpo. O coração é linear, um pouco dobrado em forma de S, e tem duas câmaras principais e duas auxiliares. Seguindo o fluxo, o sangue entra pelo seio venoso, passa para o átrio, depois para o ventrículo e deste vai para o cone (bulbo) arterial (figura a seguir). Daí, segue para as brânquias para ser oxigenado. Átrio Ventrículo Sinus hepáticos Dutos de Cuvier Válvulas Artérias branquiais Figura 32 – Coração dos peixes cartilaginosos 55 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOSLembrete No coração, o átrio é a câmara que recebe o sangue vindo das veias. Ventrículo é a câmara que recebe o sangue do átrio e de onde o sangue sai para as artérias. • É simples, porque, em cada ciclo de oxigenação, o sangue passa apenas uma vez pelo coração. Daí, segue para as brânquias, onde é oxigenado (hematose), e já segue para o corpo para ser utilizado, voltando ao coração apenas para ser enviado às brânquias novamente (próxima figura). • É completa, porque não ocorre a mistura do sangue arterial (rico em O2) com o sangue venoso (pobre em O2) (figura a seguir). Aliás, o sangue é isosmótico ou ligeiramente hiperosmótico em relação ao meio externo, devido a altas taxas de ureia em sua composição. Isso tem implicações importantes na osmorregulação do animal. Brânquias Sangue arterial Artérias Válvulas Ventrículo Átrio Seio venoso Veias cardinais comuns (ou duto de Cuvier) Veias cardinais comuns (ou duto de Cuvier) Bulbo Veias hepáticas Coração Corpo Hematose O2 CO2 Sa ng ue v en os o Sangue ve nosoAr té ria s b ra nq ui ais Vei as Figura 33 – Sistema circulatório dos peixes cartilaginosos As brânquias são fundamentais para que ocorra a hematose, mas cuidado, pois não fazem parte do sistema circulatório. Correspondem ao sistema respiratório, substituindo os pulmões, que estão ausentes. São órgãos ricamente vascularizados (com muitos capilares sanguíneos) que permitem a saída do CO2 do sangue e a entrada do O2 da água (figura a seguir) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 56 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II “Capilar” (rede de capilares) Arco branquial CO2 O2 Filamento branquial Tecido Brânquias expostas Revestimento do filamento branquial Figura 34 – Detalhe da estrutura da brânquia. Nesta figura representado para um peixe ósseo, mas segue padrão semelhante nos condrictes Nos elasmobrânquios, estão em número de 5 a 7 pares que se comunicam com o meio externo por meio das fendas branquiais livres (Figuras 27 e 30). Em holocéfalos, são 4 pares e estão protegidos por opérculo. Atrás dos olhos dos elasmobrânquios, há um espiráculo de cada lado, ou seja, uma pequena abertura que comunica o meio externo com a cavidade bucal (Figuras 27 e 35), representando a primeira fenda branquial com formato circular e tamanho reduzido (KARDONG, 2011). Para que haja a hematose, é preciso que a água tenha um fluxo pelas brânquias, retirando o CO2 descartado pelo animal e fornecendo O2. Para que isso ocorra de modo eficiente, os tubarões nadam com a boca aberta, o que facilita a entrada da água e sua passagem pelas brânquias (Figuras 34 e 35). Em raias, as aberturas branquiais ficam na superfície ventral (Figura 30), e a entrada de água ocorre pelo espiráculo que fica na superfície dorsal perto dos olhos (Figura 27), evitando o entupimento das brânquias com o sedimento (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004; KARDONG, 2011). Espiráculo Brânquia Espiráculo Fenda branquial externa Fenda branquial interna Câmara branquial Esôfago Faringe Fendas branquiais Figura 35 – Estrutura respiratória dos condrictes mostrando a relação entre boca, brânquias e fendas branquiais O sistema nervoso central é bem primitivo quando comparado ao de outras classes de vertebrados. No entanto, já possuem encéfalo com dois hemisférios, dois grandes lobos olfatórios, dois lobos ópticos, cerebelo e pares de nervos cranianos. Os estímulos externos são captados por importantes órgãos dos sentidos, como células olfativas, mecanorreceptores da linha lateral, olhos, eletrorreceptores na região da cabeça e audição pelo ouvido interno. Os olhos são laterais e não têm pálpebras. A linha lateral é formada por órgãos especiais chamados neuromastos, com forma de tubos interconectados, organizados em linha pela lateral e pela cabeça do animal. Ainda na região da cabeça, estão concentradas as ampolas de Lorenzini, cujo papel é captar estímulos 57 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS elétricos. Como defesa, as raias‑elétricas têm um órgão na cabeça, formado por células especiais, que gera pulsos elétricos e atordoa as vítimas (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). São animais dioicos que realizam cópula com a ajuda do clásper (nadadeira modificada dos machos). A fecundação é interna e o desenvolvimento do filhote é direto. Exceto em quimeras, as gônadas desembocam na região da cloaca (abertura única para sistemas digestório, excretor e reprodutor). Existem condrictes ovíparos, ovovivíparos e vivíparos. Tubarões e raias ovíparos possuem um ovo grande com bastante vitelo (Figura 36) e com casca coriácea (resistente e flexível, chamada bolsa de sereia) em forma de bolsa, com extremidades alongadas que servem para ancorar os ovos a alguma superfície. No caso das espécies vivíparas, os embriões recebem nutrição pelo sangue, que irriga um órgão chamado de placenta (cuidado, pois existe pouca semelhança entre esta e a placenta dos mamíferos placentários) ou secreções uterinas (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Figura 36 – Exemplo de desenvolvimento indireto em condrictes. Destaque para a grande bolsa de vitelo abaixo dos embriões Observação Alguns elasmobrânquios, como o tubarão‑azul, comem os ovos e irmãos menores ainda no útero em que estão sendo gerados. 5.1.4 Ecologia Conforme mencionado, os condrictes não possuem bexiga natatória. Uma vez que seu corpo é um pouco mais denso do que a água, a tendência é de que afundem, se ficarem parados. Para que isso não ocorra, devem ficar constantemente movendo‑se para frente, além de terem um fígado grande e rico em substância oleosa, que diminui sua densidade e ajuda a flutuar (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). De uma maneira geral, os peixes cartilaginosos modernos são predadores ativos. A maioria é marinha; poucas espécies de raias são de água doce. Tubarões, como o galha‑branca (Carcharhinus longimanus) e o tubarão‑martelo (Sphyrna spp.) (figura adiante), são habitantes de águas marinhas costeiras (Figura 38) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Contudo, no passado, os tubarões foram bastante comuns em águas doces (KARDONG, 2011). 58 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II Figura 37 – Exemplar filhote de tubarão‑martelo Figura 38 – Tubarão em ambiente marinho costeiro Entretanto, os famosos tubarão‑branco (Carcharodon carcharias) e anequim (Isurus oxyrynchus) são habitantes de águas marinhas mais abertas. O tubarão da Groenlândia (Somniosus microcephalus), por sua vez, já foi registrado em profundidades maiores do que 1.600 metros (KARDONG, 2011). Já as raias, devido ao seu achatamento dorsoventral, têm, na maioria das vezes, hábito bentônico (próxima figura) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Figura 39 – Raia repousando em fundo arenoso (hábito bentônico) 59 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Os tubarões e raias são, em sua maioria, carnívoros predadores. Contudo, o tubarão‑baleia é um gigante filtrador de zooplâncton, nadando com a boca aberta, para que a água entre carregando o alimento ou abocanhando grande quantidade de água da superfície. As quimeras alimentam‑se de uma grande variedade de algas e frutos do mar, como moluscos, equinodermos, crustáceos e outros peixes (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004; KARDONG, 2011). Observação As raias especializaram‑se em viver junto ao substrato do mar oudos rios. Por isso, têm achatamento dorsoventral e movem‑se com ondulações das nadadeiras em forma de asa. 6 OS PEIXES ÓSSEOS 6.1 Classe Actinopterygii Essa é uma classe que pertence ao grupo dos peixes ósseos, até recentemente identificado como Osteichthyes. Esse nome não é mais considerado válido, pois perdeu seu significado original (não é um grupo monofilético). Isso aconteceu porque Osteichthyes significa peixes com ossos e foi criado para designar os peixes atualmente colocados nas classes Actinopterygii e Sarcopterygii. São todos ectotérmicos, o que significa dizer que a temperatura de seus corpos varia de acordo com a temperatura do ambiente. Significa dizer, também, que seu metabolismo é muito baixo. No entanto, ao longo do tempo foi observado que outros peixes primitivos, como ostracodermes, acantódios e placodermes, também tinham ossos, aumentando o significado original de Osteichthyes. Contam, atualmente, com cerca de 23.600 espécies, ou seja, 96% de todos os peixes conhecidos (próxima figura) e metade de todos os vertebrados. Em destaque, aquela característica que dá nome à classe, ou seja, o esqueleto ósseo. Neste item, serão estudados apenas os elementos da classe Actinopterygii (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Baiacu Enguia Salmão CarpaCavalo‑marinhoBonito Figura 40 – Diversidade de peixes ósseos da classe Actinopterygii 6.1.1 Sistemática Merece destaque o fato já comentado de que os peixes ósseos não pertencem a apenas um grupo de animais. Estão divididos nas classes Actinopterygii e Sarcopterygii que, embora estejam ligadas por 60 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II várias características morfológicas, também apresentam suas individualidades (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). O nome Teleostomi é usado, muitas vezes, para um grupo formado por acantódios, actinopterígios e sarcopterígios. Dentro desse grupo, surge outro, o dos teleósteos, que inclui a maioria dos peixes atuais, portanto, os actinopterígios. Além de teleósteos havia outras duas denominações que caíram em desuso: condrósteo e holósteo, que representavam peixes ósseos primitivos e com menor grau de ossificação do esqueleto do que os teleósteos (KARDONG, 2011). Entre os actinopterígios, podem ser identificados dois grupos distintos, ou seja, os paleoniscídeos, ou formas ancestrais, e os neopterígios, ou formas modernas. Assim, o termo “neopterígios” é sinônimo de “teleósteos” (KARDONG, 2011). 6.1.2 História evolutiva Surgiram no Período Siluriano e dispersaram‑se por todo o planeta, atingindo uma variedade grande e interessante de formas (Figura 40). Sua sinapomorfia é a presença do osso endocondral, ou seja, o osso que se forma a partir da cartilagem presente nos embriões. Esta é uma característica também de todos os tetrápodes, ou seja, vertebrados com quatro membros. Algumas características (por exemplo, estruturas do crânio, opérculo etc.) são semelhantes àquelas presentes nos acantódios, indicando que podem ter tido um ancestral em comum, sendo considerados, muitas vezes, grupos‑irmãos (KARDONG, 2011). Provavelmente, esses dois grupos derivaram dos ágnatos primitivos (Figura 24). Os acantódios contavam com grandes espinhos na base de todas as nadadeiras, sobretudo a dorsal. Tanto placodermes quando acantódios já possuíam nadadeiras pares (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). O Período Devoniano é conhecido como Idade dos Peixes, indicando que os actinopterígios já estavam bem diversificados. Nessa época, surgiram duas linhagens. Uma delas, com nadadeiras raiadas (os Actinopterygii), inclui a maioria dos peixes ósseos atuais. Outra linhagem possui as nadadeiras lobadas (os Sarcopterygii), mas está representada atualmente por apenas 7 espécies (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Um dos actinopterígios mais primitivos foi o grupo dos paleoniscídeos, grupo caracterizado por tamanho pequeno, olhos grandes, cauda heterocerca, uma única nadadeira dorsal e os típicos raios ósseos nas nadadeiras. Foram bastante comuns e diversificados no final da Era Paleozoica, justamente quando os demais grupos de peixes da época (acantórios, ostracodermes, placodermes e sarcopterígios) estavam em declínio. Dessa forma, há suspeita de que alguma característica de sua anatomia ou de seu comportamento tenha dado vantagens para esse grupo (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Tendo sobrevivido e prosperado, os paleoniscídeos deram origem a duas linhagens principais. Uma delas, os condrósteos, correspondem a actinopterígios com características primitivas, como cauda heterocerca e escamas ganoides. O esturjão e o bichir são exemplos desse grupo, que possui poucos representantes atuais, sendo que o bichir possui inclusive pulmões. Outra linhagem primitiva foi a dos neopterígios que surgiram no Período Permiano e se diversificaram a partir daí. Hoje, estão representados pelos gêneros Amia e Lepisosteus, ambos da América do Norte, e capazes de complementar a respiração branquial com o ar da bexiga natatória (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004; KARDONG, 2011). 61 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Dentro dos neopterígios, uma linhagem diferenciou‑se e resultou na maioria dos actinopterígios existentes hoje em dia. Essa linhagem é a dos teleósteos ou peixes ósseos modernos (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 6.1.3 Morfologia Os actinopterígios são muito abundantes e diversificados. Seu tamanho varia de 10 milímetros até 17 metros. O esqueleto desses animais é predominantemente ósseo (Figura 41), embora existam algumas estruturas cartilaginosas (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004) e algumas poucas espécies possam ter o esqueleto predominantemente cartilaginoso (por exemplo, esturjões e alguns peixes pulmonados) (KARDONG, 2011). Figura 41 – Estrutura óssea de um actinopterígio É importante mencionar que esses ossos são endocondrais. Nos actinopterígios primitivos, a nadadeira caudal era heterocerca, mas, nos atuais, predomina a forma homocerca (Figuras 28 e 42). A coluna vertebral une‑se ao crânio, mas não tem articulação. De cada lado da coluna vertebral, saem costelas finas únicas ou pareadas que estão relacionadas com a sustentação da musculatura dorsal e das vísceras numa posição ventral (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Nadadeira dorsal anterior Nadadeira peitoral Opérculo Boca Nadadeira dorsal posterior Nadadeira caudal Nadadeira pélvica Narinas Olho Nadadeira anal Orifício urogenitalÂnus Linha lateral Figura 42 – Anatomia externa de um actinopterígio 62 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II A musculatura é composta por uma sequência de miômeros e está distribuída, principalmente, pela parte dorsal do animal. Cada miômero corresponde a um conjunto muscular com formato aproximado de um W deitado (Figura 43) e está encaixado entre dois outros miômeros. Neles, as fibras musculares são relativamente curtas e estão fixadas em tecido conjuntivo resistente. Na região ventral, a parede do corpo é revestida apenas por uma fina estrutura muscular. As musculaturas lateral e caudal são chamadas de musculatura axial. Peixes cartilaginosos e ósseos compartilham a mesma estrutura. Inclusive, Pikaia (Figura 16), aquele possível ancestral dos cordados, já apresentava musculatura com padrão de miômeros (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Figura 43 – Musculatura axial de actinopterígios deixando evidentes os miômeros musculares em forma de W A região do corpo que fica após a cloaca não possui mais vísceras e é formada apenas pela extremidade posterior da coluna vertebral cercadapor musculatura, sendo importante para dar impulso à natação por meio de movimento ondulatório lateral (horizontal) (Figura 44). Essa é uma maneira de distinguir os peixes (ósseos ou cartilaginosos) dos mamíferos aquáticos do grupo dos cetáceos (baleias e golfinhos) (Figura 44) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Tubarão Ictiossauro Golfinho Figura 44 – Comparação da morfologia externa entre três grupos distintos de vertebrados, ou seja, os peixes (tubarão), os répteis aquáticos (ictiossauro, já extinto) e mamíferos (golfinho) 63 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Nadadeiras peitorais e pélvicas pares (Figura 42) são características importantes para diferenciar de ágnatos. Também existem outras nadadeiras nas partes ventral (anal) e dorsal (anterior e posterior) que são, geralmente, ímpares (Figura 42) e podem ter formas bem variadas (Figura 40). Essas nadadeiras são classificadas como raiadas, pois, em sua estrutura, existem raios (bastões ou lepidotríquios) de sustentação e musculatura que controla os movimentos. Além da função tradicional na natação, as nadadeiras acabaram assumindo funções bem variadas (próxima figura), por exemplo, camuflagem, comunicação, isca de peixes‑pescadores, ventosas e espinhos (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004; KARDONG, 2011). Figura 45 – Peixe‑leão com nadadeiras especializadas O corpo é revestido, geralmente, por escamas embutidas na estrutura da pele. Escamas chamadas de ganoides foram comuns em formas primitivas, embora estejam presentes em poucas formas atuais. Atualmente, predominam as escamas cicloides e ctenoides (figura a seguir). Toda a escama é uma estrutura fina, achatada e flexível, disposta em fileiras sobrepostas por todo o corpo do animal (Figura 47), com exceção da cabeça e das nadadeiras. Além das escamas, a pele possui muitas glândulas produtoras de muco (Figura 46). Em espécies de bagres e enguias, a pele é considerada nua, estando totalmente livre de escamas. Nesse caso, são chamados peixes de couro (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Cicloide Ctenoide Ganoides Figura 46 – Tipos de escamas de actinopterígios 64 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II Figura 47 – Aspecto da pele de um actinopterígio Além do osso endocondral, várias outras características acabam unindo os peixes ósseos. Todos apresentam um opérculo ósseo sobre as brânquias, ou seja, uma estrutura óssea em forma de escudo, em cada um dos lados da cabeça (Figuras 48 e 49). Mais do que uma proteção às brânquias, é uma estrutura importante para a criação de um fluxo de água por meio das brânquias, melhorando a eficiência das trocas gasosas (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Corte do opérculo Arcos branquiais Filamentos branquiais Figura 48 – Características morfológicas da cabeça de um actinopterígio As brânquias estão presentes em ambos os lados da cabeça, protegidas pelos opérculos. Cada brânquia é formada por um suporte rígido chamado de arco branquial, a partir do qual saem os filamentos branquiais (Figuras 48 e 49). Cada filamento é formado por uma série de lamelas branquiais nas quais se dispõem os capilares sanguíneos, onde ocorrem as trocas gasosas (próxima figura). Vale destacar que as brânquias correspondem ao sistema respiratório dos peixes, e não ao sistema circulatório, embora tenha uma relação bastante íntima com os vasos sanguíneos (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Arcos branquiais Opérculo Lamelas branquiais Filamento branquial Artéria Água Água Veia Figura 49 – Estrutura da brânquia 65 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Internamente, é possível observar o sistema digestório completo (próxima figura). Na boca, as mandíbulas possuem, geralmente, dentes. As narinas não têm abertura para a cavidade bucal, as bolsas olfatórias estão isoladas. A cavidade bucal continua na faringe, em cujas paredes estão as brânquias. A boca serve como entrada de alimento, que é direcionado para a abertura do estômago (próxima figura). Contudo, o mesmo caminho é usado apenas pela água que entra pela boca e, por meio da abertura do opérculo e da contração da musculatura da faringe, é direcionada para as brânquias e para fora do corpo (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). A partir do estômago, o alimento é digerido, e os nutrientes, absorvidos no intestino. Uma válvula espiral, semelhante àquela dos tubarões, pode ser observada no intestino de poucas espécies. De acordo com a dieta do animal, o intestino pode ser mais longo (em herbívoros) ou mais curto (em carnívoros). O ânus abre‑se numa região chamada de cloaca (figura adiante), que também é compartilhada pelas aberturas dos sistemas excretor (rins pares opistonéfricos) e reprodutor (gonóporo). Normalmente, os rins são muito alongados e estão localizados na base da coluna vertebral (figura a seguir) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Esôfago Estômago Cecos pilóricos Bexiga natatória Ânus Faringe Figado Boca Figura 50 – Anatomia interna de um actinopterígio Apresentam, também, a bexiga natatória, uma estrutura membranosa formada a partir do esôfago (Figura 51), que está localizada logo abaixo da coluna vertebral (Figura 50) e se enche de gás. Um duto pneumático (Figura 51) ligando a bexiga natatória ao esôfago (condição chamada de fisóstoma) está presente apenas em algumas espécies, como a truta. A condição mais tradicional (sem o ducto) é chamada de fisóclista. Para encher a bexiga, o gás sai da corrente sanguínea por meio da glândula de gás. Em alguns poucos casos de peixes fisóstomos, os gases são engolidos diretamente do ar. Nesse caso, para retirar ar da bexiga, o peixe expulsa diretamente para o meio através da boca (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Qualquer que seja o tipo de bexiga natatória, sua função principal é a de auxiliar na flutuabilidade dos peixes, ou seja, ao se encher ou esvaziar, faz que os peixes consigam mover‑se para cima ou para baixo na água. As bexigas natatórias são derivadas dos pulmões dos primitivos peixes ósseos, que usavam esses órgãos como auxiliares na respiração. Adicionalmente, pode ajudar nas trocas gasosas em ambientes com baixo teor de oxigênio, como ocorre com os gêneros de neopterígios Amia e Lepisosteus. Vale lembrar que as brânquias são as principais responsáveis pela hematose (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 66 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II Bexiga natatória Esôfago Duto pneumático Figura 51 – Estrutura da bexiga natatória e sua relação com o esôfago Observação Bexiga natatória existe na maioria dos peixes ósseos atuais. Está ausente em peixes de regiões muito profundas (abissais), peixes bentônicos (como os bagres), linguado, atum e alguns outros. O sistema circulatório é bastante semelhante àquele apresentado para os tubarões (próxima figura). Composto por um coração com duas cavidades (um átrio e um ventrículo) em sequência (Figuras 52 e 53). A partir do coração, o sangue segue para as brânquias, onde é oxigenado, e daí segue para o restante do corpo por artérias, retornando pelas veias ao coração (figura a seguir). Trata‑se, portanto, de uma circulação fechada, completa e simples. O sangue contém eritrócitos com núcleos (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Cabeça Brânquias Nadadeiras anteriores Veia cardinal anterior Veia cardinal posterior Nadadeiras posteriores Coração Fígado Aorta Digestivo Músculos Rins Figura 52 – Estrutura do sistemacirculatório dos peixes ósseos atuais 67 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Átrio Ventrículo Figura 53 – Estrutura do coração dos peixes ósseos atuais O sistema nervoso é composto por um encéfalo pequeno, com lobos olfatórios e ópticos bem‑desenvolvidos, além do cerebelo. A linha lateral é uma das estruturas sensoriais presentes nos actinopterígios. Estende‑se pelos dois lados do corpo, da cabeça à base da cauda. Externamente, aparece como uma sequência linear de pequenos furos (poros) nas escamas (próxima figura). Corresponde a um conjunto de canais localizados abaixo das escamas e que se comunicam com o meio externo pelos poros. Nesses canais, estão localizadas as células sensíveis à movimentação da água (pressão), chamadas neuromastos (figura a seguir) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Epiderme Nervo lateral Linha lateral Neuromastos EscamaPoros Figura 54 – Estrutura da linha lateral Barbilhões ou bigodes (próxima figura) são estruturas sensoriais muito importantes para o tato. Estão na cabeça, ao redor da boca, especialmente nos peixes que possuem uma relação grande com o fundo do ambiente (hábito bentônico) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 68 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II Figura 55 – Peixe com estruturas sensoriais na forma de barbilhões Normalmente, são animais dioicos, com fecundação externa, ovíparos (gerando ovos anamnióticos) e com desenvolvimento indireto (larvas chamadas de alevinos) que podem ser muito diferentes dos adultos. Em uma única desova, centenas ou mesmo milhares de ovos podem ser liberados pela fêmea (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Contudo, em um grupo de animais tão abundante e diversificado, não se deve esperar que a reprodução ocorra sempre da mesma forma. Há espécies que podem realizar a mudança de sexo dos seus indivíduos, de acordo com a estrutura da população, ou seja, caso existam muitas fêmeas, parte delas transforma‑se em machos, e vice‑versa (MOYES; SCHULTE, 2010; KARDONG, 2011). Há espécies que são ovovivíparas ou até mesmo vivíparas. Cuidado parental pode haver com os ovos ou mesmo com os filhotes. Há espécies que guardam ovos ou filhotes na boca, enquanto outras os depositam em cavidades ou enterram e ficam tomando conta até a eclosão (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Observação Curioso é o caso do linguado (espécie) cuja larva nectônica sofre torção dos olhos e da boca, gerando um adulto bentônico com os dois olhos no mesmo lado do corpo. 6.1.4 Ecologia Ocupam praticamente todos os ambientes do planeta em águas doces, salobras ou marinhas (próxima figura), desde grandes altitudes (cerca de 5 mil metros) até grandes profundidades (cerca de 8 mil metros). Já foram encontrados em fontes termais com água acima de 40o C, sob o gelo (‑ 2o C), em total escuridão de cavernas, em pântanos sem oxigênio e até percorrendo certas distâncias entre lagoas (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 69 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Figura 56 – Ambiente marinho de recife onde podem ser observadas variadas espécies de peixes, com diferentes hábitos e características Alguns, como os peixes‑palhaço, vivem em associação ecológica com anêmonas (próxima figura), contato evitado por muitos outros animais, por causa do efeito irritante dos tentáculos da anêmona (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Figura 57 – Peixe‑palhaço em associação ecológica com anêmona Para ocuparem tantos ambientes diferentes, a morfologia foi fundamental. A perda das pesadas lacas ósseas dos peixes primitivos deu grande mobilidade aos actinopterígios modernos. Com isso, puderam perseguir presas e também fugir de predadores de modo mais eficiente. Para isso, as mudanças nas escamas e nas nadadeiras foram importantes (próxima figura) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Figura 58 – Hábitos peculiares dos actinopterígios decorrentes de sua grande diversificação e especialização. A) Cavalos marinhos. B) Baiacu 70 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II Pelo fato de ser um grupo bastante diversificado, ocupa muitos nichos ecológicos. Em parte, isso pode ser visto por meio dos hábitos alimentares também variados. A maioria dos peixes é formada por predadores vorazes, que se alimentam, algumas vezes, de animais com o tamanho de seu próprio corpo. Há também os herbívoros, os filtradores, onívoros, saprófagos e parasitas (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Um fenômeno bastante interessante dos peixes ósseos é a migração. Há espécies que migram milhares de quilômetros em um mesmo ambiente. Isso, por si, já seria algo espetacular. Contudo, há espécies que migram entre ambientes diferentes, ou seja, da água salgada para a água doce, e vice‑versa (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). São considerados peixes catádromos aqueles que são de água doce, mas migram para o mar para se reproduzirem. Algumas enguias apresentam esse comportamento. Os adultos descem o rio e chegam ao mar, onde se reproduzem. Os filhotes sobem o rio para viver suas vidas em água doce (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Já os peixes anádromos são aqueles que fazem o caminho inverso, ou seja, vivem no mar, mas sobem o rio para se reproduzirem. O salmão é um ótimo exemplo desse comportamento (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 6.2 Classe Sarcopterygii Essa é mais uma classe do grupo dos peixes ósseos, junto à Classe Actinopterygii. Conta atualmente com apenas 6 espécies (3 gêneros) de peixes pulmonados (Quadro 2) e uma espécie de celacanto (Latimeria chalumnae) (próxima figura). Em destaque, todo o grupo é caracterizado por um tipo de nadadeira diferente daquela dos actinopterígios, ou seja, possui uma nadadeira lobada (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Quadro 1 – Relação dos gêneros de peixes pulmonados (sarcopterígios) viventes e seus respectivos locais de origem Gênero País de origem Neoceratodus Austrália Lepidosiren América do Sul Protopterus África Figura 59 – Celacanto (Latimeria chalumnae), um dos poucos sarcopterígios vivos na contemporaneidade 71 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS 6.2.1 Sistemática Conforme mencionado, hoje, a classe possui 3 gêneros (Quadro 2) de peixes pulmonados (totalizando 6 espécies) e mais um gênero, com uma ou duas espécies de celacanto (Latimeria chalumnae) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Entre os sarcopterígios, foram identificados dois grupos que são citados por alguns autores, mas não mais usados na prática: Dipnoi e Crossopterygii (KARDONG, 2011). O celacanto e um grupo primitivo chamado ripidístios (Rhipidistia) formavam o grupo dos crossopterígios, nomenclatura não mais empregada (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 6.2.2 História evolutiva A baixa representatividade desse grupo na contemporaneidade nem de longe se assemelha a seu passado. No Período Devoniano, em plena época de ouro dos peixes pré‑históricos, os sarcopterígios eram bem diversificados e abundantes (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Um dos grupos mais importantes foi o dos ripidístios, que surgiram no Período Devoniano e, ao que tudo indica, deram origem ao ancestral dos tetrápodes. Durante o final da Era Paleozoica, tornaram‑se os predadores dominantes das águas doces. Foram extintos durante o Período Permiano. Esse grupo era formado por alguns peixes pulmonados extintos e também por sarcopterígiosque estão na base da evolução dos tetrápodes, conforme se discutirá adiante (por exemplo, Eusthenopteron, Tiktaalik) (KARDONG, 2011). Os celacantos, com representantes até hoje, surgiram no Período Devoniano (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 6.2.3 Morfologia Pelo que foi recuperado por meio dos fósseis, todos os sarcopterígios primitivos possuíam pulmões e brânquias, além de uma cauda heterocerca (Figura 28). Ao longo de sua evolução, mudanças externas e internas ocorreram. As nadadeiras medianas, dorsal e ventral foram deslocadas para a parte de trás do corpo, tornando‑se contínuas à cauda, que passou a ser dificerca (Figuras 28, 59 e 60). Essa configuração é mais característica dos peixes pulmonados (por exemplo, piramboia). Contudo, as nadadeiras que caracterizam a classe são outras (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 72 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II Piramboia Cavalo‑marinho Bagre Figura 60 – Comparação entre peixes sarcopterígios (piramboia) e actinopterígios (bagre e cavalo‑marinho) As nadadeiras chamadas de lobadas (em oposição à raiada dos actinopterígios) são as peitorais e pélvicas, típicas de celacanto (Figura 59). Uma nadadeira desse tipo é forte e fica na extremidade de apêndices curtos e carnosos, possuindo osso e musculatura associados a sua estrutura. Além da natação, auxilia os peixes a sustentarem o peso quando em repouso no fundo do ambiente ou a rastejar para foram da água em ocasiões especiais, atuando como quatro patas funcionais (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004; KARDONG, 2011). Apesar da presença de pulmão na maioria (exceto celacanto), também possuem brânquias com arcos branquiais e recobertas por opérculo. Contudo a bexiga natatória é muito vascularizada e usada para flutuação e respiração nos peixes pulmonados (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Já no celacanto, parece estar cheia de gordura, não atuando na respiração (KARDONG, 2011). Quanto à circulação, existe uma particularidade. Como possuem o pulmão para respiração, sua circulação não é simples como nos demais peixes. A circulação é dupla, possuindo uma parte pulmonar (vai até o pulmão e volta ao coração) e uma parte sistêmica (vai até os órgãos e volta ao coração) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). No restante da anatomia, assemelham‑se muito aos actinopterígios. O corpo é coberto por escamas ósseas embutidas. Possuem dentes revestidos por esmalte, com formato de placa trituradora no palato (céu da boca). O intestino possui válvula espiral (Figura 31). O sistema nervoso é semelhante ao dos actinopterígios (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Embora seja um assunto válido para peixes cartilaginosos e ósseos, a osmorregulação será tratada neste capítulo, uma vez que os peixes cartilaginosos são, na maioria, isosmóticos em relação ao meio onde vivem. Esse é um termo relacionado com os controles naturais que esses animais têm para manter sua homeostase no meio aquoso onde vivem. Conforme destacado, os peixes podem viver em água doce, salgada ou salobra. Alguns deles, inclusive, podem migrar de um tipo de água para outro ao longo da vida (anádromos e catádromos). Tudo isso envolve controle osmótico (próxima figura) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 73 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Sal H2O Rim Urina Sal Sal H2O H2O Rim Urina Água do mar A B Figura 61 – Mecanismos de osmorregulação em peixes ósseos. A) Peixe de água doce; B) Peixe de água salgada Os condrictes são isosmóticos em relação ao meio, ou seja, seu sangue tem quase a mesma concentração de solutos. Mas, com os demais peixes, a situação é diferente. Peixes de água doce são considerados hiperosmóticos em comparação com o meio, ou seja, a concentração de solutos dentro deles é maior do que na água. Assim, o sal tem um comportamento de deixar naturalmente o corpo do animal (difusão), enquanto a água do meio tende a entrar naturalmente no animal pela pele (osmose) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Lembrete Vale lembrar que, entre duas concentrações colocadas lado a lado e separadas por uma membrana semipermeável, as substâncias passam do meio mais para o menos concentrado. Para manter seu corpo funcionando e em equilíbrio, o peixe de água doce deve ter mecanismos para eliminar o excesso de água que entra. Para isso, evita ingerir água e conta com rins eficientes que irão produzir uma urina abundante e diluída (Figura 61). Com relação ao sal, a situação é oposta. Deve ingerir sal nos alimentos e ter estruturas que absorvam o sal do meio para compensar aquele que está sendo perdido. Esse papel é feito por células especiais nas brânquias (Figura 61) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Nos peixes ósseos de água salgada, inverte‑se o quadro. Eles são considerados hiposmóticos em relação ao meio, uma vez que a concentração de solutos em seus corpos é menor do que a do meio. Assim, a água tende a sair livremente pela pele, enquanto o sal entra no corpo do animal. Para a regulação do corpo e a prevenção da desidratação, o peixe deve beber água constantemente para repor a água perdida e produzir urina em pequena quantidade e bastante concentrada (Figura 61). Contudo, como se trata de uma água salgada, esse sal em excesso se soma ao sal que já estava entrando pela pele do animal. Deve ter, portanto, mecanismos eficientes para eliminar esse sal. Parte dele é eliminada pelos rins. Outra parte é eliminada pelas células secretoras de sal localizadas nas brânquias (Figura 61) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Esses peixes são dioicos, com fecundação externa ou interna e desenvolvimento indireto (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 74 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II 6.2.4 Ecologia Peixes pulmonados nem sempre podem permanecer longos períodos fora da água. É o que ocorre com a espécie australiana que inclusive utiliza brânquias para a respiração. Entretanto, o peixe pulmonado africano vive em lagos e rios que podem secar no verão das savanas. Quando isso ocorre, esses peixes cavam o fundo feito de lama e produzem um muco grosso que os protege como se fosse um casulo para que possam resistir à época de dificuldade (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Embora seus ancestrais do Período Devoniano fossem de água doce, o celacanto moderno é um peixe marinho de águas profundas encontrado na costa da África do Sul e da Indonésia (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Latimeria habita desde recifes de coral até profundidades de 400 metros (KARDONG, 2011). 7 TETRÁPODES PRIMITIVOS Conforme visto até aqui, o grupo dos primeiros vertebrados é fantástico por sua diversidade e representatividade ao longo dos últimos 400 milhões de anos (um pouco mais ou um pouco menos). Contudo, a despeito de sua anatomia e seus hábitos fascinantes, os peixes também são importantes evolutivamente. Entre seus representantes pré‑históricos, existiu uma espécie que sofreu modificações e deu origem a uma nova linhagem de vertebrados fantásticos. Trata‑se dos tetrápodes, ou seja, gnatostomados com quatro membros locomotores. Passaremos a tratar deles a partir de agora. Todo vertebrado não tetrápode pode ser considerado um peixe. Todos os tetrápodes são gnatostomados. Lembrete Cuidado com a palavra tetrápode para não a empregar de modo errado. Não a confunda com quadrúpedes, que são animais com quatro pés. 7.1 Início da evolução dos tetrápodes O estudo desses primeiros vertebrados terrestres deve ser precedido pelo estudo do processo que lhes deu origem. Na primeira metade da Era Paleozoica, os vertebrados experimentaramum dos eventos mais importantes e dramáticos de sua história ao trocarem o conforto da água pela aridez terrestre. Naquela época, todos os animais vertebrados mais derivados estavam nas águas doces e salgadas do mundo. Seus corpos eram programados para viver em equilíbrio com esse meio. De repente, surge o interesse ou a necessidade de explorar um novo ambiente desprovido daquilo que era mais essencial àqueles seres vivos: a água. Como prêmio aos vencedores, a oportunidade de dominarem espaços sem competidores ou oponentes. O resultado disso tudo, nós já sabemos. Inclusive somos um deles (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 75 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Lembrete Importante lembrar que os vertebrados não foram os primeiros seres vivos a conquistarem o ambiente terrestre. Antes deles, plantas, caramujos, escorpiões, miriápodes e insetos já estavam vivendo sobre os continentes. 7.1.1 Sistemática – Os primeiros grupos Parece não haver dúvidas de que os ancestrais mais diretos dos tetrápodes estão entre os sarcopterígios devonianos do grupo Rhipidistia. Uma das espécies que simboliza o período de intensa transformação ocorrido no Paleozoico é o sarcopterígio Eusthenopteron foordi (próxima figura). A partir da interpretação de sua anatomia interna, concluiu‑se que ele podia caminhar ou saltar pelo fundo dos lagos onde vivia utilizando suas fortes nadadeiras peitorais pareadas. Outros gêneros, como Panderichthys e Tiktaalik, apresentaram sensíveis mudanças em relação a essa condição primordial e representaram avanços em se obter um corpo tetrápode eficiente (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). sp sp sp sp Panderichthys Eusthenopteron Gononasus Tiktaalik Ventastega Ichtyostega Tiktaalik Panderichthys ??? Acanthostega sp sp tab squ sp Figura 62 – Cladograma ilustrado da linhagem dos tetrápodes de acordo com Clack (2007). Ilustração dos crânios e reconstituição do corpo dos principais gêneros que fizeram parte dessa linhagem. Estrutura marcada como “sp” representa o espiráculo A partir dos ripidístios, que já tinham um tipo especial de dente chamado labirintiforme, surgiu um grupo de tetrápodes primitivos chamado Labirintodontes. Obviamente, eles possuíam o mesmo tipo de dente dos seus ancestrais peixes. Eles ainda não podem ser chamados de anfíbios, nome este aplicado apenas ao grupo dos Lepospôndilos (anfíbios extintos) e Lissanfíbios (anfíbios modernos). Seus animais diferenciam‑se por ter muitas características de peixes (por exemplo, brânquias internas) e tamanho grande, podendo chegar a 5 metros (KARDONG, 2011). Um dos tetrápodes labirintodontes mais antigos conhecidos é o gênero Acanthostega, também do Período Devoniano. Outro gênero relacionado é Ichthyostega. É importante mencionar que os estudos dessa parte da evolução dos vertebrados são muito abundantes, e a sua classificação, bem como as relações entre os táxons conhecidos, muda constantemente (Figura 63). Os gêneros mencionados no 76 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II presente texto correspondem a formas bem‑estudadas e que fundamentaram todo o conhecimento existente hoje em dia. Contudo, além desses, há muitos outros gêneros que completam o cenário evolutivo em questão (figura a seguir) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004; KARDONG, 2011). Eusthenopteron Panderichthys Tiktaalik Elginerpeton Elpistostege Densignathus Metaxygnathus Ventastega Acanthostega Ymeria Ichthyostega Whatcheeria tetrápodesPederpes Greererpeton Crassigyrinus Balanerpeton Baphetes Dendrerpeton Parrsboro Caerohachis Silvanerpeton Eoherpeton Proterogyrinus Sigournea Occidens Figura 63 – Cladograma representativo das relações entre os gêneros de tetrápodes primitivos e seu ancestrais diretos sarcopterígios. As estrelas marcam os gêneros descritos no texto Foi durante o Período Carbonífero que os tetrápodes primitivos sofreram grande diversificação e se distribuíram amplamente pelo planeta, provavelmente motivados por clima mais apropriado e suas consequências, conforme será comentado adiante. Nessa época, surgiram grupos importantes para o restante da evolução dos vertebrados, quais sejam: Temnospôndilos, Lepospôndilos e Antracossauros. Entre eles, duas linhagens podem ser claramente identificadas: uma delas deu origem aos anfíbios atuais; outra, aos demais vertebrados (grupo dos Amniotas). Os Temnospôndilos surgiram diretamente de ripidístios e desenvolveram diversas linhagens, hoje extintas, que deram origem ao grupo dos anfíbios atuais, chamado Lissamphibia, por volta do Período Jurássico da Era Mesozoica. Desde o início, surgiram os ancestrais dos três grupos de anfíbios existentes atualmente, ou seja, Anura (ou Salientia), Urodela (ou Caudata) e Gymnophiona (ou Apoda) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004; KARDONG, 2011). 7.1.2 A conquista do ambiente terrestre O Período Devoniano (há cerca de 400 milhões de anos) da Era Paleozoica é conhecido como Idade dos Peixes devido à grande diversidade e à abundância alcançadas por esses animais, que, de quebra, eram os vertebrados mais avançados do planeta. Foi em meio a essa diversidade toda que alguns desses 77 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS vertebrados sofreram mudanças morfológicas e fisiológicas que os tornaram aptos a explorarem o ambiente terrestre (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Coube aos anfíbios arriscar‑se fora da água, mas, como ainda sucede, continuaram muito dependentes dela. Podemos considerar que o processo de transição, ocorrido há milhões de anos, repete‑se numa escala reduzida cada vez que se reproduzem os anfíbios. Os girinos são animais aquáticos, como pode ser visto por sua anatomia. Contudo, os adultos são terrestres ou semiterrestres, e, durante a transformação de um girino em adulto, podemos observar algumas das modificações que também teriam afetado os primeiros membros do grupo (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Observação Alguns autores utilizam o termo anfíbio para designar também o hábito de vida de alguns animais que passam uma parte do tempo na água e outra fora dela. É o caso do jacaré, que, muitas vezes, é chamado de réptil anfíbio. Devido às condições climáticas da época devoniana, eram comuns ecossistemas com rios e lagos que diminuíam muito sua quantidade de água ao longo do ano, chegando mesmo a ficar com água estagnada e pobre em oxigênio. Muitos peixes que viviam nesses ambientes morriam por não suportarem essas dificuldades. Obviamente, essa foi uma situação que atingiu apenas os peixes de água doce. No entanto, alguns conseguiam sobreviver às épocas difíceis, porque conseguiam retirar oxigênio do ar e caminhar curtas distâncias em terra firme (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Observação Os animais que representam os primeiros passos da evolução dos tetrápodes não costumam ser chamados de anfíbios (Classe Amphibia). Embora também não sejam peixes, são chamados de tetrápodes primitivos. Uma das principais dificuldades a ser superadas pelos tetrápodes primitivos foi lidar com o oxigênio. Esse gás é fundamental para o metabolismo dos vertebrados e pode ser obtido a partir da água ou do ar. Contudo, em cada um desses meios, ele está em concentração diferente (cerca de 20 vezes maior no ar do que na água) e exige estruturas corporais diferentes para ser obtido (difunde‑se mais facilmente no ar). Assim, os vertebrados obtêm oxigênio mais facilmente do ar. Foi necessário, então, que os vertebrados desenvolvessem órgãos especializados para esse fim. Daí, surgiramos pulmões e vias aéreas (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Para a respiração aérea (isto é, feita fora da água), as já consagradas brânquias dos peixes não foram muito eficientes, pois se ressecavam facilmente em contato com o ar. Sobreviveram apenas os peixes de água doce que possuíam algum tipo de pulmão desenvolvido, provavelmente, a partir de uma bexiga natatória que armazenava ar vindo diretamente do esôfago (Figuras 50 e 51). A partir dos vasos 78 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II sanguíneos, o oxigênio desse ar era transferido ao sangue e ia direto ao coração, antes de ser enviado ao corpo. Assim, por causa do pulmão, surgiu uma circulação exclusiva para a oxigenação do sangue (chamada pulmonar), enquanto outra conduzia sangue para o restante do corpo (chamada sistêmica). Esse foi o início da circulação dupla (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Entretanto, dessa utilização do ar, decorre um problema. O ar é menos denso e viscoso do que a água. Como os tetrápodes primitivos, com seus pesados esqueletos ósseos herdados dos peixes, poderiam sustentar‑se em um meio com essas características? Foi necessário outro conjunto de modificações, desta vez, envolvendo o esqueleto e, principalmente, os membros, para que o corpo pesado pudesse ser sustentado. Além de sustentar o corpo, esses novos modelos de animais precisavam locomover‑se em terra firme, função que também está associada aos membros, ossos e musculatura. Os membros tornaram‑se mais robustos, com ossos fortes e musculatura resistente (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Alguns autores chamam esse membro de chiridium, sendo definido como um membro muscular, com articulações e dedos (KARDONG, 2011). Muitos dos peixes devonianos que tinham pulmões e podiam respirar oxigênio do ar também tinham nadadeiras pares lobadas (os sarcopterígios) (Figura 59), cuja estrutura óssea robusta (com úmero, rádio e ulna, por exemplo) e musculosa possuía muitas semelhanças com os membros dos tetrápodes, confirmando‑se como homologias (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Os gêneros de peixes e tetrápodes presentes na próxima figura representam essa condição do esqueleto. Eusthenopteron, Panderichthys e Tiktaalik são alguns gêneros de peixes sarcopterígios ripidístios importantes com membros que permitiam a movimentação dentro da água, nadando ou arrastando‑se pelo fundo do rio ou lago. Acanthostega, por sua vez, já é considerado um tetrápode primitivo (e não um peixe), embora seja considerado por alguns, devido às muitas semelhanças compartilhadas, como um peixe de quatro patas (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 365 milhões de anos Acanthostega 375 milhões de anos Tiktaalik 385 milhões de anos Panderichtys Figura 64 – Representação da anatomia e hábito de vida de Panderichtys, Tiktaalik e Acanthostega 79 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Possuía membros bem formados, inclusive com dedos (Figura 64). Não obstante fossem membros que permitiam a movimentação nas partes rasas dos corpos d’água, não faziam a sustentação do corpo acima do solo. Portanto, deve ter se arrastado pelas margens de lagos e rios devonianos. Outro gênero de tetrápode primitivo famoso, Ichthyostega, já possuía membros mais robustos e mais adaptados à vida em terra firme, podendo explorar um pouco mais o continente com seu corpo pesado e grande, com cerca de 150 centímetros (figura a seguir) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Observação O padrão dos vertebrados atuais é ter cinco dedos nos pés e mãos (padrão pentadáctilo). Contudo, os fósseis dos primeiros tetrápodes mostram que eles possuíam mais do que cinco dedos em todas as patas. Figura 65 – Reconstituição da morfologia externa de Ichthyostega Parece evidente que os membros nesses primeiros tetrápodes já estavam bem desenvolvidos, mas ainda não estavam funcionando coordenadamente com o resto do corpo. Aliás, o resto do corpo desses animais tinha mais características de hábitos aquáticos do que terrestres. Assim, acredita‑se que esses membros eram mais úteis dentro da água do que fora dela, sendo usados como poderosos remos e auxiliando na curta movimentação fora da água (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Os peixes de nadadeiras lobadas do devoniano e os primeiros tetrápodas ainda compartilhavam muitas características morfológicas, como crânio, dentes e cintura escapular (o encaixe dos membros anteriores ao esqueleto axial – coluna vertebral). Contudo, Ichthyostega começou a mudar esse quadro de semelhanças, passando a apresentar características próprias e adequadas a uma maior independência em relação à água (Figura 65). A coluna vertebral também foi reforçada por musculatura para auxiliar na sustentação do corpo. Surgiu a articulação da coluna com o crânio, formando um pescoço que permitia o movimento da cabeça para cima, para baixo e para os lados, comandados por musculatura específica. As duas cinturas (escapular e pélvica) foram reforçadas para melhorar o movimento. A caixa torácica também se desenvolveu para proteger os órgãos (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004; KARDONG, 2011). Uma das características físicas da água é armazenar calor, o que faz com que a temperatura no interior dos corpos d’água variem lentamente. O mesmo não se pode dizer do ar, onde a temperatura muda muito em questão de minutos. Esse foi mais um dos desafios enfrentados pelos vertebrados terrestres. Foi necessário que mecanismos comportamentais e fisiológicos fossem desenvolvidos para que o frio e calor excessivos dos continentes fossem contornados. Daí, ao longo da evolução, surgiu a 80 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II condição homeotérmica, ou seja, controle da temperatura corporal por mecanismos fisiológicos, típica das aves e mamíferos. Anfíbios e répteis permanecem, até hoje, ectotérmicos, assim como os peixes (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Viver em terra firma também trouxe outros desafios. Os órgãos dos sentidos existentes nos peixes não serviam para a vida aérea. O olho teve que sofrer modificações para lidar com a aridez do ar, excesso de luminosidade e comportamento da luz na estrutura do olho. Algo semelhante ocorreu com o ouvido que devia captar os sons propagados pelo ar de maneira diferente de pela água. Até mesmo o olfato foi aperfeiçoado com modificações no crânio para acomodarem células especializadas em detectar moléculas de odor no ar. A partir de Ichthyostega, os tetrápodes desenvolveram diferentes estratégias para lidar com todos esses problemas (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Durante o Período Carbonífero, o clima mundial mudou drasticamente, passando a ser mais quente e úmido e muito mais adequado aos tetrápodes primitivos, bem como aos anfíbios derivados deles. Isso gerou grande diversificação e irradiação. O clima era agradável, sem temperaturas extremamente frias ou quentes. Os habitats terrestres não eram habitados por outros vertebrados. Havia alimento em profusão, dentro e fora da água. Tudo contribuiu para o sucesso do grupo naquele período (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 8 OS ANFÍBIOS MODERNOS A grande revolução na história da vida na Terra que aconteceu durante os períodos Devoniano e Carbonífero rendeu frutos que resistem bravamente até hoje. Nessa época, surgiram os ancestrais do que hoje conhecemos como anfíbios modernos, ou seja, os sapos, rãs, pererecas, salamandras e cobras cegas (cecílias). Embora tenham estrutura anatômica simples quando comparados a outros vertebrados mais derivados (isto é, répteis, aves e mamíferos), são extremamente eficientes para determinados ambientesonde a umidade alta e temperaturas amenas são elementos constantes. Tanto é que sobreviveram a extinções em massa e chegaram aos dias de hoje como elementos comuns de muitos ecossistemas tropicais e temperados. Observação Cobra cega é um nome popular, usado para animais compridos e com olhos pequenos ou ausentes. Por isso, além dos anfíbios da Ordem Gymnophiona (conforme será visto adiante), alguns répteis conhecidos como anfisbenas também recebem esse nome. 8.1 Classe Amphibia Os anfíbios estão representados atualmente por alguns animais comuns ao nosso dia a dia, como sapos, rãs e pererecas (figura adiante), e outros nem tanto, como salamandras e cecílias (figura a seguir) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). 81 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Salamandra Cobra‑cega ou cecília Sapo Rã Figura 66 – Principais componentes atuais da Classe Amphibia São descendentes diretos das linhagens de vertebrados que primeiro se aventuraram fora da água, mesmo não tendo ainda conseguido a independência total dela. Aliás, esse é justamente o significado do nome Amphibia (amphi = ampla, bia/bios = vida), fazendo referência ao hábito aquático das formas jovens e ao hábito terrestre da maioria dos adultos. Contudo, essa não é uma característica aplicável a todos os anfíbios, conforme será explicado (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004; KARDONG, 2011). Necessitam viver em ambientes com grande umidade do ar e/ou dos corpos d’água doce (isto é, rios, lagos), pois têm a pele frágil, que deve permanecer úmida o tempo todo (próxima figura), além da reprodução, que depende da umidade para ocorrer. Precisam, ainda, de temperaturas amenas, tolerando certa variação, mas, no geral, evitando valores muito baixos, uma vez que são ectotérmicos (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Figura 67 – Espécime de salamandra em solo úmido de ambiente de clima temperado 8.1.1 Sistemática Lidando com aproximadamente 4.200 espécies, a classificação dos anfíbios atuais é bastante simples, por haver poucos grupos e por eles serem bem conhecidos. Todos pertencem ao grupo dos Lissamphibia, que inclui, além dos atuais, algumas linhagens extintas (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). A Classe Amphibia está assim dividida (Figura 65): 82 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II • Ordem Gymnophiona (ou Apoda): cecílias ou cobras‑cegas; • Ordem Anura (ou Salientia): sapos, rãs e pererecas; • Ordem Urodela (ou Caudata): salamandras e tritões. Observação Além de dar nome a uma ordem de anfíbios, o termo apoda significa “sem patas”. Assim, sempre que essa condição ocorrer, ele será empregado. Répteis como cobras e alguns lagartos sem patas são chamados de ápodes. 8.1.1.1 Ordem Gymnophiona Com pouco mais do que 160 espécies, diferencia‑se dos demais grupos de anfíbios por ser formado por animais alongados, finos, sem membros aparentes (próxima figura). Esse formato e o fato de terem olhos pequenos (funcionais ou não) justificam o nome popular pelo qual são conhecidos esses animais: cobras‑cegas. Externamente, podem apresentar algumas escamas, além de anéis destacados ao longo do corpo (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Figura 68 – Representação de indivíduo da Ordem Gymnophiona Observação Em 2012, biólogos encontraram rara espécie de anfíbio da Ordem Gymnophiona, em Rondônia. De corpo alongado e pele lisa, é chamado de Atretochoana eiselti, não possui pulmões, mesmo sendo considerado grande, com mais de um metro de comprimento. 83 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS 8.1.1.2 Ordem Urodela Diferencia‑se dos demais anfíbios por possuir cauda nos indivíduos adultos (Figuras 66, 67 e 69), estando representados por aproximadamente 360 espécies. São chamadas genericamente de salamandras. Além da cauda, possuem quatro membros muito semelhantes, o que os torna muito semelhantes aos lagartos. Mas atenção: lagartos pertencem a outra classe – são répteis. Os membros podem estar ausentes em poucas espécies (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Seu comprimento total não passa muito os 15 centímetros, com raras exceções, como a salamandra gigante do Japão, que chega a cerca de 1,5 metro (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Figura 69 – Representação de um indivíduo da Ordem Urodela Quando se estudam as salamandras, não se pode deixar de fazer referência à pedomorfose. Eis um processo evolutivo comum no grupo, em que os descendentes retêm características juvenis quando atingem o estágio adulto, ou seja, atingem a maturidade sexual, mas algumas de suas características morfológicas se mantêm iguais às das larvas ou juvenis. Entre essas características mantidas, estão as brânquias e o hábito aquático (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). A maioria das espécies possui adultos terrestres e larvas aquáticas. Contudo, os tritões são aquáticos durante toda a vida (KARDONG, 2011). Observação Em 2015, foi encontrada uma espécie de salamandra gigante em uma caverna próxima a Chongqing, na China. Tem cerca de 1,3 metro de comprimento e 52 quilos e idade estimada de 200 anos. Esses animais correm risco de extinção na China por causa das mudanças climáticas, além de serem caçados para alimentação. 8.1.1.3 Ordem Anura Grupo com a maioria das espécies de anfíbios atuais (cerca de 3.500 espécies). Seus representantes são popularmente conhecidos como sapos, rãs e pererecas e, de longe, são aqueles com os quais podemos ter mais contato (Figura 66). Dentro desse grupo, algumas famílias possuem representantes 84 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 Unidade II bem conhecidos que, inclusive, fazem parte do dia a dia de muitos de nós. A Família Ranidae reúne a maioria das rãs. A Família Hylidae reúne as pererecas escaladoras de árvores. Por sua vez, a Família Bufonidae reúne os sapos. Se pararmos para pensar, grande parte da população tem esse conhecimento, mesmo sem ter estudado os anfíbios (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Observação Uma antiga denominação para os representantes da Ordem Anura é batráquios. Geralmente, consideramos sapos os anfíbios anuros de hábito mais terrestre, com corpo robusto, pele mais ressecada e membros fortes (próxima figura). Na realidade, animais com essas características pertencem a várias famílias. Já as rãs têm a pele mais lisa e de aparência úmida, além de patas com membranas entre os dedos e hábito predominantemente aquático (Figura 66). Por sua vez, pererecas são associadas ao hábito escalador, possuindo corpo mais afinado, pele de aparência úmida, membros longos e com ventosas em suas pontas (Figura 71) (HICKMAN; ROBERTS; LARSON, 2004). Figura 70 – Anfíbio anuro comumente denominado de sapo Figura 71 – Espécime de anfíbio anuro comumente denominado de perereca, com suas típicas ventosas na ponta dos dedos 85 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 16 /0 2/ 20 16 PRINCÍPIOS DE ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Embora com hábitos de vida variados, precisam manter proximidade de ambientes com muita umidade (ou mesmo aquáticos), sobretudo, por causa de sua reprodução com fecundação externa. Seu tamanho pode variar desde os gigantes africanos da espécie Conraua goliath, com cerca de 30 centímetros de comprimento do corpo, até espécimes bem pequenos, como os brasileiros da espécie Psyllophryne didactyla, com menos de 1 centímetro quando adultos (GIARETTA, SAWAYA, 1998; HICKMAN; ROBERTS; LARSON,
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