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Concursos Aparentes de Normas

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Concursos Aparentes de Normas
Concursos de Tipos Penais/Apenas um Crime
Ocorre quando sobre uma conduta ilícita há possibilidade, simultânea, de subsunção em mais de um tipo legal de delito. 
Fundamento da Resolução de Conflito Aparente de Normas
1 – Evitar a dupla responsabilização, pois do contrário haveria uma imputação multiplicada e a imposição de um castigo repetido pelo mesmo fato. (Violação ao non bis in idem)
2 – Princípio da Legalidade, porque o agente acabaria respondendo por tipos penais em que a rigor não incorreu. 
3 – Princípio da proporcionalidade, se todas as normas em conflito fossem aplicadas simultaneamente, punir-se-ia a conduta com penas 	desproporcionais. 
Princípios ou Critérios de Solução do Conflito Aparente de Normas Penais
1 – Princípio da Especialidade
A grande maioria dos possíveis conflitos é perfeitamente solucionável por meio do princípio da especialidade, devendo-se recorrer aos demais subsidiariamente. 
Alguns e poucos autores, impropriamente, citam ainda o princípio da alternatividade como critério normativo para resolver conflitos de tipos penais. 
No entanto, o princípio da alternatividade, que teria aplicação quando a norma penal previsse vários fatos alternativamente como modalidade de um mesmo crime, não configura circunstância de concurso de normas, pois em verdade constituem crimes de múltiplas ações regidos por uma única norma. 
Exemplo mais eloquente de crime de múltipla ação é o art. 33 da Lei nº 11.343/2006. (Lei de drogas)
Diz-se que uma norma é especial em relação à outra, dita geral, quando, além dos requisitos que esta prevê, contém ela outros elementos (chamados especializantes), ausentes na descrição do tipo penal genérico. 
Há, pois, na norma especial um plus, isto é, um detalhe a mais que sutilmente a distingue da norma geral. Havendo, pois, essa relação de generalidade e especialidade, a norma especial prevalecerá sobre a geral: Lex specialis derrogat generali.
Existe, portanto, uma relação lógica entre continente e conteúdo, uma vez que o tipo especial também contém o tipo geral.
Igualmente, há especialidade entre tipos penais qualificados e privilegiados em relação ao tipo básico (norma geral) de que derivam. 
Em geral, também as leis penais especiais descrevem tipos especiais em face do próprio Código Penal, por isso que prevalecem sobre este último, ordinariamente. 
2 – Princípio da Subsidiariedade
Existe relação de subsidiariedade entre tipos penais quando, visando a proteger o mesmo bem jurídico, a lei descreve graus diversos de violação, havendo, assim, um tipo principal e outro subsidiário. 
O princípio da subsidiariedade pressupões, portanto, a existência de um tipo principal, que criminaliza a ofensa mais grave, e um acessório, que tipifica a ofensa menos grave, relativamente ao mesmo bem jurídico. 
Há assim uma espécie de hierarquização valorativa de bens jurídicos, razão pela qual a norma subsidiária, considerada na expressão de Nelson Hungria como um “soldado reserva”, só será aplicada quando não houver aplicação da norma principal mais grave.
Nesse sentido, há relação de subsidiariedade entre os crimes dolosos e culposos, entre os consumados e tentados, entre os danos e de perigo e entre os qualificados e simples, hipóteses em que os tipos subsidiários só são aplicáveis quando a conduta não puder configurar o delito principal e mais grave. 
A subsidiária pode ser expressa ou tácita.
Norma Subsidiária Expressa: quando a própria lei faz a sua ressalva, deixando transparecer seu caráter subsidiário. 
Ex.: falsa identidade (art. 307, CP), em que o preceito secundário já dispõe: “se o fato não configura elemento de crime mais grave”.
Norma Subsidiária Tácita: quando a subsidiariedade decorre da natureza da infração.
Ex.: crime de constrangimento ilegal (art. 146, CP), aplicável subsidiariamente quando não se tipificar o delito de estupro (art. 213, CP), por não se direcionar a conduta a ato libidinoso. 
3 – Princípio da Consunção
É aplicável quando um delito de alcance menos abrangente praticado pelo agente for meio necessário ou fase preparatória ou executória para a prática de um delito de alcance mais abrangente. 
Com base nesse conceito, regra geral, a consunção acaba por determinar que a conduta mais grave praticado pelo agente (crime-fim) absorve a conduta menos grave (crime-meio). 
Pressupõe a existência de um nexo de dependência das condutas ilícitas, para que se verifique a possibilidade de absorção da menos grave pela mais danosa. 
O STJ consagra o princípio da consunção no enunciado sumular nº 17.
Súmula 17 do STJ: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido. 
Hipótese que um crime teoricamente menos grave (estelionato, previsto no art. 171 do CP, cuja pena varia de 1 a 5 anos de reclusão) pode absorver o mais grave (falsidade documento público, previsto no art. 297 do CP, apenado com reclusão de 2 a 6 anos).
O fato punível e o post factum impunível, devem estar numa mesma linha de progressão no ataque a um mesmo bem jurídico protegido, pois do contrário já não se poderá falar de conflito de normas, senão de concurso de crimes. 
Das Hipóteses de Incidência do Princípio da Consunção
1 – Crime complexo;
2 – Crime progressivo;
3 – Progressão criminosa em sentido estrito.
1 – Crime Complexo
“É o que resulta da fusão de dois ou mais delitos autônomos, que passam a funcionar como elementares ou circunstâncias no tipo complexo”.
A título exemplificativo, temos o crime de latrocínio (constituído pelo roubo + homicídio). Aplica-se o princípio da consunção, porque os fatos componentes do tipo complexo ficam absorvidos pelo crime resultante de sua fusão (o autor somente responde pelo latrocínio, ficando o roubo e o latrocínio absorvidos). 
Como consequência, temos que o fato complexo absorve os fatos autônomos que o integram, prevalecendo o tipo resultante da reunião daqueles. 
2 – Crime Progressivo
“Ocorre quando o agente, objetivando, desde o início, produzir o resultado mais grave, pratica, por meio de atos sucessivos, crescentes violações ao bem jurídico. Há uma única conduta comandada por uma só vontade, mas compreendida por diversos atos (crimes plurissubsistente). O último ato, causador do resultado inicialmente pretendido, absorve todos os anteriores, que acarretam violações em menor grau”.
Aqui, como exemplo, temos o caso em que um homem, ao chegar do trabalho, é recepcionado pela sua mulher com comida fria. Com animus necandi (única vontade), desfere inúmeros golpes contra a cabeça da vítima até matá-la. Como se nota, há uma única ação, um único crime, comandado por uma única vontade (a de matar), mas constituídos por diversos atos, progressivamente mais graves. Pelo princípio da consunção temos que o último golpe, causador do resultado letal, absorve os anteriores, respondendo o agente, portanto, somente por homicídio (lesões corporais absorvidas).
Temos quatro elementos: unidade de elemento subjetivo; unidade de fato; pluralidade de atos e progressividade na lesão ao bem jurídico. 
Por consequência, o agente só responde pelo resultado mais grave, ficando absorvidas as lesões anteriores ao bem jurídico. 
3 – Progressão Criminosa em Sentido Estrito
Compreende-se três espécies:
Progressão Criminosa em Sentido Estrito
“Nessa hipótese, o agente deseja inicialmente produzir um resultado e, após atingi-lo, decide prosseguir e reiniciar sua agressão produzindo uma lesão mais grave. Distingue-se do crime progressivo, porque, enquanto neste há unidade de desígnios (desde logo o agente já quer o resultado mais grave), na progressão criminosa acorre pluralidade de elemento subjetivo, ou seja, pluralidade de vontades (inicialmente quer um resultado e, após atingi-lo, muda de ideia e resolve procurar outro de maior gravidade)”.
Aqui, temos como exemplo o marido que queira inicialmente ferir sua esposa, isto é, cometer um crime de lesões corporais. Posteriormente, com a vítima já prostrada ao solo, surge a intençãode matá-la, o que acaba sendo feito. Desse modo, no crime progressivo há um só crime, comandado por uma única vontade, no qual o ato final, mais grave, absorve os anteriores, ao passo que a progressão criminosa há mais de uma vontade, correspondente a mais de um crime, ficando o crime mais leve absorvido pelo de maior gravidade. 
Como consequência, embora haja condutas distintas (para cada vontade, uma conduta), o agente só responde pelo fato final, mais grave, restando os fatos anteriores absorvidos. 
Necessário ressaltar os elementos da progressão criminosa em regime estrito: pluralidade de desígnios, pluralidade de fatos, progressividade na lesão ao bem jurídico. 
Fato Anterior (“Ante Factum”) Não Punível
“Sempre um fato anterior menos grave for praticado como meio necessário para a realização de outro mais grave, ficará por este absorvido. Note que o fato anterior que integra a fase de preparação ou de execução somente será absorvido se for de menor gravidade (somente o “peixinho” é engolido pelo “peixão”, e não o contrário). Nesse passo, estaria equivocada a Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual o crime de falso é absorvido pelo estelionato, quando nele se exaure (peixinho – art. 171 do CP – engole o peixão – art. 297 do CP). De acordo com esse entendimento sumular, o falso é absorvido pelo estelionato quando neste exaure a sua potencialidade lesiva”. 
Exemplo utilizado pelo autor: o agente falsifica uma carteira de identidade e com ela comente um estelionato. Responde pelos dois crimes, pois o documento falsificado poderá ser usado em inúmeras outras fraudes. Se, contudo, falsificasse a assinatura de um fólio de cheque e o passasse a um comerciante, só responderia pelo estelionato, pois não poderia usar aquela folha falsa em nenhuma outra fraude. O que se critica é que o falso crime mais grave não poderia ser absorvido pelo estelionato. Aplicou-se, entretanto, no caso, a progressão criminosa, na modalidade fato anterior não punível. 
Fato Posterior (“Post Factum”) Não Punível
“Ocorre quando, após realizada a conduta, o agente pratica novo ataque contra o mesmo bem jurídico, visando apenas tirar proveito da prática anterior. O fato posterior é tomado como mero exaurimento”. 
Como exemplo, temos o caso em que o ladrão, após cometer o furto, vende ou destrói a res. 
Destaca-se:
“há uma regra que auxilia na aplicação do princípio da consunção, segundo a qual, quando os crimes são cometidos no mesmo contexto fático, opera-se a absorção do menos grave pelo de maior gravidade. Sendo destacados nos momentos, responderá o agente por todos os crimes em concurso. Assim, por exemplo, se o sujeito é agredido em um boteco e, jurando vingança, dirige-se ao seu domicilio ali nas proximidades, arma-se e retorna ao local, logo em seguida, para atar seu algoz, não responderá pelo porte ilegal e disparo da arma de fogo em concurso com o homicídio doloso, já que tudo se passou na mesma cena, em um mero desdobramento de ações até o resultado final. Neste caso, o porte e o disparo integram o homicídio como parte de seu iter criminis, de maneira que puni-los autonomamente implicaria bis in idem inaceitável, pois já foram punidos como partes de um todo (a ação homicida). Ao contrário, se um larápio perambula a noite inteira com um revólver pelas ruas, até que, ao nascer do sol, encontra uma desafortunada vítima, a qual vem a assaltar, haverá concurso de crimes entre o porte ilegal e o roubo, dada diversidade dos momentos consumativos e dos contextos em que os delitos foram cometidos”. 
Para Rogério Greco, o princípio da consunção de aplica em duas hipóteses:
Quando um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro crime;
Nos casos de antefato e pós-fato impuníveis.
Sendo assim, “a consumação absorve a tentativa e esta absorve o incriminado ato preparatório; o crime de lesão absorve o correspondente crime de perigo; o homicídio absorve a lesão corporal; o furto em casa habitada absorve a violação de domicílio etc”. (pag. 78)
Continua por explicar que antefato impunível seria a situação antecedente praticada pelo agente a fim de conseguir levar a efeito o crime por ele pretendido inicialmente e que, sem aquele, não seria possível.
Continuando o raciocínio, Juarez Cirino dos Santos: “a controvérsia atual sobre o critério da consunção é irreversível e a tendência parece ser sua própria consunção por outros critérios, especialmente pelo critério da especialidade e pelo antefato e pós-fato copunidos: a literatura contemporânea oscila entre posições de aceitação reticente e de rejeição absoluta do critério da consunção. “(A moderna teoria do fato punível, pag. 348-349).
Já o pós-fato impunível, pelo entendimento do autor, pode ser considerado um exaurimento do crime principal praticado pelo agente e, portanto, por ele não pode ser punido. Entende Heleno Cláudio Fragoso: “os fatos posteriores que significam um aproveitamento e por isso ocorrem regularmente depois do fato anterior são por este consumidos. É o que ocorre nos crimes de intenção, em que aparece especial fim de agir. A venda pelo ladrão da coisa furtada como própria não constitui estelionato. Se o agente falsifica moeda e depois a introduz em circulação pratica apenas o crime de moeda falsa. “(Lições de Direito Penal, pag. 360).
Sobre a possibilidade de um crime ser absorvido por uma contravenção penal, assim já se manifestou o STF:
“Crime tipificado no Código Penal não pode ser absorvido por infração descrita na Lei das Contravencoes Penais. Com base nessa orientação, a 1ª Turma denegou habeas corpus paara refutar a incidência do princípio da consunção. Na espécie, a impetração pleiteava que o crime de uso de documento falso (CP, art. 304) fosse absorvido pela contravenção penal de exercício ilegal da profissão ou atividade econômica (LCP, art. 47). A Turma aduziu, ainda, que o crime de uso de documento falso praticado pelo paciente não fora meio necessário nem fase para consecução da infração de exercício ilegal da profissão” (HC 121652/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, 22/4/2014, Informativo nº 743).
Para Cezar Roberto Bitencourt, o princípio da consunção, ou absorção: 
“a norma definidora de um crime constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime. Em termos bem esquemáticos, há consunção quando o fato previsto em determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta. Na relação consuntiva, os fatos não se apresentam em relação de gênero e espécie, mas de minus e plus, de continente e conteúdo, de todo e parte, de inteiro e fração”. 
Assim, o crime consumado absorve o crime tentado, o crime de perigo é absorvido pelo crime de dano. Para o autor, a norma consuntiva exclui a aplicação da norma consunta, por abranger o delito definido por esta. Há consunção quando o crime meio é realizado como uma fase ou etapa do crime-fim, onde vai esgotar seu potencial ofensivo, sendo, por isso, a punição somente da conduta criminosa final do agente.
Para Cezar Roberto Bitencourt, não convence o argumento de que é impossível a absorção quando se tratar de bens jurídicos distintos. Para ele, se prosperar tal argumento, jamais poderia, por exemplo, falar em absorção nos crimes contra o sistema financeiro (Lei 7492/86), na medida em que rodos eles possuem uma objetividade jurídica específica. Exemplificando, são diferentes os bens jurídicos tutelados na invasão de domicílio para a prática de furto, e, no entanto, somente o crime-fim (furto) é punido, como ocorre também na falsificação de documento para a prática de estelionato, não se punindo aquele, mas somente este.
Nas palavras do autor:
“Não é, por conseguinte, a diferença dos bens jurídicos tutelados, e tampouco a disparidade de sanções cominadas, mas a razoável inserção na linha causal do crime final, com o esgotamento do dano social no ultimo e desejado crime, que faz as condutas serem tidas como únicas (consunção) e punindo-se somente o crime último da cadeia causal, que efetivamenteorientou a conduta do agente. ”

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