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FICHAMENTO | Movimentos Sociais e Direito: o Poder Judiciário em disputa

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Marília Mattos 
maridmij@gmail.com 
MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITO: O PODER JUDICIÁRIO EM DISPUTA 
EVORAH LUSCI CARDOSO E FABIOLA FANTI 
FICHAMENTO 
 
 
I. INTRODUÇÃO 
A relação dos movimentos sociais com o direito é ambígua. Ora suas demandas encontram-se à 
margem do direito, ora os movimentos sociais utilizam o direito e as instituições estatais para 
promovê-las. Essa democratização e permeabilidade dos movimentos altera o tipo de ação política 
dos movimentos sociais e a sua linguagem. É a diferença entre lutar “contra” o Direito ou “à 
margem” dele e “por” direitos. 
Na década de 1980, as formas de solução de conflito começaram a representar um direito 
emancipatória, menos formal, mais consensual e democrática, pois envolvia atores sociais e 
prescindia do aparato estatal. Por outro lado, essas formas também buscavam suprir uma lacuna do 
aparato do Estado e não contavam com as garantias deste, o que poderia apresentar um caráter 
excludente. 
O Direito alternativo, então, apresenta-se como uma atuação dentro do sistema jurídico e por 
seus próprios operadores, mas crítica ou contrária à própria forma do Direito. A análise desse 
direito alternativo permeia também o pluralismo jurídico, no qual pode-se analisar uma relação mais 
integrada entre movimentos sociais e direito. No Brasil, as lutas sociais que se desenvolvem em 
torno da ideia do direito assemelham-se mais a um reconhecimento e integração ao sistema jurídico 
do que a uma alternatividade ou a um pluralismo. O próprio sistema jurídico brasileiro, nos últimos 
anos, tem reconhecido e integrando ao plano normativo e jurisprudencial, vários princípios que 
inspiram lutas coletivas com base na noção de direitos. 
A nova Constituição (1988) foi fruto de intensa mobilização social, e trazem novos direitos, 
novos instrumentos processuais, novas funções para órgãos públicos, assim como mecanismos de 
participação no poder executivo. Os casos difíceis do Supremo Tribunal Federal (também chamados 
de hard cases) são um exemplo dessa mobilização. Essa nova forma de articulação com os espaços 
institucionais do Estado é acompanhada por uma transformação na própria organização dos 
movimentos sociais e pela apropriação da linguagem do direito como um instrumento de atuação 
política desses movimentos. 
A relação dos movimentos sociais com o poder judiciário revela o caráter ambíguo da sua 
própria relação com o direito – ora à margem, ora integrados –. Os movimentos estarem “à 
margem” do Direito ocorrem, por exemplo, na reintegração de posse de um terreno, despejando o 
MST que antes o ocupava. Os movimentos integrados ao Direito correm, por outro lado, na 
autorização da união estável entre pessoas do mesmo sexo pelo STF. São diferentes formas de 
mobilização social em torno do Direito e do poder judiciário, que, por um lado busca reconhecer 
novos direitos e, por outro, busca efetivar direitos já positivados no plano legislativo. No entanto, 
Marília Mattos 
maridmij@gmail.com 
há um a tendência recente de também incorporar a linguagem do direito e realizar, então, uma 
reforma das instituições do direito, para que estas tornem-se mais permeáveis a essas demandas 
sociais. Isso porque a mera positivação de direitos não altera necessariamente o judiciário que os 
aplica, tornando também o funcionamento este Poder alvo da ação daqueles que trabalham com a 
linguagem de direitos. 
Em qualquer um dos casos, o Poder Judiciário está sendo disputado pelos movimentos sociais, 
seja por ser um espaço de disputa de interpretação do direito, ou por institucionalmente poder ser 
objeto de reformas que o tornem mais permeável às demandas sociais. Essa aproximação, 
entretanto, pode provocar outra leva de transformações em como os movimentos se organizam. A 
imersão na dinâmica de funcionamento do Poder Judiciário envolve migrar o funcionamento dos 
movimentos sociais par uma dinâmica mais técnica jurídica, de respeito aos procedimentos do 
judiciário e diversas outras formalidades. E isso nos remete ao Judiciário como um espaço de 
atuação menos acessível, onde se faz necessário a argumentação jurídica e a dogmática jurídica, 
não tão permeável a outras linguagens. 
 
II. MOVIMENTOS SOCIAIS, DIREITO E PODER JUDICIÁRIO: UMA APROXIMAÇÃO TEÓRICA 
Apesar da evidente relação entre movimentos sociais, direito e Poder Judiciário, é notável a pouca 
frequência do estudo desse tema na literatura especializada. O objetivo desse trabalho é o de explorar 
duas vertentes da literatura internacional que buscam entender o papel do direito, das estratégias 
legais e do Poder Judiciário no contexto de ação coletiva de atores da sociedade civil, principalmente 
dos movimentos sociais. A primeira delas, mais institucional, é a noção de oportunidade legal, da Teoria 
do Processo Político. A segunda delas, por sua vez, é a noção de mobilização do direito que surgiu no 
interior de uma concepção mais culturalista do Direito e do Poder Judiciário, que os entende não só 
como instrumento, mas também como aspectos simbólicos. 
 
III. TEORIA DO PROCESSO POLÍTICO, ESTRUTURA DE OPORTUNIDADES POLÍTICAS E 
OPORTUNIDADES LEGAIS 
Essa Teoria pensa os movimentos sociais no contexto de suas trajetórias de ação, remetendo-se às 
mudanças de fatores políticos que favorecem sua emergência, manutenção e/ou declínio. O problema 
central que envolve a ação coletiva é de como criá-la, mantê-la e coordená-la “entre participantes que 
carecem de recursos mais convencionais de objetivos programáticos mais explícitos”. 
A ideia de oportunidade política é usada, portanto, para explicar por que movimentos sociais 
adotam certas estratégicas específicas em suas tentativas de influenciar decisões políticas, e não 
outras. Uma vez que a estrutura das oportunidades politicas muda, é de se esperar que as estratégias 
de ação adotadas por movimentos sociais e grupos de interesse mudem também. 
O termo oportunidade legal, por sua vez, surgiu com o fortalecimento do Poder Judiciário em 
muitos países. As cortes, nesse caso, vêm emergindo como participantes ativos no processo político, 
oferecendo um espaço frequentemente privilegiado para cidadãos individualmente, movimentos 
sociais e grupos de interesse apresentarem suas demandas, bem como garantindo a eles nova voz em 
Marília Mattos 
maridmij@gmail.com 
um canal político que antes estava fechado a estes atores sociais. Em síntese, é o respeito à análise do 
papel dos direitos e dos tribunais no contexto da ação coletiva, sendo o ambiente político-jurídico que 
fornece incentivos e constrangimentos para indivíduos e organizações da sociedade civil realizarem o 
litigio. 
Essas oportunidades legais teriam, segundo estudiosos, três dimensões. A 1ª. Acesso à estrutura 
institucional formal tem como base a ideia da extensão do acesso de movimentos sociais às cortes, o 
que leva em consideração o aspecto material e formal (o que pode ser levado ao Judiciário, quem tem 
legitimidade e onde o litígio pode ocorrer). A 2ª. Configuração de poder no que diz respeito a temas 
importantes tem como base a configuração de poder das elites ligadas ao Poder Judiciário, sendo estas 
formadas principalmente por juízes, na qual mudanças nos quadros da magistratura poderiam abrir ou 
fechar canais de oportunidade para ações legais. A 3ª. Disponibilidade de aliados, por sua vez, tem 
como base a ideia da presença de aliados ou opoentes dos movimentos sociais, o que tornaria a 
atividade do movimento social uma ação estratégica. 
Uma das principais críticas feitas à essa noção de oportunidade legal é que nos remete muito a ideia 
de institucionalização, a partir de uma perspectiva de “cima para baixo”, e não centrada no ponto de 
vista dos atores sociais. A principal ferramentaanalítica que se propõe a analisar a relação entre 
movimento social, direito e Poder Judiciário a partir de uma perspectiva “de baixo para cima” e 
centrada no agente social é a noção de mobilização do direito. 
 
IV. MOBILIZAÇÃO DO DIREITO 
Michael McCann desenvolveu um extenso trabalho acerca da relação entre movimentos sociais e 
direito, sendo um dos principais resultados desses estudos a construção de uma estrutura teoria para 
analisar a chamada mobilização do direito. Um bom ponto de partida para analisar essa teoria é a ideia 
de Frances Zemans de que o direito é mobilizado quando um desejo ou necessidade é traduzido em 
demandas que afirmam direitos. 
O direito, nessa teoria, deve ser entendido como uma prática social, como um mediador das 
relações sociais, cujo papel na sociedade vai muito além do âmbito das instituições estatais. É analisar 
diversas e complexas forma de como o direito é mobilizado em diferentes momentos da luta política 
para a transformação social. Os discursos jurídicos seriam, então, constitutivos das interações práticas 
entre os indivíduos e, como tais, fornecem algumas das mais importantes estratégias de ação por meio 
das quais os cidadãos rotineiramente negociam as relações sociais. Os símbolos e recursos jurídicos 
fornecem recursos relativamente maleáveis que são rotineiramente reconstruídos na medida em que 
os cidadãos buscam alcançar o que diz respeito a seus interesses e projetos na vida cotidiana. 
A noção de mobilidade do Direito está baseada em algumas premissas, como a de que práticas 
legais e discursos de direito não estão limitados às normas formais e instituições estatais, e a de que a 
ordem legal é mais pluralista do que monolítica. Ou seja, os cidadãos cotidianamente mobilizam 
estratégias jurídicas para negociar trocas e resolver disputas em diversos âmbitos a vida social, sem 
depender de intervenção direta para tanto, e o direito formal-estatal é um labirinto de tradições legais 
diversas que competem por proeminência dentro das diversas subculturas da sociedade. 
Marília Mattos 
maridmij@gmail.com 
 O Poder Judiciário, então, tem uma importância para a mobilização do direito em dois níveis: “o 
nível instrumental ou estratégico” e o nível do “poder constitutivo da autoridade judicial”. No 
primeiro, analisa-se como as ações e decisões judiciais conformam o cenário estratégico de outros 
atores estatais e dos agentes sociais. Assim, as cortes não teriam apenas o papel de decidir qual o 
significado de direitos em disputa, mas também acabam por prevenir, incitar, estruturar, deslocar e 
transformar conflitos na sociedade rotineiramente. 
Nesse sentido, o direito se configura em “uma linguagem, um conjunto de lógicas, valores e 
entendimentos que as pessoas conhecem, esperam, aspiram e se sentem portadoras”, ou ainda é “um 
conhecimento instrumental sobre como agir para alcançar esses fins”. Os tribunais, então, têm a 
função de ampliar a linguagem do direito na sociedade e essa linguagem, por sua vez, é a linguagem 
básica de um território refletindo em grande medida os princípios, valores e logicas que constituem um 
povo. Esse “poder constitutivo” do direito gerado em parte pela atuação das cores tem um efeito 
profundo e duradouro sobre a formação das identidades, consciências e a construção dos interesses 
dos sujeitos. Independentemente dos resultados que os movimentos sociais obtêm nos tribunais, a luta 
política estruturada em torno dos direitos tem importante poder desorganizar e mobilizar não só 
pessoas em torno da causa, mas também grupos políticos que tem uma importante função na 
construção do próprio movimento social e de sujeitos sociais ativos que lutam por suas demandas. 
O autor fala de uma consciência de direitos, legal consciousness, na qual os direitos se tornam cada 
vez mais significativos tanto como um discurso moral quanto como um recurso estratégico para as 
lutas contra as relações de poder presentes na sociedade. 
A mobilidade do Direito foi, então, um aprofundamento da concepção culturalista, na qual o Direito 
seria prática social entrelaçado com a política e com o aparato legal. Ainda, a mobilização examinaria o 
papel que o direito desempenhou em diferentes fases de atividades dos movimentos sociais, traçando 
os contextos de ação dos movimentos sociais colocando-os dentro de um contexto político e social 
mais amplo. 
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
É possível, então, apontar a necessidade de se aprofundar os estudos acerca da relação entre 
movimentos sociais, direito e Poder Judiciário, e incorporar tais analises nos estudos da ação coletiva. O 
Direito e o Poder Judiciário tem ganhado cada vez mais importância na atuação de movimentos sociais, 
podendo-se falar mesmo de uma constitucionalização dos movimentos sociais que se caracterizaria 
por um uso crescente, em massa e expansivo da linguagem dos direitos e a instituições judiciais por 
parte de cidadãos, organizações de direitos humanos, movimentos sociais, organizações comunitárias 
e etc. Assim, deve-se levar em conta que o Poder Judiciário tem se configurado como uma das 
alternativas que os movimentos sociais possuem para o encaminhamento da suas demandas. Por outro 
lado, o direito tem se mostrado um campo em que ocorrem disputas culturais e políticas importantes. 
Fica clara, então, a necessidade de alargar a agenda de pesquisa no Brasil e incluir estudos da 
relação entre movimentos sociais, direito e o Poder Judiciário, abarcando as reflexões apresentadas 
acima. Sua análise pode se dar a partir das decisões do Judiciário (output), ou pelo reconhecimento 
nele um espaço de intensa mobilização social (input).

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