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 3 
Agradecimentos 
 
 
 
 
 
 Pela confiança, ajuda, amizade e orientação, devo agradecer a Maria Isabel D‟Agostino 
Fleming: pessoa sensível que me apoiou em momentos difíceis durante todo o trabalho e teve 
paciência em fazer as inúmeras correções dos erros que um aprendiz, como eu, sempre comete. 
 Para minha família, que soube conviver comigo, com minhas insônias e com minhas pilhas 
de livros e papéis espalhados pela casa, e por sempre me apoiarem, mesmo não sendo conhecedores 
profundos dos meus estudos. 
 Para meu amigo Carlos Eduardo, pelas horas de discussão sobre este trabalho, pela amizade 
de duas décadas, e pelo incentivo sempre presente. 
 Para o meu “bardo” amigo Ivan Luís que sempre me apoiou com seus palavrões carinhosos. 
 Para aqueles que, de alguma forma, tiveram contato com meu trabalho em seu processo de 
formação, ouvindo minhas reclamações e minhas ansiedades. Obrigado, pois, especialmente, ao 
Antônio Vieira, pelos vários cafés bebidos em conversas acadêmicas, à Daniela La Chioma, amiga 
arqueóloga com quem tive o prazer de trabalhar junto, ao Danilo Demarque por sempre me ouvir 
em muitas ocasiões, ao Denny Yang por me mostrar que a literatura muda vidas e ao Marcelo 
Cândido pelo crédito e incentivos dados a minha pessoa. 
 Por fim, devo agradecer aos sorridentes olhos de Gláucia. Pelos momentos ótimos ao seu 
lado: grande parte deste trabalho é culpa de seu incentivo. 
 
 A todos vocês, muito obrigado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 4 
SUMÁRIO 
 
 
 
 
Apresentação 
 
 
 5 
 
 
Introdução 
 
 
6 
 
 
I – A) Patrícios x Plebeus 
 
 
8 
 
 
I – B) Segunda Guerra Púnica: causas, conseqüências e questão agrária 
 
 
11 
 
 
I – C) A Cidade Romana 
 
 
16 
 
 
II – A) A Plebe 
 
 
22 
 
 
II – B) Plebs Urbana: livres, libertos (e escravos) 
 
 
24 
 
 
II – C) Política e Alimentação 
 
 
28 
 
 
III – A) Alguns materiais e algumas técnicas 
 
 
33 
 
 
III – B) Moradias: Domus e Insula 
 
 
36 
 
 
IV – A) O artesão 
 
 
43 
 
 
IV – B) O artesanato 
 
 
45 
 
 
V – A) A extração e o tratamento dos minérios 
 
 
52 
 
 
V – B) O trabalho em metais 
 
 
57 
 
 
VI – O trabalho em vidros 
 
 
77 
 
 
Conclusão 
 
 
82 
 
 
Fontes e Bibliografia 
 
 
85 
 
 
Figuras 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 5 
 
Apresentação 
 
 
 
Antes mesmo de entrar na faculdade queria estudar História Antiga e Arqueologia: a paixão 
por Roma me acompanha desde a infância. A oportunidade surgiu logo após ter concluído a 
disciplina da arqueóloga Maria Isabel D‟Agostino Fleming no Museu de Arqueologia e Etnologia 
da Universidade de São Paulo, em 2004. Na ocasião, procurei a professora e pedi orientação para 
estudar a moradia da plebe urbana romana. Muito solícita, indicou-me livros sobre a temática e 
passei a fazer o levantamento bibliográfico necessário para a formulação de um projeto de Iniciação 
Científica. O tema mostrou que poderia ser mais bem abordado se fossem ampliados seus 
horizontes, por isso, decidimos que o estudo do artesanato seria profícuo, uma vez que possui 
ligação direta com as moradias romanas e a plebe que tanto desejava estudar. A elaboração do 
projeto findou em 2006, ano que consegui o financiamento da minha pesquisa pela FAPESP. A 
partir daí, redigi quatro relatórios (um por semestre) até o fim do meu trabalho em Junho de 2008. 
O que se segue é a totalidade de minha Iniciação Científica. Com o título original de Plebs 
Urbana na Roma Antiga (II a.C. – I d.C.): heterogeneidade, vida e trabalho, este trabalho tem 
como objetivo caracterizar as diferentes camadas da plebe urbana romana e seus ofícios, bem como 
indicar como os serviços dessa plebe chegavam à aristocracia por meio do estudo dos vestígios 
materiais que a Arqueologia nos fornece. Com base nas fontes de época e na bibliografia 
interpretativa dessas fontes são buscados recursos que esclareçam a relação entre ricos e pobres na 
Roma Antiga, tendo como referência a vida de uma categoria plebéia em particular, os artesãos – 
seu cotidiano, sua moradia e sua inserção política e econômica na sociedade romana – além da 
explicação das principais técnicas empregadas no fabrico dos artesanatos (cerâmicas, metais e 
vidros). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Introdução 
 
“Que beleza é essa que o artista luta por exprimir nas 
lâmpadas de terracota?” 
 
 Em 1916, James Joyce publicou o livro do 
qual essa frase foi retirada. Proferida por Stephen 
Dedalus em Retrato do artista quando jovem, a oração 
oriunda do espírito inquieto do rapaz irlandês para o 
deão que atiça o fogo da lareira cabe perfeitamente ao 
trabalho que se segue. Se a Idade Moderna trouxe a 
separação nítida entre artesão e artista, cá não a 
tomaremos. Estaremos mais preocupados em lidar com 
a visão dos romanos sobre os próprios romanos. Visão 
esta que não distingue trabalhos manuais: todos são 
inferiores, embora, reconheça-se, são passíveis de 
expressar agradabilidade aos olhos do homem. O 
artesanato é feito pelo artesão, a arte é feita pelo artista; 
o artesão trabalha a arte e o artista fabrica o artesanato 
– aqui, são sinônimos, tal como eram na Antiguidade 
Clássica. Admitindo a beleza existente em fragmentos 
de terracota, devemos, pois, deixar de lado, por ora, 
apenas o aspecto estético com o qual está preocupado o 
jovem Dedalus (e o senso comum da população): 
busquemos, agora, entender os porquês existentes na 
ação de o artesão fabricar a lamparina de argila: por 
que ele a fabrica? por que usa determinado material? 
por que a técnica empregada é esta e não aquela? E 
dentro dessas questões precisamos incluir o advérbio 
onde: onde moravam os artesãos? onde trabalhavam? 
onde comercializavam seus produtos? 
O texto que redigimos tenta, em grande parte, 
responder a essas indagações, mostrando a todo 
instante a beleza advinda do vestígio material nem 
sempre formoso com o qual o arqueólogo trabalha: na 
maioria dos casos são fragmentos de cerâmica, metais 
oxidados e vidros quebrados. Há, também, o concreto 
inventado pelos romanos que perdura por séculos, 
auxiliando-nos no estudo de suas moradias. Mais: por 
se tratar de uma sociedade que possuía escrita 
alfabética, acreditamos ser obrigatório o diálogo entre 
suas fontes textuais e suas fontes materiais. O leitor 
reparará que a dialética por nós estabelecida, por vezes, 
tenderá à dicotomia. Textos e cultura material nem 
sempre são compatíveis inteiramente entre si. Mas 
temos de reconhecer a importância dos dois e saber que 
cada conjunto carrega suas características próprias. A 
escrita está imersa em ideologias e obedece a 
propósitos claros. Talvez o melhor exemplo nesse 
momento seja a redação que se lhe apresenta: o nosso 
objetivo central é estudar a vida da plebe urbana 
romana e o seu trabalho manual. O papel que tem agora 
em mãos é a materialidade também fabricada com um 
intento, o da venda por parte das indústrias. Ambos 
atuam juntos: redigimos sobre o papel para um fim 
comum, embora os dois tenham origens distintas. 
Sendo assim, é notória a presença de obrasde 
autores antigos gregos e romanos. Sua importância 
reside no fato de fornecerem rastros para o 
entendimento do olhar romano sobre o seu mundo, 
além de serem os testemunhos escritos mais próximos 
que temos dos vestígios materiais escavados pela 
Arqueologia. As fontes textuais foram responsáveis por 
grande parte da atenção dada a este trabalho: 
atentamente, lemos os autores que, de alguma maneira, 
pudessem contribuir para o nosso objetivo. Separamos 
os excertos e os analisamos, ajudados, também, pelo 
levantamento bibliográfico realizado sobre a temática 
abordada. Temos, então, formado o nosso arcabouço 
para traçarmos o panorama da Parte I e da Parte II, a 
preocupação com as origens da plebe romana em 
contraposição ao patriciado, seus embates políticos, sua 
atuação na política e na economia do mundo romano, 
além do papel da alimentação como elemento 
regulador dessa grande massa populacional sempre 
pronta a reclamar os seus direitos. Ao optarmos por 
recuar tanto no tempo, deixamos claro que, para se 
entender o auge da produção artesanal – séculos I a.C. 
a I d.C. – é necessário estudar o desenvolvimento da 
camada social plebéia, ao invés de apenas elencarmos 
breves tópicos que dariam conta do porquê de a plebe 
urbana possuir determinada particularidade em um 
determinado balizamento temporal. A forma como essa 
plebe se distribuiu espacialmente em Roma aliou-se à 
preocupação de se tentar delinear a figura do plebeu 
frente ao liberto e ao escravo para estabelecer o 
conjunto, um tanto heterogêneo, ao qual pertencia a 
plebs urbana. 
Da Parte III em diante, adentramos a cultura 
material em si. Primeiramente, enfatizamos as 
moradias. Distinguimos a domus da insula a fim de 
ressaltar a diferença entre as casas dos ricos e as dos 
menos abastados, pormenorizando os locais onde os 
trabalhos eram realizados, transformados em oficinas. 
A partir das residências, estabelecemos um contato 
mais próximo com outras profissões, como a do 
arquiteto – uma pessoa que necessitava de um 
conhecimento mais abrangente do mundo ao seu redor 
– e dos construtores de edifícios, ou seja, os 
proletários, os “artesãos de casas” – trabalhadores que 
possuíam a sabedoria e a habilidade próprias para erigir 
de maneira correta e enfrentar qualquer desafio que se 
lhes apresentasse. As diferenças entre as casas das 
pessoas mais abastadas e daqueles que pouco tinham 
eram um reflexo do quanto de artesanato existiria 
dentro de cada tipo de moradia: os que podiam, 
compravam artesanatos dos mais variados tipos para 
ornamentar a casa e dar maior conforto para a família 
que ali habitava; os mais pobres eram obrigados a se 
contentar com parcos objetos de – na maioria dos casos 
– cerâmica. Num segundo momento (Parte IV), após a 
explanação da figura do artesão romano em sua 
sociedade, começamos a longa dissertação acerca do 
produto artesanal. Sabendo que os produtos fabricados 
pelos artesãos ceramistas tinham como destino, 
geralmente, o interior das moradias e dos templos, 
optamos por fazer desta parte um elo entre o 
comprador e o vendedor, o freguês e o fabricante. No 
caso do nosso estudo, especificamente, centramo-nos 
na descrição pormenorizada dos métodos de fabricação 
dos objetos mais comuns em cerâmica – material 
abundante em sítios arqueológicos graças ao seu baixo 
valor de manufatura e facilidade de ser manuseado – e 
percebemos que as trocas de mercadorias e de técnicas 
eram abundantes no mundo romano. 
A extensa Parte V pretendeu buscar as 
minúcias que os artesãos plebeus romanos utilizavam 
para construir os objetos em metais. Foi preciso, 
inicialmente, centrar em um aspecto que quase não é 
mencionado na bibliografia especializada em 
metalurgia antiga: a extração mineral. Relacionando 
 7 
fontes textuais, como a de Plínio, o Velho, com os 
vestígios arqueológicos, traçamos um panorama 
sobre as dificuldades e soluções encontradas pelos 
romanos ao adentrarem poços e minas em busca de 
material valioso. Depois, a atenção voltou-se ao 
modo como os artesãos transformavam a matéria 
prima em mercadoria. Separando-se as técnicas 
conforme os minérios empregados, discorremos 
sobre os principais métodos usados para o fabrico de 
peças em ferro, bronze, prata e ouro (incluindo, entre 
os produtos fabricados a partir dessas matérias, as 
moedas). Nessa parte também fizemos um breve 
exercício reflexivo sobre o diálogo existente entre a 
Antiguidade e a Idade Moderna; para tanto, 
buscamos as releituras, em pinturas do 
Renascimento, das obras literárias antigas como as 
de Homero e Ovídio sobre a visão do trabalhador de 
metais. Por fim, na Parte VI, pormenorizamos a 
vidraria romana, que alcançou enormes quantidades 
de peças a partir do século I d.C. com a invenção do 
vidro soprado. 
Dessa maneira, buscaremos mostrar ao leitor 
quão rico culturalmente e complexo tecnologicamente 
era o mundo romano quando se tratava dos seus 
artesãos. Caberá ao julgamento de quem lê se 
conseguimos, então, responder à questão formulada por 
James Joyce através de sua personagem Stephen 
Dedalus. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Parte I 
 
 
A) Patrícios x Plebeus 
 
 
A distinção entre patrícios e plebeus ficou mais 
nitidamente sublinhada durante o período da 
Monarquia em Roma (754-510 a.C.). Embora a origem 
da diferenciação seja desconhecida, sabemos que 
recebeu melhores contornos na época em que Roma foi 
governada pelos três reis etruscos (Tarquínio Prisco, 
616-578 a.C.; Sérvio Túlio, 578-534 a.C.; Tarquínio o 
Soberbo, 534-509 a.C.)
1
 : a sociedade, a exemplo da 
Etrúria, dividiu-se, basicamente, em dois segmentos: a 
nobreza de um lado, e o restante da população de outro; 
porém, como aponta Géza Alföldy: “A plebe, como 
grupo independente, não era (...) uma criação etrusca 
mas especificamente romana, uma vez que a 
organização social dos etruscos apenas reconhecia na 
sociedade, por um lado, os senhores e, por outro, os 
seus clientes, criados e escravos”2. 
As reformas empreendidas por Sérvio Túlio no 
século VI a.C. nublaram os arcaicos agrupamentos 
gentílicos: agora a ordem social não dependia tão 
somente de laços sangüíneos, era preciso, doravante, 
ser classificado em uma das duas categorias, com base 
na fortuna pessoal: classis (de calare, “convocar”) – 
aqueles que possuíam meios de adquirir os próprios 
armamentos e, por isso, passíveis de convocação para o 
exército; e a infra classem – os demais, não capazes de 
prover os meios necessários. Esse novo ordenamento 
envolveu todos os cidadãos, tanto os ligados às 
dezesseis tribos rústicas (do campo) como os 
pertencentes às quatro tribos urbanas
3
. Uma vez na 
classis, o soldado
4
 tinha como recompensa maior, pela 
participação nas campanhas de guerra, o butim, que era 
distribuído de acordo com a contribuição pessoal no 
armamento e equipamento. Do butim vieram os 
aumentos nas fortunas pessoais, e, devido ao 
enriquecimento das famílias, desenvolveram-se mais as 
atividades comerciais não ligadas ao campo, ou seja, 
 
1
 Os quatro reis anteriores foram: Rômulo (reinou até 715 a.C.); 
Numa Pompílio (715-672 a.C.); Tulo Hostílio (672-640 a.C.); 
Anco Márcio (640-616 a.C.). Excetuando-se Rômulo, que possuí 
caráter mítico, os demais reis eram sabinos. Assim sendo, 
nenhum dos reis de Roma foi, de fato, romano. Osreis podiam 
ser estrangeiros, sendo escolhidos pela aristocracia local (a quem 
deviam reinar conforme seus interesses) e legitimados por meio 
do suffragium (“aplauso”) – no caso dos sabinos – e de auspícios 
– no caso etrusco. 
2
 A história social de Roma, p. 25. 
3
 Os proprietários de terra (capazes de se equipar) inscritos nas 
tribos rústicas eram denominados assidui, já os comerciantes, 
artesãos ou homens sem posses eram os proletari (os que 
possuíam filhos, ou seja, a prole). Maria Luiza Corassin, A 
reforma agrária na Roma antiga, pp. 32-33. 
4
 A partir de Sérvio Túlio, em Roma se estabelece a tática de 
combate hoplita, herança helênica, na qual o combatente é 
munido de um pesado equipamento: couraça, capacete, gládio, 
lança e escudo. A formação hoplítica consistia em um bloco 
(falange) composto por fileiras e colunas de combatentes que ia 
de encontro ao inimigo (Philippe Masson, “A batalha de Egos-
Pótamos: um desastre para o exército ateniense”, in: Revista 
História Viva Grandes Temas, nº 3, 2004, pp. 61-62). Importante 
ressaltar que a reforma serviana é a introdução hoplítica na 
sociedade romana, pois, somente era hoplita, quem pudesse 
prover o próprio equipamento e armamento, como foi dito acima. 
aqueles da infra classem (ou até mesmo alguns 
pertencentes à classis) agora tinham mais 
oportunidades para trabalhar, produzir e vender seus 
artesanatos, tocar seus comércios. A atividade 
comercial teve tanta importância na época de Sérvio 
Túlio que o rei equipou o porto fluvial de Roma e 
reforçou o sistema pré-monetário derivado do aes rude 
(bronze informe sem cunho que pesava 330g ou 1 
libra). 
O aumento da importância econômica dos 
patrícios levou ao choque direto com a monarquia: 
desejavam gozar de mais poderes políticos. Em 510 
a.C., é banida de Roma a monarquia e restrito o termo 
rex
5
. Passa, então, a política a ser exercida por uma 
oligarquia aristocrática, no entanto, a “organização 
social estabelecida manteve-se em grande parte após a 
abolição da realeza, com diferença de a nobreza passar 
a desempenhar todas as funções do rei que, como se 
sabe, era o chefe militar, o juiz e o pontífice máximo”6. 
Por outro lado, como já mencionado, uma 
parcela da plebs urbana conseguiu acumular riquezas 
devido ao artesanato e ao comércio, embora ainda não 
usufruísse os mesmos direitos que os patrícios. Nas 
palavras de Pedro Paulo Funari: “Os plebeus urbanos 
preocupavam-se, portanto, com os direitos políticos e 
sociais: queriam ocupar cargos, votar no Senado e até 
mesmo casar-se com patrícios, o que lhes era vedado. 
Em um movimento paralelo, parte da plebe rural teve 
as terras confiscadas pelo endividamento e lutava pelo 
fim da escravidão por dívida e pelo direito a parte da 
terra conquistada de outros povos. Apesar dos 
interesses diversos, os plebeus não tiveram dificuldades 
em unir-se contra o patriciado na luta pela cidadania”7. 
Junto ao desejo da plebe, Roma, durante o século V 
a.C. (até cerca do século III a.C.), enfrentou diversas 
guerras com as cidades da Itália
8
 e viu-se cada vez mais 
dependente do contingente plebeu em suas fileiras do 
exército
9
. Essa condição sensível em que se encontrava 
Roma foi a principal aliada dos plebeus em sua luta 
pelos direitos de cidadania: em duas grandes Secessões 
feitas em 494 e 449 a.C., a plebe conseguiu, 
respectivamente: que fosse instituído o Tribunado da 
Plebe e que o conjunto de leis fosse publicado – 
conhecido como Leis das Doze Tábuas (leges 
duodecim tabularum)
10
. 
 
5
 Somente é aceito no campo sacerdotal. 
6
 Géza Alföldy, A história social de Roma, p. 20. 
7
 “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime & Carla Pinsky 
(org.), História da cidadania, p. 52. 
8
 Desta vez, sem o apoio militar etrusco. 
9
 Segundo Alföldy, op. cit., p. 30: “A força militar da plebe, 
patente na formação das hoplitenpoliteia, reforçou a sua 
consciência de grupo social e estimulou a sua actividade política 
(...)”. 
10
 Acerca da Segunda Secessão, Tito Lívio (III, 54) empresta 
palavras aos legados que foram buscar os plebeus, afastados, até 
então, no Monte Sacro: 
 
Para o bem-estar, a felicidade e a prosperidade vossa e da 
república, voltai à vossa pátria, para junto de vossos penates, de 
vossas mulheres e de vossos filhos. E a moderação, com que 
agistes aqui, onde nenhuma propriedade foi violada, apesar de 
todas as necessidades de tão grande multidão, trazei-a também 
para a cidade. Ide para o Aventino de onde saístes. Naquele local 
propício, onde lançastes os primeiros fundamentos de vossa 
liberdade, elegereis os tribunos da plebe. Estará presente o sumo 
pontífice que presidirá as eleições. 
 
 9 
Sobre a instituição do Tribunado da Plebe (que 
tanto movimentou a política romana), o verbete 
homônimo escrito pelo filólogo Luciano Canfora é 
realmente esclarecedor
11: “(...) Os poderes dos tribunos 
foram selados com um juramento sagrado (a lex 
sacrata). Eram eleitos pelas assembléias curiatas; 
desde 471 foram eleitos pelos concilia plebis 
(chamados também comitia plebis tributa), ou seja, 
pela assembléia popular. Na origem eram em número 
de cinco, depois dez (já em 449); não eram magistrados 
porque não podiam consultar os auspícios; os 
sucessores deviam ser designados antes que os atuais 
ocupantes deixassem o cargo. Exerciam o ius auxilii 
(ou seja, auxilium tribunicium), isto é, tinham a função 
de defender pessoas e propriedades da plebe. O poder 
deles deriva do fato de serem invioláveis (sacrosancti, 
sacrosancta potestas). São precedidos pelos uiatores
12
. 
Exerciam seu poder dentro do pomério
13
. Valiam-se da 
intercessio
14
, da obnuntiatio
15
, da coercitio (direito de 
impor decretos da plebe e os próprios direitos). O 
reconhecimento dos tribunos ocorreu por meio de 
plebiscita e de leis (como a Lex Hortensia de 287 a.C., 
que reconhecia validade jurídica nos plebiscita, mesmo 
sem a aprovação do Senado). Foram admitidos nas 
sessões do Senado e, a seguir, obtiveram o direito de 
convocar o Senado e decretar senatusconsulta; 
lograram o ius cum plebe agendi (de convocar e 
presidir às assembléias populares). Podiam acusar os 
magistrados nas reuniões da plebe e perseguir em 
segunda instância os condenados nos comícios tributos 
(substituíram os questores
16
 como acusadores 
públicos)”. 
Com o tribunado plebeu e a redação das leis, 
abriu-se o caminho para os diversos embates políticos 
que permearam Roma
17
 entre os séculos IV a III a.C.. 
Cabe aqui, destacar as principais leis decorrentes desse 
período: 
 
▪ leges Licinae Sextiae (Leis Licínias Séxtias), 
367 a.C.: anulou parcialmente as dívidas da plebe mais 
pobre, e contribuiu para a conquista da igualdade 
política da plebe, permitindo o acesso dos líderes do 
povo aos cargos mais altos, determinou também que 
ninguém podia dispor de mais de 500 jeiras (±1, 25 
Km²) de terras estatais (que puderam ser divididas 
entre os pobres
18
). 
 
 
Note a importância da propriedade e o fato de apenas os homens, 
ou seja, cidadãos, terem saído do Centro. 
11
 Júlio César: o ditador democrático, pp. 493-494. 
12
 Encarregados de seguirem pelas vias anunciando a passagem 
posterior dos tribunos. 
13
 Limite sagrado imaginário que circundava a cidade de Roma, 
onde nada poderia ser construído. 
14
 Direito de veto de um magistrado a um outro magistrado igual 
ou inferior. 
15
 Quando a assembléia era adiada por iniciativa do áugure 
(sacerdoteresponsável por consultar os auspícios, ou seja, os 
sinais da natureza), devido a um mau presságio. 
16
 Magistrados públicos encarregados do erário (aerarium). 
17
 Apiano, I, 1. 
18
 “Mas essa política que previa a atribuição de terras aos pobres 
só pôde ser aplicada plenamente depois de 340 a.C., devido ao 
rápido crescimento do ager publicus que se verificou em 
consequência da expansão de Roma”. Géza Alföldy, A história 
social de Roma, p.39. Também ver: Tito Lívio, VI, 35-42. 
▪ lex Publilia (Lei Publília), 339 a.C.: restringiu 
o direito de veto do Senado sobre as decisões tomadas 
na assembléia popular.
19
 
 
▪ lex Poetelia Papiria (Lei Poetélia Papíria), 326 
a.C.: aboliu a servidão por dívidas, como nos conta 
Tito Lívio (VIII, 28)
20
: 
 
Naquele ano a plebe romana teve sua liberdade de 
certo modo restabelecida, com a supressão da escravidão por 
dívidas. Essa modificação no Direito foi devida à infame 
paixão e à crueldade de um usurário chamado Lúcio Papírio. 
Caio Públio se havia entregado a Papírio como 
escravo para resgatar as dívidas de seu pai. A idade e a beleza 
do jovem, que deveriam ter provocado a piedade de Papírio, 
despertaram nele uma paixão viciosa. Considerando a beleza 
do jovem como um acréscimo de suas riquezas, tratou 
primeiramente de seduzi-lo com propostas obscenas. Como 
Públio permanecesse surdo e desprezasse aquela indignidade, 
passou a amedrontá-lo com ameaças, relembrando-lhe 
constantemente sua atual condição. Finalmente, ao ver que 
ele pensava mais em sua qualidade de homem livre do que 
em sua situação presente, mandou que o desnudassem e 
trouxessem as varas. Dilacerado pelos golpes, o jovem 
conseguiu escapar e correu pelas ruas da cidade, bradando 
contra a infâmia e crueldade do usurário. Uma grande 
multidão, comovida pela idade do jovem e indignada com o 
ultraje, lembrando-se também de sua própria condição e da 
de seus filhos, acorreu ao Fórum e de lá partiu em colunas 
para a cúria. Forçados por aquele tumulto imprevisto, os 
cônsules convocaram o Senado. À medida que os senadores 
entravam, o povo se arrojava a seus pés, mostrando-lhes o 
dorso dilacerado do rapaz. 
Naquele dia, em virtude da violência de um só 
homem, desfez-se um dos mais fortes vínculos do crédito. Os 
cônsules receberam ordem de propor ao povo que, no futuro, 
nenhum cidadão ficasse sujeito à cadeia ou aos grilhões 
enquanto aguardasse o castigo, a menos que tivesse cometido 
algum crime. Os bens do devedor, e não seu corpo, 
responderiam pelas dívidas. Assim, libertaram-se todos os 
escravos por dívidas e tomaram-se providências para que, daí 
por diante, nenhum devedor fosse preso. 
 
Lembremos que, até então, uma vez 
escravizados, mesmo por um curto período de tempo, 
os cidadãos perdiam todos os direitos civis. 
Funari aponta mais uma questão que se 
desenrolou após a aprovação da lei Poetélia Papíria
21
. 
O censor Ápio Cláudio tomou medidas para que os 
libertos fossem distribuídos não unicamente entre as 
quatro tribos urbanas, mas, também, entre uma das 
dezesseis tribos rurais. Essa distribuição feita por Ápio 
Cláudio teve dois efeitos positivos concomitantes: 
diminuiu as dificuldades de inserção social enfrentadas 
pelos libertos na cidade (entenda-se aqui: o preconceito 
quase inerente do homem livre pelos escravos ou já 
escravizados e, talvez principalmente, a disputa 
econômica que colocava frente a frente livres, libertos 
e escravos pelas ruas de Roma, cada qual querendo 
comerciar sua produção); e incluiu os libertos na 
divisão de terras provenientes das conquistas romanas, 
integrando-lhes à vida política camponesa. Ter 
partidários políticos libertos foi praticamente uma 
 
19
 Pedro Paulo Funari, “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime 
& Carla Pinsky (org.), História da cidadania, p. 54. 
20
 Grifos meus. 
21
 “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime & Carla Pinsky 
(org.), História da cidadania, p. 55. 
 10 
constante na vida de Roma: quanto mais eleitores do 
campo existissem, melhor seria na Capital, pois as 
tribos rurais representavam a maioria na hora da 
votação. 
 
▪ lex Ualeria de prouocatione (Lei Valéria de 
Apelação), 300 a.C.: de acordo com essa lei, o cidadão 
condenado à pena máxima pelos magistrados tinha o 
direito de apelar (prouocatio) para a assembléia do 
povo, a qual decidiria o caso em um processo 
especial
22
. 
 
▪ lex Ogulnia (Lei Ogúlnia), 300 a.C.: abriu aos 
representantes da plebe os cargos políticos e também 
os cargos superiores sacerdotais (pontífices e augures). 
 
▪ lex Ouinia (Lei Ovínia), (± 312 a.C.): de 
acordo com Géza Alföldy
23, essa lei “determinava que 
o Senado devia ser completado periodicamente pelos 
censores, o que significava que o Senado podia ser 
renovado durante cada censura através da nomeação de 
plebeus ricos e influentes. Ao mesmo tempo, essa lei 
equiparava os senadores plebeus aos patrícios, 
atribuindo aos conscripti o direito de voto pleno que 
até aí estivera reservado aos patres
24
. (...) O Senado 
deixou de ser o reduto exclusivo de uma nobreza de 
sangue e fundiária privilegiada, como fora até aí”. 
 
▪ lex Hortensia (Lei Hortênsia), 287 a.C.: 
doravante, os decretos dos plebiscitos (plebiscita) 
passaram a ser válidos mesmo sem o acordo do 
Senado. Citando o historiador do século II d.C. Lúcio 
Floro (I, 26): 
 
Em meio a essas sedições, esse povo valoroso merece 
admiração. Lutou por sua liberdade, por sua honestidade, por 
sua dignidade de nascimento e também pelos cargos e honras, 
mas, acima de tudo, bateu-se de forma mais valente pela 
salvaguarda da liberdade.
25
 
 
No entanto, Géza Alföldy oferece-nos um 
contrapeso que tira um pouco o brilho do entusiasmo 
da conclusão de Floro: “Na base dessa reforma 
encontrava-se obviamente a convicção de que os 
interesses representados pelo Senado e pela assembléia 
do povo eram, em grande medida, os mesmos, pois os 
chefes do povo e os da assembléia do povo eram agora, 
simultaneamente, os representantes e os elementos de 
uma nova aristocracia senatorial”26. 
 
 
As leis acima mencionadas não foram casos 
isolados de brigas entre patrícios e plebeus. Mais uma 
 
22
 Tito Lívio, X, 9. 
23
 A história social de Roma, p. 41. 
24
 O conselho dos anciãos, o Senado, era composto, em sua 
origem, apenas pelos pais de família patrícios (patres, “pais”), 
sendo os únicos que podiam exercer as magistraturas. Após o 
século VI a.C., com a modificação do ordenamento social 
(baseado na riqueza) e a passagem para a República, plebeus 
ricos puderam juntar-se ao Senado, embora não tivessem o 
direito de votar até a Lei Ovínia, sendo denominados, então, de 
conscritos (conscripti, “inscritos” – nas tribos). 
25
 Apud Pedro Paulo Funari, “A cidadania entre os romanos”, in: 
Jaime & Carla Pinsky (org.), História da cidadania, p. 55. 
26
 Op. cit., p. 41. 
vez devemos atentar para a influência militar nas 
questões políticas: as causas das secessões do século V 
a.C. tiveram por pano de fundo as guerras com as 
cidades vizinhas de Roma, e a reforma do sistema 
social por meio da legislação nos séculos subseqüentes 
não ocorreu por motivo diferente. A extensão do 
domínio de Roma por toda a Itália (sécs. IV e III a.C.) 
está ligada intrinsecamente ao processo legislativo: a 
necessidade de aumento do território (ager publicus) 
para assentamento dos plebeus mais pobres (e, 
obviamente, o alargamento das propriedades dos 
cidadãos mais ricos). As Leis Licínias Séxtias vieramapós um dos maiores golpes que Roma recebeu durante 
sua história, a invasão e a ocupação gaulesa, por um 
breve período, da Cidade em 387 a.C.: 
 
Mas parece que nem todos os gauleses 
desejavam incendiar a cidade. Talvez seus chefes 
tivessem decidido apenas semear o pânico ao atear 
fogo em algumas casas, na esperança de que o apego 
dos sitiados a seus lares os levasse a render-se, e a 
conservar intacto certo número de residências, ao invés 
de queimá-las todas, para que pudessem ter um penhor 
suscetível de quebrantar a coragem do inimigo. 
Realmente o fogo não se propagou logo no primeiro 
dia com a rapidez e a extensão com que costuma atingir 
as cidades capturadas. 
 
Embora o incêndio não tenha sido devastador, 
como nos explica Tito Lívio (VIII, 28), foi o suficiente 
para traumatizar os romanos a ponto de, no século I 
a.C., ainda ter destaque dentro da obra do historiador 
latino. Ricos e pobres sofreram com o sítio imposto 
pelos gauleses, mas, certamente, os que possuíam 
menos tiveram as maiores desgraças, aumentando suas 
dívidas contraídas com o intento de refazer a vida. A 
situação atingiu tal grau, que foi necessário decretar a 
lei para a redução das quantias devidas e distribuir 
parte do ager publicus entre os mais lastimados – isso, 
vinte anos depois do saque gaulês (não podemos nos 
esquecer, entretanto, que as situações de dívidas apenas 
pioraram após a invasão, pois, a escravidão por dívidas, 
já existia há muito tempo, sendo abolida apenas em 
326 a.C. com a Lei Poetélia Papíria). 
Uma característica marcante para Roma a partir 
do século III a.C. foi a formação, no interior da elite 
dominante, da nobilitas (“nobreza”): um grupo restrito 
consolidado como uma “aristocracia de patrícios e 
plebeus, com privilégios, propriedades fundiárias e 
fortuna”27. A ligação entre as famílias patrícias e 
plebéias teve um início bem anterior ao século III a.C., 
quando da lex Canuleia (Lei Canuléia) de 445 a.C. que 
aboliu oficialmente a proibição dos casamentos entre 
membros patrícios e do povo
28
, embora tenha havido 
certa resistência por parte de alguns patrícios, como 
narra Tito Lívio (IV, 1): 
 
Logo no início do ano o tribuno da plebe Caio 
Canuléio apresentou ao Senado um projeto de lei que instituía 
o casamento entre patrícios e plebeus, o qual, segundo os 
 
27
 Pedro Paulo Funari, “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime 
& Carla Pinsky (org.), História da cidadania, p. 55. 
28
 Géza Alföldy, A história social de Roma, p. 35. 
 11 
patrícios, iria contaminar-lhes o sangue e confundir o direito 
das famílias. 
 
Ao lado dessa nobilitas (as famílias mais antigas 
senatoriais) – e também fazendo parte da elite 
dominante da sociedade romana – formou-se, graças ao 
ordenamento censitário, um novo grupo dentro da ordo 
senatorius (“ordem senatorial”), o dos homines noui 
(“homens novos”): novos ricos provenientes da ordo 
equestre (“ordem eqüestre”) que, apesar de recém-
pertencerem à ordem senatorial, raramente alcançavam 
um cargo mais elevado por causa de sua origem 
humilde. Somando-se agora os escravos e os novos 
cidadãos romanos advindos das conquistas militares 
dos séculos anteriores, o arcaico sistema de, 
basicamente, duas ordens, patres e plebs
29
, cedeu lugar 
a um novo modelo social, onde os grandes conflitos 
sociais deslocaram-se dessa bipartição para confrontos 
entre nobres e homens novos, “dominantes e 
subalternos, romanos e não romanos aliados, senhores 
e escravos”30. 
 
 
 
 
B) Segunda Guerra Púnica: causas, conseqüências e 
questão agrária 
 
Políbio diz em seu Livro III: 
 
[6] Alguns autores que escreveram sobre Aníbal e seu 
tempo, querendo apontar as causas dessa guerra entre os 
romanos e os cartagineses apresentam como a primeira delas 
o cerco de Zacânton31 pelos cartagineses, e como a segunda a 
travessia por estes do rio chamado Íber pelos habitantes da 
região, contrariamente aos tratados em vigor. Eu admitiria até 
que esses eventos marcaram o início da guerra, mas de forma 
alguma que tenham sido as suas causas, a não ser que 
chamemos a travessia de Alexandre o Grande para a Ásia de 
causa de sua guerra contra Pérsia, e o desembarque de 
Antíocos em Demetriás a causa de sua guerra contra Roma, 
pois nenhuma dessas asserções é razoável ou verdadeira. 
Com efeito, quem poderia considerar esses eventos causa de 
guerras, tendo eles sido simples planos e preparativos que, no 
caso da guerra contra os persas, haviam sido feitos com 
antecedência, muitos por Alexandre mas alguns até por Filipe 
enquanto vivo, e no caso da guerra dos etólios contra Roma 
muito tempo antes da chegada de Antíocos? Essas afirmações 
são de pessoas incapazes de distinguir a grande e substancial 
diferença existente entre o início, de um lado, e a causa e as 
intenções do outro lado; estas constituem a origem de tudo, 
enquanto o início vem depois. Por início de qualquer evento 
quero dizer a primeira tentativa no sentido de executar e 
acionar planos já decididos, e por suas causas aquilo que há 
de mais recuado em nossos julgamentos e opiniões, ou seja, 
nossas noções das coisas, nosso estado de espírito e as 
reflexões provocadas por tudo isso, e tudo que nos leva a 
tomar decisões e fazer planos. 
 
[9] Mas, voltando à guerra entre Roma e Cartago, (...) 
devemos ver como sua causa primeira a indignação de 
Amílcar, cognominado Barca, o verdadeiro pai de Aníbal. 
 
29
 Géza Alföldy, A história social de Roma, p. 43. 
30
 Pedro Paulo Funari, “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime 
& Carla Pinsky (org.), História da cidadania, p. 55. 
31
 Também conhecida como Sagunto. Ver Figura 1. 
Com o espírito em nada abatido pela guerra da Sicília32, 
sentindo que havia mantido o exército sob seu comando em 
Êrix combativo e resoluto até o fim, e que havia concordado 
com a paz premido pelas circunstâncias após a derrota dos 
cartagineses na batalha naval, ele permaneceu decidido e 
ficou na expectativa de uma oportunidade para atacar. Se não 
houvesse ocorrido a sublevação dos mercenários, tanto 
quanto estava em seu poder Amílcar teria criado sem demora 
outros meios e outros recursos para reiniciar a luta, mas foi 
impedido de fazê-lo pelos distúrbios intestinos que lhe 
absorveram toda a atenção. 
 
[10] (...) diante da recusa dos romanos a negociar, os 
cartagineses tiveram de ceder em face das circunstâncias, e 
embora profundamente humilhados eles estavam impotentes, 
e tiveram ainda de evacuar Sardó, além de concordar com o 
pagamento de mil e duzentos talentos adicionais à soma 
exigida anteriormente, para não serem forçados a aceitar a 
guerra naquele momento. Esta, então, deve ser considerada a 
segunda e principal causa da guerra subseqüente; de fato, 
Amílcar, acrescentando ao seu antigo rancor a indignação 
sentida por todos os seus compatriotas diante desse novo 
ultraje, logo após haver finalmente esmagado a sublevação 
dos mercenários e garantido a segurança de sua pátria 
concentrou imediatamente todos os seus esforços na 
conquista da Ibéria, com o objetivo de usar os recursos assim 
obtidos para empreender a guerra contra Roma. O sucesso 
dos cartagineses em seus planos na Ibéria deve ser visto 
como a terceira causa da guerra, pois contando com esse 
aumento de poderio eles entraram confiantemente nela. 
 
O autor grego do século II a.C., Políbio, nos 
aponta a causa maior da segunda guerra travada entre 
romanos e cartagineses: não foi tanto pela humilhação 
e o sabor da derrota conhecidos na Primeira GuerraPúnica que Cartago aceitou bater-se contra Roma, 
tampouco foi apenas o desejo de vingança do general 
Amílcar Barca, o que, de fato, fez com que os 
cartagineses combatessem situa-se na pesadíssima 
multa exigida por Roma ao tomar posse da Sicília, os 
1.200 talentos. A única maneira que Cartago – uma 
cidade-estado arrasada economicamente pela primeira 
guerra, despendendo ainda mais dinheiro para livrar-se 
dos mercenários contratados – encontrou para 
conseguir tal montante, foi a de explorar suas 
conquistas no território Ibérico. 
Para tanto, as tropas comandadas por Aníbal 
Barca recolheram tributos das suas cidades aliadas na 
Península Ibérica até chegarem a Sagunto (Zacânton, 
no texto de Políbio). Essa cidade era aliada dos 
romanos e grande possuidora de minérios de cobre, 
ferro e prata (como uma parte significativa da 
Espanha), além de ter um terreno formado por 
derramamento basáltico, o que, nas palavras do mesmo 
historiador antigo, “é propício a qualquer espécie de 
cultivo e é o mais fértil de toda a Ibéria”33; por fim, 
Sagunto era muito bem localizada para o comércio 
marítimo na orla mediterrânica. A intenção de Aníbal 
era “dispor de fundos e suprimentos abundantes para a 
expedição planejada [contra Roma]”, elevar “o moral 
de suas tropas graças aos despojos de guerra 
distribuídos entre elas” e apaziguar “o ânimo de seus 
concidadãos em Cartago enviando-lhes outros 
 
32
 A Sicília havia sido tomada pelos romanos na Primeira Guerra 
Púnica, 264 a 241 a.C. 
33
 III, 17. 
 12 
despojos”34. Aníbal sitiou e tomou Sagunto; ainda 
mais: infringiu a última cláusula do tratado feito ao fim 
da primeira guerra, em 241 a.C., atravessando o rio 
Íber (atual Ebro), adentrando no território das 
possessões de Roma. Em 218 a.C., houve, então, o 
início da Segunda Guerra Púnica, que duraria dezesseis 
anos. 
O segundo ato das Guerras Púnicas representou 
um profundo marco na História Romana: a partir dela, 
mudanças econômicas e sociais foram inevitáveis. 
Roma aprendeu, combatendo, a conquistar os 
territórios fora da Península Itálica. Uma vez findada a 
batalha contra Aníbal na cidade africana de Zama (em 
202 a.C.), os romanos tiveram o Mare Nostrum livre 
para navegar e submeter a orla do Mediterrâneo ao seu 
domínio. Segundo Pedro Paulo Funari, ao “saírem da 
Península, no entanto, os romanos criaram um novo 
conceito: a província, um território administrado pelos 
romanos para seu benefício, sujeito a tributação”35. 
Entre as províncias criadas no século II a.C. estão: 
Hispânia Citerior e Ulterior, 197 a.C.; Macedônia, 148 
a.C.; África, após a destruição de Cartago na Terceira 
Guerra Púnica em 146 a.C.; Ásia, 133 a.C. 
Para fazer a guerra eram necessários soldados 
que pudessem prover o próprio armamento e 
equipamento, e os que possuíam essas características 
pertenciam ao campo; durante toda a história de Roma 
o “ideal” de soldado era o camponês, como nos mostra 
Vegécio, escrevendo sua Arte Militar no século IV d.C. 
(I, 3): 
 
Creio estar fora de dúvida a melhor disposição, para 
as armas, da gente rústica, crescida sob as intempéries e 
habituada aos trabalhos grosseiros, capaz de suportar a 
ardência do sol sem buscar o alívio da sombra, ignorante dos 
banhos, desafeita à preguiça, de alma chã, contente com o 
pouco que come, de corpo coriáceo mercê das fadigas, que na 
labuta do campo tenha aprendido a manejar o ferro, a escavar 
fossos e a transportar fardos pesados. 
 
Embora o soldado-camponês deixe de ser o 
único a ir para a peleja a partir do século I a.C. (como 
veremos), durante as Guerras Púnicas o exército era 
formado essencialmente por pequenos, médios e 
grandes proprietários de terra. Segundo a historiadora 
Maria Luiza Corassin: “As enormes perdas durante a 
segunda guerra púnica (o número de cidadãos 
mobilizáveis passou de 270.713 em 233 para 214.000 
em 204) afetaram sobretudo os médios e pequenos 
proprietários, cujas viúvas e órfãos, arruinados pela 
perda do pai de família, eram de uma ou de outra forma 
levados a se desfazerem de suas propriedades”36. Os 
cidadãos mais ricos foram os que mais se beneficiaram 
com as conseqüências da guerra: as terras cultiváveis 
abandonadas durante as operações militares eram 
vendidas a preço baixo pela família do cidadão morto 
em batalha ou até mesmo pelos camponeses que 
voltavam da guerra e não possuíam mais meios de 
cultivá-las, ou então, simplesmente, as terras eram 
usurpadas por um grande proprietário. Nas palavras de 
Apiano (Guerras Civis, I, 7): 
 
34
 Idem. 
35
 “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime & Carla Pinsky 
(org.), História da cidadania, p. 56. 
36
 A reforma agrária na Roma antiga, p. 14. 
 
Os romanos, à medida em que submetiam pela força 
da guerra as diferentes regiões da Itália, apoderavam-se de 
parte de seu território e nele fundavam cidades, ou, no mais, 
recrutavam seus próprios colonos para enviá-los às cidades já 
existentes. Consideravam estas colônias como fortificações e, 
da terra por eles conquistada em cada oportunidade, 
distribuíam, proporcionalmente, a parte cultivada entre os 
colonos, ou a vendiam, ou a arrendavam; entretanto, a parcela 
não cultivada devido ao advento da guerra, e que era 
precisamente a mais extensa, como não havia tempo para 
distribuí-la em lotes, permitiram, por meio de um edital, que 
fosse cultivada por aquele que se interessasse em troca do 
pagamento de um cânon [modelo, quantia] pela colheita 
anual, a décima parte dos produtos da semeadura e a quinta 
parte dos cultivos da plantação. Também se fixou um cânon 
para os criadores de gado, tanto para as criações maiores 
como para as menores. Estas medidas foram adotadas com o 
objetivo de multiplicar a raça itálica, considerada por eles a 
mais trabalhadora, a fim de ter aliados na pátria. No entanto, 
ocorreu o contrário do que se esperava. Pois os ricos, 
monopolizando a maior parte da terra não distribuída, 
aumentaram com o tempo a sua confiança no sentido de que 
já não mais se veriam desapossados dela e comprando, em 
parte por métodos persuasivos, em parte se apossando a força 
das propriedades vizinhas e de todas as demais pequenas 
propriedades pertencentes a camponeses humildes, 
cultivavam grandes latifúndios ao invés de pequenos lotes e 
empregavam neles escravos como agricultores e pastores, 
prevendo que os trabalhadores livres seriam transferidos à 
agricultura ou à milícia. Ao mesmo tempo, a posse de 
escravos lhes rendeu grandes benefícios dada a sua abundante 
descendência, tendo em vista que se incrementavam sem 
nenhum risco por estarem isentos do serviço militar. Por estas 
razões os ricos se enriqueciam ao máximo e a prática 
escravista aumentava muitíssimo nas campinas; tanto que a 
escassez e a falta de população afligiam aos povos itálicos, 
dizimados pela pobreza, pelos tributos e pela milícia. E, 
quando se viram livres destas calamidades, encontraram-se 
em uma ociosidade forçada na medida em que a terra estava 
nas mãos dos ricos, que empregavam os escravos como 
agricultores em lugar de homens livres. 
 
Esse excerto confirma o que dissemos acima 
sobre a expropriação de terras. Contudo, devemos ter 
em conta que uma enorme parte das terras cultiváveis 
adquiridas na expansão militar contra Cartago foram 
usadas como meio de pagamento aos cidadãos mais 
ricos de Roma, ou seja, senadores e cavaleiros: os quais 
haviam emprestado enormes quantias de dinheiro ao 
Estado, principalmente, de 216 a 210 a.C., quando a 
campanha frente aos cartaginesesfoi mais acirrada
37
. 
O mesmo trecho de Apiano é significativo em 
outra questão: o aumento populacional da plebe urbana 
na cidade de Roma, devido ao fato de parte do 
campesinato livre transformar-se em proletários. Esse 
aumento teve por causa dois motivos principais: a já 
referida perda das terras e a entrada de um enorme 
contingente de escravos provenientes da guerra. 
Os escravos, até então, eram utilizados 
geralmente dentro das casas de seus senhores, fazendo 
parte das posses, pertencendo à família
38
. A partir das 
 
37
 Maria Luiza Corassin, A reforma agrária na Roma antiga, p. 
15. 
38
 “Família” deve ser entendida como o conjunto composto pela 
mulher, filhos, bens e escravos; o pater familias (“pai da 
família”) tinha absoluto controle esse conjunto. O pater não 
necessariamente tinha de ser o pai, como compreendemos hoje: 
havia a possibilidade de um dos filhos assumir o papel de pater 
 13 
conquistas fora da Itália, o acréscimo no número de 
escravos fez com que fossem utilizados com maior 
freqüência nas grandes propriedades rurais e também 
em empreendimentos manufatureiros. “Esse novo 
escravo é tratado como mercadoria, equiparado a 
objetos e animais. Em termos jurídicos, houve a 
passagem da escravidão de concidadãos para a de 
estrangeiros”39; como nos lembra o jurisconsulto do 
século II d.C. Gaio (Institutas, 1, 3, 9-12): 
 
A principal divisão no direito das pessoas é esta: 
todos os homens são livres ou escravos. Entre os livres, 
alguns são nascidos livres, outros são libertos. Nascidos 
livres são aqueles que nasceram em liberdade; os libertos são 
aqueles que foram libertados de uma escravidão legal. Há três 
tipos de libertos: cidadãos romanos, latinos ou submetidos.
40
 
 
Ao contrário do que se pode supor a partir da 
leitura de Apiano – “... cultivavan grandes latifúndios 
ao invés de pequenos lotes...” – o latifúndio41 não foi a 
propriedade imperante em Roma. O século II a.C. 
observou a difusão de uma nova forma de propriedade, 
a uilla (“vila”, “casa de campo”, “quinta”): propriedade 
rural com cerca de 500 jeiras calcada na mão-de-obra 
escrava e voltada para a comercialização (Figura 2). A 
respeito do comércio visado pelas uillae, Maria Luiza 
Corassin escreve: “Uma das características 
significativas é que a produção do azeite ou vinho era 
dirigida para a comercialização. O trigo e outros 
cereais cujos preços eram pouco remuneradores eram 
cultivados apenas para atender as necessidades de 
consumo do pessoal; se houvesse um excedente, no 
entanto, este também seria encaminhado para a 
venda”42. A venda de azeite e vinho era a responsável 
pelos grandes lucros, porém, colocava Roma em uma 
situação delicada: a maioria das propriedades não 
cultivava em larga escala os alimentos básicos da 
(fraca)
43
 dieta romana, os cereais; as províncias 
romanas eram obrigadas a pagar parte dos tributos em 
trigo, mas, quando havia crises, seja por guerra, seja 
por problemas de causas naturais, a fome grassava por 
todo o Império e afetava profundamente a Capital, que 
tanto dependia de importações. 
 
 ▪ Os Gracos. 
 
[41] O costume dos partidos e facções, daí de todas as 
más atitudes, surgira pouco antes em Roma do ócio e da 
abundância, gênero de vida mais estimado pelos homens. 
Pois antes da destruição de Cartago, o povo e o Senado 
romanos administravam a República entre si com placidez e 
moderação. A glória e o poder não eram causas de disputas 
entre os concidadãos. A ameaça inimiga mantinha o Estado 
bem dirigido. Mas quando essa ameaça desapareceu da 
memória, a lascívia e a ostentação, conseqüências da 
tranqüilidade, vieram à plena luz. Assim, durante a 
adversidade, desejava-se o descanso, mas após consegui-lo, 
 
quando do falecimento deste. Importante ressaltar, no entanto, 
que o pater familias deveria ser obrigatoriamente um cidadão, ou 
seja, maior de idade e do sexo masculino. 
39
 Pedro Paulo Funari, “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime 
& Carla Pinsky (org.), História da cidadania, p. 57. 
40
 Apud Pedro Paulo Funari, ibidem. 
41
 Propriedade com 1.000 ou mais jeiras de tamanho. 
42
 A reforma agrária na Roma antiga, pp. 19-20. 
43
 Peter Garnsey, Alimentação e sociedade na antiguidade 
clássica, pp. 20, 42-43. 
tornou-se mais áspero e azedo que o próprio infortúnio. Na 
verdade, a dignidade da nobreza e a liberdade do povo 
tornaram-se luxúria, cada qual buscando o domínio, o poder e 
o saque. Dividiu-se, assim, o todo em dois partidos e a 
República, antes governada pelas duas partes igualmente, 
agora se dilacerava. Por outro lado, a nobreza era mais 
poderosa por sua coesão, enquanto que a plebe, dispersa em 
grande número, pouco podia. Pela decisão de uns poucos 
eram geridos os negócios internos e externos, em suas mãos 
estavam os erários, as províncias, as magistraturas, as glórias 
e os triunfos, enquanto o povo sofria o serviço militar e a 
pobreza, a presa de guerra era monopolizada pelo general e 
alguns poucos. 
Enquanto isso, os pais e filhos dos soldados, 
conforme tivessem suas terras confinantes às de homens 
poderosos, eram expulsos de seus lares. Assim, a cupidez 
associada a um poder sem medida ou moderação invadiu, 
maculou e devastou tudo, nada respeitando até gerar sua 
própria destruição. Quando pela primeira vez surgiu dentre a 
nobreza alguns que deram precedência à glória e ao poder 
iníquo, o Estado abalou-se e a disputa civil ergueu-se como 
um tremor de terra. 
 
[42] Depois que Tibério e Caio Graco, cujos 
ancestrais muito engrandeceram a República durante a guerra 
púnica e em outras, começaram a exigir a liberdade da plebe 
e a denunciar os crimes de uns poucos, a nobreza, culpada, e 
por isso abatida, através de aliados latinos e de cavaleiros 
romanos - os quais atraíra para si e distanciara da plebe pela 
esperança de uma aliança - investiu contra a ação dos Gracos. 
Assassinaram primeiro Tibério e após alguns anos Caio 
(juntamente com M. Fúlvio Flaco), que seguia os passos do 
irmão, o primeiro tribuno, o segundo triúnviro para a 
fundação de colônias. É certo que o desejo de vitória dos 
Gracos não foi suficientemente moderado. Mas é preferível 
ser derrotado praticando o bem do que vencer a injustiça por 
maus meios. Com esta vitória a nobreza, por sua ardente 
paixão, livrou-se de muitos pela morte ou pelo exílio, o que 
no futuro lhe causaria menos segurança no poder e maior 
temor. Desta forma, a maioria dos grandes Estados fez sua 
própria ruína. Vencer a qualquer custo gera, nos vencidos, 
um desejo ainda mais forte de vingança. 
 
Os excertos acima, ambos de Salústio (Guerra 
de Jugurta), resumem o contexto em que Roma vivia 
no século II a.C. e o assassínio dos irmãos Gracos. É 
claro que Salústio comete alguns deslizes em seu 
capítulo 41: diz que a República era governada 
“igualmente” pela nobreza e o povo, quando, por tudo 
o que foi mostrado até aqui, percebe-se que não; no 
entanto, a afirmação de que “a nobreza era mais 
poderosa por sua coesão, enquanto que a plebe, 
dispersa em grande número, pouco podia” é bastante 
verossímil: a heterogeneidade da plebe (urbana ou 
rústica) foi um dos principais fatores que fizeram com 
que Roma jamais sofresse um sísmico abalo em seu 
interior, a possibilidade (mesmo que pequena) de 
enriquecer e inscrever-se no censo da ordem eqüestre 
permeava a existência da plebe
44
. Por outro lado, a 
“coesão” da nobreza a que se refere Salústio é 
paradoxal: desde o século III a.C., como já vimos,a 
ordem senatorial se bipartiu em nobilitas e homines 
noui, e, no período em que viveu o autor, século I a.C., 
houve uma nova bipartição dentro da já existente 
(motivo de amargura para Salústio logo no início de 
 
44
 Assim como não havia uma união entre livres, libertos e 
escravos por uma causa comum, mesmo tendo as três categorias 
um grau de sobrevivência parecido. 
 14 
sua frase), formando os seguintes partidos: optimates 
(“aristocratas”) – os magistrados mais conservadores – 
e os populares – magistrados que buscavam apoio no 
povo. Os dois partidos não diferiam muito entre si no 
plano político, somente na metodologia empregada 
para alcançar seus intentos. O próprio Salústio, 
partidário de Júlio César, era um popular. 
Na época dos Gracos, segunda metade do século 
II a.C., começavam a se concretizar esses partidos 
políticos. Tibério Graco, nascido em 163 a.C., propôs a 
votação de uma lei referente à questão agrária quando 
foi eleito tribuno da plebe em 134 a.C.. Ao viajar pela 
Península Itálica, Tibério reparou nas conseqüências 
oriundas das guerras de conquistas, e percebeu que o 
número de assidui – camponeses com condições de se 
armamentar – diminuíra drasticamente na Itália frente 
às expropriações de terras e o incremento da mão-de-
obra escrava no campo. Com isso, o número de 
cidadãos mobilizáveis caiu, aumentando a preocupação 
de Tibério sobre a segurança de Roma. O projeto que 
Tibério Graco propôs “limitava o direito de possessio 
sobre as terras públicas. Estabelecia que cada indivíduo 
poderia ocupar no máximo 500 jeiras (125 hectares) do 
ager publicus. Cada pai de família poderia receber 
mais 250 jeiras por cada filho; a extensão total 
permitida seria no máximo de 1.000 jeiras (250 
hectares)”45. As terras que ultrapassassem as 1.000 
jeiras estabelecidas seriam divididas em pequenos lotes 
e distribuídas aos cidadãos pobres (sendo inalienáveis), 
que pagariam anualmente um pequeno imposto. Assim 
sendo, havia garantias para os proprietários ricos, que 
continuariam detentores de grandes áreas, e para os não 
proprietários, que ficariam impedidos de vender suas 
parcelas de terras. Também se deve destacar que a lei 
agrária de Tibério beneficiava exclusivamente a 
população rural, pois, aqueles “que habitavam a cidade 
há muito tempo já não tinham mais interesse nem 
aptidão pelo trabalho no campo”46. 
O grupo que fazia frente à proposta de Tibério 
Graco era formado por aqueles que possuíam terras do 
ager publicus de forma ilegal. Entre os que iam contra 
a lei, estava o outro tribuno da plebe, Otávio. No dia da 
votação, Otávio vetou a proposta de Tibério; bastava 
um veto de algum dos tribunos para anular todo o 
processo. Inconformado, Graco passou por cima da 
inviolabilidade de seu colega e fez votar a Lei 
Semprônia que, pela primeira vez na história romana, 
demitia um tribuno do exercício de seu poder. 
Encontramos na obra de Apiano os detalhes do apelo 
de Tibério a Otávio para que este desistisse de sua 
função antes de ser votado: 
 
Graco se voltou a ele e pediu para que desistisse, 
mas, fazendo pouco caso do pedido, colheu o voto das tribos 
restantes. Havia nesta época trinta e cinco tribos e, como as 
dezessete primeiras votaram no mesmo sentido, de forma 
apaixonada, a décima-oitava iria consignar pela aprovação da 
proposta, mas Graco, novamente, pressionou Otávio com 
firmeza diante do povo, tendo em vista a sua posição de 
máximo perigo, para que não conduzisse ao fracasso a obra 
de maior nobreza e utilidade de toda Itália, nem frustrasse um 
afã tão grande do povo, com cujos desejos convinha que, na 
 
45
 Maria Luiza Corassin, A reforma agrária na Roma antiga, p. 
46. 
46
 Ibidem, p. 47. 
posição de tribuno, fosse condescendente, e não consentir em 
ser exonerado de seu cargo por condenação pública. Depois 
de dizer isto, jurou, tendo por testemunhas os deuses, que não 
era a sua vontade causar desonra alguma a seu colega e, 
como não conseguiu convencê-lo, requisitou o voto. Otávio 
se converteu de imediato em um cidadão privado e foi 
embora da assembléia sem ser visto.
47
 
 
Algumas palavras trarão o entendimento sobre o 
sistema de votação por tribos mencionado no excerto. 
Em Roma havia, além da assembléia popular
48
, a 
assembléia formada por todos os cidadãos, os comitia 
tributa (“comícios por tribos”). Os cidadãos eram 
inscritos, pelos censores, em uma das 35 tribos 
romanas, sendo 31 rurais e 4 urbanas. Cada tribo 
possuía uma votação interna sobre um determinado 
assunto onde todos os cidadãos votavam, porém, a 
decisão final era tomada como um único voto, e este 
apresentado durante o comício. A eleição findava 
quando a maioria dos votos pendia a um dos lados, ou 
seja, quando se alcançava o número de 18 tribos 
votantes favoráveis. Foi o que aconteceu no caso da 
deposição de Otávio. 
A lei agrária de Tibério Graco foi aprovada e, no 
decorrer do ano, uma comissão de três membros 
(formada por Tibério, seu sogro Ápio Cláudio e seu 
irmão Caio) ficou encarregada de julgar os litígios 
acerca da possessão de terras. Ao término do período 
de seu exercício, Tibério Graco tentou se reeleger para 
dar continuidade ao seu trabalho. O ato de ter dois 
mandatos seguidos ia contra o costume romano, pois 
temiam que um homem no poder continuamente 
desejasse proclamar-se rei. O grupo contrário a Tibério 
aumentou depois de ele se apresentar como candidato. 
Um outro fator atrapalhou o tribuno na votação: 
 
Era já verão e as eleições para os tribunos estavam na 
iminência de ocorrer. Ao se aproximar o dia da votação, era 
evidente que os ricos haviam apoiado com afinco para o 
cargo os mais intransigentes inimigos de Graco. E este, por 
temor à desgraça que se aproximaria caso não fosse eleito 
novamente tribuno para o ano seguinte, convocou à votação 
seus partidários do campo. Contudo, por ser verão, estes não 
teriam tempo livre para lhe acudir, e obrigado pelo exíguo 
tempo que restava para o dia marcado para a votação, 
recorreu à plebe urbana e, indo de um lugar a outro, pediu a 
cada um em separado para que lhe elegessem tribuno para o 
ano seguinte como compensação ao risco que por eles 
corria.
49
 
 
 A época da colheita desgraçou o intento de 
Tibério: não havia tempo nem condições de reunir o 
voto de suas tribos rurais aliadas, e a votação das tribos 
urbanas era ínfima, apenas quatro votos possíveis 
dentro do total de trinta e cinco. Por fim, Tibério Graco 
teve de valer-se de partidários (grupos armados) para 
tentar propor a votação. Houve, então, uma escaramuça 
no centro da cidade, segundo Apiano (Guerras Civis, I, 
15): 
 
Graco se recobrou de seu abatimento, reuniu ainda de 
noite os seus partidários e, depois de lhes instruir que daria 
um sinal caso houvesse necessidade de luta, ocupou o templo 
 
47
 I, 12. 
48
 Organizada por centúrias. 
49
 Apiano, Guerras Civis, I, 14. 
 15 
do Capitólio, onde teria lugar o centro da assembléia e a 
votação. Impedido pelos tribunos e pelos ricos, que não 
permitiam que se celebrasse a votação, deu o sinal. 
Despontou de repente um grito por parte dos conjurados e, 
em seguida, chegou-se às vias de fato. Alguns de seus 
partidários protegeram Graco como guarda-costas, e outros, 
depois de apertar as suas indumentárias e tomar os bastões 
das mãos dos guardas, destruíram-nos em muitos pedaços e 
expulsaram os ricos da assembléia com tamanha desordem e 
tantas feridas queaté mesmo os tribunos fugiram cheios de 
temor do centro da assembléia, e os sacerdotes trancaram as 
portas do templo. 
 
Pouco tempo depois, Tibério e grande parte de 
seus partidários foi assassinado (133 a.C.) 
publicamente, em confronto com os grupos armados 
opositores. 
 
Em 124 a.C., Caio Graco se elegeu tribuno da 
plebe. As medidas de suas primeiras leis votadas 
foram, justamente, a abolição à proibição da reeleição 
dos tribunos, e a proibição à condenação à morte de 
algum cidadão sem a ordem popular. Outras de suas 
leis podem ser lidas no trecho abaixo, do historiador 
grego do século I-II d.C., Plutarco: 
 
Das leis que propôs para favorecer o povo e refrear o 
senado, uma exigia a partilha das terras públicas entre os 
pobres. Outra dizia respeito ao serviço militar e prescrevia 
que os soldados fossem vestidos à custa do Estado, sem 
desconto no soldo dos que estivessem em campanha; essa 
mesma lei proibia o recrutamento de menores de dezessete 
anos. Uma terceira concedia aos italiotas o mesmo direito de 
voto dos cidadãos. Uma quarta, sobre os cereais, tornava a 
compra de trigo menos onerosa para os pobres50. Uma quinta, 
relativa à justiça, roubava ao senado a maior parte de suas 
prerrogativas judiciárias: como os senadores fossem os 
únicos juízes e por isso mesmo se mostrassem temíveis ao 
povo e aos cavaleiros, Caio acrescentou aos trezentos 
membros do senado igual número de cavaleiros, passando 
então os processos a serem julgados pelos seiscentos. Quando 
propôs a lei, parece ter tomado disposições cuidadosas, 
sobretudo esta: ao passo que antes todos os oradores se 
voltavam para o senado e o chamado Comício, foi ele o 
primeiro a falar olhando na direção do Fórum, conforme 
depois se tornou costume. Graças a essa alteração mínima de 
atitude conseguiu fazer uma gigantesca revolução, pois, de 
certa forma, transformou o regime político de aristocracia em 
democracia ao mostrar que os oradores deveriam ter em vista 
o povo e não o senado. 
 
As mudanças feitas por Caio Graco agradaram a 
todos, excetuando-se os senadores conservadores. 
Serviu à plebe rural ao continuar com a política de 
redistribuição das terras e ao prescrever que os 
soldados fossem desobrigados a custear o próprio 
equipamento e armamento, passando essa função ao 
Estado. Quanto aos cavaleiros (equites)
51
, conseguiu 
 
50
 Sobre a distribuição de grãos, encontramos em Apiano (I, 21) 
o seguinte: 
 
E, uma vez que se elegeu da maneira mais contundente, 
urdiu insídias contra o senado, estabelecendo uma quantidade 
mensal de trigo para cada cidadão às expensas do erário público, 
partilha que nunca antes se havia tido por costume fazer. 
51
 Cavaleiros: os ricos não senadores; a ordem imediatamente 
abaixo da ordo senatorius. Ao contrário dos senadores, que 
estavam proibidos por lei de fazerem negócios públicos, os 
cavaleiros não tinham restrição nenhuma em relação ao comércio 
um imenso apoio de sua parte ao conceder-lhes o poder 
sobre os tribunais, opondo-se aos senadores, até então, 
únicos juízes. Caio, ao conceder aos aliados itálicos o 
direito de voto, diminuiu as barreiras contra a reforma 
agrária em compensação às vantagens políticas
52
. 
Entretanto, o tribuno da plebe recebeu maior apoio da 
plebe urbana com a lei acerca da distribuição de cereais 
sob as expensas do Estado: “aliviava a miséria da plebe 
urbana, habituada até então a depender de subsídios e 
doações das grandes famílias nobres”53. Com essas 
medidas favoráveis à plebe, Roma observava a 
transferência da clientela, que tradicionalmente 
dependia das famílias nobres, para as mãos de um 
popularis (“popular”)54. 
Das leis de Graco, a que foi utilizada pelos 
senadores contra a sua pessoa reside na concessão de 
cidadania aos italiotas. Argumentando que os mais 
pobres teriam seus direitos ofuscados, o Senado 
conseguiu barrar a reeleição de Caio para o tribunado 
em 121 a.C., e o acusou de enriquecimento: fato que o 
levou a mudar-se de sua residência no Palatino
55
. Uma 
outra lei que pretendia criar uma colônia em Cartago – 
local considerado amaldiçoado – foi posta em votação 
pelo Senado para a sua revogação. Os partidários de 
Graco recorreram às armas, e o Senado fez instituir, 
pela primeira vez, o senatus-consultum ultimum: 
concedia plenos poderes ao cônsul para tomar 
quaisquer atitudes, suspendendo as garantias dos 
cidadãos frente ao poder militar do magistrado. Caio 
Graco e todos os seus partidários foram assassinados. 
 
Com a morte de Caio Graco, a reforma agrária 
enfraqueceu-se perante as modificações legislativas. A 
historiadora Maria Luiza Corassin resume as leis 
descritas em Apiano: “Os lotes distribuídos eram 
inalienáveis; esta precaução destinava-se a proteger a 
pequena propriedade. O primeiro passo contra a 
reforma foi abolir esse vínculo; os ricos puderam então 
expulsar os camponeses comprando seus pequenos 
lotes. Uma segunda lei proibiu novas distribuições de 
terras; a maior parte do ager publicus consistia de 
terras ocupadas e estas eram deixadas aos que detinham 
sua posse desde a lei de Tibério; mas os ocupantes 
ficavam obrigados a pagar um imposto cujo 
 
ou empréstimos (que cabiam ao Estado romano). Os cavaleiros 
poderiam ser também publicanos (publicani), ou seja, detentores 
dos contratos públicos (para construções de ruas e pontes, 
reparações de edifícios, abastecimento dos exércitos, 
arrendamentos das minas do Estado, cobrança de taxas 
alfandegárias e impostos). Porém, deve-se ter em mente que, 
apesar da proibição legal do Estado, muitos senadores atuavam 
como publicanos. 
Tanto a ordem senatorial como a ordem eqüestre eram 
responsáveis pelas compras de grandes lotes de terras dos 
territórios recém-conquistados no pós-Segunda Guerra Púnica; 
territórios que poderiam ter caráter privado (ager priuatus) ou 
público (ager publicus). 
52
 Maria Luiza Corassin, A reforma agrária na Roma antiga, p. 
69. 
53
 Ibidem, p. 58. O dinheiro para financiar as despesas vinha da 
exploração das províncias. 
54
 Também membro de origem aristocrática. 
55
 Plutarco, Vida de Caio Graco, 12: 
 
De regresso [de Cartago, onde pretendia fundar uma 
colônia] mudou-se de sua casa do Palatino para um bairro mais 
popular, abaixo do Fórum, onde vivia a maior parte dos pobres. 
 16 
rendimento seria destinado às distribuições de trigo à 
plebe. Finalmente, o último passo: este imposto foi 
suprimido, declarando-se propriedade privada as terras 
já distribuídas e as ocupadas. Apenas as terras que não 
estavam ocupadas continuavam sendo consideradas 
ager publicus; este foi liberado para o uso como 
pastagem; com o tempo, provavelmente terminou 
sendo ilegalmente cercado e apropriado pelos ricos”56. 
Ao fim, os pobres perderam tudo e foram 
obrigados a migrar para a cidade. 
 
 
 
 
C) A Cidade Romana. 
 
Embora a tradição textual antiga relate o ano de 
754-3 a.C. como o da fundação de Roma, uma possível 
data de uma provável fundação está muito aquém do 
que a historiografia dos antigos nos diz. 
Existiu na área que viria a ser Roma uma 
ocupação contínua desde o século XIV a.C. (Idade do 
Bronze Médio), mais precisamente instalada no 
Capitólio. A ocupação também se estendeu 
primeiramente pelo vale do Fórum, seguindo pelo 
Palatino, Esquilino e, por fim, o Quirinal (Figura 3). 
Essas ocupações tiveram um processo de assentamento 
derivado das exigências de segurança e controle 
estratégico do território.Porém, a urbs somente tomaria seu contorno 
com o advento da 1ª Idade do Ferro (séculos X-IX 
a.C.). Diferentemente da região etrusca onde nasceram 
centros proto-urbanos gerados por um processo de 
agrupamento das ocupações chamado sinecismo
57
, o 
Lácio tem em seu ventre ocupações proto-urbanas que 
não precisaram ser fecundadas por novos centros, ao 
contrário, as ocupações cresceram progressivamente, 
sem nenhum indício catalisador. Roma observou na 1ª 
Idade do Ferro o já mencionado assentamento no 
Palatino. Junto a esse movimento, vemos o vale do 
Fórum – que era uma necrópole – passar a constituir 
também a malha habitacional das ocupações ao seu 
redor (a então necrópole do Fórum foi transferida para 
o Esquilino). Todavia, a ocupação proto-urbana 
romana durante meados do século IX e todo o século 
VIII a.C. adquiriu extensão semelhante aos grandes 
centros vilanovianos
58
 da Etrúria. O arqueólogo Filippo 
Coarelli
59
 nos explica acerca do tema da formação 
proto-urbana: é provável que as primeiras tentativas de 
urbanização tenham coincidido com o incremento da 
produção agrícola, tornando possível, a partir da 
acumulação de excedentes, a concentração da 
população que antes estava esparsa e o início de 
atividades que ultrapassam o grau da simples 
subsistência. Não podemos esquecer, entretanto, que, 
antes desse incremento da produtividade agrícola, 
 
56
 A reforma agrária na Roma antiga, p. 73. 
57
 Do grego, sinoikismós (“morar junto”). 
58
 A cultura vilanoviana deve seu nome à localidade de Vilanova, 
próxima a Bolonha, onde foram encontrados os primeiros 
vestígios de uma cultura material que mais tarde se revelaria 
como típica de toda a Etrúria. 
59
 Guida archeologica di Roma, pp. 9ss. 
Roma era caracterizada pelo pastoreio
60
, como se pode 
presumir da existência de grandes bosques, e 
corroborar esse fato com o número de cultos e 
personagens mitológicos que denotam a figura do 
pastor, seu gado e o bosque. 
O arqueólogo Massimo Pallotino afirma serem 
os contatos com o Oriente e com a Grécia os 
responsáveis pela introdução das estruturas de 
civilização em Roma
61
. Em meados do século VIII a.C. 
é fundada a ocupação helênica em Cumas na costa 
tirrênica, dando início às relações comerciais entre 
Roma e a primeiras colônias gregas, como demonstra a 
cerâmica grega do século VIII a.C. descoberta nas 
últimas décadas no Fórum Boário
62
. O fato de Cumas 
ser um empório facilitou, e muito, a “absorção” da 
cultura grega pelos latinos (e etruscos): além do 
alfabeto, a arqueologia atesta a importação de 
tecnologia, na figura dos artesãos, para as cidades que 
rodeavam o empório (não se importavam artefatos, 
mas, sim, quem os fabricava). O historiador alemão 
Frank Kolb diz sobre o contato de culturas e sua 
influência na materialidade: “[Em Roma] cresceu 
consideravelmente a importação e a imitação local de 
cerâmica etrusca e grega. Afora uma classe dominante 
etrusca, estabeleceram-se em Roma artesãos, 
comerciantes, construtores e artistas etruscos e 
possivelmente também alguns gregos. O „bairro 
etrusco‟ (vicus etruscus), que se estendia desde o 
Fórum romano até o Fórum Boario, ao pé do Capitólio, 
era seguramente o centro de produção artesã do 
assentamento em expansão. Roma tinha a função de 
mercado com relação a um certo entorno e, ao mesmo 
tempo, seria já um ponto de apoio do comércio com 
zonas distantes; o Fórum boário e não o romano era o 
lugar das transações”.63. 
Uma fase deveras importante para o 
desenvolvimento de Roma veio no século VII a.C. sob 
o reinado de Anco Márcio (640-616 a.C.): o momento 
em que Roma controlou a passagem para a margem 
oposta do Tibre. Aproveitando-se da localização 
afortunada de Roma, Anco Márcio fez erigir sobre o 
vau do Tibre a Ponte Sublícia. Essa ponte constituiu a 
ligação entre as duas mais antigas – e contemporâneas 
– vias da Roma arcaica: a Via Campana e a Via Salária, 
encarregadas de transportar o sal da foz do Tibre até o 
território romano (o ponto de encontro dessas duas vias 
era a Ponte Sublícia, localizada na região do Fórum 
Boário). A área do Fórum tornou-se adequada para 
troca de produtos tais como sal, gado e produção 
agrícola
64
; além, é claro, de que os contatos entre as 
diversas etnias renderam aprendizados culturais 
importantes e recíprocos
65
. 
 
60
 Frank Kolb afirma sobre o pastoreio (La ciudad en la 
Antigüedad, p. 142): “Com efeito, o solo pobre do Lácio era mais 
adequado à pasticultura do que para a agricultura, e Roma se 
estendia sobre colinas em torno de uma profundeza junto ao 
Tíber, ensandecida pela malária. Ao princípio teve um escasso 
papel a fácil comunicação com o mar através do Tíber, que 
destacam Lívio [V, 54] e outros autores modernos”. 
61
 Origini e Storia Primitiva di Roma, pp. 325-343. 
62
 Filippo Coarelli, Guida archeologica di Roma, pp. 9ss. 
63
 La ciudad en la antigüedad, pp. 145-146. 
64
 O Fórum era, pois, o “empório romano”. 
65
 Foi na 1ª Idade do Ferro que ocorreram as diferenciações 
culturais e o surgimento de grupos étnico-lingüisticos na 
Península Itálica. Esses agrupamentos tinham em sua origem as 
 17 
Contudo, uma parte dos estudiosos da 
Antiguidade marca no século VI a.C. o período em que 
Roma se firmou como cidade. Para Géza Alföldy: “O 
processo evolutivo de Roma como cidade só viria a 
completar-se no século VI a.C., quando estas 
comunidades primitivas se organizam em cidade-
Estado. É então que Roma se alarga para o sul, para o 
leste e para o norte do monte Palatino, absorvendo os 
pequenos núcleos populacionais que aí se encontravam 
e delimitando-se claramente em relação à regiões 
circundantes (pomerium)”66. Também Frank Kolb 
compartilha dessa idéia, ao responder o porquê de 
Roma ser considerada uma cidade no século VI a.C.: 
“Sem embargo, a existência de um centro urbano, que 
compreendia o Foro romano, a Assembléia, o Fórum 
Boário e o Capitólio, e suas funções de lugar central 
político-administrativo e econômico de uma região, 
justificavam a consideração de Roma como pequena 
cidade a fins do século VI, o mais tardar. (...) As razões 
político-militares foram também decisivas para o 
nascimento da cidade de Roma, e precisamente estes 
fatores determinariam igualmente o crescimento 
posterior do assentamento junto ao Tíber”67. Ou seja, 
como foi dito no início deste item, a cidade de Roma 
não foi “fundada”, ela não teve um “nascimento”, mas, 
sim, é o resultado de um processo de assentamento que 
seguiu constante desde, pelo menos, o século XIV a.C. 
 
O arqueólogo Paul Zanker em seu ótimo texto 
“The city as symbol: Rome and the creation of an 
urban image” investiga as características externas de 
uma “típica” cidade romana, concentrando-se na 
análise dos espaços públicos
68
. Inicialmente, é 
necessário distinguir os dois agentes influenciadores 
das mudanças físicas do espaço público: as alterações 
anônimas e o planejamento estatal. As alterações 
anônimas são aquelas mudanças proporcionadas de 
modo individual, independentes umas das outras e do 
plano geral da cidade; construções de casas, a difusão 
de habitações comuns num determinado distrito, a 
adição de tabernas ou outro local arrendável em 
algumas casas, são alguns exemplos de alterações deste 
tipo. Já o planejamento estatal é a mudança física 
refletida na fundação de colônias, na construção de 
edifícios públicos (por determinadas comunidades e 
patronos), ruas, estradas e muros
69
. 
Antes de centrarmoso foco na “típica” cidade 
romana, devemos deixar claro que essa tipicidade não 
partiu da Capital, ou seja, Roma, nas palavras do 
historiador Martin W. Frederiksen: “A preferência 
romana pelos projetos que tivessem simetria e seu 
gosto pela simplicidade diagramática é mais evidente 
nas novas cidades criadas. Nisso contrastavam 
 
diversas homogeneidades próprias de cada grupo (produção, 
relação social, relação de troca) juntamente com ideologias que 
expressam a preocupação cada vez maior nos quesitos: segurança 
e prestígio econômico. Essas diferenciações culturais formarão 
as grandes estruturas étnicas conhecidas do período histórico: 
etruscos com sua cultura “vilanoviana”, e os latinos, com sua 
formação cultural própria (denominada “cultura lacial”). 
66
 A história social de Roma, p. 18. 
67
 La ciudad en la antigüedad, p. 147. 
68
 A análise do espaço privado, ou seja, as residências, será feita 
mais à frente. 
69
 Paul Zanker, JRA: 38, p. 25. 
grandemente com a própria Roma; a capital crescera, 
cedo demais para que recebesse qualquer 
planejamento, numa complexa localização de sete 
colinas e um rio. A maior parte da cidade era um caos 
de casas altas e raquíticas, bem como ruas tortuosas e 
estreitas, e somente a grandes penas impôs-se ordem 
em relação às construções centrais de finalidade 
política, para recompensar o gosto romano pela 
simetria. (...) Embora, entretanto, os Imperadores 
trouxessem muitos melhoramentos e construíssem 
suntuosos edifícios, a maior parte de Roma continuava 
a apresentar os agudos problemas de seu crescimento 
tumultuário”70. 
Voltando agora a Paul Zanker, o arqueólogo 
afirma que as cidades romanas tiveram seu típico 
planejamento urbano calcado, primeiramente, nas 
coloniae maritimae (“colônias marítimas”) da costa do 
Lácio, fundadas a partir do século IV a.C.: Ostia, 380 
a.C.; Antium, 338 a.C.; Tarracina, 329 a.C.; 
Minturnae, 296 a.C; Pyrgi, 264 a.C (Figura 4). Essas 
cidades tinham uma proporção pequena, acomodando 
cerca de trezentos cidadãos romanos
71
. As colônias 
marítimas prosperaram, embora Cícero, no século I 
a.C., maldissesse as cidades litorâneas, elogiando o 
local de fundação de Roma (Da República, II, 3,4): 
 
[3] [Cipião disse] “Compreendeu com admirável 
prudência aquele excelente varão [Rômulo] que os pontos 
próximos às costas não são mais apropriados para fundar 
cidades que pretendem alcançar estabilidade e poderio, 
porque as cidades marítimas estão expostas, não só a 
freqüentes perigos, mas a desditas e acontecimentos 
imprevistos. A terra firme denuncia, por meio de mil indícios, 
a marcha prevista e até as surpresas do inimigo, que se 
descobre pelo ruído de seus passos; e não é atacada tão 
rapidamente como se pode supor, sabendo-se por outra parte, 
quem é o agressor e de onde vem; por mar, pode desembarcar 
uma esquadra antes que se possa advertir a sua proximidade; 
sua marcha não denuncia nem sua personalidade, nem sua 
nação, nem seu objetivo; não se pode, enfim, distinguir com 
sinal algum se é ou não amiga”. 
 
[4] “São também freqüentes, nas cidades marítimas, a 
mudança e a corrupção dos costumes, pois os idiomas e 
comércios estranhos não importam unicamente mercadorias e 
palavras, mas também costumes, que tiram estabilidade às 
instituições dessas cidades”. 
 
Zanker aponta três principais características que 
diferenciam as cidades romanas das cidades helênicas 
(que se equiparam apenas no traçado axial-simétrico 
das ruas)
72, e que, segundo ele: “Este princípio básico 
do planejamento de cidades seria repetido nas 
fundações tardias, com muitas variações, mas sempre 
aderindo rigorosamente a mesma idéia básica”73. 
 
▪ A cidade não apenas se encontra ao longo das 
estradas, como essas estradas formam o seu eixo 
 
70
 “Cidades e Habitações”, in: J.P.V.D. Balsdon, O mundo 
romano, pp. 152-153. 
71
 Como dito, os cidadãos eram os homens maiores de idade, 
logo, acrescentando-se o número de esposas, filhos e escravos, o 
número de habitantes deveria ficar em torno de mil. 
72
 Embora nem todas as cidades gregas tivessem traçado axial-
simétrico. 
73
 Paul Zanker, JRA: 38, p. 27. 
 18 
principal
74
, seja o cardo
75
, seja o decumanus
76
. As vias 
– tão distintas por suas qualidades e durabilidade – 
foram, ao longo da história da Roma Antiga, 
comissionadas primeiro pelo Senado e, mais tarde, pelo 
imperador. As estradas, além de deixarem visível um 
senso de segurança e interligarem o mundo romano, 
eram também, a concretização da legitimação romana 
sobre as terras conquistadas pelo exército, como diz 
Paul Zanker: “Elas [as estradas] eram antes de tudo um 
símbolo da conquista e organização de um território 
recentemente ganho. Sua estrita linearidade, 
estendendo-se para o horizonte e parecendo conter as 
irregularidades de uma terra natural com um grande 
gesto de subjugação, firmou o caráter militar da nova 
rede de estradas”77. Ao longo das vias havia os marcos 
– pedras que lembravam ao viajante a todo instante a 
distância de Roma e a distância entre as cidades; os 
santuários – com as frentes voltadas para a estrada, a 
fim de o viajante impressionar-se com a arquitetura 
mesmo à distância; as tumbas monumentais – também 
voltadas ao viajante, que refletiam as particularidades 
sociais e econômicas de quem mandava construir; as 
uillae – construídas às margens das cidades, antes ou 
depois dos muros
78
 (as melhores evidências 
arqueológicas situam-se em Pompéia)
79
. Por fim, 
Zanker aponta os três fenômenos que marcavam uma 
cidade na República Tardia: “novos grandes edifícios 
públicos nas cidades da Itália central, monumentos 
funerários sobre grandes estradas e vilas no topo de 
cidade, de novo, preferencialmente, na direção das 
estradas”80. 
 
▪ A estrada principal atravessa a área do 
Capitólio, situado na interseção do cardo com o 
decumanus (Figura 7). Essa interseção forma a região 
onde está o principal templo, o Capitolium, e o local de 
encontro dos moradores da cidade para a discussão 
política e econômica, o Forum. A subordinação desse 
espaço ao templo é atestada pelo fato de o Capitólio ser 
erigido sobre um podium (“pódio”), ficando acima das 
demais construções na região. Paul Zanker afirma ser o 
complexo Forum-Capitolium uma especificidade 
romana: “Esta ligação próxima, ou interligação, do 
espaço sagrado e político é indubitavelmente um 
conceito especificamente romano, expressando uma 
noção ideológica de importância central. Precisamos 
somente relembrar que a Cúria foi inaugurada como 
um templum (Varrão, apud, Gell. 14.7.7) e que o 
senado costumava se reunir em uma variedade de 
templos”81. A maioria das cidades romanas são 
imediatamente reconhecidas graças ao complexo 
Fórum-Capitólio situado no centro da cidade. 
 
 
74
 Na Figura 5 há o exemplo de uma estrada que passa pelas 
cidades. 
75
 Eixo de sentido Norte-Sul. 
76
 Eixo de sentido Leste-Oeste. 
77
 Paul Zanker, Op. cit., p. 29. 
78
 Os muros, durante o Principado, passaram a ser custeados pela 
família imperial, que ornava esse tipo de construção com relevos 
narrativos das principais conquistas da família. 
79
 Paul Zanker, Op. cit., pp. 29-32. Para o exemplo de uillae 
construídas próximas aos muros da cidade, ver Figura 6. 
80
 Paul Zanker, Op. cit., p. 30. 
81
 Paul Zanker, JRA: 38, p. 33. 
▪ O local de encontro da comunidade situa-se em 
frente ao Capitólio. Além do complexo jámencionado, 
outros dois importantes edifícios marcavam a vida 
pública dos romanos: a Cúria, espaço de encontro e 
discussão das ordines (“ordens”) – que, com a ascensão 
o Principado, perdeu sua importância política, 
ocupando um local anexo atrás do pórtico do Fórum ou 
estando integrado às basílicas; e a Basílica, um edifício 
que se tornou extremamente marcante na urbanização 
romana a partir do século II a.C., sendo um local de 
negociações políticas e comerciais
82
. Embora não tão 
suntuosos, os horrea (“armazéns de grãos”) também 
datam do século II a.C., em decorrência direta da 
Segunda Guerra Púnica e as leis dos Gracos, e estão 
principalmente localizados nas cidades portuárias, que 
recebiam o abastecimento das províncias
83
. 
 
Afora as três características das “típicas” cidades 
fundadas por romanos, durante o Principado (a partir 
de 27 a.C.) houve um incremento dos edifícios 
públicos de lazer por todo o mundo romano, entre os 
mais destacados estão: teatros, anfiteatros e banhos. Os 
(anfi)teatros tiveram uma grande difusão devido às 
técnicas utilizadas pelos engenheiros na construção de 
arcos e abóbadas, e representavam também a 
demarcação social existente em Roma, como nos 
explica Zanker: “O surgimento da arena como local de 
significado social e político também reflete numa 
necessidade elementar na sociedade romana. Estudos 
recentes têm enfatizado o papel do anfiteatro na 
socialização dos romanos da velha República e o 
Principado dentro do novo mundo do império e 
monarquia. Anfiteatros eram lugares onde a população 
inteira de uma cidade, incluindo escravos, mulheres e 
estrangeiros, vinham juntos, e , como no teatro, cada 
um recebia seu lugar marcado: um microcosmo da sua 
extensa sociedade e sua dinâmica social. Enquanto 
entretidos, as pessoas estavam inconscientemente se 
tornando admiradoras de tudo imbuído pela palavra 
uirtus: coragem, iniciativa, falta de medo diante da 
morte, e mais. Ao mesmo tempo, pela sua presença em 
tamanho número e na sua unidade de exultação no 
destrinchar dos inimigos do estado, a audiência 
participava na „restauração da ordem‟”84. Os banhos, a 
exemplo dos (anfi)teatros, tiveram uma importância 
significativa na cidade imperial, sendo financiados, a 
maioria das vezes, pelos patronos, e representando para 
os habitantes da cidade uma significativa qualidade da 
vida urbana
85
. O historiador C.R. Whittaker escreveu 
 
82
 Ibidem, p. 36. 
83
 Ainda acerca das conseqüências da Segunda Guerra Púnica, 
Frank Kolb afirma (La ciudad en la antigüedad, p. 156): “Um 
historiador estaria disposto a concluir das fontes que a crise 
instaurada com o programa de reforma dos Gracos foi, 
sobretudo, uma crise da cidade de Roma: a carência de atividade 
construtora levou a uma considerável falta de ocupação. 
Contudo, um arqueólogo observa uma padronização do material 
de construção no século II e deduz disso, com razão, um 
considerável aumento da atividade construtora, que se financiou 
à custa das províncias. É evidente que desde o século II se 
pavimentam as ruas na cidade; temos notícia disto, pela primeira 
vez, para o ano 174 [a.C.]”. 
84
 Paul Zanker, JRA: 38, p. 38. 
85
 Também Lewis Mumford, sobre os banhos (A cidade na 
história, p. 249): “O banho, tal como era conhecido por Cipião, o 
Africano, era um tanque de água num lugar abrigado, onde o 
 19 
sobre a insalubridade dos banhos e banheiros em 
Roma: “Os banhos que ricos e pobres costumavam 
freqüentar deviam propagar doenças terríveis, que não 
atendiam ao estatuto social ou à riqueza pessoal. As 
pessoas da época não pensavam, naturalmente, do 
mesmo modo. Os ricos podiam sempre dispor do seu 
banho privado e de água depurada (Séneca, Cartas, 86, 
11). Os menos pobres podiam isolar-se dos mais 
pobres, que estavam doentes, e das prostitutas, 
utilizando os banhos em horários reservados (Marcial, 
3, 93), e o preço módico das entradas conseguia manter 
afastados os deserdados. Os ricos podiam extrair água 
dos aquedutos para seu consumo privado, enquanto o 
pobre habitante de uma insula tinha de ir buscar água 
ao lacus, as fontes públicas, que podiam facilmente 
inquinar-se. Uma domus rica podia ter as suas latrinas, 
mas os pobres tinham de pagar para utilizar as latrinas 
públicas. Todavia, também se serviam de bacios e de 
outros recipientes, que eram colocados nas esquinas 
das ruas à disposição de todos. Não há dúvida de que 
os mais miseráveis deixavam os seus dejectos onde 
podiam, já que os excrementos de muitos eram 
lançados directamente para as ruas e os recipientes para 
as urinas se quebravam (Marcial, 6, 93). Nada prova 
que as casas, mesmo as que pertenciam aos ricos, 
estivessem ligadas às fossas principais, as cloacae. 
Assim, em muitos aspectos, os ricos corriam tanto risco 
de infecção como os pobres. Mas quando – como 
acontecia amiúde – grassavam epidemias ou 
pandemias, os ricos tinham duas vantagens: em 
primeiro lugar, dispunham de mais comida e por isso 
eram mais resistentes às doenças; em segundo lugar, 
podiam evitar o contágio refugiando-se nas suas casas 
de campo. Em 189 d.C., enquanto duas mil pessoas 
morriam diariamente em Roma – trespassadas por 
criminosos com agulhas envenenadas, como se julgava 
(tratar-se-ia de malária?) – o imperador e a sua corte 
residiam fora da cidade, na casa de Laurentum”86. 
É interessante notar que, contrastando com o 
complexo Fórum-Capitólio, essas enormes construções 
públicas não possuíam lugar fixo para serem instaladas. 
Tudo dependia do valor que o patrono iria expender e, 
principalmente, do espaço disponível para a construção 
do edifício e das necessidades locais onde seria erigido; 
por isso, é muito comum encontrar banhos, teatros e 
anfiteatros afastados do centro da cidade e também, 
algumas vezes, mesmo fora dos muros da cidade 
(Figuras 7 e 8). Porém, devemos lembrar que a 
construção de edifícios em locais aleatórios é reflexo 
do fato de esses ambientes não existirem quando da 
fundação da cidade. 
 
fazendeiro molhado de suor ia limpar-se. Sêneca evoca com 
saudade aquele momento, antes que o banho de sol e o 
amaciamento geral da carne se tornassem elegantes. Mas, já no 
século II a.C., o hábito de ir aos banhos públicos estava 
implantado em Roma; e, em 33 a.C., Agripa introduziu banhos 
públicos gratuitos, na forma pela qual essa instituição acabaria 
por tomar: um vasto recinto fechado, capaz de conter grande 
quantidade de pessoas, um salão monumental contíguo a outro, 
com banhos quentes, banhos tépidos, banhos frios, salas para 
massagens e salas para passar tempo e dividir os alimentos, 
anexo aos ginásios e campos de esportes, para servir àqueles que 
procuravam exercícios ativos, e também bibliotecas, para os mais 
reflexivos ou mais indolentes”. 
86
 “O pobre”, in: Andrea Giardina, O homem romano, pp. 234-
235. 
 
 
Auxiliando no trabalho arqueológico, temos as 
fontes antigas, que são ricas ao fornecer dados sobre os 
aspectos físicos da cidade de Roma, tendo-se em conta 
os agentes modificadores expostos por Paul Zanker: 
alterações anônimas e o planejamento estatal. Entre 
elas, podemos citar a Vida de Caio Graco escrita por 
Plutarco, relatando a expansão das vias, sua 
pavimentação e a colocação dos marcos no século II 
a.C.: 
 
[7] [Caio Graco] Empenhou-se especialmente na 
abertura de estradas87, tendo sempre em vista a utilidade, a 
funcionalidade e a beleza. Fê-las todas retas e pavimentadas 
com pedras polidas, solidamenteimplantadas em areia. 
Mandou atulhar ou atravessar de pontes as depressões 
formadas por ravinas ou torrentes, e obteve assim uma altura 
igual e paralela dos dois lados, de forma que a obra, 
perfeitamente equilibrada, apresentava bonito aspecto por 
todos os ângulos. Além disso, mediu as estradas por milhas (a 
milha equivale a mais ou menos oito estádios) e erigiu 
colunas de pedra indicando as distâncias. Também mandou 
cravar dos dois lados pedras menos afastadas umas das 
outras, para permitir que os cavaleiros montassem mais 
comodamente, sem necessidade de escudeiro. 
 
Os excertos a seguir, retirados de Suetônio, 
corroboram o que acima já foi dito: a influência do 
imperador e de patronos nas construções públicas das 
cidades visando realizar os intentos na política. Eis as 
realizações urbanas de Augusto, princeps (“primeiro”) 
do Senado, que governou de 31 a.C. a 14 d.C.: 
 
[28] A Cidade, do ponto de vista ornamental, não 
correspondia, em absoluto, à majestade do Império e, além 
disso, estava exposta às inundações e aos incêndios. Tornou-a 
tão bela que se pôde envaidecer, justamente, de ter deixado 
uma cidade de mármore onde encontrara uma de tijolos
88
. 
 
87
 Lembremos que uma das leis de Caio Graco fez instituir a 
distribuição de grãos à plebe urbana a preço baixo. Paralelamente 
a esse fato, Roma cada vez mais recebia tributos em forma de 
alimentos de suas províncias recém-conquistadas. Tudo isso 
levou ao imprescindível melhoramento das vias de transporte 
terrestre, embora não tenha resolvido o problema de transporte 
definitivamente, como aponta o historiador Moses I. Finley (A 
economia antiga, p. 177): “A acumulação e a especulação 
desempenharam o seu papel, sem dúvida, mas o frequente 
fenómeno das fomes, quando havia abundância nas 
proximidades, não se pode atribuir apenas à cupidez [já que as 
vias e os meios de transporte eram precários]”. 
88
 A “cidade de mármore” referida no trecho restringe-se aos 
monumentos públicos. Roma contrastava sua beleza marmórea 
com ruas sujas e depósitos de lixos em quaisquer lugares. Sobre 
a insalubridade romana, as palavras ácidas de Lewis Mumford (A 
cidade na história, p. 238): “Embora a massa da população 
pudesse, durante o dia, freqüentar, por pequena taxa, as 
instalações públicas da vizinhança, depositavam seus dejetos 
domésticos em buracos cobertos ao pé das escalas de suas 
habitações apinhadas, de onde eram periodicamente removidos 
pelos estercoreiros e rapinantes. Nem mesmo a remoção noturna 
pontual haveria de reduzir muito o mau odor que deveria 
impregnar tais edifícios. (A urina, recolhida em vasos especiais, 
era empregada, pelos tecelões no preparo de tecidos.) Em 
contraste com a remoção de água, aquele recolhimento de esterco 
tinha a vantagem de vivificar o solo das fazendas próximas com 
um útil composto nitrogenado, pois, então como agora, as 
privadas de descarga ao mesmo tempo desperdiçavam 
fertilizantes em potencial e poluíam os rios. Contudo, a carga de 
excrementos daquela vasta população de cortiço deve ter sido 
 20 
 
[30] Dividiu o perímetro da Cidade em distritos e 
bairros. Estabeleceu que os distritos seriam administrados por 
magistrados anuais, por meio de sorteio, e os bairros por 
inspetores escolhidos entre a população local. Criou postos e 
sentinelas noturnas contra os incêndios. Para evitar as 
inundações alargou e dragou o leito do Tibre, que desde 
muito estava obstruído pelos resíduos e estreitado pelo 
desabamento de edifícios. Procurando facilitar o acesso à 
Cidade por todos os lados, encarregou-se de cortar a Via 
Flamínia até Arimino e entregar as outras a cidadãos 
enobrecidos por triunfos, a fim de que as nivelassem com o 
dinheiro das suas presas de guerra. Reconstruiu edifícios 
sagrados arruinados pela velhice ou consumidos pelo fogo. 
Enriqueceu-os, da mesma forma que outros, com caras 
oferendas. Assim, de uma só vez, mandou levar ao santuário 
de Júpiter Capitolino dezesseis mil libras de ouro e pedras 
preciosas no valor de cinqüenta milhões de sestércios. 
 
[37] Para que um maior número de cidadãos pudesse 
tomar parte na administração do Estado, imaginou a criação 
de novos cargos: a curadoria dos monumentos públicos, das 
estradas, das águas, do leito do Tibre e da distribuição do 
trigo ao povo; a prefeitura da Cidade; um triunvirato para a 
eleição do Senado e outro para quando fosse necessária a 
revista dos cavaleiros. Nomeou censores que havia muito 
tempo não eram nomeados. Aumentou o número de pretores. 
 
[39] Organizou o recenseamento do povo por bairros, 
e para que os plebeus não se afastassem dos seus negócios 
com a distribuição de trigo, decidiu que o fornecimento seria 
feito em quatro partes, a cada três meses. Ao ver, porém, que 
o povo clamava pelo antigo costume, consentiu em 
restabelecer as distribuições mensais para cada indivíduo. 
 
Ou nas palavras do próprio Augusto (Res 
Gestae, 20): 
 
Mandei restaurar o Capitólio e o teatro de Pompeu 
com ingente despesa e sem que fosse gravado em lugar 
algum o meu nome. Mandei consertar os aquedutos, em 
muitas partes desmoronados, e redobrei a carga da água 
Marcia, fazendo entrar no seu curso uma nova fonte. Mandei 
completar o foro Júlio e a basílica entre o templo de Cástor e 
o de Saturno, obras iniciadas e quase completadas por meu 
pai [Júlio César]; e quando esta basílica foi destruída por um 
incêndio mandei construí-la novamente sobre um terreno 
mais amplo, em nome dos meus filhos; e dispus que, se 
durante a minha vida não tivesse sido acabada, fosse 
completada pelos meus herdeiros [14 a.C.]. Quando fui 
cônsul pela sexta vez [29 a.C.], mandei restaurar oitenta e 
dois templos dos deuses em Roma por vontade do senado, 
não descuidando de algum que naquele tempo precisasse de 
reparo. Durante o meu sétimo consulado [27 a.C.], mandei 
restaurar a Via Flaminia, da cidade até Rímini e todas as 
pontes, salvo a Mílvia e a Minúcia. 
 
Contudo, as fontes mais críticas do modo de 
vida, costumes e cotidiano público, encontram-se nas 
obras dos poetas satíricos dos séculos I-II d.C. Juvenal 
(55-138 d.C.) é um dos melhores exemplos, nesse 
sentido. O que se segue é um típico dia numa 
conturbada Roma, onde os barulhos e as correrias pelas 
ruas estreitas atormentam o autor (Sátiras, III, 319-
333). O excerto é significativo: aflora a lembrança da 
 
maior do que podia suportar o campo vizinho, pois há registros 
de fossas abertas e valas de detritos em bairros residenciais, que 
acabaram sendo cobertas, embora não removidas, numa época 
posterior”. 
lei de Júlio César sobre a proibição do tráfego, durante 
o dia, dos veículos que traziam carregamentos 
comerciais (tornando a cidade barulhenta à noite); 
menciona as ruas da cidade – que mal comportavam a 
passagem de um carro, obstruindo, muitas vezes, a via 
nos dois sentidos, quando não disputavam espaço com 
as liteiras dos nobres; também nos dá idéia de como era 
o comércio nas ruas, com vendedores passando de um 
lado para o outro carregando madeira ou vasos com 
azeite, tentando se manter em pé no chão enlameado: 
 
De sono a falta aqui mata os doentes, 
Indigestões causando tais moléstias, 
Pois não digere o estômago inflamado. 
Das estalagens nossas, foge o sono: 
Cara uma alcova retirada custa - 
Das moléstias, escuta agora as causas. 
Dos carros o motim, quando não podem 
À vontade virar n'alguma esquina; 
A de arrieiros gritaria enorme, 
Despertaria um Druso, e as Focas mesmo;Se preciso é sair, topa-se um rico, 
Que na liteira, sobranceiro ao Povo, 
Que passagem lhe dá, súbito corre, 
De Liburnos escravos sobre os ombros: 
Lê de caminho, escreve, e dorme dentro, 
A liteira cerrada o sono chama, 
E sentado anda mais, que a pé andamos. 
Do Povo a onda nos suspende os passos; 
Pelas costas a turba nos empurra. 
Cotovelada de um, bordoada de outro; 
Com a tábua a cabeça outro me fere; 
De azeite com a talha este me suja; 
Cheias de lama vejo as pernas minhas, 
Do sapato uma tacha de um soldado, 
Com dores mil num dedo se me encrava. 
 
 
Para terminar o assunto sobre a cidade de Roma, 
cabem algumas palavras sobre as cifras populacionais, 
ou melhor, os dados de que dispomos para enumerar 
essa população. Para tanto, Frank Kolb diz que são três 
categorias de dados
89
: 
 
▪ A quantidade dos que tinham direito a receber 
grãos a baixo preço ou gratuitamente. Os cereais eram 
distribuídos apenas para os cidadãos – homens com 
mais de dez anos de idade. O número dos beneficiados 
variou no tempo: Júlio César reduziu o número de 
320.000 para 150.000 (Suetônio, César, 41); em 44 
a.C., Augusto distribuiu donativos a 250.000
90
 e, no 
ano 8 d.C., a pouco mais de 200.000. Kolb fixa a cifra 
média em 250.000 cidadãos o que, enumerando-se 
também mulheres, filhos, escravos, soldados e 
estrangeiros, deveria ficar em torno de 700.000 
habitantes. 
 
▪ A superfície da cidade. Os muros construídos 
pelo imperador Aureliano entre 271 e 282 d.C. 
abrangiam 1.373 ha. (13,73 Km²), que, depois de 
excetuar-se o espaço para os edifícios públicos, poderia 
abrigar cerca de 1.000.000 de pessoas
91
. 
 
89
 La ciudad en la antigüedad, p. 164. 
90
 Augusto, Res Gestae, 15. 
91
 Segundo Frank Kolb, se levarmos em conta que a densidade da 
população fosse a mesma encontrada em Roma no final do 
século XIX, ou seja, 800 pessoas por hectare. 
 21 
 
▪ O número de moradias que constam nos 
Regionários da Antiguidade Tardia: Curiosum e 
Notitia, ambos compilados no século IV d.C. Essas 
listas citam 1.800 domus e 44.200 ou 46.602 insulae
92
, 
assim sendo, o número de habitantes de Roma situa-se 
entre 600.000 a 1.000.000 de pessoas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
92
 Domus: casa única; insula: bloco de casas (apartamentos). 
Esses termos serão discutidos e analisados mais à frente. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 22 
Parte II 
 
A) A Plebe 
 
“A propriedade não é uma condição necessária 
para se ser camponês: a par dos camponeses livres, que 
cultivam a sua própria terra, existem grupos muito 
consistentes de indivíduos que trabalham terras 
pertencentes a outros, a quem estão ligados por 
relações mais ou menos estáveis, ou a quem emprestam 
eventualmente a sua força de trabalho”93. O historiador 
Jerzy Kolendo continua sua exposição mencionando a 
terminologia romana para “camponês”: o termo 
fundamental era rusticus (derivado de rus – “campo”), 
porém também podia ser utilizado como conotação de 
“simples”, “modesto”, e até mesmo no sentido de 
“grosseiro”, “incivilizado”; todavia, existiam mais dois 
termos: agricola (“agricultor”), que designa o 
camponês que trabalha a sua parcela de terra e o rico 
proprietário; e colonus (“colono”), que, além de ser 
sinônimo de agricola, aplica-se ao pequeno agricultor, 
ao habitante de uma colônia que recebe terras para 
cultivar, e ao camponês arrendatário
94
. Ou seja, os três 
termos diferenciavam-se apenas no contexto em que 
eram empregados, pois todos significavam “lavrador”, 
“cultivador”95. 
Esse grupo de camponeses, homens livres, não 
pertencentes à ordem senatorial ou à ordem eqüestre, 
formava a plebs rustica (“plebe rural”). 
Como foi visto na Parte I deste trabalho, os 
embates político-militares internos de Roma tiveram 
como causa comum, ao menos desde o século IV a.C., 
a distribuição/possessão das terras de caráter público 
(ager publicus) com vistas a aumentar o número de 
cidadãos aptos a serem recrutados pelo exército. O 
ápice da questão agrária ocorreu no século II a.C. sob o 
nome dos irmãos Graco. Contudo, a aristocracia logo 
secou as nódoas de sangue deixadas pelos tribunos da 
plebe, e interferiu nas leis em voga, abolindo o vínculo 
fundamental da inalienabilidade dos lotes de terras 
entregues até então. 
A partir do século I a.C., as reformas agrárias 
tiveram um caráter diferente, segundo o autor acima 
citado: “Visavam entregar terras aos veteranos, na 
medida em que a maioria dos soldados provinha das 
camadas mais pobres da população. Essas entregas 
tinham mesmo por objectivo garantir a sobrevivência 
dos ex-soldados depois de terminado o serviço militar: 
constituíam uma espécie de reforma”96. Não foi por 
mera coincidência que as principais guerras civis de 
Roma ocorreram nesse período: o legionário passa a 
 
93
 “O camponês”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, 
p. 169. 
94
 Os contratos de arrendamento eram, em geral, de cinco anos, 
mas se prolongavam na maioria dos casos, beneficiando, assim, 
colonos e proprietários – que recebiam o pagamento pelo 
arrendamento da terra de duas formas principais: dinheiro (pago 
anualmente) e em espécie (uma parte da colheita). 
95
 Havia também um outro tipo de camponês, o assalariado. Era o 
camponês mais pobre que não conseguia sobreviver apenas com 
o cultivo de sua terra, passando, então, a ser empregado em 
massa com outros assalariados durante as épocas de maior 
produção agrícola. Esses assalariados formavam grupos dirigidos 
por mancipes (“empresários”, “arrematadores”). 
96
 “O camponês”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, 
p. 175. 
apoiar seu general até o fim (ou até que o outro general 
ofereça mais garantias), acreditando encontrar nele 
uma chance de melhoria de vida depois que se 
afastasse dos combates. 
 
 
Sob os consulados desempenhados por Caio 
Mário (107, 104-100 a.C.), o exército romano passou a 
ser recrutado, também, entre os que nada possuíam 
além da própria força de trabalho, os que não tinham 
meios de se armamentar, ou seja, os proletários. Como 
podemos observar nos dois excertos abaixo, escritos 
por Salústio (Guerra de Jugurta), quando Mário foi 
encarregado de comandar o exército na África, no lugar 
de Metelo, contra o rei Jugurta: 
 
[84] Convencera, à força de encômios, veteranos a 
partirem consigo. O Senado, ainda que lhe fizesse oposição, 
não ousava negar-lhe qualquer requisição. Ao contrário, 
decretara, de bom grado, uma força suplementar, pois se 
considerava que a plebe não desejava servir o exército. 
Assim, Mário perderia o que necessitava para a guerra ou 
então o favor do povo. Esta esperança, contudo, frustrou-se, 
pois uma grande vontade de acompanhar Mário tomara conta 
da maioria. Punham-se a pensar que ficariam ricos com os 
despojos da guerra, que voltariam para casa vitoriosos e 
coisas do gênero. Mário excitava-os muito com sua 
eloqüência. Assim, depois que viu decretadoo que desejava, 
querendo alistar os soldados, convocou uma assembléia do 
povo, para encorajá-los e, ao mesmo tempo, criticar a 
nobreza, como era de seu costume. 
 
[86] Tendo feito tal discurso, Mário percebeu que o 
ânimo da plebe estava fortalecido e de imediato carregou os 
navios de mantimentos, com o soldo, armas e outras coisas 
úteis. Ordenou a partida do legado A. Mânlio com a frota. No 
meio tempo ele próprio alistou os soldados, não segundo o 
antigo costume, nem pelas ordens, mas conforme o desejo de 
cada um, em sua maioria proletários. Esta sua atitude 
atribuída por alguns à falta de homens aptos, por outros, à 
ambição do cônsul, já que era apoiado e bem quisto pelos 
proletários e para quem busca o poder, o maior apoio vem de 
quem nada possui pois, como nada têm, nada estimam e tudo 
lhes parece honesto quando envolve dinheiro. Mário partiu 
para a África com um número maior de soldados do que lhe 
fora decretado e em poucos dias chegou à Útica. 
 
 Isso, no entanto, não quer dizer que os soldados 
fossem, doravante, necessariamente urbanos; como 
dissemos acima, os que trocavam o trabalho por 
dinheiro também pertenciam à plebe rural. Porém, seria 
difícil imaginarmos que não houvesse 
desentendimentos entre os recrutados, mesmo levando 
em consideração a rígida disciplina nos acampamentos 
romanos. A plebe rural e a plebe urbana raras vezes se 
uniram por algo em comum, no mais, as rixas entre 
essas camadas tiveram como plano de fundo a questão 
política: ora favorecendo os camponeses, ora 
beneficiando os urbanos. Um exemplo desses 
desentendimentos, que podiam terminar em violência, 
ocorreu em meados do ano 100 a.C., quando o tribuno 
da plebe Lúcio Apuleio Saturnino, amigo de Mário, 
 
(...) propôs uma lei para que fosse repartido todo o 
território tomado dos címbrios, uma tribo celta, no país que 
os romanos chamavam agora de Gália e que Mário, depois de 
expulsá-los recentemente, havia incorporado aos romanos 
como não pertencente já aos gauleses. Propôs-se, ademais, 
 23 
que se o povo ratificasse a lei, o Senado prestaria juramento 
de obediência dentro do prazo de cinco dias, ou que aquele 
que não jurasse fosse expulso do Senado e pagasse ao povo 
uma multa de vinte talentos. Deste modo pretendiam se 
vingar daqueles que se opusessem à lei e de Metelo, que, pela 
sua arrogância, não iria aquiescer ao juramento. Desta 
natureza era a lei. Apuleio ficou o dia para a sua votação e 
enviou emissários aos que estavam em campo, nos quais 
precisamente depositava maior confiança porque haviam 
servido às ordens de Mário. Em consideração, como na lei 
saíam ganhando os itálicos, a plebe urbana estava 
descontente.
97
 
 
Aqui vemos três temáticas importantes. A 
primeira, diz respeito à expropriação de terras na Gália; 
a tomada das propriedades gerava nas conquistas 
romanas o mesmo problema que permeava Roma: a 
proletarização do campesinato, e a migração de uma 
grande parte deste para os centros urbanos. A segunda 
temática é a que foi analisada quando mencionamos as 
propostas de leis por Tibério e Caio Graco, ou seja, 
buscar nas tribos os seus partidários e fazer com que 
votassem favoravelmente nos comícios (nesse caso, 
Saturnino apela às tribos rurais, mais numerosas, 
embora, obviamente, mais distantes do local de 
votação). A terceira corrobora o que foi falado sobre a 
influência dos legionários veteranos: Apuleio busca 
sustentação naqueles que serviram sob ordens do 
general Mário. O apoio dos veteranos deve ter 
preocupado deveras a ala conservadora do Senado (os 
optimates) no início, pois o governo romano teve de, 
rapidamente, se adaptar a essa nova realidade, 
apoiando, por sua parte, no século I a.C., os generais 
conservadores em detrimentos dos generais populares. 
Continuando com a votação da lei proposta por 
Saturnino, a disputa política acabou em pancadaria 
pública, segundo Apiano: 
 
 [30] No dia da votação se produziu um distúrbio, já 
que todos aqueles tribunos que tratavam de se opor à lei, ao 
ser objeto de violência por parte de Apuleio, abandonavam o 
tribunal. A plebe da cidade gritou que se havia ouvido um 
estrondo na Assembléia – caso no qual não estaria permitido 
aos romanos tomar nenhuma decisão – mas como, inclusive 
nesta circunstância, os sequazes de Apuleio mantinham a sua 
coação, os habitantes da cidade apertaram as suas roupas, 
empunharam os paus que encontraram à mão e dispersaram a 
plebe camponesa. Sem embargo, estes últimos, convocados 
de novo por Apuleio, atacaram, a seu turno, com porretes aos 
plebeus da cidade e, depois de subjugá-los, aprovaram a lei. 
 
Após a discussão sobre o juramento da lei, 
Mário convenceu todos os senadores a jurarem, exceto 
Metelo, que teve apoio dos urbanos. 
 
[31] A cólera da plebe urbana era terrível e 
escoltavam continuamente Metelo, levando punhaladas, mas 
este, depois de lhes agradecer e louvar a sua intenção, disse 
que não permitiria que por sua causa sobreviesse perigo 
algum à sua pátria. Dito isto, foi embora discretamente da 
cidade. Assim sucedeu que o decreto de Apuleio foi 
ratificado e Mário proclamou as suas cláusulas. 
 
Metelo foi desterrado para Rodes, e a plebe urbana 
encontrou nas eleições para cônsules um meio de coibir as 
ações de Saturnino. Apresentaram-se naquele ano Marco 
 
97
 Apiano, Guerras Civis, 29. 
Antônio (o orador, não o triunviro), apoiado pelos urbanos, S. 
Gláucia e C. Memmio. Este candidato, também apoiado pela 
plebe urbana, foi assassinado à vista de todos por homens a 
mando de S. Gláucia e Saturnino no dia da eleição. 
 
[32] A Assembléia se dissolveu presa do medo, pois 
já não havia nem leis, nem tribunais, nem o menor sentido de 
pudor. O povo, no dia seguinte, acudiu a se reunir, repleto de 
cólera, com a intenção de matar Apuleio. Mas este, depois de 
reunir uma massa de gente oriunda do campo, apoderou-se do 
Capitólio junto a Gláucia e o qüestor Caio Saufeio. 
 
O Senado decretou imediatamente outro 
senatus-consultum ultimum (usado já contra Caio 
Graco), declarando Saturnino e seus partidários 
inimigos públicos, dando poder a Mário para executá-
los. 
Caio Mário, cônsul ainda, conseguiu aprisionar 
seu colega dentro da Cúria, mas a plebe urbana fez 
valer o decreto do Senado e, retirando e atirando as 
telhas do edifício, matou Saturnino e seus homens. 
 
 
Pouco depois da morte de Lúcio Apuleio 
Saturnino, Roma enfrentou sua maior guerra desde as 
batalhas com os cartagineses: de 91 a 89 a.C. a 
Península Itálica combateu Roma, na chamada Guerra 
Social. Um grande número de socii (“aliados”, 
“sócios”) itálicos, inflamados pelo tribuno da plebe 
Lívio Druso a desejarem o direito de cidadania romana, 
e aguçados devido ao assassínio do tribuno, tomaram 
armas em mãos contra os romanos. Nas palavras de 
Pedro Paulo Funari: “A extensão da cidadania romana 
para as comunidades itálicas era uma demanda corrente 
no segundo século a.C. e, como resultado, eclodiu uma 
revolta armada dos itálicos contra os dominadores pela 
cidadania. Druso, um nobre romano partidário dos 
populares, propôs, em 92 a.C., que a cidadania fosse 
concedida a todos os itálicos. Houve oposição de 
diversos setores, a começar por algumas das próprias 
elites itálicas, como a etrusca, que tinham já a 
cidadania romana e que não estavam interessadas que 
camponeses e artesãos obtivessem iguais direitos. 
Druso, desaprovado pelo Senado, foi assassinado, o 
que desencadeou a guerra entre os aliados itálicos de 
Roma contra a República romana, em defesa dosdireitos de cidadania e da manutenção dos costumes 
tradicionais de cada comunidade itálica. Ao final do 
conflito, em 89 a.C., todos os insurgentes que se 
rendessem podiam obter a cidadania romana, o que 
significou um grande aumento do número de cidadãos 
romanos, agora todos os homens livres na Península 
Itálica”98. 
 
Vimos, pelos exemplos citados neste item, que a 
plebe urbana e a plebe rural estavam, ambas, sujeitas à 
política romana, e que os interesses particulares de 
cada segmento foram o suficiente para que não 
existisse uma união por causa comum – entenda-se, por 
“causa comum”, o enfraquecimento do poder 
aristocrático (pois, é óbvio, as diferenças entre a vida 
no campo e na cidade eram o bastante para que os 
desejos fossem antagônicos). 
 
98
 “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime & Carla Pinsky 
(org.), História da cidadania, p. 61. 
 24 
A seguir, adentraremos a questão da composição 
heterogênica da plebs (em particular, a urbana). 
 
 
 
 
B) Plebs Urbana: livres e libertos (e escravos). 
 
Os parênteses na palavra “escravos” denotam a 
dificuldade que é – para o historiador da Antigüidade 
mais atento – tentar, ao mesmo tempo, separar e 
aproximar os escravos de libertos e de livres. Existem 
dois coletivos para “população romana” que devem ser 
aqui mencionados, de acordo com as idéias de Nicholas 
Purcell
99
: o primeiro, a plebs urbana, designa um 
subconjunto da população urbana, compreendendo os 
cidadãos romanos residentes na cidade que não 
pertencem à ordem senatorial ou eqüestre, excetuando-
se os escravos e os estrangeiros (peregrini); o segundo, 
populus Romanus, é o conjunto de todos os cidadãos 
romanos (plebeus, cavaleiros e senadores). 
A barreira entre cidadãos e não cidadãos, neste 
caso, entre plebeus urbanos e o resto da população, era 
tênue e constantemente ultrapassada por ambas as 
categorias: o homem livre convivia com um grande 
número de escravos manumissos e uma parcela de 
estrangeiros que conseguiam privilégios frente às 
ordens; mas esse homem livre também podia, de uma 
hora para outra, ver-se na condição de estrangeiro 
quando viajasse para outras cidades (no caso de não 
possuir cidadania romana)
100
 ou quando, numa guerra, 
caísse presa dos inimigos, sendo vendido como 
escravo. Outra característica dessa delicada barreira 
entre cidadãos e não cidadãos encontrava-se calcada na 
distribuição geográfica das pessoas pela cidade: 
embora houvesse determinados “bairros de ricos” e 
“bairros de pobres”, com o crescimento da cidade e seu 
planejamento adaptado às circunstâncias reais – 
principalmente em fins da República –, as fronteiras 
existentes entre as construções de moradias de uns e de 
outros diminuiu drasticamente: um liberto, por 
exemplo, poderia morar e trabalhar em uma taberna 
instalada no piso superior de uma grande casa, por 
vezes, bastante luxuosa, a domus. Assim, podemos 
concordar com o que diz Nicholas Purcell: “Os 
problemas de Roma eram os problemas do sucesso”101. 
Entre as atividades, ofícios exercidos pela plebe 
urbana (homens e mulheres), pelos libertos e também 
pelos escravos urbanos, encontram-se os seguintes, 
baseados no estudo das inscrições parietais e nas fontes 
de época: argenteiros, artesãos de couro, artesãos de 
esteiras, artesãos fabricantes de armas, artesãos de 
mármore, carpinteiros, ensacadores, escultores, 
fiandeiras, lapidadores, lavradores, oleiros, tecelãs, 
tintureiros, sapateiros, padeiros, servidores de bebidas, 
taberneiros (as), vendedores de cebola, entre outros
102
. 
A venda de produtos manufaturados ou alimentos foi a 
 
99
 “The city of Rome and the plebs urbana in the late Republic”, 
in: C.A.H., vol. 9, p. 640. 
100
 Tratando-se, é claro, de um itálico livre antes da concessão 
dos direitos no fim da Guerra Social. 
101
 Op. cit., p. 647. 
102
 Pedro Paulo Funari, A vida cotidiana na Roma antiga, pp. 
81-82. 
ocupação de uma parte significativa dos que habitavam 
as cidades romanas. 
A circulação de mercadorias pelo mundo 
romano foi tamanha, que o historiador Nicholas Purcell 
denomina o dinamismo da orla do Mediterrâneo a 
partir do século II a.C. de “taberna-world”103. Essas 
tabernas eram lojas de tamanhos variados
104
, 
geralmente alugadas. As tabernas estavam intimamente 
ligadas com a questão dos alimentos, e dependentes do 
trabalho no campo: “Economicamente, é claro, a 
proeminência da taberna necessitava somente significar 
que uma grande proporção da população (e incluímos 
mulheres tais como homens neste estado; alguns 
collegia de Minturnae são de mulheres) estavam 
envolvidos na redistribuição de produtos de atividades 
primárias, abaixo de toda a agricultura”105. A difusão 
das tabernas pós-Segunda Guerra Púnica foi paralela a 
todos os problemas de ordem agrária a que nos 
referimos anteriormente, o que nos leva à constatação 
de que, embora muitos pequenos proprietários tenham 
perdido suas terras e migrado para a cidade, a produção 
agrícola romana não decaiu, tendo, até mesmo, sofrido 
um aumento por causa da demanda – proveniente 
desses urbanos – por alimentos106. Houve mais 
necessidade de trigo para a feitura de pães e, 
conseqüentemente, também foi preciso expandir a 
vinicultura ao redor das cidades para dar conta do 
vinho bebido pela população; essa necessidade foi 
responsável por gerar trabalho para muitos camponeses 
assalariados, a quem já nos referimos no item A desta 
segunda parte. 
Sobre os efeitos das tabernas na agricultura (e no 
cotidiano da população urbana), Purcell diz que: “a 
taberna era a unidade constituinte de uma nova 
agricultura, não somente de uma nova revendedora e de 
uma rede de produção: é em muitas maneiras quase um 
termo para um tipo de relação entre labor e produção, 
mais ou menos envolvido com agricultura. Com os 
mercados-jardins [market gardens
107
] também: as 
pessoas que os contratavam ou os possuíam e que 
vendiam a produção nas tabernae dos macella
108
 e 
outros pontos de venda, viviam muito como aqueles 
que eles alimentavam, mas que estavam envolvidos em 
atividades ou serviços que vão além do seu tempo”. 
Precisamos mencionar que, além disso, as tabernas 
também tiveram importância para a elite romana. Sem 
a existência do macellum, das officinae (“oficinas”) e 
das tabernae, os ricos não poderiam ter, por exemplo, 
os seus suntuosos banquetes. Também a renda dos 
aluguéis das tabernas e dos apartamentos das insulae 
(“ilhas”) onde a plebe urbana morava ia para os ricos, 
os quais eram os responsáveis pelas construções na 
cidade. Os mais abastados poderiam patrocinar, dentro 
da cidade, um conjunto de tabernas ou oficinas 
voltadas para a venda de algum produto específico, os 
 
103
 “Taberna-mundo”. “The city of Rome and the plebs urbana in 
the late Republic”, in: C.A.H., vol. 9, p. 663. 
104
 Na maior parte dos casos, possuíam formato retangular. 
105
 Nicholas Purcell, Op. cit., p. 660. 
106
 Lembremos que os escravos vindos das guerras se tornaram a 
principal mão-de-obra na uillae. 
107
 Esses “mercados-jardins”, segundo Purcell, eram as zonas de 
agricultura ao redor da periferia urbana. 
108
 O macellum (“mercado”), um centro de vendas de alimentos, 
foi mais característico na Itália central e meridional. 
 25 
collegia (“colégios”): associações de ofícios 
semelhantes, com regras internas próprias e cultos 
particulares das divindades
109
. Segundo a tradição 
romana, esses colégios foramestabelecidos, pela 
primeira vez, pelo rei Numa Pompílio (715-672 a.C.), 
como observamos no excerto abaixo, de Plutarco 
(Numa, 17): 
 
De todas as suas instituições sociais, a mais admirada 
foi a divisão do povo segundo as profissões. (...) Numa, 
considerando que, quando os corpos são duros e por natureza 
difíceis de misturar-se, é preciso quebrá-los em pedaços para 
amalgamá-los, pois que assim reduzidos a fragmentos 
combinam melhor entre si, resolveu fazer o mesmo e praticar 
numerosas secções na massa do povo. Instaurando entre os 
grupos novas diferenças, esperava anular a diferença original 
e maior pulverizando-a entre as menores. Assim, repartiu o 
povo em diversos ofícios, flautistas, ourives, carpinteiros, 
tintureiros, sapateiros, curtidores, ferreiros e oleiros. Quanto 
às demais profissões, reuniu-as todas num bloco único e 
formou com elas uma corporação [collegium]. A seguir 
instituiu reuniões e assembléias, bem como cerimônias 
religiosas próprias a cada grupo. E foi assim que começou a 
banir da cidade aquele espírito partidário em virtude do qual 
uns se diziam sabinos e súditos de Tácio, outros romanos e 
filhos de Rômulo. A nova divisão teve como conseqüência 
uma mescla harmoniosa de todos com todos. 
 
O mais interessante nesses collegia é o seu 
caráter plural: havia colégios de homens livres, de 
libertos, de escravos, e de livres com libertos e com 
escravos trabalhando lado a lado, todos unidos pelo 
fator econômico de sua atividade. Esse seria um 
exemplo de “subdivisão” dentro da população romana, 
mostrando a interação da plebs urbana com os 
escravos. 
 
 
 
▪ Homens Livres. 
 
“Pobre é uma noção, antes de tudo, relativa. 
Alguém pode ser pobre do ponto de vista de um agente 
social, mas não para um outro, colocado em ponto 
diverso da escala social. Faz parte do próprio jogo de 
manutenção da ordem social esta relatividade e 
permissividade do conceito de pobre. (...) O pobre é 
aquele que ocupa uma posição de inferioridade num 
 
109
 C.R. Whittaker discorre sobre os collegia: “Essas associações 
excluíam os mais pobres, dado que exigiam uma quota de 
inscrição (que podia montar a cem sestércios mais uma ânfora de 
vinho) e uma subscrição mensal de alguns asses. Por outro lado, 
em muitas delas eram admitidos os escravos, o que demonstra – 
mais uma vez – que a pobreza não era classificada de acordo 
com o estatuto social. Notemos, por fim, que os collegia eram 
controlados pelos ricos. Havia patrões abastados que eram 
incluídos na lista dos seus membros e podiam exercer a sua 
influência mediante donativos (...); no entanto, em teoria mas 
nem sempre na prática, os collegia também eram rigorosamente 
regulados pela lei. Lendo Cícero, qualquer romano instruído 
podia saber que Roma estava à beira de uma perigosa revolução 
proletária no último decénio da República, quando Públio Clódio 
organizou os criminosos da cidade em collegia – incluindo 
escravos e libertos, que tinham um poder de voto mínimo ou 
nulo, mas que podiam pegar em armas – a quem ofereceu a sua 
solidariedade servindo-se de suas organizações para distribuições 
gratuitas de trigo”. “O pobre”, in: Andrea Giardina (dir.), O 
homem romano, p. 237. 
quadro de relações diretas de poder, sem que essa 
posição seja resultante de uma constituição jurídica, 
como é o caso do escravo”110. Homens livres e libertos 
estavam reunidos da categoria plebs, justamente por 
não possuírem dinheiro suficiente para, no 
recenseamento, ascender à categoria de cavaleiro ou 
senador. Todavia, havia entre a plebe urbana os 
“plebeus pobres” e os “plebeus ricos”. A riqueza, neste 
caso, é relativa: um plebeu poderia ser considerado 
“pobre” por possuir dentro de casa artefatos em menor 
quantidade/qualidade ou ter a roupa do corpo fabricada 
com elementos mais baratos, por exemplo. 
O historiador Charles R. Whittaker ressalta que 
o “problema do vocabulário ligado à pobreza é 
conhecer os verdadeiros significados. Normalmente 
esse vocabulário refere-se à maioria que não vive na 
abastança dos ricos, mas sem ter em conta os seus 
ganhos. Palavras como inopes (desprovidos de 
recursos), egentes (necessitados), pauperes (pobres), 
humiles (humildes), abiecti (rejeitados), eram usadas 
com bastante imprecisão e eram-lhes atribuídos 
significados políticos e sociais associando-as aos vários 
sinónimos de „plebe‟, como vulgus, turba, multitudo, 
ochlos (em grego) ou simplesmente plebs. Estes termos 
assumiram conotações diversas conforme o povo se 
comportava de modo violento ou de acordo com a 
lei”111. Do ponto de vista dos ricos, a pobreza estava 
intimamente ligada ao status social, devido às riquezas 
mínimas que mantinham a ordem senatorial e eqüestre 
separadas das multidões; a partir do século II d.C., no 
Império, esse status vai se institucionalizar 
juridicamente com a bipartição entre honestiores 
(“honrados”), os proprietários, e os humiliores 
(“humildes”), trabalhadores em geral. A desaprovação 
moral da pobreza, tão latente nas obras de Sêneca, não 
necessariamente era apenas de um rico para um pobre; 
como mostra o grafite
112
 a seguir, de Pompéia, é bem 
provável que o desprezo também ocorresse entre os 
pobres, pois essa frase parece poder ser atribuída a 
algum comerciante reclamando dos que pedem fiado: 
 
Odeio os pobres. Se alguém quer alguma coisa de 
graça, é louco. Tem que pagar por ela.
113
 
 
A pobreza também fazia parte da vida da 
maioria dos escravos, contudo, existiam aqueles que 
moravam e trabalhavam na casa de seus senhores, onde 
podiam se considerar bem alojados e alimentados em 
relação com os níveis de vida dos indigentes; havia 
também os escravos que trabalhavam na cidade como 
pequenos artesãos, independentes de seus senhores e 
com o seu próprio peculium (“pecúlio”). Juntamente 
com os escravos, outro grupo que não gozava de 
direitos políticos, mas que poderia viver na mesma 
pobreza, era formado pelos estrangeiros (peregrini); 
nas palavras de Whittaker: “No entanto, não há 
motivos para se acreditar que os estrangeiros fossem 
uma classe particularmente subdesenvolvida: é certo 
 
110
 Fábio Faversani, A pobreza no Satyricon de Petrônio, pp. 
105-107. 
111
 “O pobre”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p. 
230. 
112
 Escrita parietal, feita à tinta ou com um canivete. 
113
 CIL 4, 9839b apud C. R. Whittaker, “O pobre”, in: Andrea 
Giardina (dir.), O homem romano, p. 226. 
 26 
que não usufruíam das distribuições públicas de trigo e 
de dinheiro de que usufruía a plebe registada em Roma, 
mas também é verdade que muitos estrangeiros só 
residiam temporariamente em Roma e muitos deles 
pertenciam a associações religiosas e comerciais que 
tinham bens financeiros no exterior”114. Assim sendo, 
percebemos que o único fator diferenciador entre livres 
(ingenui), libertos (libertini), escravos (serui) e 
estrangeiros (peregrini) é o estatuto jurídico, pois todos 
estavam sujeitos à pobreza e às mesmas mazelas que o 
centro urbano oferecia. 
Por causa da insalubridade, da má alimentação e 
das péssimas condições de moradia, a morte era algo 
corriqueiro na vida de um habitante de Roma (a 
expectativa de vida do romano era de 35 anos quando 
ultrapassada a infância): os doentes eram deixados para 
morrer ao ar livre, os cadáveres eram jogados na rua, e 
os recém-nascidos eram abandonados em montes de 
stercus (“esterco”) onde, por vezes, eram salvos e 
vendidos como escravos. O alto índice de mortandade 
refletia na demografia: cada vez mais, valia-se oromano de métodos contraceptivos e de um casamento 
mais tardio por parte dos homens; isto nos mostra que 
“a população de Roma não se reproduzia e tinha de ser 
constantemente renovada do exterior [entenda-se, 
renovada por escravos e estrangeiros]. Por outras 
palavras, a maior parte dos pobres não conseguia 
manter os cinco ou seis filhos que eram necessários 
para atingir o nível de estabilidade reprodutiva”115. 
 
 
▪ Libertos. 
 
A principal categoria da plebe urbana identifica-
se socialmente com os libertini. O seu elevado número 
é resultado das conquistas romanas do século II a.C., 
pelas quais os escravos vieram a se tornar a principal 
mão-de-obra no mundo romano
116
. 
A manumissão para o escravo poderia vir de três 
formas principais: sua liberdade deixada em testamento 
 
114
 “O pobre”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p. 
229. Cícero, no século I a.C., demonstrou seu desprezo (ou seria 
receio?) pelos peregrini ao escrever em sua obra Dos Deveres, 
I,34: 
 
Para estrangeiros e peregrinos, seu dever é tratarem seus 
negócios sem se imiscuírem nos dos outros, muito menos num 
país que não é o seu. 
 
Ou ainda (III, 11): 
 
Fizeram ainda muito mal afastando ou expulsando os 
estrangeiros nas suas cidades; foi o que fez Pennus, ao tempo de 
nossos antepassados, e o que Papius fez ultimamente. Que não se 
queira dar aos estrangeiros o direito do cidadão, nada mais certo, 
e temos sobre esse assunto lei expressa feita por dois dos nossos 
maiores e sábios cônsules, Crassus e Savola, mas impedir 
estrangeiros de habitarem a cidade é ferir os direitos da 
humanidade. 
115
 C.R. Whittaker, “O pobre”, in: Andrea Giardina (dir.), O 
homem romano, p. 237. 
116
 O número de escravos era tamanho, que Sêneca escreveu no 
século I d.C. (Da Clemência, 24): 
 
Outrora, decidiu-se por um parecer do senado que um 
sinal na roupa distinguiria os escravos dos homens livres. Em 
seguida, ficou evidente quanto perigo nos ameaçaria se os nossos 
escravos começassem a nos enumerar. 
por seu senhor (dominus) ao morrer; a vontade do 
senhor em libertar seu escravo, seja por 
reconhecimento das capacidades, seja por interesse em 
ter um liberto apoiando-o na política, seja pelo custo 
que o escravo acarretava (as distribuições de trigo a 
partir do século I a.C. ajudaram na manumissão); e a 
compra da própria liberdade pelo escravo, através do 
seu pecúlio. Sobre este último aspecto da manumissão, 
tão complexo, o historiador Yvon Thébert nos diz: 
“Para o escravo, o fim último era o resgate da sua 
liberdade. No entanto, tratava-se sobretudo de uma 
operação de integração, como revela a prática, cada vez 
mais corrente, de deixar o escravo, uma vez libertado, 
usufruir do seu património. É o que demonstram 
também as disposições legais – bastante surpreendentes 
– que têm por fim proteger o pecúlio da omnipotência 
do patrão, com o objectivo de não lhe fazer perder 
nenhum dos seus atractivos: é o caso das medidas que 
impunham ao dominus o pagamento dos objectos 
produzidos ou vendidos nas oficinas geridas pelo seu 
escravo. O património deste era avidamente constituído 
a expensas do património do patrão, condição 
indispensável para a integração eficaz dos 
subordinados. Aliás, passou a ser habitual incluir no 
pecúlio dos escravos a empresa gerida ou a terra 
cultivada por eles. Ainda com o mesmo objectivo, as 
leis do século III [d.C.] distinguiam claramente o 
escravo que se tinha resgatado – ainda que em certos 
casos a operação fosse apenas fictícia, na medida em 
que muitas vezes ele conservava seu pecúlio – do 
escravo que devia a libertação à bondade do seu 
senhor. Aquele só deve respeito ao seu ex-proprietário, 
ao passo que este permanece sujeito a várias prestações 
e obrigações, como a de lhe deixar em herança uma 
parte dos seus bens”117. 
Uma vez libertado, esse escravo passa a gozar 
de todas as características de um homem livre, exceto 
pelo estatuto jurídico
118
; esse fato faz com que o liberto 
viva sempre na condição de um “quase”: flutuando 
entre a possibilidade de enriquecer igual a um homem 
livre (mas nunca podendo ser cavaleiro ou senador) – 
como o famigerado caso de Trimalquião no Satyricon 
de Petrônio
119
, escrito no século I d.C. – porém, sempre 
impregnado pela mácula de seu passado. Nos dizeres 
do historiador Jean Andreau: “[O liberto] não tem a 
coerência do aristocrata, seguro da sua superioridade e 
protegido por valores que o fortificam, ainda que não 
os ponha em prática na vida cotidiana. Não tem a 
simplicidade rústica do verdadeiro camponês indígena, 
nem a irreverência bem controlada do escravo 
doméstico. O liberto encontra-se na encruzilhada de 
várias forças divergentes ou mesmo opostas. Por um 
 
117
 “O escravo”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p. 
135. Interessante ressaltar que, os escravos da época imperial 
principalmente, por sua vez, poderiam possuir escravos, os 
chamados uicarii (“substitutos”), que, pelo o que o próprio nome 
diz, eram usados para desempenhar as funções de seus escravos-
patrões. O direito de um escravo sobre o outro não poderia ser 
deturpado pelo dominus. 
118
 Também politicamente, o liberto está sempre excluído das 
magistraturas romanas e do Senado. Com a lex Uisellia de 24 
d.C., também foi excluído das magistraturas municipais e dos 
conselhos dos decuriões. 
119
 Do que foi escrito acerca dessa personagem, o trabalho mais 
lido é o de Paul Veyne, “A vida de Trimalquião”, em sua obra A 
sociedade romana. 
 27 
lado, foi escravo, coisa que nem ele nem os outros 
podem esquecer. Por outro, o seu estatuto de liberto é 
parcialmente contraditório, porque a libertação confere-
lhe a mesma cidadania do seu patrono, mas sujeita-o a 
uma série de obrigações e de costumes que o separam 
dos „ingénuos‟. Cada liberto tem ainda uma situação 
económica e social determinada e origens geográficas e 
culturais que lhe são próprias”120. No entanto, o filho 
do liberto já era considerado um romano livre de 
nascimento, por isso, a plebe urbana era 
constantemente renovada a cada geração de libertos, 
embora, devido a sua descendência esse homem livre 
sofresse preconceitos, como podemos observar nas 
ressentidas palavras do poeta Horácio, do século I a.C. 
(Sátiras, VI, 1): 
 
Nem por seres, Mecenas, o mais nobre de quantos 
Lídios colonizaram outrora os campos da Etrúria e terem a 
teus avós obedecido grandes legiões, olhas com desprezo, 
como fazem tantos, obscuros como eu, filho de pai liberto, 
tendo antes em conta o mérito pessoal que o nascimento de 
cada um. Bem sabes que antes de Túlio, de baixa origem 
alçado à realeza, muitos homens sem antepassados viveram 
com honra e atingiram as mais altas dignidades, ao passo que 
Levínio, descendente de Valério, um dos que expulsaram 
Tarquínio Soberbo, não vale um ceitil na opinião pública, a 
qual, entretanto, costuma honrar aos indignos, embaída pela 
fama e pelo fulgor de títulos e efígies de família. 
(...) 
Volto, porém, a mim, filho de pai liberto, alvo por 
isso da malevolência de muitos, hoje por ser teu comensal, 
ontem por ter comandado uma legião romana. 
(...) 
Muito honrado me julguei por não te haver 
desagradado, a ti que escolhes amigos, não pela nobreza do 
nascimento, mas pelos costumes e pureza d‟alma. 
(...) 
Ainda que pobre, vivendo de magra propriedade, não 
quis [meu pai] mandar-me para a escola de Flávio, aonde iam 
os filhos dos ilustres centuriões, levando ao braço esquerdo a 
pasta e a tabuinha e no meado decada mês o salário do 
mestre. Teve antes a coragem de trazer-me a Roma, para 
aprender as artes que qualquer cavaleiro ou senador manda 
ensinar a seus filhos; e quem me notasse o trajo e a seqüela 
de servos, em tão populosa cidade, teria por certo que de boa 
herança eram custeadas tais despesas. Ele mesmo com severa 
vigilância me acompanhava à casa dos mestres. Em resumo, 
protegeu-me a inocência, adorno principal da virtude, não só 
de qualquer ação, mas de todo reproche ignominioso, não 
temendo ser acusado de não ter feito de mim um pregoeiro ou 
exator, como ele fora, do que aliás eu não me queixaria. 
 
Também encontramos na desavença entre 
Otávio Augusto e Marco Antônio, narrada por 
Suetônio, a desaprovação moral de um liberto, ou de 
seu descendente: 
 
O próprio Augusto escreveu que é simplesmente 
oriundo de uma família de cavaleiros, antiga e rica, e 
na qual seu pai foi o primeiro senador. Marco Antônio 
lhe reprova por ser bisneto de um liberto, cordoeiro do 
bairro de Túrio, e neto de um argentário. Além disso, 
nada mais encontrei a respeito dos antepassados 
paternos de Augusto.
121
 
 
120
 “O liberto”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p. 
151. 
121
 Augusto, 2. 
 
Manumisso (e a libertação, segundo a lei, era 
impossível de ser anulada), esse libertus (“liberto”) 
passava a dever ao seu ex-senhor uma série de 
obrigações morais e/ou jurídicas. Entre elas: o 
obsequium (“obediência”), ou seja, o respeito que o 
filho deve a seu pai, impedindo o liberto de levar seu 
patrono a julgamento (civil ou penal); e as operae 
(“trabalhos”), que consistiam num certo número de 
dias de trabalho por ano que o liberto devia a seu 
patrono. Os ex-senhores também influenciavam na 
questão dos casamentos. Os libertos podiam usufruir o 
conubium (“casamento”), o direito de contrair um 
matrimônio legal, contudo, só o senhor é que poderia 
consentir o casamento de sua liberta, pois cabia a ele, 
no ato da manumissão, a tutela sobre sua pessoa; já o 
homem liberto, quando casado, “não podia defender a 
sua honra conjugal, nem contra o seu patrono, nem 
contra a mulher, mesmo em caso de flagrante delito; o 
patrono, porém, estava autorizado a matar o liberto que 
fosse surpreendido em flagrante delito de adultério com 
a sua mulher”122. O casamento entre libertos e livres 
passou a ser autorizado a partir do principado de 
Augusto, mas uma liberta não poderia casar-se com um 
senador ou filho de senador (embora nada a impedisse 
de ser sua concubina)
123
. A sucessão por morte também 
foi um tema principal na sociedade romana, sobre o 
qual Jean Andreau discorre: “O liberto – como todos os 
outros – tem o direito de possuir terras, escravos, casas, 
rebanhos, ouro, prata, objectos artísticos. Tem o direito 
de ter filhos e de lhes transmitir os seus bens. (...) 
Antes do último século da República, o liberto do 
cidadão romano podia não transmitir nenhum de seus 
bens ao patrono, ou aos seus filhos ou netos. A mulher 
(desposada cum manu) ou os filhos adoptivos podiam 
receber toda a herança do liberto em prejuízo do 
patrono. Provavelmente em finais do século II a.C., o 
édito do pretor, texto que, anualmente, fixava as 
normas segundo as quais era administrada a justiça, 
voltou a estipular que o patrono deveria receber metade 
dos bens se o liberto, por morte, não deixasse 
descendentes directos do seu sangue. Na época de 
Augusto, uma lei aumentou ainda mais os direitos dos 
patronos, pelo menos no respeitante aos libertos mais 
abastados. Todos os libertos que possuíssem pelo 
menos cem mil sestércios, e que não tivessem gerado 
três ou mais filhos, tinham de deixar uma parte ao 
patrono. Se deixavam dois filhos, o patrono recebia um 
terço dos bens; se deixavam só um, recebia metade. O 
 
122
 Jean Andreau, “O liberto”, in: Andrea Giardina (dir.), O 
homem romano, p. 154. 
123
 O imperador Augusto não foi um dos governantes que tiveram 
grande simpatia por parte dos libertos, como podemos deduzir 
deste excerto de Suetônio (Augusto, 40): 
 
Acreditando ser muito importante conservar o povo 
romano puro de qualquer mistura de sangue estrangeiro ou servil, 
foi extremamente parcimonioso na concessão de direitos da 
cidadania, restringindo as libertações de escravos. 
(...) 
Não contente em ter colocado mil obstáculos à alforria 
dos escravos e dificultado ainda mais a plena liberdade, 
organizou cuidadosamente o número de candidatos, a condição e 
a diferença dos que se libertariam e estipulou que nenhuma 
espécie de liberdade poderia conferir o direito de cidadania 
àqueles que tivessem sido presos ou submetidos a tortura. 
 28 
que era mais grave, porém, é que, se o patrono morria 
antes do liberto, os filhos do patrono e os filhos e netos 
dos seus filhos conservavam direitos sucessórios iguais 
ao do patrono”124. 
 
O libertus também poderia, em raros casos, 
servir ao exército romano; como aconteceu durante o 
principado de Augusto, quando o príncipe teve de 
mandar os ricos comprarem e libertarem um 
determinado contingente de escravos. Repare na 
preocupação da ordem: Augusto não iguala os libertos 
aos cidadãos romanos. 
 
Apenas duas vezes ocupou libertos como 
soldados (combatendo incêndios ou revoltas 
provocadas em Roma pela falta de víveres): a primeira, 
na defesa das colônias limítrofes com a Ilíria; a 
segunda, para guardar a margem do Reno. Eram 
escravos que pessoas – homens ou mulheres –, entre os 
mais ricos, tiveram ordem de comprar e libertar 
rapidamente. Colocou-os na primeira linha sem os 
misturar com os homens livres, nem os armar da 
mesma forma.
125
 
 
Por fim, alguns libertos mereceram até mesmo o 
reconhecimento de Cícero ao velarem por Roma 
(Catilinárias, IV, 8): 
 
É preciso, Padres Conscritos, indagar os cuidados dos 
homens libertos, que, tendo por sua fortuna conseguido 
direito nesta cidade, julgam ser ela sua verdadeira pátria; à 
qual alguns aqui nascidos, e nascidos em lugar eminente, não 
tiveram por sua pátria, mas por cidade inimiga. 
 
 
 
 
C) Política e Alimentação 
 
A visão da plebe urbana através dos olhos dos 
nobres nunca foi positiva. 
 
Ainda creio que, por ter decidido afastar-me da vida 
pública, alguns darão a pecha de ociosidade ao trabalho tão 
importante e útil ao qual me dedico. Certamente o farão 
aqueles que consideram sua maior tarefa curvar-se diante da 
plebe e obter suas boas graças através do patrocínio de 
banquetes. (Salústio, Guerra de Jugurta, 4). 
 
Pois, ainda que o verdadeiro proveito das ações esteja 
em tê-las realizado corretamente e nenhuma recompensa 
digna das virtudes seja nada além das próprias virtudes, é 
bom inspecionar e andar às voltas com a boa consciência e, 
depois, lançar os olhos sobre esta imensa multidão 
discordante, sediciosa e descontrolada – pronta para se 
precipitar igualmente para a sua perdição como para a alheia, 
se romper o seu jugo (...). (Sêneca, Da Clemência, I, 1). 
 
Nos jogos cênicos, intencionando suscitar um motivo 
de discórdia entre o povo e os cavaleiros, começou as 
distribuições mais cedo do que de costume, para que os 
bancos dos cavaleiros fossem ocupados por gente da mais 
baixa condição. (Suetônio, Calígula, 26). 
 
124
 “O liberto”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p. 
154. 
125
 Suetônio, Augusto, 25. 
 
Os três trechos acima, o primeiro do século I 
a.C. e os demais do século I d.C., têm em comum a 
visão da plebe como um blocohomogêneo, que 
somente deseja saciar seus desejos materiais e divertir-
se nos melhores locais do teatro. Contudo, a elite 
romana utilizou-se dessa plebs sordida (“plebe 
miserável”) para alcançar seus intentos políticos. Desde 
o século II a.C., segundo a leitura das fontes antigas, é 
comum os patronos valerem-se de seus clientes ou 
partidários, formando verdadeiros grupos dentro da 
cidade de Roma, cada qual querendo impor a vontade 
de seu líder, mesmo que por meio da violência. 
Embora no Principado de Augusto as guerras 
civis tenham cessado, os conflitos entre grupos de 
clientes continuaram ocorrendo, pondo em risco a vida 
de muitos com os incêndios comuns praticados por 
esse tipo de clientela. Fato que levou o princeps 
(“primeiro”) Augusto a pôr à disposição dentro da 
cidade de Roma um contingente com cerca de 7.000 
soldados, que exerciam, simultaneamente, as funções 
de “bombeiros”, para apagar os incêndios, e de 
guardiões das ruas (policiais, nos dias de hoje), esses 
homens eram denominados uigiles (“vigias”)126. 
Contudo, segundo o historiador Peter Brunt, esse 
número de soldados não dava conta da imensa cidade 
romana e, um dos meios usados pela nobreza para 
conseguir manter controlada (em parte) a plebe, era 
proibir o uso de armas para essa camada da sociedade: 
“A plebe geralmente estava desarmada e se valia de 
pedras e de bastões. Portar armas era um delito capital 
e, de qualquer forma, os pobres não podiam ter 
nenhuma, exceto facas. (...) Os abastados podiam ter 
seu próprio equipamento, incluída a armadura, e a 
maioria havia feito o serviço militar; e o senado podia 
autorizar os seus seguidores a se armarem. Em 
determinadas ocasiões os líderes populares distribuíram 
ilegalmente armas à plebe, mas, nestes casos, seus 
seguidores provavelmente estavam em disparidade com 
relação a seus oponentes”127. 
Do que foi falado até aqui sobre os grupos de 
clientes armados e incêndios provocados por essas 
pessoas, a primeira oração das Catilinárias de Cícero é 
deveras ilustrativa, mostrando alguns acontecimentos 
que se deram no ano 63 a.C., quando da sedição de 
Catilina; eis o que Cícero pronuncia: 
 
[2] Enquanto houver quem se atreva a defender-te 
[Catilina], viverás, e viverás como agora vives, cercado de 
muitas minhas fortes guardas, para que te não possas levantar 
contra a República; também os olhos e ouvidos de muitos, 
sem tu o sentires, te espreitarão, e guardarão, como até agora 
fizeram. 
 
[3] Crê-me o que te digo: muda de projeto, esquece-te 
de mortandades e incêndios; por qualquer parte te haveremos 
às mãos. (...) Eu mesmo disse que tu deputaras o dia vinte e 
seis de Outubro para a mortandade dos nobres; e então foi 
quando muitas das pessoas principais da cidade fugiram de 
Roma, não tanto por se salvarem, como por atalharem teus 
intentos. Poderás porventura negar-me que naquele próprio 
dia, por estares rodeado de minhas guardas e das minhas 
diligências, te não pudeste mover contra a República, quando, 
 
126
 Suetônio, Augusto, 30. 
127
 “La plebe romana”, in: Moses I. Finley (ed.), Estudios sobre 
historia antigua, pp. 96-97. 
 29 
retirando-se os mais, disseste que te contentavas com a minha 
morte? 
 
[4] Estiveste pois, Catilina, naquela noite em casa de 
M. Leca; repartiste as regiões da Itália, determinaste para 
onde querias que cada um fosse, elegeste os que havias de 
deixar em Roma e os que havias de levar contigo; designaste 
os bairros da cidade para os incêndios, afirmaste que 
brevemente sairias de Roma, disseste que ainda te havias 
demorar um pouco, por estar eu ainda com vida; achaste dois 
cavaleiros romanos que te livraram deste cuidado, e te 
prometeram que pouco antes de amanhecer me matariam em 
meu mesmo leito. Tudo isto soube eu, apenas se tinha 
acabado o vosso congresso; fortifiquei e municionei minha 
casa com maiores guardas; não recebi os que pela manhã 
mandaste a saudar-me, vindo os mesmos, que eu tinha predito 
a pessoas principais, que me haviam de buscar naquele 
tempo. 
 
[5] Enquanto me armaste traições, Catilina, sendo eu 
cônsul destinado, não me defendi com guardas públicas, mas 
com diligências particulares; quando nos próximos comícios 
consulares me quiseste matar, reprimi teus perversos intentos 
com o socorro dos amigos e soldadesca, sem tumulto algum; 
enfim todas as vezes que me acometeste, pessoalmente te 
resisti, posto que visse andar a minha ruína emparelhada com 
grande calamidade da República; agora já acometes 
abertamente toda a República, os templos dos deuses eternos, 
as casas de Roma, as vidas dos cidadãos, e em uma palavra, 
tocas a arruinar e destruir toda a Itália. 
 
Outra característica que encontramos ao estudar 
os grupos particulares dos fins da República é o uso de 
escravos entre seus membros. Vejamos dois exemplos: 
Durante a época de Tibério Graco, quando a 
oposição da aristocracia se fazia mais latente (Plutarco, 
Vida de Tibério Graco, 18): 
 
Tibério ordenou que a multidão se afastasse. Com 
muita dificuldade Flaco chegou até ele e avisou-o de que na 
sessão do senado os ricos, não tendo conseguido persuadir o 
cônsul, decidiram matá-lo eles próprios; para tanto, 
dispunham de muitos amigos e escravos armados. 
 
Cícero, defendendo Ânio Milão, assassino do 
popular Públio Clódio (partidário de Júlio César) no 
ano de 52 a.C. (Oração por A. Milão): 
 
[14] Pois que, Juízes, quando eu me apartei da cidade, 
ficando vós submergidos em luto, temi o rigor das leis ou 
seus escravos, armas e violência? Que causa justa teríeis para 
me restituir a Roma, se não fosse injusta a de me lançardes 
dela? Segundo creio, [Clódio] citou-me pessoalmente, 
multou-me, acusou-me de crime de lesa-majestade. Na vossa 
má causa, ou na minha não muito decorosa, tive de temer o 
Juízo; não quis que os meus cidadãos, resguardados com 
meus conselhos e perigos, se expusessem por mim às armas 
de servos pobres e facinorosos. Eu próprio vi com meus olhos 
a este Q. Hortênsio, lustre e adorno desta República, ficar 
quase morto às mãos dos servos a tempo que me defendia, 
em cujo reboliço C. Vilieno, homem de notória bondade que 
o acompanhava, recebeu tantas feridas que perdeu a vida. 
 
[27] Nem a mim, Juízes, me causa soçobro o 
homicídio de Clódio, nem estou tão insensato e falto de 
conhecimento do vosso parecer que não conheça o que 
entendeis desta morte. Ainda que eu não tivesse justificado a 
Milão deste crime, como fiz, sempre a ele lhe seria permitido 
clamar em público e mentir gloriosamente. (...) [Aqui, Cícero 
empresta palavras a Milão] matei aquele (...) que pôs os 
escravos em armas, para desterrar da cidade aquele cidadão 
[Cícero] a quem o Senado, o povo e todas as nações 
estimavam por conservador da sua cidade e da sua vida. 
 
Também muito corrente nas fontes de época é a 
promessa de manumissão aos escravos, caso 
participassem dos grupos armados; como vemos na 
mesma questão da briga de Cícero com Clódio 
(Oração por A. Milão, 33): 
 
De tudo se apoderaria e tomaria posse pela nova lei 
que se achou entre as mais leis clodianas, pela qual dava 
liberdade a nossos escravos e os fazia seus libertos; (...). 
 
Ou então nos episódios do início do século I a.C. 
narrados por Apiano (Guerras Civis, I), envolvendo 
Mário e Cina, que foram declarados inimigos públicos 
por sublevar os escravos, prometendo-lhes liberdade: 
 
[60] Desta forma, as sedições; nascidas da discórdia e 
da rivalidade, vieram acabar em assassinatos e, de 
assassinatos, em guerras cabais, e, em seu tempo, pela 
primeiravez, um exército de cidadãos invadiu a pátria como 
se fosse terra inimiga. A partir de então, as sedições passaram 
a ser decididas por meio de embates de exércitos e se 
produziram contínuas invasões de Roma e batalhas sob seus 
muros, e quantas outras circunstâncias acompanham as 
guerras; pois para aqueles que utilizavam a violência não 
existia mais freio algum por sentimento de respeito às leis, às 
instituições, ou, ao menos, à pátria. Decretou-se de plano que 
Suplício, que ainda era tribuno, junto a Mário, cônsul seis 
vezes, o filho de Mário, Públio Cetego, Junio Buto, Cneo e 
Quinto Granio, Públio Albinovano, Marco Letorio e quantos 
outros, até o número de doze, haviam sido desterrados de 
Roma, foram inimigos do povo romano por haver provocado 
uma sedição e haver combatido contra os cônsules, e porque 
haviam proclamado a liberdade para os escravos, a fim de 
incitá-los à sublevação; e se autorizou a quem os encontrasse 
que os matasse impunemente, ou os conduzisse até os 
cônsules, e suas propriedades foram confiscadas. Alguns 
perseguidores, que iam também em seu encalço, pegaram 
Suplício e o mataram. 
 
[65] Cina, que havia confiado em seu triunfo 
arrebatado, pelo número de novos cidadãos, ao ver que, 
diferentemente do que esperava, havia prevalecido a ousadia 
da minoria, lançou-se pela cidade reunindo os escravos em 
seu auxílio sob a promessa de liberdade. Contudo, como não 
conseguiu nenhum, apressou-se em se dirigir às cidades 
próximas, que, não havia muito tempo, haviam obtido a 
cidadania romana: Tibur, Preneste e quantas se estendessem 
até Nola, incitando-as, todas, a se sublevarem – e fazendo 
reservas de dinheiro à guerra. Enquanto levava a cabo estes 
preparativos e planos, retiraram-se de sua base de apoio 
aqueles senadores de seu partido, Caio Milonio, Quinto 
Sertorio e outro Caio Mário. O Senado decretou que Cina, 
por haver abandonado em perigo a cidade, sendo cônsul, e 
por haver proclamado a liberdade para os escravos, não era 
há cônsul nem cidadão, e elegeram para seu lugar Lúcio 
Mérula, o flamen de Júpiter. 
 
 
▪ Alimentação. 
 
A plebe, no curso da História Romana, teve 
alguns fatores comuns quando falamos do plano 
político de Roma. Entre as motivações de 
descontentamento, achamos: distribuição de terras, 
direitos (vinculados principalmente ao tribunado da 
 30 
plebe), impostos
128
, recrutamento militar, moradias, e 
alimentação. Este último item é tão importante, que a 
maioria das fontes antigas faz menção ao tema. A 
alimentação e a política caminharam juntas em Roma, 
sendo que, por vezes, podemos até mesmo designar 
esse processo de “política da alimentação”. Citaremos 
alguns exemplos, pois os casos são muito numerosos. 
Quando a Conjuração de Catilina foi desnublada 
em 65-63 a.C., César teve de buscar apoio no povo, 
devido a sua pessoa estar (supostamente) envolvida no 
caso. A plebe apoiou Júlio César, um popular, que há 
algum tempo havia caído nas graças da população mais 
pobre. Temendo a agitação da plebe, Catão persuadiu o 
Senado a distribuir grãos mensalmente, como narra 
Plutarco, Vida de Catão o Jovem, 26: 
 
Depois que Lêntulo e os outros conjurados foram 
mortos, César, que havia sido denunciado perante o senado e 
caíra em descrédito, buscou apoio no povo, sublevando e 
atraindo a si os numerosos elementos indesejáveis e 
corrompidos do Estado. Catão assustou-se. Recomendou ao 
senado que tentasse recuperar a massa indigente e 
despercebida
129
 mediante uma distribuição de cereais no 
valor de mil duzentos e cinqüenta talentos por ano. 
Comprovou-se que essa largueza, ditada pelo humanitarismo, 
dissipou a ameaça de sedição. 
 
Um pouco antes dos problemas com relação a 
Catilina, Pompeu, em 67 a.C., livrou o Mediterrâneo 
dos piratas: ao dificultarem o abastecimento de trigo 
proveniente das províncias, fizeram o preço dos víveres 
aumentarem em Roma. Plutarco escreveu (Vida de 
Pompeu): 
 
[25] Essa pirataria infestava praticamente todo o mar 
de nossos países, que se tornara impraticável aos navegantes 
e fechado a toda espécie de comércio. Essa circunstância, 
principalmente, é que forçou os romanos, premidos pela falta 
de abastecimento e ameaçados de fome, a enviar Pompeu 
para recuperar as vias marítimas aos piratas. 
 
[26] O preço dos víveres baixou imediatamente, o que 
levou o povo a dizer, com alegria, que apenas o nome de 
Pompeu conseguira terminar a guerra. 
 
Apiano (Guerras Civis, V, 18) relata a dura 
situação de Roma durante o período em que Augusto 
teve de guerrear contra o filho de Pompeu Magno: 
 
Desta forma, então, tudo desembocava na formação 
de facções e os exércitos caíam na indisciplina até os chefes 
das distintas facções, enquanto a fome oprimia Roma, já que 
o mar não os trazia provisão alguma por causa de Pompeu, 
 
128
 Sobre os impostos, destacamos a passagem escrita por 
Plutarco em sua Vida de Marco Antônio, 58: 
 
César [Augusto], inteirado da rapidez e importância dos 
preparativos de Antônio, receou ser obrigado a lutar naquele 
verão, pois muita coisa ainda lhe faltava e o povo resmungava 
contra os impostos. Uns eram forçados a entregar um quarto de 
sua renda e os descendentes de libertos um oitavo de seus bens. 
De sorte que todos gritavam contra ele e a Itália fervia. Por isso 
se considera uma das maiores faltas de Antônio o ter adiado a 
guerra, porquanto deu assim a César tempo para se preparar e 
acalmar os tumultos. É que, quando cobrado, o povo se 
exasperava, mas depois de pagar serenava. 
129
 Note, mais uma vez, o caráter parvo da plebe diante dos olhos 
da elite romana. 
nem a Itália era cultivada devido às guerras. E o pouco que se 
produzia era consumido pelos exércitos. A maioria vadiava 
de noite pela cidade e se produziam altercações ainda mais 
violentas do que os roubos, que ficavam impunes e cuja 
autoria era atribuída aos próprios soldados. O povo fechou as 
lojas e expulsou os magistrados de suas sedes, como se já não 
houvesse mais necessidade de magistraturas nem de 
profissões artesanais, em uma cidade carente de tudo e 
submetida à bandidagem. 
 
A fome, somada às taxações por causa da guerra 
no exterior, levaram à plebe urbana ao limite. A 
violência contra o imperador foi motivo para se 
aumentar o contingente de soldados dentro da cidade e, 
violentamente, reprimir a manifestação, como escreveu 
Apiano nesse rico excerto: 
 
[67] A fome oprimia os romanos, pois os mercadores 
do Oriente não se atreviam a navegar por temor a Pompeu e 
Sicília, nem se atreviam os do Ocidente por causa de Cerdefia 
e Córcega, ocupada pelos soldados de Pompeu; tampouco se 
lançavam ao mar nas fronteiras da África, por mor dos 
mesmos inimigos, que dominavam com as suas frotas ambos 
os litorais. Assim, tudo se encareceu, e atribuíram a culpa 
deste ocaso à discórdia entre os chefes, àqueles que 
vituperavam e urgiam que se firmasse a paz com Pompeu. 
Como nem assim cedeu Otávio, Antônio lhe pediu para que 
acelerasse a guerra por causa da escassez. Contudo, ao não 
existir dinheiro para ela, publicou-se um edital determinando 
que os proprietários de escravos aportassem por cada um 
deles a metade das vinte e cinco dracmas fixadas para a 
guerra de Cássio e Bruto, e que aqueles que desfrutassem de 
alguma propriedade por razão de herança contribuíssem com 
uma parte proporcional. O povo destruiu o edital com fúria 
selvagem, pois os infundiu de cólera que, depois de haver 
exaurido o tesouro público, de haver esgotado as Províncias e 
de oprimir a mesma Itália com tributos,taxas e confiscos, não 
para guerras estrangeiras nem para expandir o império, mas 
sim contra inimigos pessoais e em defesa do poder particular 
de cada um – pelo que, precisamente, haviam acontecido as 
proscrições, matanças e esta penosíssima fome –, ainda 
tratavam os triúnviros de lhes pilhar, inclusive, o que lhes 
restava. 
Uniram-se em bandos gritando, e aos que não se 
uniam a eles lhes arremessavam pedras e os ameaçavam de 
saquear seus lares e lhes atear fogo. [68] Finalmente, o povo 
em sua totalidade se sublevou, e Otávio, com seus amigos e 
uns poucos servidores, dirigiu-se ao Fórum com a intenção de 
sustentar um encontro com o populacho e expor as razões de 
sua censura. Este, já farto, começou a atirar pedras sem 
misericórdia, e Otávio não se deteve sequer quando viu que 
persistia a enxurrada de projéteis, oferecendo-se a si mesmo, 
e se encontrava ferido. Assim que Antônio se inteirou, acudiu 
em seu auxílio com presteza. Neste o povo não atirou pedras 
enquanto descia pela via Sacra, pois Antônio era favorável a 
pactuar com Pompeu, mas pediram para que ele se retirasse e, 
como não obedeceu, também lhe lançaram pedras. Ele 
chamou um número maior de tropas que estavam fora das 
muralhas. Mas, como nem assim lhe abriram caminho, os 
soldados se dividiram em duas fileiras pelos cantos da rua do 
Fórum e atacaram de sua formação estreita e mataram todos 
aqueles que saíam ao corredor. Nesta ocasião, a massa do 
povo já não pôde escapar com facilidade, apinhados devido 
ao seu grande número, nem teve saída do Fórum, pelo que se 
produziu uma matança, feridas e lamentos, e gritos dos tetos 
das casas. Antônio avançou com dificuldade e resgatou 
Otávio, que se achava em situação de perigo extremo, e o pôs 
a salvo em sua própria casa. Uma vez que a multidão foi 
dispersa, atiraram ao rio [Tíber] os cadáveres dos mortos para 
evitar a sua lacerante visão. E um novo motivo de passar foi 
vê-los arrastados pela corrente e os soldados os despojando, 
 31 
junto a certos mal-feitores, que se levaram suas melhores 
prendas como se fossem as suas próprias. Assim, pois, essa 
revolta foi sufocada à custa do medo e do ódio dos triúnviros, 
a fome se tornava cada vez mais aguda, e o povo lamentava, 
mas permanecia tranqüilo. 
 
O imperador Cláudio (41-54 d.C.) sofreu 
semelhante desgosto por parte da plebs urbana durante 
uma época de carestia (Suetônio, Cláudio): 
 
[18] Preocupou-se sempre, com a máxima solicitude, 
com a Cidade e seu abastecimento. Durante o longo incêndio 
do bairro Emiliano, ficou duas noites no local das 
distribuições. E como os soldados e os escravos fossem 
insuficientes, apelou para o auxílio, por intermédio dos 
magistrados, do povo de todos os demais bairros. Depois, 
colocou diante da população cestas cheias de dinheiro e a 
incentivou a garantir os socorros, recompensando cada qual 
com um salário digno do seu trabalho. Após vários anos de 
esterilidade, a escassez de trigo fez com que ele fosse um dia 
afrontado pela multidão no meio do Forum e coberto de 
injúrias e migalhas de pão. Nesse dia, só a muito custo 
conseguiu chegar ao seu palácio, por uma porta de trás. 
Desde então, nunca mais deixou de providenciar para que os 
gêneros não faltassem, mesmo no inverno. Garantiu, 
efetivamente, aos negociantes, lucros fixos, assumindo o 
compromisso dos prejuízos sofridos em virtude do mau 
tempo. Concedeu ótimas vantagens àqueles que construíssem 
navios para o comércio, proporcionando-lhes, [19] segundo 
sua condição, algumas vantagens: dispensa da lei Pápia-
Poéia, para os latinos; privilégios das mães de quatro filhos, 
para as mulheres. Essas concessões subsistem ainda hoje. 
 
Tibério (14 -37 d.C.) teve de remediar o prejuízo 
dos comerciantes para satisfazer o abastecimento de 
trigo em Roma, diz-nos Tácito (Anais, II, 87): 
 
Clamando o povo contra a carestia de víveres, taxou 
Tibério o preço do trigo; e para que os negociantes não 
perdessem, disse, “que lhes acrescentaria em cada alqueire 
dois sestércios”. 
 
Houve também momentos em que o próprio 
imperador fez seu povo se esfomear, como Calígula 
(37-41 d.C.): 
 
Em repetidas ocasiões, fechando os celeiros, fez o 
povo passar fome.
130
 
 
Já Nero, distribuía não apenas trigo, mas 
diversos mimos: 
 
Distribuía ao povo, todos os dias, presentes de toda 
espécie: cada dia mil pássaros de qualidades diferentes, 
provisões as mais variadas, vales para aquisição de trigo, 
roupas, ouro, prata, gemas, pérolas, quadros, escravos, bestas 
de carga e até mesmo feras domesticadas. E, em último lugar, 
sorteava navios, ilhas de casas e campos.
131
 
 
A lista de passagens encontradas nas fontes 
antigas que tenham algum tipo de relação 
política/alimentação é imensa, por isso, nos limitamos 
aqui a esses poucos exemplos. 
 
 
 
130
 Suetônio, Calígula, 26. 
131
 Suetônio, Nero, 11. 
Porém, a alimentação do romano não era uma 
das melhores no Mediterrâneo, como podem supor 
algumas pessoas que estão acostumadas a ver e ouvir 
notícias acerca dos extravagantes banquetes na cidade 
de Roma. 
Segundo o historiador Peter Garnsey, os 
problemas da fome podiam ser endêmicos ou 
episódicos: “No primeiro caso a fome ocorria a longo 
prazo e com um carácter de estabilidade; no segundo, 
surgia em períodos curtos e agudos, através de crises 
alimentares individuais. Tais crises eram certamente 
ocorrências freqüentes nas comunidades 
mediterrânicas”132. Essa característica contínua da 
fome acarretava um estado nutricional desfavorável. 
A dieta mediterrânica era formada por uma 
quadríade: cereais, vinha, azeite e leguminosas. Destas 
categorias, cerca de 60% da energia total é fornecida 
pelos cereais; 30% pelos lipídios, provenientes, 
principalmente do azeite; o restante da energia 
encontra-se nas frutas e vegetais. 
As culturas mais importantes de cereais eram de 
trigo e cevada. Em Roma, o trigo sempre teve 
importância maior do que a cevada, primeiramente, 
devido ao solo propício ao plantio das sementes, em 
segundo lugar, o fabrico de pão ganhou os paladares 
italianos desde o século II a.C., deixando a cevada 
quase que exclusivamente como forragem para animais 
ou em momentos de carestia extrema, sendo também 
servida em casos punitivos
133
. A espécie triticum 
dicoccum, um trigo com casca, era usualmente 
transformada em sopa ou mingau (puls). Os trigos nus, 
ou seja, grãos cujas cascas eram facilmente retiradas 
durante o processamento, eram os mais empregados 
para se fazer pães; entre as espécies, temos a que dava 
origem ao pão de melhor qualidade, a triticum 
aestiuum (“trigo estival”), e a triticum durum (“trigo 
duro”), utilizada para o fabrico de pães ázimos (sem 
fermento). 
Quanto ao vinho, existiam variedades na 
qualidade: “O vinho barato era para os pobres, o vinho 
caro para os ricos. (...) O vinho era uma marca das 
distinções sociais, mesmo em regiões onde faltasse 
uma bebida estimulante alternativa, tal como a cerveja 
ou o hidromel. Os preços nas lojas [tabernae] em 
Pompeia ou Herculano revelam claramente que os 
consumidores pagavam de acordo com a qualidade e a 
raridade do vinho. Ainda assim, não é provável que o 
melhor vinho estivesse sequer a venda nas lojas 
comuns destas cidades. Inversamente, o vinho de pior 
qualidade (pouco mais do que vinagre) estaria 
disponível em qualquer espelunca. A região da 
Campânia produzia não só vinhos excepcionais para os 
epicuristas, mas também muita zurrapa de baixo preço 
para os mercados freqüentados pela massa do povo. No 
topodo mercado, encontravam-se ainda diversos 
vinhos gregos que eram importados com certa despesa 
para a região de Nápoles e para Roma. Mais uma vez, 
 
132
 Alimentação e sociedade na antiguidade clássica, p. 5. 
133
 Por exemplo, quando Suetônio (Augusto, 24) diz que: 
 
[Augusto] Dizimou as coortes que tinham fugido e as 
alimentou de cevada. 
 32 
tais vinhos não poderiam ser comprados pelos 
pobres”134. 
A oliveira só se espalhou pela orla do 
Mediterrâneo. Ela precisa de uma estação seca para os 
frutos desenvolverem seu conteúdo em azeite, e um 
inverno fresco para o repouso da árvore, não tolerando 
geadas e plantios acima de 800 metros. Por isso, na 
Itália, a oliveira cresce no sopé dos Apeninos, na região 
sul da península. Isso faz com que as regiões mais 
distantes da orla necessitassem importar o azeite. Já as 
leguminosas, as quais Garnsey chama “carne dos 
pobres”, eram muito difundidas nas dietas da 
Antigüidade, tendo entre seus principais exemplos as 
favas, o grão-de-bico, lentilhas e ervilhas. 
As carnes eram pouco consumidas, por causa do 
baixo custo/benefício da criação de animais; afirma 
Peter Garnsey: “A criação de gado constitui um uso 
antieconómico da terra, já que as plantas produzem 
bem mais alimento por unidade de área do que os 
animais. Os animais transformam os vegetais em carne; 
contudo, muita energia é perdida nesse processo, 
fazendo mais sentido que os humanos consumam 
directamente os vegetais. Nestas condições a criação de 
gado em larga escala estava posta de lado. Eram 
criados bovinos, mas mais como animais de trabalho 
do que pela sua carne ou produtos lácteos. As ovelhas e 
cabras existiam em grande número; umas e outras eram 
mantidas em primeiro lugar para a obtenção de lã (ou 
pêlo) e em segundo lugar para obtenção de queijo ou 
de peles”135. O consumo de carne restringia-se à carne 
de porco, e o modo habitual dos “romanos comuns 
obterem carne, era através da compra de comida pré-
cozinhada, de baixa qualidade e a baixo preço, a 
vendedores de rua ou em tascas e estalagens; artigos 
tais como morcela, paio ou salsichas”136. 
Os cereais representam uma fonte adequada de 
energia alimentar. As necessidades mínimas calóricas 
para o homem são de 1.625-2.012 Kcal por dia; o trigo 
brando (triticum aestiuum) fornece 3.330 Kcal por 
quilograma, ou seja, a pessoa satisfar-se-ia com cerca 
de 600g diários. Os cereais também fornecem a maioria 
dos nutrientes essenciais, incluindo as vitaminas do 
grupo B tiamina (importante para o funcionamento do 
sistema nervoso, músculos e coração) e niacina 
(protege o fígado, os tecidos nervosos e o aparelho 
digestivo), além da vitamina E, cálcio e ferro, mas 
possuem baixo conteúdo de vitamina B2 (riboflavina - 
favorece o metabolismo das gorduras, açúcares e 
proteínas) e são deficitários nas vitaminas A, C e D
137
. 
Contudo, isso não quer dizer que o romano tivesse uma 
boa saúde: “Os cereais, se consumidos em quantidade, 
suprirão a maioria das necessidades. Mas o modo como 
são ingeridos faz diferença. (..) Assim, esperaríamos 
encontrar sérios problemas nas sociedades antigas, na 
medida em que, pães ázimos, chapatis, etc., feitos a 
 
134
 Peter Garnsey, Alimentação e sociedade na antiguidade 
clássica, pp. 115-116. 
135
 Alimentação e sociedade na antiguidade clássica, p. 16. 
136
 Idem, p. 123. 
137
 A falta dessas vitaminas gera avitaminoses que causam, entre 
as vitaminas mencionadas (A, C e D): má formação dos ossos, 
prejudica o crescimento, é a principal causa de cegueira em 
crianças, escorbuto, e raquitismo. Todas essas doenças são 
tratadas por Peter Garnsey no capítulo intitulado “A 
malnutrição” (pp. 42-59), no livro já mencionado. 
partir de farinha de alta extração (isto é, pouco 
peneirada) e sem fermento, eram consumidos em 
grandes quantidades – e especialmente em locais onde 
não fossem consumidas muitas outras coisas. (...) 
Quanto mais pobre se fosse, menos farinha de boa 
qualidade se podia comprar, e tal farinha seria 
peneirada com menos eficácia. A farinha peneirada 
ineficazmente teria um conteúdo elevado de fitato
138
, e 
quanto mais elevado o conteúdo deste, mais provável 
seria que o organismo fosse privado de minerais 
essenciais”139. Como podemos notar, o convívio diário 
do romano com as crises de abastecimento de 
alimentos (o que poderia ocasionar, por sua vez, uma 
negativa situação política), agravava sua mal-nutrição, 
não importando, nesse caso, o quão rico fosse, já que a 
dieta e o fabrico dos alimentos eram praticamente os 
mesmos para toda a população. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
138
 O fitato é um composto que está naturalmente presente nos 
cereais. Esse composto se liga a sais minerais como o zinco, 
ferro e cálcio no intestino, impedindo que o corpo aproveite bem 
estes nutrientes. 
139
 Peter Garnsey, Alimentação e sociedade na antiguidade 
clássica, p. 20. 
 33 
Parte III 
 
A) Alguns materiais e algumas técnicas 
 
Tácito, historiador do século I-II d.C., 
escreveu em seus Anais (Livro XIII): 
 
[38] [Ano de 64 d.C.] Seguiu-se logo um grande 
desastre, o qual se foi casual ou obra da malícia de Nero 
ainda hoje não é fato certo, porque uma e outra coisa lemos 
nas histórias. Foi um fogo o mais horroroso e o mais 
devastador de todos quantos nos tempos passados se tinham 
visto em Roma. O incêndio começou na parte do Circo, que 
está contígua aos montes Palatino e Célio; e dando nas lojas 
aonde encontrou bastantes matérias combustíveis, apareceu 
logo com tal violência, ajudado pelo vento, que tomou todo o 
espaço do Circo, em que os palácios não tinham pátios em 
roda, nem os templos muros alguns, e enfim nada havia que o 
pudesse retardar. Estendendo-se depois com grande ímpeto, e 
passando ora das planícies às alturas, ora destas aos baixos da 
cidade, antecipou com a sua incrível rapidez todos os 
remédios que se lhe poderiam aplicar; porque achava todas as 
facilidades possíveis dentro de uma capital que, como a 
antiga Roma, constava de ruas estreitas, e de quarteirões mui 
extensos. Além disto, os alaridos das mulheres assustadas, os 
muitos velhos e crianças, e a imensa gente, que corria ou para 
salvar-se ou para salvar os outros, e que ou conduzia os 
doentes ou esperava por eles, com as suas mesmas pressas, 
ou com as suas mesmas demoras aumentavam ainda mais a 
confusão e o embaraço. Muitas vezes, só enquanto olhavam 
para trás, viam-se cercados por diante e pelos lados; e se 
tinham a lembrança de se passarem aos bairros vizinhos já 
também os achavam envolvidos nas chamas, não podendo, 
ainda que quisessem, buscar os que eram mais retirados, 
porque também lá encontravam o mesmo flagelo. Sem 
saberem afinal nem que perigo evitassem, nem que asilo 
fossem demandar, ficavam em montões pelas ruas ou 
deitados pelos campos, de sorte que uns, havendo perdido 
toda a sua fortuna, e não tendo já com que se poder alimentar, 
e outros com a dor de terem visto morrer os seus parentes, 
sem lhes poderem acudir, entregavam-se voluntàriamente à 
morte ainda quando tinham meios de evitá-la. Ninguém 
mesmo se atrevia a impedir tanto mal, porque ou se ouviam 
os gritos ameaçadores de muitos que já estavam preparados 
para estorvar quem tal intentava, ou se viam outros aumentar 
o incêndio com fachos acesosque publicamente 
arremessavam, clamando em altas vozes, que tinham ordem 
para isto, ou fosse para assim roubarem melhor e mais à sua 
vontade, ou porque realmente as ordens fossem verdadeiras. 
 
[39] Neste mesmo tempo Nero se conservava em 
Ântio, e não voltou a Roma senão quando o fogo já se ia 
aproximando do edifício que ele havia feito construir para 
unir o palácio com os jardins de Mecenas. Mas não se pôde 
apagar; e o palácio e o edifício com tudo quanto estava em 
roda ficaram abrasados. Para dar algum alívio ao povo 
aterrado e fugitivo mandou então abrir o Campo de Marte, os 
monumentos de Agripa, e até os seus próprios jardins. 
Armaram-se barracas à pressa para recolher a gente mais 
pobre; mandaram-se vir de Óstia e dos municípios vizinhos 
todos os móveis precisos; e regulou-se a venda do pão pelo 
preço mais baixo. Contudo, todas estas demonstrações 
populares não produziram o seu efeito, porque se espalhou 
um boato de que Nero no momento em que Roma estava 
ardendo, fora ao teatro que tinha em sua casa, e nele cantara a 
destruição de Tróia, comparando as desgraças antigas com a 
calamidade presente. 
 
[40] Afinal, passados seis dias, parou o fogo na 
parte mais baixa do monte Esquilino, depois de se ter abatido 
um grande número de edifícios, afim de que a sua constante 
impetuosidade não pudesse achar outro alimento senão o 
espaço dos campos, ou se possível fosse o imenso vácuo dos 
ares. Mas ainda o susto bem se não tinha acabado quando se 
tornou a atear o incêndio com não menos violência nos 
lugares mais descobertos da cidade; o que assim fez que não 
morresse tanta gente, porém que fossem consumidos pelas 
chamas muitos mais templos dos deuses, e maior número de 
pórticos destinados para recreio. Deu contudo este incêndio 
ainda ocasião a maiores suspeitas, porque principiou nos 
prédios Emilianos que Tigelino possuía. Parecia que Nero 
aspirava à glória de edificar uma nova cidade, e de lhe dar o 
seu nome. Com efeito, dos quatorze bairros de Roma só 
quatro se conservaram inteiros; três ficaram completamente 
arrasados; e sete apenas mostravam alguns vestígios de 
edifícios abatidos, e meio devorados. 
 
[41] Seria dificultoso enumerar as casas 
particulares, os palácios, e os templos que foram destruídos; 
contudo direi sempre que os mais antigos monumentos 
religiosos, tais como aquele que Sérvio Túlio havia dedicado 
à Lua, o grande altar e o templo que o Árcade Evandro tinha 
consagrado ao poderoso Hércules, o de Júpiter Estator, obra 
de um voto de Rómulo, o palácio de Numa, e o templo de 
Vesta com todos os penates do povo romano acabaram neste 
incêndio. Não falo das riquezas imensas, fruto das nossas 
vitórias, de todos estes primores das artes da Grécia, e dos 
riquíssimos manuscritos autênticos, antigos monumentos do 
gênio, e que nossos velhos ainda se lembravam ter visto; esta 
perda irreparável, apesar de toda a brilhante magnificência da 
nova cidade, nunca se poderá esquecer. Houve quem notasse 
que o incêndio principiara aos quatorze das calendas de 
Agosto [19 de Julho], dia em que os Gauleses também já 
tinham entrado em Roma, e lhe haviam posto o fogo. Outros 
ainda mais indagadores mostraram, que entre ambos os 
incêndios tinham decorrido os mesmos anos, meses, e dias. 
 
[42] Contudo Nero serviu-se das ruínas da pátria 
para sobre elas fabricar um palácio em que o ouro e as pedras 
preciosas não causavam tanta maravilha, por serem já muito 
vulgares, e uma ostentação ordinária do luxo, como os 
campos e os lagos, e por uma parte as artificiais solidões e 
desertos formados por bosques espessos, e por outra as largas 
planícies, e longas perspectivas, que dentro de seu imenso 
circuito se viam. Foram seus engenheiros e arquitetos Severo, 
e Céler, os quais pelo seu gênio e ousadia tentaram forçar a 
natureza, e nenhuma dúvida tiveram em desperdiçar os 
tesouros do príncipe. Com efeito, prometeram-lhe abrir um 
canal que fosse navegável desde o lago Averno até a 
embocadura do Tibre, apesar da aspereza do terreno, e das 
altas montanhas que era preciso romper; e de não se 
encontrar em todo este longo espaço lugar algum úmido que 
pudesse fornecer águas, à exceção das Lagoas Pontinas: todo 
o mais terreno era escabroso e árido, de sorte que, ainda 
quando fosse possível rompê-lo, não merecia tanto trabalho, 
nem despesas. Assim mesmo Nero, que sempre folgava de 
empreender coisas da maior dificuldade, se esforçou em 
rasgar as alturas vizinhas do Averno; mas ainda hoje se 
conservam os vestígios das suas esperanças baldadas. 
 
[43] Todas as casas porém que, depois de feito este 
palácio imenso, tiveram ainda espaço para se poderem 
reedificar, não foram construídas sem ordem e ao acaso, 
como havia acontecido depois do incêndio dos Gauleses; mas 
regularam-se os quarteirões, alargaram-se as ruas, 
determinou-se a altura dos edifícios, e em frente dos palácios 
se fizeram grandes pátios e pórticos que lhes defendiam as 
entradas. Nero prometeu construir à sua custa estes pórticos, 
de entregar aos proprietários o terreno limpo de entulhos, e de 
recompensar, segundo as suas qualidades e riquezas, aqueles 
que dentro de um certo tempo tivessem acabado as suas casas 
ou palácios. Para despejar os entulhos se destinaram as lagoas 
de Óstia, e determinou-se que os navios que entrassem no 
 34 
Tibre carregados de trigo os transportassem para ali na sua 
volta. Também se regulou que certas partes dos edifícios não 
tivessem madeiras, e só fossem construídas de pedras de 
Alba, e de Gábios, que resistem ao fogo. E para que os 
particulares não se aproveitassem das águas em prejuízo do 
público, e assim deixassem de correr em abundância, e em 
diferentes lugares, criou-se inspetores para que cada família 
pudesse ter auxílios prontos contra o fogo, e usar deles com 
toda a facilidade; ordenando-se ao mesmo tempo que todas as 
casas fossem sobre si, sem comunicação com os vizinhos. 
Estes regulamentos de utilidade deram também formosura à 
nova cidade; contudo, ainda havia alguns persuadidos de que 
a antiga forma era mais saudável, porque as ruas estreitas, e 
os tetos elevados não davam tanta entrada aos raios do sol, e 
agora, pelo contrário, sendo largas e descobertas, ficavam 
sujeitas a toda a força do calor. 
 
[44] Tais eram as providências humanas que se 
davam; e delas se passou logo às expiações para se aplacar a 
cólera dos deuses. Consultaram-se os livros sibilinos, e 
conforme as suas respostas se fizeram preces públicas a 
Vulcano, a Ceres, e a Prosérpina; e as matronas romanas 
foram em procissão implorar o auxílio de Juno, 
primeiramente ao Capitólio e depois às bordas mais vizinhas 
do mar. Trazendo dali água, aspergiram com ela o templo e a 
estátua da deusa; e as mulheres casadas celebraram as 
Selistérnias, e vigílias. Mas nem todos os socorros humanos, 
nem as liberalidades do príncipe, e nem as orações e 
sacrifícios aos deuses podiam desvanecer o boato infamatório 
de que o incêndio não fora obra do acaso. Assim Nero, para 
desviar as suspeitas, procurou achar culpados, e castigou com 
as penas mais horrorosas a certos homens que, já dantes 
odiados por seus crimes, o vulgo chamava cristãos. O autor 
deste seu nome foi Cristo, que no governo de Tibério foi 
condenado ao último suplício pelo procurador Pôncio Pilatos. 
A sua perniciosa superstição, que até ali tinha estado 
reprimida, já tornava de novo a grassar não só por toda a 
Judeia, origem deste mal, mas até dentro de Roma, aonde 
todas as atrocidades do universo, e tudo quanto há de mais 
vergonhoso vem enfim acumular-se, e sempre acham 
acolhimento. Emprimeiro lugar se prenderam os que 
confessavam ser cristãos, e depois pelas denúncias destes 
uma multidão inumerável, os quais todos não tanto foram 
convencidos de haverem tido parte no incêndio como de 
serem os inimigos do gênero humano. O suplício destes 
miseráveis foi ainda acompanhado de insultos, porque ou os 
cobriram com peles de animais ferozes para serem devorados 
pelos cães, ou foram crucificados, ou os queimaram de noite 
para servirem como de archotes e tochas ao público. Nero 
ofereceu os seus jardins para este espetáculo, e ao mesmo 
tempo dava os jogos do Circo, confundido com o povo em 
trajes de cocheiro, ou guiando as carroças. Desta forma, ainda 
que culpados, e dignos dos últimos suplícios, mereceram 
compaixão universal por se ver que não eram imolados à 
publica utilidade, mas aos passatempos atrozes de um 
bárbaro. 
 
O longo excerto acima retrata um dos 
episódios mais famosos da História Romana; qualquer 
pessoa que ouça o nome “Nero” imediatamente se 
lembrará de que “ele causou um incêndio em Roma, 
enquanto tocava sua harpa”. Contudo o que nos 
interessa nesse importantíssimo trecho são as menções 
à materialidade romana, entre elas, as residências. 
Na Parte II (item B) deste trabalho, aludimos 
às tabernae, que se expandiram pelo Império após o 
século II a.C.. Essas tabernas ou lojas eram as 
principais responsáveis pela distribuição local de 
alimentos e artefatos (também produzidos nas 
oficinas), e estavam espalhadas por toda a cidade. 
Como afirma Tácito, as lojas foram um verdadeiro 
catalisador do incêndio de 64 d.C.: “O incêndio 
começou na parte do Circo, que está contígua aos 
montes Palatino e Célio; e dando nas lojas aonde 
encontrou bastantes matérias combustíveis, apareceu 
logo com tal violência, ajudado pelo vento, que tomou 
todo o espaço do Circo”140. Embora o autor não 
mencione quais seriam os materiais combustíveis, 
podemos deduzir que não fugiriam do cotidiano 
romano, ou seja, eram materiais básicos, que a maioria 
da população teria em casa ao comprar, tais como 
tecidos, objetos de madeira (usados no mobiliário e 
como instrumentos de fabricação de outros artefatos), 
couro, e, principalmente, o azeite, que era o principal 
combustor na Roma Antiga, utilizado para gerar calor e 
luz, seja nos archotes carregados pelos cidadãos 
quando saíam à noite pelas ruas, seja dentro das 
próprias moradias, onde o óleo era o combustível das 
imprescindíveis lamparinas
141
. As ruas de Roma, como 
já estudado no item C da Parte I, colaboraram para a 
extensão do fogo: “porque achava todas as facilidades 
possíveis dentro de uma capital que, como a antiga 
Roma, constava de ruas estreitas, e de quarteirões mui 
extensos”142. 
Tácito segue dizendo a respeito da utilização 
das ruínas da cidade por Nero para a construção de sua 
Domus Aurea (“Casa Dourada”, ver Figuras 9 e 10), 
que recebeu essa denominação devido às pinturas em 
cor de ouro espalhadas pela estrutura
143
. Todavia, o 
imperador foi responsável pela reestruturação do 
planejamento urbano da Cidade, tendo, inclusive, 
limitado a altura das residências, como afirma o 
historiador antigo: “Todas as casas, porém que, depois 
de feito este palácio imenso, tiveram ainda espaço para 
se poderem reedificar, não foram construídas sem 
ordem e ao acaso, como havia acontecido depois do 
incêndio dos Gauleses; mas regularam-se os 
quarteirões, alargaram-se as ruas, determinou-se a 
altura dos edifícios, e em frente dos palácios se fizeram 
grandes pátios e pórticos que lhes defendiam as 
entradas”; e também estabeleceu que novos materiais 
fossem usados nas construções: “Também se regulou 
que certas partes dos edifícios não tivessem madeiras, e 
só fossem construídas de pedras de Alba, e de Gábios, 
que resistem ao fogo”144. Mas as medidas de Nero, 
obviamente, não resistiram ao tempo, e temos, em fins 
do século II d.C., um poeta Juvenal um tanto ranzinza: 
 
Que lugar desgraçado, ou solitário 
Preferível não vemos à Cidade 
Terrível, onde incêndios, e ruínas 
De prédios são contínuos (...).
145
 
 
140
 Anais, 38. 
141
 Para maior entendimento acerca do uso e das características 
das lamparinas, ver a dissertação de Mestrado da arqueóloga 
Maria Isabel D‟Agostino Fleming: Lamparinas na antiguidade 
clássica: problemas sociais, econômicos e tecnológicos. 
142
 Anais, 38. 
143
 A Domus Aurea foi, posteriormente, soterrada devido à 
construção das Termas de Trajano. A notícia mais recente sobre 
o palácio de Nero data de Fevereiro de 2007, quando partes das 
escavações da estrutura foram re-abertas ao público, depois de 
quase dois anos fechada para reparos por causa do risco de 
desmoronamento. 
144
 Anais, 43. 
145
 Sátiras, III, 8-11. 
 35 
 
Os incêndios em Roma foram uma constante. 
Muitas são as passagens nas fontes antigas que 
mencionam o crepitar de edifícios. Em algumas delas, 
os causadores do fogaréu foram políticos com seus 
grupos de partidários, como a mostrada acima, na qual 
Tácito fala sobre a suspeita do intento do imperador de 
transformar parte da cidade em sua “Nerópolis”146, e 
Suetônio o acusa com todas as palavras (Nero, 38): 
 
Simulando descontentamento com a feiúra dos 
antigos edifícios, com a estreiteza e a tortuosidade das ruas, 
incendiou a Cidade de forma tão acintosa que a maior parte 
dos consulares não ousou prender os cubiculários, 
surpreendidos nas suas casas com estopas e tochas. 
 
Todavia, a cidade estava propensa a incêndios 
e desmoronamentos – além da dificuldade na 
distribuição de água vinda dos aquedutos – por causa 
dos materiais empregados na construção dos edifícios, 
das moradias. 
 
 
Cabem aqui algumas palavras sobre as 
matérias-primas empregadas no fabrico das residências. 
Para isso, devemos recorrer ao principal tratado de 
arquitetura deixado pelos romanos, a obra Da 
Arquitetura de Marco Vitrúvio Polião, escrita no fim 
do século I a.C. (ano 25) sob a benesse de Augusto, 
constituída de dez livros que discorrem sobre a 
edificação de diversas estruturas, monumentais e 
residenciais. Em seu “Livro II”, Vitrúvio explana 
pormenorizadamente os materiais utilizados nas 
construções; vejamos o que o autor nos deixou sobre os 
tijolos: 
 
Assim, com relação aos tijolos, falarei em primeiro 
lugar sobre a terra com a qual se deve produzi-los. Não 
devem ser feitos com terra arenosa, nem pedregosa, nem com 
lama arenosa, porque, produzidos desses materiais, 
primeiramente tornam-se pesados, após o que, com a 
dispersão das chuvas pelas paredes, desmancham-se e fazem-
se desabar, bem como a palha contida neles não mais se 
agrega por causa de sua aspereza. Devem portanto, ser feitos 
de terra argilosa branca, ou argila vermelha, ou até mesmo 
saibro147. Os desse último tipo, em virtude de sua leveza, 
possuem consistência e, por ocasião da obra, não se mostram 
pesados, sendo facilmente assentados. Têm de ser produzidos 
na primavera ou no outono para que sequem de uma única 
vez. Os que são feitos no calor do verão tornam-se, pois, 
defeituosos, porque ao cozer completamente a camada 
exterior, o sol faz seu interior parecer ressecado apesar de 
ainda não estar seco, e depois, secando, contrai-se, trincando 
as partes que estavam secas. Produzidos assim fendidos, 
tornam-se quebradiços. Serão muitíssimo melhores ainda se 
forem produzidos a cada dois anos pelo menos, pois antes 
desse tempo não podem secar completamente
148
. 
 
A leitura de Vitrúvio torna-se tão fascinante 
devido ao seu caráter de manual aos arquitetos 
coetâneos a ele; a visãodos antigos sobre um assunto 
complexo como a arquitetura mostra-se um tanto 
didática quando lemos a obra desse autor. Vitrúvio 
 
146
 Suetônio, Nero, 55. 
147
 Saibro: rocha resultante da decomposição química de granitos 
ou gnaisses. 
148
 II, 3. 
alude à qualidade do tijolo que é seco naturalmente nas 
estações amenas do ano. Havia, também, os tijolos 
queimados, muito empregados nas construções 
romanas. De acordo com os arqueólogos Peter 
Connolly e Hazel Dodge em seu livro The ancient city, 
os tijolos queimados poderiam ser de quatro tamanhos 
padrões
149
 (Figura 11): bipedalis (“dois pés 
romanos”), 59 cm; sesquipedalis (“um pé romano mais 
sua metade”), 44 cm; pedalis (“um pé romano”), 29,5 
cm; e bessalis (“três quartos de pé romano”). 
Sobre o tipo de areia apropriada para a 
composição da argamassa, Vitrúvio diz que as espécies 
de areia fóssil são as melhores porque não apresentam 
características de tornarem-se terrosas com a exposição 
ao calor do Sol, o que faria a argamassa não segurar os 
tijolos e, conseqüentemente, ruir as estruturas
150
. Um 
outro gênero de argamassa poderia ter em sua 
composição o pó extraído da pozolana (pumicita) – ou 
a “terra de Vesúvio”, nas palavras de Vitrúvio – uma 
rocha vulcânica extremamente eficaz para conferir 
firmeza aos edifícios e que se solidifica, inclusive, sob 
a água
151
. Outro componente básico utilizado na 
alvenaria das residências (e das demais construções, 
geralmente) era a cal, que seria 
 
(...) obtida do cozimento da pedra branca [calcita] 
ou da pederneira [sílex]; que extraída de pedra compacta e 
mais consistente será adequada à alvenaria, e de pedra porosa 
aos revestimentos. (...) Ora, por que motivo a cal, ao 
misturar-se à água e à areia, consolida a alvenaria? Parece 
que a explicação residiria no fato de as rochas, como os 
demais materiais, resultarem de uma combinação de 
princípios. Assim, as que encerrassem mais ar seriam moles; 
as que encerrassem mais umidade, dúcteis; mais terra, duras, 
e mais calor, mais frágeis
152
. 
 
A construção de edifícios mais altos foi 
possível graças ao desenvolvimento do concreto (opus 
caementicium – “obra cimentada”) no século III a.C., 
que conviveu lado a lado com a antiga técnica do opus 
craticum (“obra engradada; com formato de grade”). O 
concreto foi aperfeiçoado na região da Campânia, e 
fazia-se a partir de uma mistura de pedras e/ou tijolos 
formando um agregado que era preenchido, 
alternadamente, com a argamassa. Porém, a opção mais 
barata de edificação era com o opus craticum (Figura 
12), muito utilizado quando se desejava construir 
algum andar superior: a técnica consistia em preencher 
os espaços quadrados deixados pela grade de madeira 
com pedregulhos e argamassa. Embora mais 
econômico, o opus craticum era frágil e ruía com 
freqüência, além de conter matéria inflamável 
(madeira), sendo passíveis de causar incêndios
153
. 
 
149
 Página 138. 
150
 II, 4. 
151
 II, 6. Já Peter Connoly e Hazel Dodge não fazem menção à 
areia fóssil como elemento da argamassa, segundo eles (The 
ancient city, p. 138): “A argamassa era feita com pozolana 
[pozzolana], uma areia vulcânica que dá força extra e coesão ao 
material e solidifica-se sob a água”. 
152
 Vitrúvio, Da Arquitetura, II, 5. 
153
 Devemos lembrar também que o teto das moradias era feito 
de madeira, coberto com telhas (tegulae) produzidas com 
terracota e que possuíam, segundo Peter Connolly e Hazel Dodge 
(The ancient city, p. 139), geralmente, 45 cm de largura por 60 
cm de comprimento (ver Figura 16). Vitrúvio (II, 9) explica 
como deixar a madeira ideal para o uso na construção: 
 36 
Para as fundações dos edifícios, o concreto era 
derramado em camadas entre uma estrutura de alicerce 
feita de madeira, que geralmente era deixada no local 
após a solidificação do concreto (Figura 13). Para a 
construção de muros, os romanos usaram diversas 
técnicas (além do opus craticum) que variaram no 
tempo: opus quadratum (“obra quadrada”), datada do 
início do século VII e século VI a.C., consistia em 
colocar blocos de pedras paralelos uns aos outros; opus 
incertum (“obra incerta; pouco firme”), datada do 
início do século II a.C., um revestimento para o 
concreto construído com pequenas e irregulares pedras; 
opus quasi-reticulatum (“obra quase reticulada”), 
último quartel do século II a.C., revestimento para 
concreto feito com pedras quadradas, mas não muito 
bem dispostas; opus reticulatum (“obra reticulada”), 
início do século I a.C. até o governo de Nero, um 
revestimento para concreto feito com pedras quadradas 
dispostas diagonalmente, formando o traçado perfeito 
de uma rede; opus testaceum (“obra conchada”), muito 
usada a partir de meados do século I d.C., consistia em 
um revestimento para o concreto feito com camadas de 
tijolos queimados dispostos paralelamente; opus 
mixtum (“obra misturada; mista”), início do século II 
d.C., revestimento que usava tijolos queimados 
dispostos à maneira do opus testaceum e/ou 
intercalados com opus reticulatum; opus vittatum 
(“obra listada”), por volta do século IV d.C., consiste 
em camadas alternadas de pedras com tijolos 
queimados
154
 (Figuras 14 e 15). 
As rochas utilizadas pelos romanos em suas 
edificações variavam em formas e tipos, podendo-se 
destacar o tufo
155
, o travertino
156
 e o mármore
157
. As 
pedreiras localizavam-se por toda a Península Itálica e 
o comércio dessas rochas estendia-se também pelo 
território itálico todo, como Vitrúvio atesta por meio de 
seu conhecimento material: cita, no capítulo VII de seu 
Livro II, as cidades de Tíbure, Anisterno, Soracte, 
Fidenas, Tarquínia, e as regiões da Campânia, Úmbria, 
Piceno e Venécia. 
 
 
Todas essas técnicas de construção, os 
materiais empregados nas edificações e como seriam 
esses edifícios eram pensados e formulados pela figura 
do arquiteto (architectus). Esse especialista, após os 
últimos acertos com a pessoa que o contratava 
(geralmente um membro da ordem eqüestre ou da 
 
 
É necessário que seja cortada fazendo-se uma incisão 
na espessura da árvore até a medula intermediária e que se deixe, 
para que, gotejando, saia através dela toda a seiva. Desse modo, 
o líquido inútil que estiver em seu interior, escorrendo pela 
incisão, impedirá que a seiva se transforme em pus e que 
comprometa a qualidade da madeira. Destarte, quando a árvore 
estiver seca e não destilar mais gota alguma, será derrubada e 
estará perfeita para ser utilizada. 
154
 Para melhor entendimento das técnicas descritas. Sobre a 
descrição da alvenaria segundo os romanos, consultar: Vitrúvio, 
Da Arquitetura, II, 8. 
155
 Rocha vulcânica sedimentar, também conhecida por pozolana. 
Dela era extraído o pó utilizado no preparo da argamassa 
mencionada por Vitrúvio. 
156
 Rocha calcária sedimentar. 
157
 Rocha calcária metamórfica. 
 
ordem senatorial), começava o trabalho de composição 
de sua obra. O arquiteto era visto realmente como um 
compositor, como nos diz o historiador e arqueólogo 
Robert Scranton: “O arquiteto (...) é instruído a „fazer 
especificações‟. O verbo usado [no mundo grego] é 
syngrapsai, do qual provém o substantivo syngraphe, 
amplamente usado. O significado do substantivo pode 
ser entendido como „composição escrita‟: sendo usado 
para designar tanto prosas como histórias ou „escritas‟ 
em geral; talvez esse substantivo contenha em si uma 
idéia dese juntar, na escrita, uma série de dados. De 
qualquer maneira, ele é comum no vocabulário antigo 
sobre as construções e parece ter sido utilizado de 
forma que entendamos como „especificações‟ para uma 
edificação, (..) ou „especificações‟ para um contrato 
(..)”158. O significado de “compor” também cabia 
perfeitamente ao entendimento do verbo “desenhar”: 
lendo Vitrúvio (I, 2), percebemos que o arquiteto 
deveria de fato fazer os desenhos (das plantas, 
elevações e perspectivas) da construção que seria 
executada. Trabalho esse realizado também por uma 
parcela da plebe urbana proletária (obviamente, 
tratando-se aqui de um centro urbano), que recebia 
salário em troca dos dias empregados para erigir a 
construção (Figura 17), pois nenhuma edificação da 
Antiguidade foi erigida por apenas um homem: os 
“anônimos” tiveram um papel fundamental na 
ampliação da cultura material, como nos lembra Brecht 
em seu famigerado poema: 
 
Quem construiu a Tebas de sete portas? 
Nos livros estão os nomes de reis. 
Arrastaram eles os blocos de pedras? 
E a Babilônia várias vezes destruída. 
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas 
Da Lima dourada moravam os construtores? 
Para onde foram os pedreiros, 
Na noite em que a muralha de China ficou pronta? 
A grande Roma está cheia de arcos de triunfo. 
Quem os ergueu? Sobre quem 
Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio 
Tinha somente palácios para seus habitantes? (...) 
159
 
 
 
 
 
 
 
 
 
B) Moradias: Domus e Insula 
 
 
Após esta breve introdução aos materiais e 
algumas técnicas utilizadas nas construções, 
analisaremos a moradia romana. Mas qual seria a 
importância sobre o estudo da casa e qual a relação 
entre a residência dos romanos e o trabalho realizado 
pelos artesãos da plebe urbana (questão central que 
abordamos)? 
 
158
 “Greek building”, in: Carl Roebuck (ed.), The muses at work, 
pp. 5-6. 
159
 Bertolt Brecht, “Perguntas de um trabalhador que lê”, in: 
Poemas de Bertolt Brecht. 1913-1956. São Paulo: Brasiliense, 
1986, p. 167. 
 37 
A questão mais evidente ao se estudar as 
moradias romanas é que os aspectos estruturais das 
casas denotam o contraste existente entre as pessoas 
mais abastadas e as que possuíam menos recursos 
econômicos. Como se verá, a planta de uma casa 
pertencente a um rico (domus – “casa”) é geralmente 
mais fácil de identificar quando comparada à de uma 
insula (“ilha”), embora o problema central não seja o 
do tamanho da área ou o da altura da estrutura. As 
moradias ricas possuíam elementos arquitetônicos em 
comum: características herdadas quando da formação 
de uma aristocracia como grupo social, diferenciada 
das demais pessoas que habitavam o campo ou a 
cidade. Embora houvesse uma tendência ao 
agrupamento de moradias de pessoas mais abastadas 
em determinados bairros, mesmo assim dificilmente 
era possível conter a permeação (e a difusão) das 
insulae e dos tuguria pela geografia urbana romana. 
A insula, por sua vez, foi reflexo do 
crescimento demográfico sofrido por Roma a partir do 
século III a.C.: o território urbano ficou pequeno para a 
construção de moradias individuais, além do alto custo 
de edificação desse tipo de residência. A solução 
encontrada foi a mais prática possível: a construção de 
“prédios”, com andares variados, por parte dos 
membros pertencentes às ordens senatorial ou eqüestre 
para fins de locação
160
. Outra forma rentável era 
ampliar uma domus, construindo-se um cômodo 
adjacente à estrutura ou até mesmo elevando-se um 
andar na casa. Voltando-nos à pergunta inicial, a 
resposta está no fato de as moradias serem os locais de 
fabricação e venda dos artesanatos. Uma insula (e 
também uma casa com algum cômodo locado) podia 
contar com várias tabernae (“tabernas”) e officinae 
(“oficinas”), ou seja, essas áreas de trabalho da plebe 
urbana eram as responsáveis pela distribuição de 
alimentos e dos artefatos que serão aqui estudados. O 
taberneiro e o artesão normalmente moravam dentro de 
seus locais de trabalho, mesclando, dessa maneira, sua 
vida pública e sua vida particular em um mesmo 
ambiente, acomodando-o de acordo com cada ocasião. 
Obviamente, esses artesanatos vendidos eram 
acolhidos em inúmeros locais diferentes, por isso, o 
estudo da moradia dos ricos também se faz importante: 
os produtos fabricados foram, em diversas ocasiões, 
encontrados em escavações arqueológicas realizadas 
em domus; dessa maneira, é possível analisar quais os 
artesanatos mais comuns que chegavam a essa elite da 
sociedade. Far-se-á a seguir, portanto, uma breve 
descrição das principais características da domus – aqui 
entendida como “consumidor” – e da insula onde 
 
160
 Vitrúvio, no século I a.C., escrevia sobre a necessidade das 
insulae (II, 8): 
 
É necessário (...) produzir numerosas habitações na 
majestade da Urbe, na infinita aglomeração de cidadãos. Logo, 
uma vez que as áreas no rés-do-chão não poderiam conter 
tamanha multidão a ocupar a Cidade, por isso mesmo, é 
necessário recorrer à ajuda dos edifícios em altura. E, assim, 
estruturas em altura com pilares de pedra, paredes de alvenaria, 
argamassa de pedrisco e cobertas por numerosos vigamentos nos 
andares superiores serão de fundamental importância para a 
construção de edifícios. Por conseguinte, com a cidade 
multiplicada em altura por muitos pavimentos, o povo romano 
terá, sem dificuldades, habitações magníficas. 
morava e trabalhava a plebe urbana – aqui entendida 
como “fabricante”. 
 
 
▪ Domus. 
 
Para o arqueólogo John R. Clarke: “Duas 
fontes nos ajudam a reconstruir com certa 
verossimilhança a casa urabana patrícia, ou domus. 
Uma das fontes é Vitrúvio (Da Arquitetura), escrita 
nos anos 20 a.C.. O arquiteto cuidadosamente nomeia 
as salas e prescreve as funções dessas salas. (...) Apesar 
de sua grande atenção aos pormenores, Vitrúvio nunca 
forneceu uma planta clara o bastante para a domus. 
Esse problema é resolvido a partir de nossa segunda 
fonte: as casas romanas escavadas da Itália. [Assim, 
devido às escavações,] é-nos possível reconstruir a 
típica planta de uma habitação patrícia descrita por 
Vitrúvio”161. Dessa maneira, o estudo das moradias 
romanas é realizado com base em duas fontes 
diferentes, mas complementares: as fontes textuais e as 
fontes materiais. 
As melhores evidências materiais – tanto em 
quantidade como em qualidade – das moradias nas 
cidades romanas encontram-se em Pompéia e 
Herculano, graças à erupção do vulcão Vesúvio em 79 
d.C., que praticamente soterrou um retrato da vida 
romana do século I d.C.
162
. Embora cada cidade da 
Península Itálica contasse com suas particularidades, as 
características básicas do que era uma domus 
estenderam-se pela orla do Mediterrâneo. 
Segundo A. J. Brothers em seu capítulo 
“Urban housing” presente na obra Roman domestic 
buildings, o desenvolvimento de casas “típicas” 
romanas parece ter duas fases: A) uma forma 
puramente “itálica”, na qual um conjunto de salas 
rodeia um espaço aberto; B) a essa forma “itálica” foi 
adicionado um pátio colunado (peristilo) cercado por 
demais salas, que segundo o autor: “Esta adição chegou 
sob a influência grega e era geralmente construído ao 
fundo da casa original (...)”163. A forma “itálica” a que 
se refere Brothers deriva principalmente do modelo 
etrusco de construção. A junção de características 
arquitetônicas etruscas, laciais e helênicas dão mostra 
do porquê de as diversas partes de uma casa possuírem 
denominações quevariam entre o latim (atrium e 
tablinum, por exemplo) e o grego (peristylium e 
exedra, por exemplo)
164
. 
Os elementos que compunham a casa patrícia 
serão a seguir explicitados. 
 
 
161
 The houses of Roman Italy: 100 B.C. – A. D. 250, p. 2. 
162
 D. S. Robertson escreveu (Arquitetura grega e romana, p. 
359): “No tocante às moradias romanas o volume de testemunhos 
é avassalador, porém, quanto ao período pré-imperial, 
dependemos principalmente de Pompéia, onde as casas eram, em 
sua origem, mais oscas que romanas, embora exibam um tipo 
italiano claramente definido”. A frase de Robertson é de 1929; 
mais construções pré-imperiais foram escavadas até hoje, 
contudo, as cidades vesuvianas ainda são as evidências mais bem 
conservadas. 
163
 Página 34. 
164
 A. J. Brothers, “Urban Housing”, in: I. M. Barton (ed.), 
Roman domestic buildings, pp. 34-35. 
 38 
▪ Atrium (“átrio”): principal espaço da sala. 
Ao seu redor os demais cômodos da moradia eram 
estabelecidos. “Existem muitas sugestões de derivação 
para a palavra atrium; uma das mais plausíveis – que 
embasa a teoria de um „espaço de vivência‟ – é a que 
afirma a palavra vir de ater (“preto”) devido ao 
escurecimento das vigas de madeira do teto causado 
pela fumaça vinda do fogo sagrado da família, que 
ardia no centro do espaço, sob uma pequena abertura 
no teto”165. A teoria de o átrio ser um espaço de 
vivência é calcada não apenas na origem do termo 
atrium, mas também nos dados que as escavações 
arqueológicas trouxeram à luz: algumas casas de 
Herculano não apresentam implúvio ou o apresentam 
como uma adição posterior ao átrio. Uma outra teoria é 
a de que o átrio era originalmente um pátio sobre o 
qual o telhado era transpassado por uma extensão 
gradual de beirais, o que corrobora o escurecimento das 
vigas por causa da fumaça do fogo. Vitrúvio nos 
apresenta cinco classificações de átrios: 
 
Átrios toscanos são aqueles nos quais as vigas 
transversais sustentam ao longo do vão modilhões e calhas, 
desde os cantos das paredes até o ângulo do vigamento, bem 
como, nos esteios, um escoadouro da água das chuvas para 
um implúvio central. Nos átrios coríntios, segundo as 
mesmas disposições, são instaladas vigas e implúvios, mas as 
vigas que vêm de trás das paredes compõem-se com um 
circuito de colunas a sua volta. Tetrastilos são aqueles 
colocados apenas sob vigas e colunas cantoneiras que 
asseguram a essas vigas utilidade e firmeza, porque elas 
próprias nem são obrigadas a suportar tão grandes esforços, 
nem são sobrecarregadas por modilhões. Em duas águas 
[também conhecido por “despluviado”] são aqueles cujas 
calhas, sustentando uma cisterna, remetem para trás a água 
das chuvas. Esses átrios são da maior utilidade sobretudo nas 
habitações de inverno, porque seus implúvios, uma vez 
soerguidos, não prejudicam a iluminação das salas de jantar. 
Apresentam, porém, o grave inconveniente de exigir 
constantes reparações, porque os dutos ao redor das paredes 
que escoam as águas das chuvas são formados por canaletas 
que não recolhem das calhas com suficiente rapidez a água 
defluente, que, acumulando-se dessa forma, transborda, 
arruinando o vigamento dos edifícios nesse gênero. Átrios 
abobadados [também conhecido por “testudíneo”], por sua 
vez, são executados onde não há grandes vãos a serem 
vencidos, e por cima dos quais, sobre um vigamento, podem 
ser erguidas habitações espaçosas
166
 (Figuras 18 a 21). 
 
O compluuim (“complúvio”) é a abertura na 
parte central do teto do átrio, sendo o responsável pela 
iluminação, pela ventilação do ambiente e por facilitar 
a chegada das águas da chuva a uma bacia retangular 
existente no chão do centro do átrio, o impluuium 
(“implúvio”). Alguns implúvios continham uma fonte, 
uma estátua ou uma cisterna, denominada puteal 
(“boca do poço”), que armazenava as águas pluviais 
para o uso doméstico da família, como bem explica 
John R. Clarke: “O implúvio (...) é um marcador de 
eixo [na casa] e um símbolo da independência da 
domus em relação ao mundo exterior: no período 
anterior à água vinda das ruas, a cisterna providenciava 
o fornecimento de água para a família”167 (Figuras 18, 
22 e 23). 
 
165
 Ibidem, p. 37. 
166
 Da Arquitetura, VI, 3. 
167
 The houses of roman Italy: 100 B.C. – A. D. 250, p. 4. 
No átrio, além dos retratos
168
 dos ancestrais da 
família, também ficava um elemento importante da 
vida religiosa romana: o lararium (“larário”; local de 
culto aos lares. Ver Figura 24). “Usualmente colocado 
em um dos cantos do átrio ou na área da cozinha, esses 
altares incluíam, em adição às estátuas ou pinturas dos 
dois lares
169
 e do genius
170
, outros símbolos de boa 
fortuna [felicidade], como a serpente. Os lares 
recebiam uma variedade de oferendas, incluindo 
incenso, encantamento, uvas, guirlandas de grãos, 
bolos de mel, favos de mel, frutas, vinho, e até mesmo 
sacrifícios de sangue. No lararium, o paterfamilias
171
 
regularmente rezava e oferecia sacrifício aos lares da 
família”172. 
 
▪ Tablinum (“sala de recepção”): sala com a 
mesma largura do átrio, construída imediatamente após 
esse cômodo
173
. Sua função era a de receber visitantes 
e, ao mesmo tempo, a de guardar os documentos 
(tabulae) referentes à casa e à família. 
 
▪ Fauces (“garganta”): corredor que separava 
o átrio da rua; às vezes, entre a ligação da fauces com o 
atrium, existia um pequeno cômodo chamado 
uestibulum (“vestíbulo”). A. J. Brothers aponta algo 
interessante sobre a segurança nas domus: “As portas 
eram fechadas por trancas e, às vezes, por fechaduras 
de ferro também. À noite, a segurança na porta podia 
ser reforçada com o uso de um arrimo de madeira que 
era posicionado num encaixe existente na fauces e 
colocado contra o centro da porta. Ocasionalmente, 
como na Casa do Touro em Pompéia, existia uma 
pequena porta na parede lateral do uestibulum que dava 
para a fauces, não precisando abrir a porta principal a 
cada pessoa sozinha que desejasse entrar. Esses 
sistemas de segurança demonstram claramente os 
perigos que cercavam as ruas, especialmente à 
noite”174. 
O eixo fauces-atrium-tablinum era percorrido 
todas as manhãs pelos clientes do paterfamilias (nesse 
caso, exercendo o papel de patronus – “patrão”) no 
ritual da salutatio (“saudação”): um laço não formal de 
fidelidade dos clientes aos seus patrões. Para John R. 
Clarke, “esse ritual estruturou a domus”175. 
 
▪ Cubicula (“cubículos”): eram quartos 
situados ao redor do átrio. Neles, a posição da cama era 
 
168
 O retrato romano era bem diferente da noção que temos 
atualmente. As famílias encomendavam o retrato de algum 
artesão da cidade, e ele era esculpido na rocha; ou seja, o retrato 
na Antiguidade era tridimensional, muito diferente do nosso 
retrato “plano”. Para mais pormenores sobre os retratos nas 
diferentes épocas romanas, ver: W. E. Mierse, Ochos ensayos 
interpretativos sobre el arte romano, in: M.I.D‟A. Fleming (ed.) 
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia. São Paulo: 
Suplemento 1, 1999. 
169
 Espíritos tutelares da casa, ligado ao casamento também. 
170
 Gênio: espírito da fertilidade que garantia a continuidade do 
clã (gens). 
171
 O pai da família; o chefe da casa e da família. 
172
 John R. Clarke, The houses of roman Italy: 100 B.C. – A. D. 
250, p. 9. 
173
 Vitrúvio, VI, 3. 
174
 “Urban Housing”, in: I. M. Barton (ed.), Roman domestic 
buildings, p. 41. 
175
 Op. Cit., p. 4. 
 39geralmente acompanhada por uma mudança no traçado 
do mosaico que estava no chão, por uma mudança no 
padrão de pintura do teto ou pela construção de uma 
plataforma para se apoiar a cama
176
. 
 
▪ Alae (“asas”): essas alas eram áreas ou 
corredores que ficavam entre o átrio e o tablinio, uma 
de cada lado. A sua função, o seu uso ainda é incerto 
para os pesquisadores. 
 
▪ Peristylium (“peristilo”): cômodo da casa de 
origem grega, o peristilo é um pátio ou jardim 
colunado com algum dos estilos gregos (dórico, jônico, 
coríntio, misto). Construído como um adendo na 
moradia, esse pátio foi posicionado atrás do tablinum. 
O autor A. J. Brothers chama a atenção: “A velha idéia 
de que o átrio de uma casa era somente para os 
negócios da família e o peristilo apenas para a família e 
para comunicações puramente sociais com os amigos 
mais íntimos simplesmente não corresponde ao que 
sabemos sobre o modo de vida romano”177. 
 
▪ Triclinium (“triclínio”): sala de jantar cujo 
nome é derivado do grego, correspondendo a um 
conjunto de três divãs reclinados onde os convivas 
deitavam-se para a ceia ou banquete. 
 
▪ Oecus (“salão”): um salão de recepção talvez 
usado para o jantar, e freqüentemente um dos cômodos 
da casa mais decorados. 
 
▪ Diaeta (“casa de recreio”): cômodo ao ar 
livre, usado para lazer e relaxamento. 
 
▪ Exedra (do grego eks – “na parte exterior 
de” + hédra – “banco, assento”): pátio colunado ao ar 
livre em formato circular ou semicircular que possuía 
bancos para reuniões. 
 
▪ Tabernae (“tabernas”): cômodos construídos 
na domus com fins de locação para moradia e 
comércio. D. S. Robertson afirma que, na casa: “Havia 
aposentos superiores, exceto acima do tablino, 
iluminados por janelas (Figuras 25 e 26) existentes nas 
paredes externas e por vezes dotados de balcões”178. 
Alguns desses aposentos poderiam ser alugados para 
plebeus, que usariam o espaço para morar e trabalhar, 
seja numa taberna, seja numa oficina, porém, esses 
locais não eram apenas construídos em andares 
superiores (como atesta a presença de escadas ou até 
mesmo de andares superiores que sobreviveram ao 
tempo), edificando-se a partir da técnica do opus 
craticum (bem mais econômica). Muitas tabernas eram 
construídas na fachada da casa, ao lado da fauces. A 
declaração de A. J. Brothers é bastante esclarecedora: 
“Originalmente [esses cômodos] eram provavelmente 
quartos de dormir ou quartos de serviço ou para 
armazenagem, e em algumas casas eles permaneceram 
com essas funções; mas uma característica comum em 
 
176
 A. J. Brothers, “Urban Housing”, in: I. M. Barton (ed.), 
Roman domestic buildings, p. 43. 
177
 “Urban Housing”, in: I. M. Barton (ed.), Roman domestic 
buildings, p. 45. 
178
 Arquitetura grega e romana, p. 361. 
Pompéia e Herculano é achar esses cômodos 
convertidos em lojas (tabernae) de frente à rua, em 
ambos os lados da entrada da casa. Se essas tabernas 
ficavam sob o controle do dono da casa ainda não é 
uma questão totalmente esclarecida, mas o fato de 
serem completamente abertas para a rua, sem qualquer 
acesso de dentro da casa, parece indicar que não eram 
controladas. Esse desenvolvimento tardio nas 
residências é apenas uma das muitas tendências que 
indicam o começo de um período de mudança 
econômica e social [a partir do século II a.C.]”179 
(Figura 27). 
 
 
 
▪ Insula. 
 
Em oposição à grande casa particular temos, 
em maior número, a pequena casa alugada ou 
particular, onde geralmente viviam as pessoas menos 
abastadas da cidade. 
No entanto, essas moradias não-domus são as 
que maior trabalho dão aos pesquisadores da 
antiguidade romana. Não é simples identificar o 
significado de insula (“ilha”) para os romanos. Os 
textos antigos muitas vezes deixam dúbia a questão de 
classificar o que realmente são as insulae: 
 
Duas vezes apenas [o imperador Tibério
180
] foi 
generoso, publicamente: uma quando emprestou ao povo cem 
milhões de sestércios, pelo prazo de três anos, sem juros. 
Outra quando indenizou alguns proprietários de “insulas” 
[dominis insularum] consumidas pelo fogo, no monte Célio. 
(Suetônio, Vida de Tibério, 48). 
 
Os dicionários de latim designam insula como 
“ilha”, e essa é a causa do problema. “Ilha” pode 
significar tanto um único local – separado dos 
circunvizinhos – como pode significar também um 
conjunto de locais – novamente, separados dos 
circunvizinhos. Uma família romana residente em uma 
casa ou em um apartamento constituiria uma insula, 
afinal, o núcleo familiar estaria separado das ruas pelas 
paredes da construção, além de que uma família 
fechada em si mesma também pode ser vista como uma 
espécie de ilha. O arqueólogo Glenn Storey – em seu 
artigo “Regionaries-type insulae 1: 
architectural/residential units at Ostia” – faz a relação 
entre a palavra insula e sua materialidade: “A 
referência terminológica para domus parece 
diretamente ligada – e seu correlato arqueológico da 
mesma forma relativamente claro – a uma estrutura 
sozinha, que toma espaço em um quarteirão inteiro ou 
em uma discreta parte dele (especialmente como 
observado nas cidades de Pompéia e Herculano). A 
referência terminológica para insula não é tão 
diretamente ligada às evidências arqueológicas, mas os 
dois termos [domus e insula] aparecem freqüentemente 
justapostos, sugerindo alguma ligação íntima entre 
eles. A ligação poderia sugerir que a insula fora, em 
certo sentido, também uma estrutura separada (nesse 
 
179
 “Urban Housing”, in: I. M. Barton (ed.), Roman domestic 
buildings, p. 42. 
180
 Governou de 14 a 37 d.C. 
 40 
caso, representando uma associação arquitetural), ou 
que fora uma família em singular (nesse caso, uma 
associação sócio-estrutural). Qualquer que seja a razão 
para o paralelo, a insula parece ser uma residência em 
uma escala menor (quando comparada à domus), e seu 
correspondente arqueológico está mais bem 
representado na cidade de Óstia, o porto de Roma”181. 
Para os estudos sobre a definição do termo 
insula, Glenn Storey comparou as evidências 
arqueológicas com dois importantes documentos do 
século IV d.C., o Curiosum e o Notitia, que, em 
conjunto, são conhecidos por Regionários. Javier 
Arce, arqueólogo, discorre acerca dos Regionários: 
“Como é bem sabido, o Curiosum (e também a Notitia 
Urbs Romae) são uma descrição, ou melhor, uma 
enumeração, dos diversos monumentos da cidade de 
Roma por regiões – as velhas XIV regiões do período 
de Augusto. Depois da enumeração, o autor [anônimo] 
dá conta do número de vici, aediculae, insulae, para 
concluir com a referência à extensão, em pés, da região 
correspondente. Como conclusão, apresenta um resumo 
global: número de bibliotecas, obeliscos, pontes, 
montes, campos, foros (...). Resulta evidente que a 
numeração dos edifícios contidos em cada região é 
completamente arbitrária (...). A seleção é caprichosa 
assim como a ordem da enumeração. Ao que se refere 
às cifras, possuem um valor acumulativo: sua 
finalidade é demonstrar que Roma é a maior cidade de 
todas e lembrar o nome de suas ruas, aquedutos, foros, 
basílicas, templos. As discrepâncias entre Curiosum e 
Notitia, as alterações da tradição manuscrita, não 
permitem nenhuma confiabilidade”182. 
Contudo, Glenn Storey ameniza as críticas de 
Arce aos Regionários. O estudo empreendido por ele 
mostra que os números de edifícios não eram 
“completamente arbitrários” e que, pelo contrário, 
possibilitam, sim, uma verossimilhança com o que é 
narrado pelo autor anônimoantigo. Para Storey, um 
dos erros mais comuns por parte dos pesquisadores de 
Roma Antiga é tomar como verdade os números que 
aparecem nos Regionários: a cidade de Roma jamais 
comportaria em seu território (mesmo em período 
tardio) 1800 domus e 46000 insulas, caso essas insulae 
fossem deveras um bloco de apartamentos cada uma. A 
análise de Glenn Storey sobre os vestígios materiais já 
escavados na região de Roma confirma sua hipótese de 
trabalho, ou seja, os números dos Regionários são 
daquilo que o autor denomina de “unidade 
arquitetural/residencial” (ARU, no original inglês) 
(Figura 28): sendo assim, cada unidade da cifra total 
que aparece nos documentos é um local habitável por 
uma pessoa ou uma família, o que corrobora o uso do 
termo insula pelos romanos para designar quaisquer 
tipos de moradias (além de domus, obviamente). 
Embora a pesquisa do arqueólogo Storey seja feita com 
base nas evidências do século IV d.C., os resultados de 
seu estudo podem também ser recuados ao período da 
República, sem que com isso caia-se em anacronismo, 
pois, o que caracteriza as insulae na visão de Glenn 
Storey – que retomou uma idéia proposta por Axel 
 
181
 American Journal of Archaeology (AJA), vol. 105, nº 3, 2001, 
pp. 389-90. 
182
 “El inventario de Roma: Curiosum y Notitia”, in: Journal of 
Roman Archaeology (JRA), nº 33, 1999, pp. 17-18. 
Boethius
183
 em 1951 – é a presença de escadas que 
levem ao andar superior, independentemente a que 
construção estejam diretamente ligadas. 
 
A construção de andares superiores, dando 
origem às insulae, era geralmente feita a partir da 
técnica do opus craticum, onde uma treliça de madeira 
era preenchida com argamassa e pedras. Deixemos que 
o poeta Juvenal introduza a questão da fragilidade da 
construção aqui citada: 
 
(...)Uma Cidade 
Escorada habitamos quase toda 
De madeira, que artífices ignaros 
Lhe arrumam, e tapando alguns buracos, 
Dizem à gente, que tranqüila durma, 
Debaixo de impendentes tais perigos. 
Quanto é melhor, daqui viver-se longe, 
Onde incêndios não há, nem se receia 
De noite o susto? Uma água para o fogo 
Pede; de pouca monta uns velhos móveis 
Ucalegon salvara; no terceiro 
Andar, o incêndio lavra sem saberes, 
Se de baixo os vizinhos risco correm, 
Que fará quem habita, aonde as pombas 
Lascivas põem, no brando ninho os ovos?
184
 
 
Incêndios e desmoronamentos eram 
freqüentes. A plebe ia dormir sem saber se acordaria 
sobre o piso ou sob o teto caído da casa em que 
morava. Uma das principais causas dos desabamentos 
estava na espessura das paredes levantadas para se 
fazer os cômodos. O historiador e arqueólogo Jérôme 
Carcopino faz a síntese das palavras escritas pelos 
próprios romanos: “A Roma de Cícero está como que 
suspensa nos ares sobre os apartamentos [cenacula] 
(...). A Roma de Augusto alcança alturas mais elevadas 
(...), o imperador proibiu a construção de edifícios de 
mais de 20 metros de altura. (...) Em vão Trajano 
renovou as restrições de Augusto, tornando-as ainda 
mais severas, pois limitou a 18 metros a altura dos 
edifícios privados: a necessidade foi mais forte do que 
a lei”185. Porém, não é fácil para nós, hoje em dia, 
assegurarmos corretamente a altura dos edifícios 
antigos. Além de, com raríssimas exceções, a maioria 
dos edifícios terem deixado por vestígios apenas o 
térreo, os muros que continuam erguidos não ajudam a 
estabelecer uma relação entre a largura da parede e a 
altura alcançada pela construção, como afirma Glenn 
Storey: “Os romanos provavelmente construíam 
paredes espessas apenas o suficiente para suportar as 
estruturas. Essa prática era razoável, dado que os 
engenheiros romanos parecem não terem tido meios de 
testar a resistência dos materiais antes de utilizá-los nas 
estruturas”186. Já os incêndios, geralmente eram 
 
183
 “É típico do sistema romano... que as oficinas, as típicas 
tabernae... para comércio, artesanato e também como moradia 
dos proletários estivessem espalhadas por toda a cidade. Além 
disso, em Roma, andares superiores [armazéns] foram 
construídos, acessíveis diretamente por escadarias. Essas 
insulae... podem ser seguramente encontradas por volta do século 
III a.C.”. A. Boethius apud Glenn R. Storey, in: AJA, vol. 106, nº 
3, 2002, p. 414. 
184
 Sátiras, III, 254-268. 
185
 Roma no apogeu do Império, p. 44. 
186
 American Journal of Archaeology (AJA), vol. 105, nº 3, 2001, 
p. 396. 
 41 
ocasionados pelo contato de lamparinas, archotes, 
“fornos portáteis”, entre outras fontes de calor, com o 
material inflamável existente na estrutura da casa 
(quase sempre, a madeira) e no mobiliário
187
 (Figura 
29); aliada à propensão de incêndios estava a escassez 
de água: os aquedutos (uma vez construídos) forneciam 
água para as termas e fontes públicas (lacus) e, 
dependendo da quantia de dinheiro paga aos 
responsáveis pelas construções do Estado, uma 
pequena parte da água das ruas podia ser desviada para 
as casas, porém, esse fornecimento nunca alcançava os 
andares superiores das residências; sendo assim, era 
muito difícil de algum incêndio ser controlado 
rapidamente pelos moradores ou pelos “bombeiros” 
criados na época de Augusto (os uigiles – “vigias) 
(Figura 30). 
Cabe frisar aqui, mais uma vez, o caráter de 
aluguel presente nas insulae (nesse caso, tomando 
insula por oposição a domus). A elite de Roma 
construía as habitações e as locava, sendo responsável 
também pela manutenção dessas estruturas. Ilustremos 
o que foi falado com o exemplo estudado pelo 
arqueólogo Felix Pirson sobre a insula Arriana 
Polliana, na região VI.6 de Pompéia, datada de II a.C.. 
Arriana Polliana foi formada a partir de uma domus, a 
qual teve acrescidos vários cômodos para locação, 
transformando-se, assim, em um bloco de moradias 
(insula) (Figura 31). Pirson em seu artigo menciona a 
inscrição encontrada no local (CIL IV 138): 
 
Na Insula Arriana Polliana de Cn. Alleius Nigidius 
Maius tabernae com suas pergulae e cenacula equestria e 
domus serão alugadas a partir de 1º de Julho. Para aluguel, 
consulte Primus, escravo de Cn. Alleius Nigidius Maius
188
. 
 
A evidência arqueológica para a 
habitabilidade das tabernae citadas na inscrição é 
assegurada pelo fato de existirem latrinas, nichos para 
camas e alguns altares consagrados às divindades 
relacionadas ao trabalho e ao comércio; segundo Felix 
Pirson: “A existência de tantos altares indica a 
necessidade dos habitantes em definir suas moradias – 
mesmo que consistam no espaço ao fundo de uma 
taberna – como sendo de uma família independente”189. 
O termo pergula (“varanda”) refere-se aos mezaninos 
que ficavam anexados às tabernas; também serviam à 
 
187
 Carcopino, sobre o mobiliário (Op. cit., p. 53): “Em todas as 
casas romanas o mobiliário consistia essencialmente em leitos, 
que serviam como cama à noite, e durante o dia como mesas de 
refeições, escrivaninha, etc. Os pobres se contentavam com 
catres de alvenaria presos às paredes e recobertos de palha. Toda 
a economia era investida na aquisição de leitos, cada vez mais 
bonitos. (...) As mesas nada tinham em comum com as que 
conhecemos hoje em dia. Só bem mais tarde, por intermédio do 
culto cristão, é que se tornaram as mesas maciças de quatro pés. 
(...) Quanto aos assentos, seus vestígios nas escavações são ainda 
mais raros, e há uma razão convincente para isso. Como as 
pessoas comiam e trabalhavam deitadas [sic], constituíamum 
móvel supérfluo. (...) Os romanos se contentavam com bancos 
(scamna), escabelos (subsellia) ou sellae, sem braço ou encosto, 
que levavam consigo para fora (...). O resto do mobiliário, o 
essencial, consistia em capas de móveis, tapetes, colchas, 
almofadas dispostas nas camas, aos pés das mesas, nos bancos, 
nas sellae, e ainda nos adornos e nas baixelas”. 
188
 “Rented accommodation at Pompeii: the evidence of the 
Insula Arriana Polliana VI.6”, in: JRA, nº 22, p. 168. 
189
 Ibid. 
habitação, contudo, possuíam claramente uma 
conotação negativa, imbuindo seus moradores de uma 
classificação social bem inferior. Outra estrutura que 
também denotava inferioridade social (e, por extensão, 
econômica) era o cenaculum (“refeitório”): cômodo 
acima do térreo (uma espécie de “apartamento”)190. Por 
fim, a partir da planta de Arriana Polliana, podemos 
concluir que o substantivo domus está no plural, já que 
aparecem outras estruturas que contêm os elementos 
típicos de uma domus explicitados acima (ex: domus 7 
e 10 da Figura 31). 
 
As tabernae, tão mencionadas até aqui, são de 
fundamental importância para este trabalho. A plebe 
urbana romana – ao menos, a sua maioria – vivia e 
trabalhava nessas tabernas. O que foi pesquisado até o 
presente momento não nos afirma com exatidão a 
diferença entre uma taberna e uma oficina (officina), 
por isso, tomaremos ambos os termos como sinônimos: 
eram locais de moradia e trabalho, independentemente 
se o plebeu comercializasse alimentos (o que nos 
aproximaria mais à taberna que conhecemos hoje) ou 
artesanatos (algo mais parecido com uma oficina). 
O historiador e arqueólogo Joseph Jay Deiss 
em seu ótimo estudo sobre a cidade de Herculano 
apontou algumas características que podem ser 
ampliadas também à cidade de Roma e tomadas como 
inerentes às tabernas. Afirma ele: “Em Herculano, as 
habitações, lojas, e oficinas da baixa classe média [sic] 
e artesãos – a plebs – são fáceis de se reconhecer. Os 
pequenos comerciantes tendiam a residir em pequenas 
casas que eram conectadas diretamente, ou próximas, 
às suas lojas. Os artesãos, por sua vez, inclinavam-se a 
morar no fundo do espaço onde trabalhavam, ou no 
mezanino de suas oficinas; às vezes, também, o espaço 
era utilizado para o trabalho e para a venda”191. Já os 
escravos, podiam trabalhar nas tabernas/oficinas 
durante o dia e voltar à noite para dormir na casa de seu 
senhor, geralmente em um pequeno aposento ao lado 
da cozinha da casa. 
O tamanho das tabernas nem sempre é 
proporcional às economias de seus donos: uma loja 
grande não necessariamente continha mais artesanatos 
ou maior luxo do que uma pequena loja. A disputa por 
fregueses era acirrada nas grandes cidades romanas: é 
comum encontrar-se em um mesmo quarteirão 
tabernae que ofereçam os mesmos produtos, e, como 
dito, tamanho não era sinônimo de maior ou menor 
qualidade de artigos oferecidos. Deiss descreve um 
interior comum das tabernas: “A típica loja de vinho, 
ou de refeição rápida [thermopolium], possuía um 
arranjo padrão. Em quase todas as lojas, o balcão era 
revestido com fragmentos de mármore. As ânforas 
 
190
 Entretanto, com o passar do tempo, muitos cenacula 
adquiriram maior metragem e serviram ao gosto também das 
classes mais altas da sociedade romana, embora nem sempre por 
vontade própria, como foi o caso da família do imperador 
Vitélio, que num momento de dificuldade financeira, teve de 
alugar a própria casa e mudar-se para um cenaculum: 
 
Sabe-se perfeitamente que [Vitélio] não tinha dinheiro 
para iniciar a viagem [à Germânia]. Estava tão sem recursos que 
deixou sua mulher e seus filhos em um ático alugado. (Suetônio, 
Vitélio, 7). 
191
 Herculaneum. Italy’s buried treasure, p. 114. 
 42 
permaneciam com vinho sempre fresco devido à pedra 
fria, na qual os jarros ficavam antes de serem servidos. 
O balcão dispunha de uma variedade de deliciosos 
alimentos: queijos, nozes, amêndoas, tâmaras, figos, 
uvas-passas, bolos, e guloseimas similares. Bebidas 
quentes também eram servidas, os romanos eram 
apaixonados por vinhos bem aquecidos ou temperados 
de diversas maneiras, adoçados com mel”192 (Figuras 
32 e 33). A plebe urbana geralmente possuía uma vida 
bem mais agitada, não podendo desfrutar do otium 
(“ócio”) aristocrático, por isso, a maioria das refeições 
do romano era feita nas ruas
193
, nas tabernae, onde 
compravam seu pão ou mingau, tomavam seu vinho e, 
quando tivessem um pouco mais de recurso, podiam 
degustar algum assado preparado com mel (para realçar 
o sabor) (Figura 34). Outro ponto interessante a que 
Joseph Deiss chama a atenção é: “Não sem freqüência, 
lindos objetos são encontrados nas moradias dos 
pobres. Nem é surpresa: os artesãos eram os criadores 
dos lindos objetos encontrados [também] nas casas dos 
ricos”194. 
Discorramos, então, sobre o artesanato 
produzido por essa plebs urbana romana. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
192
 Ibidem, p. 119. 
193
 Uma analogia com o fast-food que conhecemos hoje não seria 
um erro tão crasso. 
194
 Op. Cit., p. 126. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 43 
Parte IV 
 
A) O artesão 
 
 
“Durante o dia havia intensa animação, 
atropelos caóticos, um barulho infernal. As tabernae se 
enchem assim que abrem as portas, além das quais 
expõem as mercadorias. Os barbeiros atendem aos 
fregueses no meio da rua. Os bufarinheiros do 
Trastevere trocam mechas de enxofre por contas de 
vidro. Os donos de botequim, roucos de tanto chamar 
uma freguesia que se faz de surda, exibem salsichas 
fumegantes em caçarolas. Mestres-escolas e seus 
alunos esgoelam-se ao ar livre. De um lado, um 
cambista tilinta numa mesa suja moedas com a efígie 
de Nero; de outro, um bate-folha golpeia o ouro com o 
martelo brilhante sobre a pedra gasta; na esquina, um 
grupo de curiosos se maravilha com um encantador de 
serpente; por toda parte retinem as marteladas dos 
caldeireiros e as vozes dos mendigos que em nome de 
Belona ou como lembrança de seus infortúnios se 
esforçam por enternecer os transeuntes. Estes escoam 
num fluxo ininterrupto que os obstáculos a sua frente 
não impedem de tornar-se torrencial. Em ruelas 
indignas de uma aldeia, há todo um mundo, à sombra 
ou ao sol, que vai, vem, grita, se acotovela e se 
empurra.” 
O excerto poético acima, de Jérôme 
Carcopino
195
, é rico em dar dinamismo à vida das ruas 
romanas. Pela quantidade de vestígios materiais 
encontrados, pelo estudo da geografia urbana, pelos 
documentos textuais sobreviventes, vê-se que as 
cidades romanas, e principalmente a Capital, era um 
vai-e-vem infindável de gentes, mercadorias, 
transportes, enfim, tudo o que fosse necessário para a 
sobrevivência de um grande aglomerado de pessoas. 
Uma das categorias da plebe urbana que mais deixou 
evidências sobre seu cotidiano é a dos artesãos. 
 
De início, devemos chamar a atenção para o 
menosprezo que os artesãos sofriam por parte da elite 
da sociedade. Segundo Ivana Lopes Teixeira: “De 
forma geral, o artesão era desprezado pela elite letrada 
romana, como antes pelagrega. Para Cícero, o artesão 
não era digno da condição de homem livre e Sêneca 
considerava a atividade artesanal vil e vulgar”196. A 
citação de Cícero (Dos Deveres) mencionada: 
 
[42] A respeito das profissões e das vantagens que 
trazem, eis, em geral, as que passam por liberais e as que se 
consideram servis. A primeira questão a abordar é das 
profissões que geram o ódio público, tais como a dos 
usurários e coletores de impostos. Deve-se ter como 
execrável o lucro dos mercenários e os que compram a 
inteligência, porque os que vendem a si mesmos colocam-se 
entre escravos. A mesma coisa se poderá dizer dos 
comerciantes, que, para vender por preço mais alto, ganham 
por força da calúnia, pois nada mais infame que a calúnia. 
Todas as profissões de operários são baixas e servis, como a 
dos peixeiros, cozinheiros, lenhadores, verdureiros, 
 
195
 Roma no apogeu do Império, p. 68. 
196
 O discurso narrativo nos baixos-relevos imperiais romanos: a 
coluna de Trajano, 2001, p. 50. 
pescadores, disse Terêncio; pode-se ainda acrescentar os 
perfumistas e os dançarinos. 
 Quanto às profissões que demandam maior 
saber, são de grande utilidade, como a medicina e a 
arquitetura, e podem ser desempenhadas sem desonra. O 
comércio, se é feito a varejo, é desprezível; se é feito por 
atacado, traz fartura; se é vantajoso a todos e isento de fraude, 
nada dele se pode dizer. Se o comerciante, quando enriquece, 
ou quando se satisfaz com o que ganha, se retira do porto 
para o campo, como muitas vezes se retira do mar para o 
porto, trazendo sua fortuna, parece-me que tem direito a 
louvores. 
 Mas, de todos os meios de se enriquecer, não há 
nada melhor, mais útil, mais agradável nem mais digno de 
um homem honesto que a agricultura. Disso já tratei 
largamente quando escrevi sobre o velho Catão, e ali se 
encontra tudo o que se deseja saber sobre o tema. 
 
Para o Orador, a utilidade da profissão está 
diretamente ligada ao desenvolvimento intelectual – na 
opinião de Cícero – que ela exerce. O médico e o 
arquiteto são valorizados, mesmo trabalhando para 
outras pessoas, porque deles é exigida uma carga de 
conhecimento maior por parte da pessoa; isso, 
obviamente, na visão aristocrática romana. 
Dificilmente um médico seria um bom lenhador e vice-
versa. A opinião de Cícero, como a da maioria dos 
textos antigos romanos (e não surpreendentemente), 
não é relativista. O comércio só seria louvável quando 
ligado ao mar ou ao campo (em maior grau)
197
. É 
importante frisar que receberia reconhecimento de sua 
“louvável profissão” o dono do comércio: os 
trabalhadores, aqueles que realmente exerciam toda a 
transformação da matéria em produto, esses 
continuavam a ser vistos como trabalhadores “servis”, 
com pouca capacidade cognitiva. 
Embora mencionados negativamente nos 
textos romanos antigos, os artesãos – e a plebe urbana, 
em geral – não eram “quietos”. Além dos documentos 
escritos pela elite, outras duas fontes nos auxiliam no 
estudo da vida do artesão: as inscrições feitas por eles e 
os vestígios de seus produtos produzidos. 
Pedro Paulo Funari, em seu livro Cultura 
popular na Antiguidade Clássica, analisa as inscrições 
parietais da cidade de Pompéia. Diz ele: “O grafite, 
enquanto manifestação artística, exprime-se, 
simultaneamente, em três níveis: pelo sentido das 
palavras (nível verbal), pelos seus sons (nível fônico ou 
sonoro) e pelo de seu desenho na parede (nível visual 
ou icônico). No que se refere ao sentido das palavras, 
 
197
 “T.P. Wiseman demosntrou que Caio Vibieno e Tito Rufreno, 
proprietários de oficinas de cerâmica sigilata em Arezzo, 
pertencem a família de senadores. Mas acerca disso somos 
informados sobretudo pela indústria de tijolos e telhas: uma 
curiosa ficção faz com que os romanos associem esta atividade, a 
opus doliare, à agricultura, talvez por estar ligada à argila e, 
portanto, à terra. Por isso, os aristocratas não têm dificuldade em 
admitir o seu envolvimento nessa atividade e imprimem as suas 
marcas nos produtos fabricados. (...) Personalidades como Cícero 
ou Asínio Polião produzem tijolos com o seu nome gravado. A 
própria família imperial não esconde que se dedica a essa 
atividade; assim aconteceu com todos os imperadores desde 
Trajano a Caracala e assim accontece, antes deles, com Lívia, 
Popéia, Agripa e seu filho, Agripa Póstumo: em Pompéia, foram 
encontrados tijolos com o seu nome gravado, quando tinha um 
ou dois anos de idade (Pupillus Agrippa)”. Jean-Paul Morel, “O 
artesão”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, pp. 187-
8. 
 44 
caberia distinguir as alterações da forma das palavras 
(morfologia) do encadeamento das palavras na frase 
(sintaxe). Em termos morfológicos, as palavras 
possuem sentidos, origens e flexões. Os sentidos das 
palavras são essenciais para que os homens ordenem e 
compreendam tanto a natureza quanto a própria 
sociedade em que vivem”198. As letras latinas 
maiúsculas, como as que se encontram espalhadas por 
este trabalho, eram utilizadas apenas em inscrições 
oficiais, sendo esculpidas na rocha ou batidas em 
metal; já a plebe escrevia com caracteres cursivos, 
utilizando, para tanto, estilete (graphium – ponta com 
que se escrevia em superfícies duras, fazendo sulco) ou 
pincel (penicillus). As inscrições pintadas (tituli picti) 
eram, geralmente, feitas por grafiteiros (scriptores ou 
pictores) que recebiam por seu trabalho, ornando, 
assim, muitas das paredes das tabernae escavadas. 
Contudo, pessoas não “profissionais” também 
escreviam com seus estiletes ou pincéis, e escreviam 
muito: “Para termos uma idéia do ritmo de grafitagem, 
basta dizer que as inscrições eram constantemente 
apagadas pelos dealbatores (literalmente: „que tornam 
a parede branca‟, cf. CIL IV, 3528) que liberavam os 
muros... para novas inscrições! As intervenções nas 
paredes ou parietais, além de numerosíssimas, 
provinham de todos os grupos populares da cidade, de 
camponeses a artesãos, de gladiadores a lavradores”199. 
Entre as categorias sociais atestadas em grafites está a 
dos artesãos: argenteiros, artesãos de coroas, artesãos 
de couro, artesãos de esteiras, artesãos fabricantes de 
armas, artesãos de marfim, artesãos de mármore, 
caldeireiros, carpinteiros, cortadores de pele animal, 
curtidores de couro, ensacadores, escultores, fiandeiras, 
lapidadores, lavadores, moedores de azeitonas, 
mosaístas, oleiros, tecelãs, tecelões, tecedores de lã, 
tintureiros, torneiros, trabalhadores das vinícolas, 
sapateiros
200
. As inscrições parietais revelavam todos 
os setores possíveis da vida de um romano, citaremos 
aqui, a rivalidade de dois homens pelo amor da mesma 
mulher: 
 
Severo: o tecelão Sucesso ama a escrava taberneira 
chamada Híris, a qual não quer saber dele, mas ele pede que 
ela tenha dó dele. Responde, rival! Saudações. 
Sucesso: intervéns porque és um invejoso! Não 
queiras bancar o engraçadinho, seu mau-caráter galanteador! 
Severo: disse e escrevi (a verdade): tu amas Híris, 
que não quer saber de ti. De Severo para Sucesso: o que 
escrevi é exatamente o que se passa. Assinado: Severo.
201
 
 
Embora não seja possível identificar se algum 
dos homens é escravo ou não, é interessante notar que a 
adjetivação de Híris por “escrava” pode nos dizer que a 
taberneira era qualificada inferiormente – Severo 
ridiculariza seu rival Sucesso justamente por amar uma 
escrava – ou pelo fato de sua condição social pouco 
contar no cotidiano popular (ao menos, quando o 
assunto é afetivo).198
 Página 35. 
199
 Ibidem, p. 28. 
200
 Ibidem, p. 29. 
201
 CIL IV 8258-9 apud Pedro Paulo Funari, Cultura popular na 
Antiguidade Clássica, p. 19. 
Dentre os artesãos, existiam aqueles que 
sabiam exercer seu ofício inteiramente, ou seja, que 
sabiam, por exemplo, todas as etapas de fabricação de 
um sapato e que eram perfeitamente capazes de 
executar uma peça inteira para depois vendê-la, e os 
artesãos que acabavam se ocupando em fazer apenas 
uma etapa do trabalho total, oferecendo para nós, a 
visão de uma divisão do trabalho na Antiguidade 
Clássica: quanto mais o produto se destinava ao 
consumo das massas, maior era o número de 
empregados nas oficinas e, conseqüentemente, maior a 
fragmentação da produção (as officinae de cerâmica e 
metalurgia são as mais expressivas nessa questão). 
Porém, deve-se mencionar que, em uma sociedade na 
qual o trabalho do artesão ou do artista é equilibrado na 
balança do menosprezo por parte da elite, os produtos 
carregam o estigma de sempre serem “crias” de quem 
pagou pela sua execução, e não de seu executor. 
Sobre a questão do aprendizado do ofício do 
artesão, Jean-Paul Morel afirma que “a mão-de-obra 
especializada também escasseava em ofícios bastante 
simples. Normalmente, a aprendizagem de um artesão 
fazia-se lentamente, sob a direção de um mestre. 
Porém, na época das grandes conquistas de finais da 
República, quando começaram a afluir a Roma 
enormes multidões de escravos sem qualquer 
qualificação, ou utilizados em tarefas diferentes 
daquelas em que eram peritos, enquanto as oficinas 
médias e grandes se multiplicavam e o contato entre 
mestres e aprendizes diminuía ou acabava por 
desaparecer, era inevitável que surgisse o problema da 
formação da mão-de-obra”202. As soluções encontradas 
foram: grupos de artesãos itinerantes, que levavam suas 
habilidades para as cidades do Império; as grandes 
famílias de senadores ou eqüestres possuíam tabernas 
em suas domus e contratavam artesãos para ali 
trabalharem e ensinarem o ofício a quem mais fosse 
necessário para o interesse familiar (geralmente, 
escravos); a divisão do trabalho, quando elevada ao 
máximo, requeria cada vez menos pessoas com grau de 
qualificação própria para exercer determinada 
atividade, assim, existiam artesãos que sabiam como 
produzir pormenorizadamente cada mercadoria sendo 
empregados como técnicos nas oficinas, orientando os 
demais trabalhadores. 
 
Ao falarmos acerca de os aspectos 
econômicos e da vida econômica do artesão cabe 
ressaltar, primeiramente, sua distribuição geográfica. 
Era nos centros urbanos que os artesãos trabalhavam 
para suprir a demanda local da cidade, e, também, era 
nesses centros que se encontravam as principais 
produções industriais da Roma Antiga: metalurgia, 
têxteis, cerâmica, vidro, madeira ou corantes. Como foi 
dito, as grandes propriedades possuíam seus próprios 
artesãos, encarregados da fabricação e do conserto dos 
equipamentos, do vestuário pessoal e da construção e 
manutenção dos edifícios, ou seja, o “artesão romano é 
fundamentalmente um homem da cidade”203. 
A vida econômica do artesão deve ser 
examinada sob três aspectos, segundo Jean-Paul Morel, 
 
202
 “O artesão”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p. 
189. 
203
 Ibidem, p. 193. 
 45 
a saber: A) o que a indústria pode render a uma 
comunidade e a uma cidade; B) o que os donos das 
indústrias arrecadam; C) quanto ganham os artesãos. 
O impacto econômico da indústria nas cidades 
antigas é muito discutido. O caso romano convive com 
cidades que devem sua prosperidade tanto à agricultura 
como ao artesanato. O grande atrativo econômico na 
Antiguidade era a agricultura e seus derivados, não a 
indústria. Mas algumas cidades são reconhecidamente 
pólos de artesanatos, como Cápua, Pozzuoli, Pompéia, 
Aquileia, Lyon, Colônia e – na visão de Jean-Paul 
Morel – Roma também. 
O artesanato podia gerar enormes lucros aos 
donos de oficinas. Há casos de plebeus que, devido à 
fortuna advinda de suas indústrias, conseguiram 
ascender à ordem eqüestre e, até mesmo, à ordem 
senatorial. Por outro lado, como já dissemos, os 
magistrados também se envolviam com as oficinas de 
produção de tijolos, o que demonstra o quão rentável 
poderia ser um grande dono de indústrias nas cidades 
romanas. Com o aumento do número de escravos a 
partir do século II a.C., as oficinas se multiplicaram 
pela Península Itálica, e cresceu também a divisão de 
trabalho, causando os problemas acima mencionados. 
Tratando-se ainda de problemas, o transporte terrestre 
era uma das causas do limite de comércio do artesão: 
os artesanatos, quando enviados a cidades muito 
distantes, encareciam demais, por isso, seus 
movimentos eram de poucas dezenas de quilômetros 
pelas regiões; complementa Morel: “Para quem quer 
exportar, aumentar o número de operários no local de 
trabalho não resolve o grave problema dos transportes. 
É mais fácil deslocar os homens do que transportar os 
produtos, e a verdadeira solução consiste na 
mobilidade da mão-de-obra. A criação de filiais mais 
próximas dos clientes potenciais do que a matriz talvez 
seja um fenômeno mais importante do que se continua 
a pensar”204. 
O lucro dos artesãos deve sempre ser 
relacionado com o quanto despendiam para sobreviver 
na cidade. O preço das matérias-primas utilizadas para 
o artesanato não era dos mais baixos e, somado ao 
trabalho final do artesão, o valor obtido como lucro é 
muito modesto, principalmente quando o preço dos 
bens essenciais, como alimentação, vestuário e 
moradia, era alto se comparado ao valor de venda do 
artesanato. Esse caráter “pobre” do artesão certamente 
não o favorecia quando visto pela elite, e o 
(relativamente) baixo número de inscrições em lápides 
atesta a precariedade econômica da maioria dos 
artesãos, sendo que muitos sequer possuíam condições 
de pagar a um escultor ou a um lapidador a inscrição de 
seu nome. 
A figura do artesão era ainda mais complicada 
porquanto é vista como um elemento perturbador. Sua 
atividade o leva a juntar-se à aglomeração que impera 
nos centros das cidades, pois o seu intento, obviamente, 
é o de ter o maior número de compradores possíveis. 
Atuantes também no cenário político romano, esses 
artesãos eram motivo de receio e, por isso, cada vez 
mais as autoridades romanas se esforçaram em afastá-
los para a periferia: foram criados macella 
 
204
 “O artesão”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p. 
194. 
(“mercados”) distantes do Forum, local onde as 
tabernae eram reunidas para comercializar
205
. Nas 
palavras do autor citado: “Portanto, de um lado, um 
pequeno artesanato e um pequeno comércio 
onipresentes, infinitamente fragmentados, sempre 
prontos a aumentar, e muitas vezes com prejuízo do 
terreno público, um espaço vital que lhes é concedido 
com extrema parcimônia. Do outro lado, a tendência do 
Estado, ou das municipalidades (já que esse fenômeno 
é igualmente detectável em outros locais), para 
canalizar, para regulamentar esse dinamismo ou essa 
indisciplina, e para atribuir zonas bem delimitadas às 
atividades ligadas ao artesanato”206. 
Entretanto, as maiores evidências da vida do 
artesão estão materializadas na forma de seus 
artesanatos. Produtos que chegaram até nós graças à 
Arqueologia. 
 
 
 
 
B) O artesanato 
 
 
Se me pagarão, ó Ceramistas, por minha canção, 
Então que venhas, Atena, e sobre o forno ponhas 
Tua mão! 
Que os cálices e os jarros fiquem bem enegrecidos,Que sejam bem queimados, e alcancem os preços 
pedidos...
207
 
 
O Hino dos Ceramistas, composto em Atenas 
em algum ponto entre 525 e 350 a.C., mostra-nos um 
pouco sobre o cotidiano do artesão que trabalhava com 
a cerâmica. 
O artesanato dependia de uma boa matéria-
prima. Cabia ao artesão o domínio correto da queima 
das peças, sua habilidade ao lidar com o forno era 
essencial. Uma vez o produto acabado, restava torcer 
para que os fregueses entrassem logo em sua loja e 
comprassem aquela ânfora e aqueles cálices que logo 
mais, ao fim da tarde, serviriam para satisfazer os 
convivas com vinho durante a refeição, ou que 
comprassem então alguns poucos pratos ou, quiçá, 
tigelas para que a família não ficasse desamparada 
durante a ceia (e que o comprador lembrasse de sua 
lamparina quebrada na noite anterior, pelo filho 
brincalhão, e resolvesse também levar uma), melhor 
ainda seria se, a pedido de um rico, seu escravo fosse 
buscar aquele vaso ornamentado, dos mais caros. 
O artesanato em Roma foi abundante. Uma 
vez tendo em mente o conceito de cultura material 
 
205
 A reunião de artesãos com o mesmo tipo de produção deu 
origem aos collegia (“colégios”), grupos que tinham a mesma 
divindade cultuada e eram possuidores de grande influência na 
política romana ao tomarem partido de um ou outro magistrado. 
206
 Jean-Paul Morel, “O artesão”, in: Andrea Giardina (dir.), O 
homem romano, p. 199. 
207
 Tradução livre do inglês feita pelo autor deste trabalho. 
Alison Burford, Craftsmen in Greek and Roman society, p. 122. 
 
If you will pay me for my song, O potters, 
Then come, Athena, and hold your hand above the 
kiln! 
May the cups and cans all turn a goodly black, 
May they be well fired, and fetch the price asked… 
 46 
como a concretização da vontade humana, os 
artesanatos antigos adquirem proporções gigantescas, 
já que praticamente quase tudo o que é “palpável” foi 
construído pelas mãos de alguém. 
Iremos nos deter, por hora, na categoria do 
artesão ceramista, por entendermos que a cerâmica é o 
elemento mais abundante nos sítios arqueológicos, 
servindo, muitas vezes, como parâmetro para datação 
do local escavado. 
 
▪ Origens, mãos e tornos 
 
Segundo Joseph Veach Noble em seu capítulo 
“Pottery manufacture” na obra The muses at work: “A 
origem das técnicas de modelar a argila [na 
Antiguidade] parece ter ocorrido cerca de sete mil anos 
atrás, no início do período da cerâmica Neolítica, com 
a modelagem – feita a mão – de uma vasilha a partir de 
um punhado de argila. Essa argila foi empurrada, 
beliscada, e modelada até se obter a forma desejada. 
Exemplos dessa técnica mais antiga de modelagem têm 
sido encontrados em vários sítios da Ásia Menor”208. 
Nos tempos mais antigos da fabricação de 
cerâmicas, provavelmente era a família quem produzia 
e utilizava os próprios artesanatos. Nesse processo, as 
mulheres talvez fossem as que ficavam encarregadas 
do fabrico da cerâmica. Contudo, com o surgimento do 
torno, houve também a especialização da fabricação, 
fazendo com que a produção se tornasse algo rentável e 
coubesse, agora, ao profissional ceramista, que se 
tornou, doravante, exclusivamente homem, devido ao 
fato de o serviço nas máquinas mais pesadas não ser 
considerado trabalho para mulheres. (Mas devemos 
recordar que em Roma, principalmente a partir do 
século II a.C., haverá mulheres trabalhando nas mais 
variadas áreas de artesanato, incluindo a cerâmica). 
 
O aparecimento do torno deu-se no fim do 
quarto milênio a.C., aparentemente na Ásia Menor 
também. A técnica foi sendo exportada lentamente por 
todo o Mediterrâneo e temos, em 2500 a.C., o mais 
antigo exemplar de cerâmica produzida por torno na 
cidade de Tróia
209
. 
Em Roma, o torno era conhecido por rota 
figuralis (“forma de roda”) ou orbis (“círculo; disco”), 
como aparece mencionado em Plínio, História Natural, 
VII, 198. Há pouquíssimas menções textuais aos tornos 
no mundo romano, e praticamente inexistem 
ilustrações sobre esse objeto. Porém, devido à 
proximidade com a cultura grega, podemos fazer uma 
analogia com as pinturas dos vasos encontrados na 
Grécia, muitos dos quais trazem informações sobre o 
trabalho do artesão no torno, como reparamos na 
Figura 35. 
A Arqueologia já desenterrou peças que 
formavam o torno, sendo esses exemplos de objetos 
não-orgânicos; as matérias empregadas na fabricação 
do torno poderiam ser: a própria madeira (não nos 
deixando vestígios algum), ou círculos feitos de argila. 
Das evidências, notamos que os tornos eram largos e 
planos e giravam por impulsos que eram dados pelo 
 
208
 Página 120. 
209
 Joseph V. Noble, “Pottery manufacture”, in: Carl Roebuck 
(ed.), The muses at work, p. 121. 
próprio artesão, ou então por algum aprendiz. Com o 
passar do tempo, os tornos sofreram um incremento: a 
base circular do torno recebeu um eixo de madeira que 
sustentava um circulo menor, assim, o artesão ganhava 
mais liberdade de trabalho, uma vez que impulsionava 
a base com os pés, não precisando mais de aprendizes 
para realizar essa tarefa; a produção também tendia a 
aumentar devido ao menor esforço físico feito pelo 
artesão e porque possuía agora meios de ocupar as 
mãos apenas com a modelagem da argila (Figura 36). 
Com as mãos centradas unicamente na argila, a 
cerâmica passou a ter mais fineza e acabamento, como 
é muito comum achar em fragmentos do século I a.C. 
O arqueólogo David Brown chama a atenção: 
“Um detalhe sobre os tornos vem dos potes fabricados; 
as marcas deixadas pelos dedos que corriam sobre a 
superfície da argila quando girada, e os sulcos que 
podiam aparecer dentro do pote quando o artesão 
modelava a sua boca mostram que era normal o torno 
ser girado em direção anti-horária, como os tornos de 
hoje”210(Figura 37). 
 
 
 
▪ Argila 
 
A argila era uma matéria-prima extremamente 
abundante no mundo romano, e possuía algumas 
características que faziam com que o artesão optasse 
por essa ou por aquela determinada argila. Seu material 
é formado por contínuas intempéries e erosões da 
superfície da terra. 
Na crosta terrestre, o feldspato é o mineral 
mais encontrado; pertencente ao grupo dos silicatos de 
sódio, potássio e cálcio – para citar os comuns –, o 
feldspato é subdividido em dois grupos: os alcalinos
211
 
e os plagioclásios
212
. Durante a erosão há uma 
desintegração do mineral feldspato; se a sua 
composição alcalina é dissolvida e levada com a água, 
a alumina e a sílica restantes, quando em contato com a 
água, sofrem o processo de hidrólise e tornam a argila 
pura, ou seja, livre de materiais orgânicos ou de outros 
minerais. Uma argila que em seu movimento de erosão 
entra em contato com outros minerais agregará suas 
qualidades, assim, quando há mineral de ferro em sua 
composição, por exemplo, essa argila terá uma 
coloração avermelhada. 
Citando David Brown: “Os ceramistas 
romanos deviam saber que a argila é mais facilmente 
trabalhada se deixada ao ar livre por um tempo, e 
também que ela devia ser sovada para que as bolhas de 
ar saíssem e, assim, tomasse melhor consistência”213. 
Se a argila contivesse muitas impurezas, como areia ou 
pedras, ela passava por um processo de limpeza que 
consistia em: A) misturar água até a sua dissolução; B) 
deixar a mistura em repouso para que as impurezas 
mais pesadas fiquem no fundo do recipiente, enquanto 
os restos orgânicos flutuam na superfície da água; C)210
 “Pottery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman 
crafts, p. 76. 
211
 Na Química, a base; na Geologia, rocha ígnea que contém 
maior quantidade de sódio e potássio que alumina. 
212
 Aluminossilicato natural de sódio e cálcio. 
213
 “Pottery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman 
crafts, p. 76. 
 47 
retirar as impurezas da superfície e colher a argila 
limpa, preparando-a para ser drenada e trabalhada 
(Figura 38). 
 
 
 
▪ Verniz 
 
O brilho que encontramos na cerâmica romana 
também tinha um preparo especial. O verniz, ou 
engobo, consiste em uma suspensão de finas partículas 
derivadas da argila. Quando a argila diluída em água é 
posta em descanso, a fração de argila repousa no fundo 
do recipiente, sendo coberta pela água limpa. Se um 
agente dispersor é adicionado à argila diluída, uma 
proporção de pequenas partículas de argila restarão 
suspensas. É essa suspensão que forma a base para o 
verniz. 
Sobre os métodos de obtenção dessa 
suspensão, David Brown cita o trabalho desempenhado 
por Adam Winter, um ceramista que experimentou 
diversos meios de produzi-la: “Água da chuva pode 
ativar a argila: lamaçais escorrendo pelos poços de 
argila foram coletados e deixados para assentar, e uma 
proporção de excelentes partículas restaram na 
suspensão. Alternativamente, uma suspensão pode ser 
preparada misturando argila com a potassa [nome 
comum de diversos derivados potássicos] derivada da 
água despejada sobre cinzas de madeira, ou misturando 
argila com soda [uma espécie de angiosperma]. Winter 
também descobriu que uma adequada suspensão pode 
ser extraída de algumas areias com concentração de 
ferro. Todos esses métodos, excetuando-se talvez o que 
envolve a soda, parecem ter sido bem utilizados pelos 
ceramistas romanos”214. No entanto, nem toda 
suspensão extraída de uma argila necessariamente 
rende um bom verniz: a suspensão tem de permanecer 
bem brilhante após sua drenagem e aplicação na peça 
fabricada, com isso, não perderá o brilho depois do 
cozimento da argila. A propriedade lustrosa do verniz 
normalmente deve-se à presença de illita
215
 na argila e, 
conseqüentemente, na suspensão adquirida desta. 
Uma vez a suspensão preparada, ela deve ser 
evaporada até ganhar uma consistência pastosa, aí sim 
está pronta para o uso. Os romanos, ao contrário dos 
gregos, não utilizavam pincéis para aplicar o verniz. As 
peças eram banhadas com o verniz ou então 
mergulhadas nele, segurados pelas bordas. O uso do 
verniz despejado sobre a peça (ou mergulhada nele) 
deixava as marcas dos dedos do artesão no produto 
(Figura 39). 
 
 
 
▪ Fornos e queima 
 
Vestígios de fornos usados para cerâmica são 
achados em todas as partes do Império romano. 
H. B. Waters na obra History of Ancient 
Pottery descreve-nos as principais características dos 
 
214
 “Pottery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman 
crafts, p. 83. 
215
 Designação geral para os minerais argilosos do grupo das 
micas, de cor cinza, verde-claro ou marrom-amarelado. 
fornos
216: “Os fornos eram construídos parcialmente 
com tijolos não queimados, parcialmente com tijolos 
queimados, o interior, o piso, e o lado externo do teto 
eram cobertos com algum tipo de cimento bem 
resistente. Eles eram divididos em duas importantes 
porções: a câmara de queima
217
 com seus adjuntos, e a 
abobadada câmara acima
218
 (Figura 40), na qual os 
objetos eram postos para o cozimento. A câmara de 
queima era geralmente circular, com uma projeção em 
sua frente, o praefurnium [“boca do forno”], que 
possuía uma forma abobadada (...) ou uma cumeeira 
formada por pares de telhas (...). Através dessa boca do 
forno, o combustível era introduzido, sendo usualmente 
o pinho. A câmara de queima era separada da câmara 
abobadada (forno) por meio de um teto interno. 
Aberturas eram feitas nesse teto para que o calor fosse 
dissipado para a parte superior (...). O forno onde as 
peças eram postas para cozer está destruído na maioria 
dos casos encontrados, mas nós sabemos que consistia 
em um piso, uma parede com uma entrada, e uma 
abóbada. As peças eram arranjadas parte no piso, parte 
em pilares internos (...)”. 
As peças, de acordo com as evidências, eram 
postas para a queima de cabeça para baixo, umas sobre 
as outras. A razão para isso não é muito aparente, 
parece pertencer a certa tradição das oficinas. 
David Brown explica sobre a queima das 
peças com verniz vermelho (uma das mais famosas do 
mundo romano): a queima dava-se dentro do forno sem 
restrições de entrada de oxigênio, assim, a peça 
permanecia com sua coloração original; a temperatura 
do forno, baseando-se nas peças encontradas na Gália, 
deveria ficar em torno de 1050 a 1200ºC. “Essa 
descrição (...) da queima da cerâmica com verniz 
vermelho é baseada principalmente na evidência das 
oficinas da cidade de Arretium [atual Arezzo] e da 
Gália. Dos pontos de vista técnico e artístico, essas 
oficinas eram as líderes na indústria, e outras oficinas 
foram derivadas dessa tradição. Inevitavelmente, 
existem diferenças entre os produtos das diversas 
oficinas, e até uma mesma oficina apresentava 
variações internas: a resistência da cerâmica e a 
quantidade de brilho do verniz, bem como sua 
coloração, variaram de tempos em tempos. Deste ponto 
de vista técnico, algumas das melhores peças foram 
produzidas nos tempos neronianos e flavianos nas 
oficinas do sul da Gália”219. 
 
 
▪ Lamparinas 
 
Se as moradias romanas já eram parcamente 
iluminadas durante o dia devido à escassez de janelas, à 
noite a situação piorava. A cidade mergulhava em um 
breu: excetuando-se os raros casos em que algum 
imperador resolvia trazer luz às ruas queimando 
 
216
 Vol. 2, p. 446. 
217
 As câmaras de queima eram construídas no solo, com clara 
intenção de prevenir perdas de calor e dar suporte às laterais da 
estrutura. 
218
 Também há vestígios de fornos que não possuíam abóbadas, 
sendo cobertos com algum outro material apenas na hora da 
queima. 
219
 “Pottery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman 
crafts, p. 86. 
 48 
pessoas, as vias estavam entregues à escuridão; aqui e 
acolá, transeuntes mais corajosos andavam com seus 
archotes para resolver assuntos, ou mercadores 
iluminavam as passagens de suas carroças, enquanto 
poucos lugares de lazer permaneciam abertos, 
oferecendo serviços dos mais diversos. 
A necessidade de iluminação artificial por 
parte dos romanos era imensa, e vital: dentro dos 
cômodos para garantir o mínimo de visibilidade, e 
dentro dos templos, para agradar aos mortos (e aos 
vivos que lá iam ofertar)
220
. Três são os objetos 
utilizados pelos romanos para suprir essa necessidade: 
archotes, velas e lamparinas. Os archotes eram feitos 
com materiais inflamáveis e usados geralmente nas 
ruas ou em ocasiões religiosas: lugares onde a fumaça 
não fosse problema. As velas eram feitas com sebo ou 
cera de abelha, e muito utilizadas nas partes do Império 
onde o cultivo da oliva era escasso. Já as lamparinas 
eram comuns em locais onde a produção do óleo de 
oliva não era problema ou era importado, como no caso 
da cidade de Roma. 
As lamparinas (lucernae) eram, em sua 
maioria, feitas de terracota e os mais antigos 
exemplares encontrados na Itália datam do século III 
a.C., e, como frisa a arqueóloga Maria Isabel Fleming: 
“As lamparinas são achados tão constantes em quase 
todas as escavações de sítios arqueológicos, a ponto deservirem como marcos cronológicos para os níveis 
estratigráficos”221. 
 
Segundo H. B. Waters, as partes de uma 
lamparina romana são: A) o reservatório ou corpo 
(infundibulum – “local para se derramar”), que contém 
o óleo; B) o achatado topo circular, conhecido como 
discus (“disco”), algumas vezes possuidor de uma 
borda ornamentada; C) o bocal (rostrum – “bico”), com 
uma abertura para a entrada do pavio (geralmente feito 
com alguma matéria macia e fibrosa com capacidade 
de absorver o combustível e ser facilmente inflamada; 
usualmente feito de uerbascum, “verbasco” ou linho ); 
D) a alça (ansa), por onde a lamparina era segurada. 
De acordo com as lamparinas encontradas nos 
sítios arqueológicos, e para o período que nos interessa 
neste trabalho, podemos estabelecer sua tipologia: A) 
lamparinas com bocais arredondados, flanqueados de 
cada lado por volutas; B) lamparinas com bocais 
terminados em ângulos obtusos e com volutas 
flanqueando; C) lamparinas com bocais sulcados; D) 
lamparinas com bocais semicirculares e pequenos. 
Esses tipos de lamparinas variam entre os séculos I a.C. 
ao II d.C. (Figura 41). 
Além da argila, as lamparinas eram feitas de 
diversos materiais, tais como bronze, ferro, prata, ouro, 
vidro e pedra. As técnicas de fabricação das lamparinas 
mencionadas aqui servem para as produzidas a partir da 
argila. 
Do século II a.C. em diante as lamparinas 
foram, em sua maioria, feitas com moldes. Os 
 
220
 As lamparinas eram usadas pelos romanos por três principais 
motivos: A) para propósitos de iluminação em casas, edifícios 
públicos, ou em momentos de confraternização; B) como 
oferendas em templos; C) como mobiliário funerário. H. B. 
Waters, History of Ancient Pottery, p. 395. 
221
 Lamparinas na antiguidade clássica: problemas sociais, 
econômicos e tecnológicos, p. 130. 
exemplares fabricados em torno ou modelados a mão 
são muito poucos, como afirma H. B. Waters: “Os mais 
antigos exemplos são feitos no torno, como os do 
Esquilino e de Cartago, em que a decoração é apenas 
inserida; mas decorações em relevo requeriam uma 
técnica diferente. Ocasionalmente, elas eram 
modeladas a mão, mas encontramos a partir do século I 
a.C. em diante uma grande variedade produzida a partir 
de moldes”. Para se fabricar uma lamparina, era 
necessário que o artesão, primeiramente, construísse 
um arquétipo, ou seja, um modelo ou padrão passível 
de ser reproduzido em objetos semelhantes. Esse 
arquétipo seria o modelo do molde do qual as 
lamparinas viriam a ser fabricadas. O arquétipo podia 
ser feito de madeira ou, como é mais comum, de argila 
mesmo. Esse “molde do molde” era inteiramente 
maciço e ganhava contorno quando a argila, antes de 
ser queimada, encontrava-se em um estado sólido 
próprio para ser escavada com as ferramentas certas. 
Nessa etapa de dar formas ao arquétipo, o ceramista 
podia, ou não, aplicar na peça os sulcos que formariam 
os relevos das lamparinas. As figuras dos relevos eram 
esculpidas a mão ou aplicadas prensando-se uma outra 
peça de argila cozida – com os desenhos – ao material; 
muitos artesãos optavam por deixar marcado seu nome, 
ou o nome de para quem trabalhavam, na parte de 
baixo do arquétipo (Figura 42). Terminado, o 
arquétipo ia para o forno e estava pronto para que um 
molde dele fosse tirado. 
Os moldes podiam ser de gesso ou de argila. 
No caso do molde de argila, o arqueólogo Donald 
Bailey, em seu texto “Pottery Lamps”, explica: “(...) 
uma camada de argila úmida era pressionada sobre o 
arquétipo e nivelada no ponto onde as duas metades da 
lamparina fazem junção. Quando a argila adquire 
consistência suficiente (...), a concavidade formada 
pode ser retirada do arquétipo e o mesmo processo é 
feito com a outra metade do molde. Quando removida 
do arquétipo, o molde de argila ainda está maleável e 
pode receber as decorações feitas por incisões ou por 
prensagem de outros moldes já secos (...). Terminado, 
o molde de argila deve ser levado ao forno antes de ser 
usado”222 (Figura 43). 
Finalmente, uma lamparina, agora, já poderia 
ser feita. Uma fina camada de argila era aplicada sobre 
uma das metades do molde, sendo bem pressionada 
para adquirir todos os contornos e relevos existentes, 
deixando as extremidades da argila bem ajustadas e 
niveladas. O mesmo processo era feito na outra metade 
do molde e, então, ambas as partes eram sobrepostas. 
Para saber se a lamparina estava perfeitamente ajustada 
para a secagem, o artesão fazia, no molde, sulcos de 
modo a perceber o seu alinhamento (Figura 44). Essas 
marcas encontradas em praticamente todos os moldes 
sobreviventes mostram que as duas metades da 
lamparina eram unidas junto com os moldes, não 
separadamente após a remoção do molde. “Como as 
duas metades do molde eram pressionadas juntas, a 
maioria do excesso de argila nas bordas entrava na 
lamparina, formando uma aresta de argila ao longo da 
junção e atuando como um reforço interno”223. 
 
222
 Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 98. 
223
 Donald Bailey, “Pottery Lamps”, in: Donald Strong e David 
Brown (eds.), Roman crafts, pp. 98-99. 
 49 
A lamparina é removida do molde assim que 
está firme o suficiente para ser manuseada sem 
deformações. A lamparina de argila é posta, então, para 
secar, e também são feitos os orifícios no bocal e no 
corpo (para a entrada do óleo) com o auxílio de uma 
ferramenta tubular. Quando uma alça era necessária 
para a lamparina, mas ainda não havia sido feita no 
molde (como os exemplares do início do século I a.C. 
na fronteira do Reno ou no sul da Rússia), ela poderia 
ser moldada em argila fresca e adicionada ao corpo; 
nesse mesmo estágio, o da argila maleável, o artesão 
também fazia os reparos necessários, aplicava as 
figuras que queria e estampava seu nome na peça caso 
ainda não o tivesse feito no arquétipo. 
Após a secagem, a lamparina era mergulhada 
em uma solução feita de água e argila, ou engobo 
(como podemos deduzir das marcas de dedos 
encontradas nas peças). Esse líquido era o responsável 
por selar a lamparina, deixando-a impermeável ao óleo 
que seria introduzido, e também para dar coloração – a 
concentração de ferro na composição da argila diluída 
determinava a aparência final, após a queima. 
Segundo Donald Bailey: “Normalmente as 
lamparinas romanas – com ou sem a camada fina de 
argila aplicada – eram queimadas apenas uma vez. Os 
fornos variavam nas técnicas de construção, materiais, 
tamanhos e de acordo com a demanda local e o 
tamanho da própria oficina, no entanto, eram 
basicamente o mesmo tipo de forno usado para a 
cerâmica em geral. As lamparinas eram empilhadas 
umas sobre as outras, as bases sobre os topos, como 
mostram as marcas encontradas nas peças (Figuras 45 
e 46). Não havia necessidade de apoios nas pilhas das 
lamparinas (...), pois não esbarravam umas nas outras. 
(...) A temperatura de queima provavelmente ficava 
entre 800ºC e 1000ºC; indubitavelmente, a larga gama 
de temperaturas dentro do forno fazia com que 
lamparinas de uma mesma fornada saíssem com 
aparências diferentes”224. 
 
As oficinas de artesãos fabricantes de 
lamparinas cresciam onde houvesse demanda (embora 
as lucernae mais sofisticadas ou de formatos menos 
padronizados fossem comercializadas, geralmente, em 
locais distantes dos centros de manufatura). Também 
era muito comum que as lamparinas importadas pelos 
próprios artesãos servissem de arquétipos para se fazer 
moldes novos, que se espalhavam por uma determinada 
região(Figura 47). Esse processo contínuo de 
importação, moldagem e venda freqüentemente 
resultava em modificações na peça original: quanto 
mais distante a lamparina ficava de seu primeiro 
arquétipo, mais fácil era de se tornar menor e alterada. 
Deve-se lembrar também que era comum algumas 
lamparinas em terracota serem imitações de lamparinas 
trabalhadas no metal, devido ao baixo preço que 
podiam ser oferecidas, mesmo com mais pormenores. 
A Itália foi a grande exportadora de 
lamparinas para a orla do Mediterrâneo entre os séculos 
I a.C. e I d.C.. As peças foram principalmente levadas 
ao oeste da Península Itálica e ao norte e oeste da costa 
mediterrânica da África; embora possuidora de um 
 
224
 “Pottery Lamps”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), 
Roman crafts, p. 100. 
amplo número de oficinas produtoras de lamparinas, a 
África continuou importando as peças italianas mesmo 
na segunda metade do século II d.C. 
 
 
 
▪ Cerâmicas em geral 
 
A cerâmica é uma das bases da cultura 
material romana. Apesar das possibilidades em se 
adquirir produtos fabricados com outras matérias-
primas, a cerâmica era a mais acessível 
economicamente. Praticamente todos os romanos 
possuíam objetos de cerâmica e, ao longo de tudo o que 
foi discutido até aqui, também podemos questionar se 
não havia entre os plebeus mais pobres, aqueles que 
somente possuíam cerâmica entre seus utensílios. 
Como dito acima, a cerâmica é abundante em 
sociedades sedentárias, e são achadas em praticamente 
todos os sítios arqueológicos escavados: a Península 
Itálica, ao lado da Hélade, certamente foi um dos 
maiores pólos manufatureiros de cerâmica na 
Antiguidade. 
O desenvolvimento da indústria cerâmica 
romana como difusora de produtos começou no século 
II a.C., com a cidade dominada por Roma denominada 
Arretium (Arezzo). A cerâmica aretina é uma das mais 
estudadas pelos arqueólogos e traça o período de 
apogeu da cidade que a fabricava: esse tipo de 
cerâmica é datado entre 150 a.C. até o fim do século I. 
d.C. Segundo H. B. Walters, as características da 
cerâmica de Arretium são: (A) a fina argila vermelha 
local, cuidadosamente trabalhada e queimada em forno 
com entrada de oxigênio, ganhando dessa forma uma 
rica coloração; (B) brilho vermelho composto por 
sílica, óxido de ferro e substâncias alcalinas; (C) a 
grande variedade de formas trabalhadas; (D) as 
estampas com os nomes dos ceramistas são geralmente 
achadas
225
. 
 
- Torno: 
 
Como mencionado no início deste item B, o 
trabalho com a argila era calcado em três técnicas: 
modelagem a mão, torno e molde. A primeira técnica é 
a mais antiga de todas e a que menos possui vestígios 
quando comparada às demais. O torno e o uso de 
moldes foram os mais importantes meios de fabricação 
de vasos na Roma Antiga. 
O processo de se fazer um vaso a partir do 
torno começava com a escolha da argila e a sova para a 
retirada das bolhas de ar (que trincariam o vaso caso 
fosse levado ao forno assim). O tamanho final de um 
vaso, por exemplo, dependia do quanto de argila era 
empregada. Para que vários vasos iguais fossem feitos, 
bastaria separar proporções iguais de argila: a primeira 
parte do dia de trabalho do artesão consistia em medir a 
altura e o diâmetro de cada pedaço de argila; 
provavelmente, o artesão devia voltar a medir as 
proporções dos pedaços de argila a cada três ou quatro 
objetos trabalhados. A quantidade necessária de argila 
era então colocada no centro do torno. Por impulsos 
com as mãos ou os pés, o artesão fazia girar a base do 
 
225
 History of Ancient Pottery, p. 480. 
 50 
torno em sentido anti-horário. Com a argila úmida, o 
artesão modelava um cilindro e a seguir abria, com os 
dedos, um orifício central nessa base, da qual, 
habilmente, dava as formas pretendidas ao vaso, 
alongando horizontal ou verticalmente o quanto fosse 
necessário de argila (Figura 48). 
David Brown explica: “Após a modelagem, a 
superfície exterior era geralmente alisada com o auxílio 
de uma esponja úmida ou um pedaço de graveto para 
eliminar as marcas dos dedos. O pote era então cortado 
do torno com um cordão que deixa uma curvatura 
característica na base”226 (Figuras 49 e 50). No caso da 
cerâmica aretina, os vestígios mostram que o 
alisamento do pote era feito na superfície interna e 
externa, com o auxílio de uma ferramenta de 
torneamento. Quando estava com consistência 
suficiente para manter-se de pé, o pote era então posto 
de cabeça pra baixo no torno. Por meio de ferramentas 
de incisão – como facas e espátulas de madeiras de 
diversas formas e angulações –, o artesão, ao girar o 
torno, fazia o encaixe aonde iria a base do vaso, e 
acertava a borda do objeto. 
Os elementos que iam ligados ao corpo – o pé, 
a(s) alça(s) e o pescoço – do vaso eram feitos 
separadamente e depois unidos. O pé do vaso 
geralmente era feito de maneira similar ao corpo, mas, 
obviamente, com uma quantidade bem menor de argila 
no torno (Figura 51). As alças eram formadas a partir 
de um punhado de argila puxada entre o polegar e o 
indicador; com a argila úmida, o artesão dava a forma 
que desejava: achatada ou oval, e deixava a alça 
endurecer para depois fazer sua junção ao corpo do 
objeto. O pescoço da garrafa ou do frasco era feito no 
torno, ganhando aspecto cilíndrico, e o orifício por 
onde deveria sair o líquido era produzido de maneira 
simples, com o dedo do artesão; quando consistente – 
após um tempo de secagem – o pescoço era unido ao 
corpo por meio de argila úmida e a junção era, então, 
alisada externamente (Figura 52). 
Com todas as etapas realizadas, o objeto era 
queimado no forno. 
 
- Moldes e decorações: 
 
Os muitos tipos de vasos fabricados pelos 
romanos podem ser colocados em dois grupos: os 
pintados ou não pintados sem decoração, e os pintados 
ou não pintados com decoração. 
Ao se tratar de decoração romana, devemos 
ter em mente o significado de relevo. Algumas técnicas 
de aplicação de relevo serão, agora, brevemente 
explicitadas. 
A decoração por meio de moldes era feita da 
seguinte maneira: o artesão fabricava um punção, um 
modelo de argila com o formato que desejava (Figura 
53). O punção possuía um desenho ornamental de um 
lado, e um apoio para a mão do outro, sendo que, às 
vezes, também continham o nome do ceramista. Esse 
desenho era modelado diretamente pelas mãos do 
artesão na argila ou então esculpido – com o auxílio de 
ferramentas – de modo a imitar alguma outra figura já 
vista em outro vaso, e logo em seguida queimado. 
 
226
 “Pottery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman 
crafts, p. 77. 
O artesão fabricava, no torno, o molde do vaso 
em que iriam ser aplicados os relevos. Com 
ferramentas de marcação, o ceramista rascunhava na 
argila a disposição dos desenhos. Nesse momento, os 
pequenos moldes ornamentais eram prensados contra a 
superfície interna do vaso, e outros detalhes feitos a 
mão-livre. Devido à pressão, o molde de argila tendia a 
deformar-se, por isso, após todas as impressões, o 
molde voltava ao torno e, de cabeça para baixo, era 
novamente alisado. Uma vez pronto, o molde secava e 
estava em condições de sofrer a queima no forno 
(Figura 54). 
O processo de preencher o molde queimado 
com a argila úmida “apresenta um problema. É 
possível colocar a argila no centro do molde e esticá-la 
pelas paredes do vaso até cobrir toda a superfície 
interna, mas, fazendo-se isso,bolhas de ar entrariam 
nos sulcos dos desenhos dos relevos e parece não haver 
meios de se livrar delas. Esta dificuldade, nos dias de 
hoje, seria resolvida com a ajuda de seladores no 
molde; no entanto, não parece existir evidência que 
sugira o conhecimento desse método por parte dos 
artesãos antigos. Fabricantes de lamparinas e de 
terracotas parecem ter passado pelo mesmo problema, e 
o resolviam simplesmente forçando a matéria-prima 
contra o molde com os dedos. Possivelmente, esse 
método também foi empregado pelos ceramistas de 
potes modelados, com a argila sendo pressionada no 
molde pelos dedos do artesão”227. 
O molde com a argila dentro era deixado para 
secar. Com a perda de água, a argila contraía-se e 
diminuía de volume, sendo dessa maneira, passível de 
ser retirada do molde. Essa etapa precisava de uma 
grande habilidade por parte do artesão: se não soubesse 
tirar o vaso do molde com cuidado, partes dos relevos 
podiam ficar grudados na superfície e danificar o 
aspecto final da peça (como observamos em muitos 
fragmentos que apresentam nítidas falhas nos relevos 
por problemas de fabricação, Figura 55). Após sair do 
molde, o vaso recebia os acabamentos finais, as 
adições das peças restantes (como o pé e a alça, por 
exemplo), era, então, deixado para secar, envernizado e 
levado ao forno. 
 
Além da aplicação de moldes de relevos, um 
vaso podia receber outras decorações superficiais. Um 
desses casos é a decoração com barbotina. A barbotina 
é um termo usado para descrever a decoração feita 
sobre a superfície por meio de um “creme” de argila. O 
processo é bem parecido com a maneira como 
decoramos nossos bolos hoje em dia. A argila era 
diluída em água até obter consistência pastosa e 
colocada em sacos feitos de couro com uma abertura 
fina para a saída do creme, ou era esparramada 
diretamente sobre a superfície do vaso através de 
alguma ferramenta tubular, provavelmente uma pena. 
Ela também podia ser aplicada ou manipulada com os 
dedos para dar um aspecto mais rústico à superfície. A 
técnica da barbotina podia trazer efeitos maravilhosos 
aos objetos quando aplicada por um artesão habilidoso 
(Figura 56). 
 
227
 David Brown, “Pottery”, in: Donald Strong e David Brown 
(eds.), Roman crafts, p. 80. 
 51 
Outra técnica é conhecida por nós como 
appliqué, termo francês que designa a aplicação de 
decorações, feitas em moldes separados, diretamente ao 
objeto de argila. Essas figuras ficavam na superfície 
externa do pote. Alças, máscaras e rosetas decorativas 
eram feitas em moldes e aplicadas em vasos aretinos, 
por exemplo. As peças eram pressionadas contra o 
corpo do pote e fixadas com argila úmida. Durante o 
século II d.C., na Gália central, houve a combinação da 
técnica de appliqué com a da barbotina (Figura 57). 
Também havia a técnica dos rolos e da 
estampa rolada. Os rolos eram peças de cerâmica com 
desenhos ao longo de todo o seu corpo cilíndrico; o 
vaso era colocado no torno e rolo segurado firmemente 
pelo artesão, que fazia girar a base do torno, dando, 
dessa forma, uma continuidade à rolagem do utensílio 
sobre toda a superfície do vaso (Figura 58). Com a 
estampa rolada, era o próprio torno quem recebia os 
desenhos em sua base; o pote era segurado pelo artesão 
sobre o torno enquanto ele girava; esta técnica foi 
comum durante todo o tempo da fabricação de 
cerâmica romana (Figura 59). 
Ainda sobre os relevos estampados, cabe 
frisar o que já foi mencionado: os artesãos podiam 
estampar seus nomes nos vasos a partir de peças de 
argila moldadas ou esculpidas; o mesmo acontecia com 
figuras, que eram pressionadas diretamente sobre a 
superfície do vaso antes da secagem e da queima 
(Figura 60). 
 
- Formas de vasos: 
 
O principal uso dos vasos de cerâmica era 
para o transporte e o armazenamento de vinho, óleo, 
frutas, mel, grãos, cereais, entre outros, além do uso em 
ritos religiosos (embora os vasos de metal fossem mais 
utilizados). As formas mais usualmente empregadas 
eram, segundo H. B. Waters, dolium e amphora. 
O formato dolium (“tonel”) era muito usado 
para a armazenagem, seja de líquidos, como o mel e o 
óleo, seja de sólidos, como o milho e as frutas (Figura 
61). Os dolia eram os maiores vasos romanos; seu 
tamanho poderia conter um homem. Costumavam ser 
enterrados no solo dos celeiros, como os vestígios 
encontrados na Itália, França e Tunísia nos mostram. 
Eram vasos feitos em partes separadas e depois 
juntadas, fabricados com argila vermelha ou branca, e 
queimados lentamente no forno. Seus fabricantes eram 
os chamados doliarii, e há indícios de que o dolium 
também era usado com fins ritualísticos de 
sepultamento. 
A amphora (“ânfora”) também servia para a 
armazenagem de líquidos e sólidos, além do transporte. 
Donald Brown cita o trabalho desempenhado por 
Adam Winter na tentativa de entendimento do processo 
de fabricação das ânforas: “Um grande cilindro de 
argila era erigido ou era torneado em um torno baixo. 
A parte de cima desse cilindro era trabalhada de modo 
a que, alargando-a, tomasse a forma da base da ânfora; 
as paredes eram afinadas o máximo possível, e o 
pequeno buraco que restava no topo era então tapado 
com uma rolha de argila. O pote era virado, tendo a 
grande base calcada em um colar de argila, para evitar 
o contato com a superfície do torno. A parte que 
restava para cima era trabalhada a fim de formar-se o 
pescoço do pote, e as alças eram anexadas. A 
modelagem do corpo da ânfora parece ter sido feita por 
uma combinação de torneamento com manipulação, 
pois ambas, as marcas de rotação e as marcas de dedos, 
são visivelmente vistas na superfície interna do 
vaso”228 (Figura 62). 
 
Ainda na obra de H. B. Walters
229
 há citação 
de cerca de 50 tipos de potes de cerâmica, entre eles: 
cadus – para armazenar vinho; crater – cratera usada 
para misturar água ao vinho; urna – para armazenar e 
carregar água; situla – balde para carregar água; cupa e 
cumera – com formato tubular, para carregar grãos; 
sinus – armazenar água e leite; nasiterna – pote de 
água; ampulla – usada para levar o vinho ou a água à 
mesa de refeição; cyathus – para despejar vinho nos 
copos; poculum – taça, copo; calix – cálice, um dos 
objetos mais usados comumente; lanx e patina – pratos 
ou travessas para levar comida à mesa; olla – urna 
funerária; peluis – bacia para se lavar; cacabus – 
caldeirão. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
228
 “Pottery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman 
crafts, p. 89. 
229
 History of Ancient Pottery, pp. 463-473. 
 52 
Parte V 
 
A) A extração e o tratamento dos minérios. 
 
Deixemos o naturalista romano Plínio, o 
Velho, que viveu de 23 a 79 d.C., discorrer sobre 
alguns pontos referentes à extração de minérios no 
Império Romano (História Natural, XXXIII, 21): 
 
Entre nós, o ouro é procurado de três modos 
diferentes; o primeiro deles é encontrado em forma de pó nas 
correntezas de rios, como exemplos, o Tago na Hispânia, o 
Pó na Itália, o Hebro na Trácia, o Pactolo na Ásia, e o Ganges 
na Índia; de fato, não há ouro encontrado em mais perfeito 
estado do que este, completamente polido devido ao 
constante atrito na corrente de água. 
Um segundo modo de obtenção de ouro consiste 
em abrir poços ou buscá-lo nos escombros das montanhas; 
ambos os métodos serão abordados.As pessoas em busca do 
ouro, primeiramente, procuram pelo segutilum230, tal sendo o 
nome da terra que dá indicação da presença de ouro. Isto 
realizado, o bolsão encontrado tem sua areia lavada, e, de 
acordo com o resíduo encontrado após a lavagem, uma 
conjectura é formada sobre a riqueza do veio. Algumas vezes, 
na verdade, o ouro é achado sobre a superfície da terra: um 
sucesso, entretanto, raramente experimentado. Por exemplo, 
recentemente, no reinado de Nero, um veio foi descoberto na 
Dalmácia, o qual rendeu, em peso, até cinqüenta libras de 
ouro diariamente. O ouro que é achado assim na crosta de 
superfície é conhecido como talutium231, em casos onde há 
terra aurífera sob a superfície. As montanhas da Hispânia, 
sempre áridas e estéreis, produtoras de quase nada, tornam-se 
férteis nas mãos do homem, provendo-os com este artigo 
precioso. 
O ouro extraído de poços é conhecido por algumas 
pessoas como canalicium, e por outras como canaliense232; é 
encontrado aderido ao mármore arenoso [ganga233], não da 
maneira como brilha na safira do Leste e na pedra de Tebas e 
outras gemas, mas, sim, brilhando entre as dobras do 
mármore. Os canais desses veios são encontrados correndo 
em várias direções de e para os poços, e daí o nome do ouro 
produzido ser canalicum. Nesses poços, também, a terra 
sobrecarregada é mantida no local graças a pilares de 
madeira. A primeira substância extraída é quebrada e depois 
lavada; depois, é submetida à ação do fogo, e se transforma 
em um fino pó. Este pó é conhecido como apitascudes, 
enquanto a prata que é liberada na queima recebe o nome de 
sudor (“suor; esforço”). As impurezas que escapam pela 
chaminé do forno, como no caso de todos os demais metais, 
são conhecidas por scoria (“escória”). No caso do ouro, esta 
scoria é quebrada uma segunda vez, e fundida novamente. Os 
 
230
 Também conhecido por segullo atualmente na Espanha. 
Segundo o Glossário Geológico Ilustrado do Instituto de 
Geociências da UnB, o termo corresponde ao inglês gossan 
(“chapéu de ferro”): “Capeamento residual (laterítico) de zonas 
mineralizadas com sulfetos ricos em ferro, como a pirita, e que se 
originam pelo intemperismo químico dos sulfetos com oxidação 
do Fe
2
 para Fe
3
, formando-se hematita e hidróxido de ferro 
limonítico que é muito resistente ao intemperismo químico. 
Ocorrências de gossan são importantes pois indicam a possível 
existência de minério em profundidade. Moldes limoníticos 
(boxworks) de sulfetos ou outros minerais solúveis em suas 
formas externas, muitas vezes com indicação de antigas 
clivagens e fraturas, podem ser encontradas em certos gossans”. 
In: http://www.unb.br/ig/glossario/verbete/chapeu_de_ferro.htm. 
Acessado em 28/12/2007. 
231
 Pepita. 
232
 Ambos os termos significam “em forma de canal”. 
233
 Minerais ou rochas sem interesse econômicos associados aos 
minérios. Porém, cabe aqui dizer que o “mármore arenoso” 
mencionado é, na verdade, quartzo e xisto. 
cadinhos usados para esse propósito são feitos de tasconium: 
uma terra branca similar à argila usada para a cerâmica; não 
há outra substância capaz de opor-se à forte corrente de ar, à 
ação do fogo, e ao intenso calor do metal fundido. 
O terceiro método de obtenção do ouro ultrapassa 
até o labor dos Gigantes: por meio de galerias manejadas para 
longa distância, montanhas são escavadas sob a luz de tochas, 
a duração das quais forma os turnos de trabalho; os 
trabalhadores nunca vêem a luz do dia por vários meses 
consecutivos. Essas minas são conhecidas como arrugiae, e 
não raramente fissuras são formadas de súbito, fazendo a 
terra afundar, soterrando os trabalhadores. Pareceria menos 
imprudente ir à procura de pérolas e púrpuras no fundo do 
mar, uma vez que tornamos para nós a terra mais perigosa do 
que a água! Tanto é verdade que, neste tipo de mineração, 
arcos são postos em intervalos freqüentes com o intento de 
suportar o peso vindo acima, da montanha. Na extração feita 
em poços ou galerias, barreiras de sílex têm de ser 
submetidas com a ajuda de fogo e vinagre; como esse método 
acaba por encher as galerias com vapores sufocantes e 
fumaça, mais freqüentemente usam-se máquinas de impacto 
– algumas com peças de ferro que pesam cento e cinqüenta 
libras – para quebrar as barreiras em pedaços: os fragmentos 
são carregados para fora pelos trabalhadores que, noite e dia, 
passam a carga de um para o outro no escuro, pois somente 
os que estão na boca da mina vêem a luz. Nos casos em que o 
bolsão de sílex é muito espesso para ser atravessado, o 
mineiro o contorna e depois retorna. Entretanto, depois de 
tudo, o trabalho causado por esse bolsão é tido como 
relativamente fácil, já que existe uma terra – um tipo de 
argila para cerâmica misturada com cascalho, denominada 
gangadia – praticamente impossível de ser penetrada. Esta 
terra precisa ser atacada com cunhas de ferro e martelos: não 
há nada mais tenaz do que ela a não ser a ganância do homem 
pelo ouro. 
Quando todas as operações estão completas, por 
fim, cortam-se os pilares de madeira no ponto em que 
sustentam o teto: o desabamento causa alarme, que é 
instantaneamente percebido pelo sentinela posto no pico da 
montanha. Por voz e por sinais, ele ordena que os 
trabalhadores sejam imediatamente dispensados de seus 
afazeres, ao mesmo tempo em que desce o local. A montanha 
fissura-se e cai em pedaços, arremessando seus escombros 
com um estrondo que é impossível à imaginação humana 
conceber; e dentre uma nuvem de poeira, de densidade 
incrível, os mineiros vitoriosos contemplam esta derrota da 
Natureza. Mas nem assim estão satisfeitos de ouro [...]. 
Outra técnica, também, muito parecida a esta – e 
que requer maior despesa – é a de desviar e trazer rios da 
montanha mais elevada (uma distância, talvez, maior de cem 
milhas) com o propósito de lavar os escombros montanhosos. 
Os canais assim formados são denominados corrugi, de nossa 
palavra corrivatio, eu suponho; e até mesmo quando criados, 
esses canais necessitam de mil novos trabalhadores. A queda, 
por exemplo, deve ser íngreme para a água precipitar-se ao 
invés de correr em fluxo – é por isso que deve vir de pontos 
mais elevados. Então, vales e fendas de geleiras têm de ser 
unidas com a ajuda de aquedutos e, em algum outro lugar 
impraticável, pedras devem ser talhadas e forçadas a fim de 
abrir espaço às calhas de madeira; a pessoa encarregada de 
talhá-las fica suspensa por cordas o tempo todo, então, ao 
espectador que a tudo assiste em distância, os trabalhadores 
possuem uma aparência não tanto similar à bestas selvagens, 
mas pássaros sobre a asa. Assim suspensos na maioria dos 
casos, eles pegam os níveis e traçam com linhas o curso que a 
água deve tomar, e então, onde não há espaço sequer para o 
homem colocar o pé, rios são traçados por suas mãos. A água 
passa a ser considerada imprópria para a lavagem caso traga 
consigo qualquer lama. O tipo de terra que forma essa lama é 
 53 
conhecido como urium234; sendo encontrado fora dos canais, 
os trabalhadores levam a água por sobre sílex ou seixos, 
evitando cuidadosamente esse urium. Quando alcançam a 
nascente da queda, no cume da montanha, reservatórios são 
escavados, com cerca de cem pés de comprimento e 
amplitude, e uns dez pés de profundidade. Nesses 
reservatórios existem geralmente cinco comportas com cerca 
de três pés quadrados; então, no momento em que o 
reservatório está cheio, as comportas são retiradas e a torrente 
explode à frente com violência sobre quaisquer fragmentos 
que possam obstruir sua passagem. 
Quando alcançamo nível do solo, outro trabalho os 
espera. Trincheiras, conhecidas como agogae, devem ser 
cavadas para a passagem da água; e estas, em intervalos 
regulares, têm camadas de ulex235 postas na base. Essa ulex é 
uma planta parecida com o alecrim, áspera e espinhosa, e 
bem adaptada para prender qualquer pedaço de ouro que 
surja. Os lados das trincheiras também são fechados com 
tábuas, e são suportados por arcos quando passam sobre 
escarpas e em locais de precipitação. A terra, levada na 
correnteza, chega ao mar ao final, e assim é a esfacelada 
montanha lavada; causa que tendeu a estender as costas da 
Hispânia. Também é por esses canais aqui descritos que o 
material – escavado na costa com grande labor pelo processo 
mencionado – é lavado e transportado; do contrário, os poços 
logo seriam obstruídos por isso. 
O ouro escavado em galerias não precisa ser 
fundido, pois é ouro puro. Nessas escavações – e também em 
poços – ele é encontrado em pedaços [caroços], muitas vezes 
excedendo dez libras de peso. Os nomes dados a esses 
pedaços são palagae e palacurnae, enquanto o ouro achado 
em pequenos grãos é conhecido como baluce. O ulex 
utilizado com o propósito acima citado é secado e queimado, 
sendo suas cinzas lavadas sobre uma “cama” de relva 
gramínea para que o ouro seja depositado em seguida. 
Astúria, Galícia e Lusitânia fornecem desta 
maneira, anualmente, de acordo com algumas autoridades, o 
peso de vinte mil libras de ouro, sendo o produto da Astúria a 
maior parte. Realmente, não há nenhuma parte do mundo que 
durante séculos mantivesse tal fertilidade contínua em ouro. 
Eu já mencionei que, por um decreto antigo do Senado, o 
solo da Itália foi protegido destas pesquisas; caso contrário, 
não haveria terra mais fértil em metais. Também há uma lei 
censória relativa às minas de ouro de Victumule, no território 
de Vercellæ236, pela qual os fazendeiros foram proibidos de 
empregarem mais de cinco mil homens nos trabalhos. 
 
As palavras de Plínio denotam a problemática 
apresentada na questão da extração de minérios pelos 
povos “clássicos”. O estudo preliminar acerca de como 
esses minérios eram extraídos e transformados é de 
suma importância para o entendimento do que virá 
mais adiante: a análise da metalurgia romana. 
Se a produção metalúrgica de Roma cresceu 
vertiginosamente no período de transição da República 
para o Principado, obviamente, é devido a um grupo de 
fatores. Plínio – e autores como Diodoro Sículo e 
Estrabão – ao mencionar o exaustivo trabalho da 
mineração, praticamente fundamenta-se na produção 
provinciana. A Ásia já havia sido submetida quase um 
século antes da conquista total do território hispânico. 
A Hispânia, um dos palcos da Segunda Guerra Púnica, 
 
234
 Dolomita. Segundo o Glossário Geológico Ilustrado do 
Instituto de Geociências da Unb: “Mineral carbonato de cálcio e 
magnésio [CaMg(C03)2]”. In: 
http://www.unb.br/ig/glossario/verbete/dolomita.htm. Acessado 
em 28/12/2007. 
235
 Gênero botânico. 
236
 Atual província de Vercelli, na região do Piemonte, Itália. 
já era famigerada por seu poder metalífero antes 
mesmo da chegada dos romanos; isso pode ser notado 
ao lermos, de Políbio (século II a.C.), a intenção de 
Aníbal: “(...) dispor de fundos e suprimentos 
abundantes para a expedição planejada [contra 
Roma]”237. Embora a Hispânia não fosse muito fértil na 
visão dos romanos, como apontou Plínio, suas 
montanhas “sempre áridas e estéreis, produtoras de 
quase nada, tornam-se férteis nas mãos do homem, os 
provendo com este artigo precioso [o ouro]”. 
Lembremos também que a Hispânia só foi 
completamente pacificada no governo de Augusto, 
sendo um importante elo entre as terras africanas e as 
do norte. O maior período de extração de minérios está, 
pois, situado nesse contexto de prosperidade político e 
econômico: temos a manutenção da orla do 
Mediterrâneo sob as hostes dos legionários e um 
intenso itinerário de povos e mercadorias pelas 
províncias e a Itália. Porém, como dito acima, e 
retornando ao tópico levantado, a mineração na Roma 
Antiga era algo muito dispendioso e perigoso. 
 
O arqueólogo John F. Healy, em sua obra 
Mining and metallurgy in the Greek and Roman world 
238
, discorre sobre a concepção geológica que os 
antigos tinham do próprio mundo: “Em Plínio 
encontramos alusão esparsa a uma teoria relativa à 
formação de pedras transparentes e semi-transparentes, 
que provavelmente já havia sido formulada por 
Posidônio
239
: segundo tal teoria, a matéria prima destas 
pedras era a água, talvez impregnada de átomo de terra. 
Este líquido se condensava seja sob efeito do frio na 
atmosfera, seja por efeito de uma das duas exalações, 
enquanto as cores das pedras eram geradas apenas pela 
exalação seca ocorrida até o seu endurecimento. [...] 
Uma outra idéia bastante estranha, recorrente em 
diferentes períodos entre gregos e romanos, consistia 
em deduzir que os metais cresciam espontaneamente na 
terra e, do mesmo modo, regeneravam-se as jazidas que 
houvessem sido exauridas pelo desfrutamento do 
homem”240. O último caso pode ser conferido nas 
palavras do geógrafo grego Estrabão (64 a.C. – 24 
d.C.): 
 
Há outra circunstância notável: as exauridas minas 
da ilha [de Elba] – com o passar do tempo – tornaram-se 
novamente cheias [produtivas]
241
. 
 
Os romanos herdaram e aperfeiçoaram as 
técnicas de mineração dos gregos e egípcios, contudo, 
os métodos de prospecção de metais continuaram a ser 
superficiais. A busca por ouro e outros metais em 
aluviões talvez fosse um dos meios mais antigos e 
simples de pesquisa. Além deste primeiro método, 
segundo Plínio, os homens buscavam por sinais sobre o 
solo que indicassem a presença de metais a serem 
encontrados quando de uma escavação: achada a terra 
denominada de segutilum, rica em óxidos de ferro, 
portanto, com uma coloração típica, o próximo trabalho 
 
237
 III, 17. 
238
 Para este trabalho foi utilizada a tradução italiana: Miniere e 
metallurgia nel mondo greco e romano. 
239
 Historiador e filósofo grego que viveu entre 135 a 50 a.C. 
240
 Página 18. 
241
 Geografia, V, 2. 
 54 
era lavar uma amostra dela com a intenção de observar 
se os grânulos de ouro seriam proveitosos 
economicamente. 
Os dois elementos básicos de uma atividade 
de mineração – terra e água – são uma constante no 
texto de Plínio. Devemos aos romanos, principalmente, 
as técnicas que foram por demais utilizadas até o 
século XIX e mesmo nos dias atuais. Pelo documento, 
assinalamos as duas maneiras fundamentais de 
extração mineral: a céu aberto e sob a terra. 
O trabalho executado sobre o solo dependia 
quase necessariamente do uso de recursos hidráulicos 
(pois havia casos de se encontrar os minérios na 
superfície, o que era raro, nos dizeres de Plínio). A 
mineração em aluviões, como dita, é a menos 
dispendiosa e a que, segundo o autor antigo, traz o ouro 
em sua melhor forma. Porém, com a rotina, os minérios 
tendiam a desaparecer. Restava, então, aos homens, 
manipular a natureza (o que causava a indignação de 
Plínio). Outra técnica usada pelos romanos é a que hoje 
é conhecida como hushing entre os geólogos. O termo 
corresponde, grosso modo, ao método de se separar 
minérios preciosos de outros com o uso da água. Nas 
palavras de John Healy: “(...) consiste em fazer fluir a 
água para separar e transportar o material ao nível 
baixo. O controle da operação era assegurado 
recorrendo-se à construção de diques e reservatórios 
situados no topo e nas costasda zona interessada, a fim 
de criar uma bacia de água suficientemente provida. 
Depois que a água tivesse removido a camada não 
aurífera, seguia-se o procedimento de lavagem dentro 
do canal mediante um fluxo mais ou menos contínuo 
de água. O material aluvial vinha de tal modo 
transportado, e a água cheia de detritos era colhida na 
base do sítio e desviada para canais de cultivo, onde se 
procedia à extração do ouro utilizando-se um dentre os 
numerosos métodos de trabalho”242. Por fim, Plínio 
menciona algo que causava arrepios aos que 
observavam: o estrondo das águas represadas pelas 
comportas. Sem dúvida, essa era a técnica mais 
destrutiva da natureza, pois se usava a força da água 
precipitada para encontrar e cavar as jazidas, deixando 
visíveis as marcas nas montanhas; maneira de trabalho 
denominada “abatimento hidráulico”243. 
Os segundo e terceiro modos de obtenção de 
ouro, como dita Plínio, são realizados sob a terra, por 
meio de escavações. Primeiramente, temos os poços. 
Os exemplos encontrados pelos arqueólogos mostram, 
como no caso do poço grego de Laurion, que 
inicialmente abria-se um furo central no local desejado 
e depois o alastrava aos quatro lados, sempre atacando 
verticalmente, com o auxílio de uma lança (Figura 63). 
Os poços romanos geralmente tinham uma seção 
regular, dependentes dos materiais utilizados para o seu 
revestimento: no caso de poços retangulares, a madeira 
revestia as paredes; no caso de poços circulares, a 
pedra. As galerias, ao contrário dos poços, tinham o 
sentido transversal dentro das montanhas (embora 
muitas galerias partissem dos fundos de alguns poços, 
cortando horizontalmente as rochas). Como diz Plínio, 
as minas adentravam lugares onde a luz do dia não 
 
242
 Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 100. 
243
 Idem, p. 101. 
chegava
244
 e, apesar dos pilares e arcos postos de forma 
a suportar o peso da terra acima, não raramente havia 
desmoronamentos e soterramentos dos trabalhadores. 
Das minas estudadas pelos arqueólogos (Figura 64), 
observa-se que algumas possuíam altura suficiente para 
um homem permanecer em pé ao trabalhar; mais ainda, 
segundo John Healy, muitas galerias não pareciam 
possuir qualquer tipo de planejamento, tornando-se 
verdadeiros labirintos
245
. 
Além dos desmoronamentos, o autor romano 
menciona asfixia. A ventilação era um empecilho à 
mineração. A necessidade de se usar fogo e vinagre 
para vencer as barreiras de sílex colocava os 
trabalhadores em constante perigo de se sufocarem 
pelos gases exalados; os gases naturais encontrados em 
altas profundidades eram outro problema. Lucrécio, 
poeta e filósofo da primeira metade do século I a.C., 
escreveu em sua obra Da natureza das coisas os efeitos 
nocivos dos vapores provenientes das minas de ouro e 
prata (versos 1188-1204): 
 
Não vê também como na mesma terra 
Nasce o enxofre e o betume que exalam 
 Um odor penetrante? Finalmente, quando 
 Com o ferro na mão vão os homens 
Rasgando as entranhas da terra 
Procurar os veios de ouro e prata, 
Que vapores não saem da mina? 
Que cheiros tão mortais não se exalam 
Deste rico metal que há nela? 
Não vê a face e a aparência descolorida 
 Dos miseráveis que estão condenados 
Pela a lei a trabalhos tão penosos? 
Você não ouviu como em breve perecem, E 
quão curto é o prazo de sua vida? 
Assim, é necessário que a terra exale 
Todos estes vapores esparramados. 
No lado de fora, nas planícies do ar. 
 
Deveras, o contato do ar e da umidade com o 
enxofre contido nas rochas, ao oxidarem produzem: o 
SO2 (dióxido de enxofre), que, ao ser inalado, gera 
complicações no sistema respiratório e também no 
cardiovascular; e o H2S (gás sulfídrico ou gás de ovo 
podre), substância terrível que pode causar desde 
simples ardência nos olhos e irritação na garganta até 
mesmo à inconsciência, à parada respiratória e à morte 
em menos de uma hora quando está numa concentração 
igual ou superior a 500 ppm (partes por milhão). Para 
detectar a presença de gases perigosos, Vitrúvio (VIII, 
6, 13) alerta: 
 
Far-se-á descer uma lamparina acesa; se ela se 
mantiver a arder, poder-se-á descer sem perigo. Se, 
todavia, a chama for violentamente apagada pela força 
do vapor, então escavar-se-ão respiradouros à direita e 
à esquerda nos lados do poço; assim os gases se 
dissiparão, como através de narinas, pelas chaminés de 
respiração. Dispostas assim estas coisas e uma vez 
alcançada a água, então revestir-se-á em volta do poço 
com pedra seca [ou seja, sem argamassa] para não 
obstruir os veios. 
 
244
 A iluminação era feita por tochas, como afirma Plínio, e 
também por lamparinas, como atestam os vestígios cerâmicos 
encontrados nas escavações em galerias e poços. 
245
 Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 104. 
 55 
 
Outra dificuldade séria enfrentada pelos 
romanos mineiros era com relação aos alagamentos. 
No excerto de Plínio acima mencionado, nota-se a 
existência contínua de água em todos os meios de 
extração; ora, é fácil imaginar que as montanhas 
escavadas sofressem de infiltrações naturais ou não. No 
entanto, John Healy diz que “os mineradores antigos 
eram de tudo impotentes no confronto com uma 
inundação imprevista na mina”246. O fato das 
inundações levava os antigos a explorarem apenas as 
jazidas que estivessem ao nível do mar, ou acima dele. 
Escavações abaixo desse nível eram praticamente 
sinônimos de alagamentos e má sustentação das rochas. 
Para tentar contornar os problemas mais freqüentes 
oriundos da água, os romanos possuíam três técnicas. 
A primeira, e mais simples, consistia em retirar o 
excesso de água com a ajuda de baldes, para tanto, 
escravos eram empregados; foram encontrados 
vestígios de baldes fabricados em cobre em algumas 
minas de Cartagena e Sierra de Cordoba
247
. Construir 
galerias transversais que escoassem o excesso de água 
era o segundo sistema. Porém, os mais interessantes do 
ponto de vista da engenharia eram o Parafuso de 
Arquimedes e a roda hidráulica. O parafuso inventado 
(ou aperfeiçoado) por Arquimedes, e utilizado pelos 
romanos nas minas da Hispânia no século I d.C., 
representou uma grande economia de tempo e esforços 
na drenagem de água (Figura 65). O princípio básico 
de funcionamento é o de elevar líquidos com o mínimo 
de esforço a partir de uma espiral ao redor de um eixo, 
que deve estar inclinado (Figuras 66 e 67). Para elevar 
a água, o parafuso – construído em madeira – era 
apoiado com uma extremidade num reservatório e com 
a outra ponta em outro reservatório, posto mais alto; a 
capacidade de trabalho da máquina dependia do grau 
em que estava inclinada: Em El Centilho, na Espanha, 
o ângulo de inclinação era de 35º, enquanto que em 
Sotiel Coronada (Portugal) oscilava entre 15º e 20º. 
Geralmente, os parafusos eram colocados em série, 
formando verdadeiros “elevadores de água”, que 
percorriam as extensões das galerias. Seus diâmetros e 
comprimentos podiam variar, sendo girados com o 
auxílio dos pés
248
 (Figura 68). É Vitrúvio (X, 6) quem 
nos legou uma descrição detalhada sobre a construção e 
o funcionamento do parafuso: 
 
[1] (...) Processa-se da seguinte maneira. 
Disponibiliza-se um tronco e prepara-se de modo a ficar com 
um número de pés de comprimento igual ao número de dedos 
de espessura. Arredonda-se com o auxílio do compasso. Nas 
pontas, dividir-se-ão por quadrantes e octantes, com o 
compasso, os seus contornos circulares,em oito segmentos, 
sendo as diagonais de tal modo colocadas que, apoiado o 
tronco horizontalmente, as linhas de cada um dos seus topos 
se correspondam no nivelamento, devendo ser divididas, no 
sentido do comprimento, em segmentos com uma dimensão 
igual a um oitavo do contorno circular do tronco. Então, 
disposto este plano horizontal, traçar-se-ão linhas de um topo 
ao outro, de acordo com o nivelamento. E assim se definirão 
espaços iguais, seja à volta seja em comprimento. Deste 
modo, no lugar em que forem traçadas, as linhas relacionadas 
 
246
 Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 108. 
247
 Idem, p.109. 
248
 John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e 
romano, pp. 110-111. 
com o comprimento definirão intersecções e pontos nos seus 
cruzamentos. 
[2] Concluídas na perfeição estas marcações, toma-
se uma varinha delgada de salgueiro, ou cortada num 
agnocasto, que se unta com pez líquido e se fixa no primeiro 
ponto de intersecção. Depois, esta varinha será passada 
obliquamente pelas restantes intersecções, no sentido do 
comprimento e do contorno; progredindo e contornando 
ordenadamente de ponto em ponto, ela vai sendo colocada 
em cada um dos cruzamentos de linhas, deste modo chegando 
e sendo fixada na ponta da linha em que começou por ser 
fixada, tendo andado desde o primeiro até o oitavo ponto de 
intersecção. Assim, progrediu obliquamente e através de oito 
pontos num espaço igual ao que andou em comprimento até o 
oitavo ponto. Pelo mesmo processo vão sendo fixadas 
varinhas diagonalmente por cada espaço do comprimento e 
do contorno, em cada uma das intersecções, dando origem a 
canais espiralados ao longo das oito divisões da grossura do 
tronco e a uma imitação precisa e natural do caracol. 
[3] Fixam-se então, umas sobre as outras, varinhas 
revestidas com pez líquido ao longo dessas marcas, e vão se 
amontoando até uma espessura total igual a um oitavo do 
comprimento. Sobre elas disponham-se e fixem-se em volta 
tábuas que recubram estas espirais. Saturem-se também essas 
tábuas com pez e prendam-se com lâminas de ferro, a fim de 
não serem desconjuntadas pela força da água. Os espigões do 
tronco deverão ser de ferro. Também à direita e à esquerda do 
parafuso serão colocadas traves que tenham travessas fixadas 
numa e noutra parte das extremidades. Encravam-se nestas 
travessas chumaceiras de ferro, aí se introduzindo os eixos; e 
assim se executam as rotações do parafuso com o peso dos 
homens calcando com os pés. 
[4] A sua disposição em altura deverá ser executada 
com uma inclinação correspondente ao traçado do triângulo 
retângulo de Pitágoras, que tenha a seguinte demonstração, 
ou seja, dividindo o comprimento em cinco partes, a 
extremidade superior do parafuso elevar-se-á em três partes; 
assim, será de quatro destas partes a medida entre a vertical e 
as aberturas da base do parafuso. Sobre a maneira 
conveniente de realizar isto deixa-se no fim do livro 
desenhado um gráfico, no lugar respectivo
249
 (...). 
 
O mesmo autor menciona o uso de rodas 
hidráulicas (X, 5): 
 
[1] (...) Em volta das suas testeiras [das rodas] são 
fixadas travessas que, avançando ao serem batidas pela 
corrente do rio, obrigam a roda a girar, e assim tirando a água 
através dos alcatruzes, elevando-a até cima sem a intervenção 
de homens calcando, e, movimentadas pelo próprio impulso 
do rio, garantem as necessidades do uso da água. 
 
A roda era construída em madeira e usada para 
soerguer grande quantidade de água (Figura 69). 
Empregada nos mais diversos casos em que se 
mostrasse útil, a roda hidráulica era um maquinário 
pesado e necessitava de mais homens para ser 
construída e operada (pois, dentro das minas, ao 
contrário do que Vitrúvio acima disse, cordas eram 
utilizadas para a propulsão); além de precisar que se 
adaptassem fluxos de água a sua passagem. Contudo, a 
quantidade de água processada pela roda hidráulica era 
muito superior à do parafuso, rendendo o trabalho de 
drenagem dentro das minas. Cabe aqui ressaltar que, 
tanto o parafuso como a roda, eram fabricados apenas 
nas minas que seguramente fossem lucrativas, uma vez 
que o custo de tais máquinas era elevado. 
 
249
 Desenho perdido. 
 56 
Por fim, Plínio faz menção às ferramentas 
cotidianas usadas no trabalho em minas. John Healy, 
no texto já citado, nos informa acerca das ferramentas 
mais comuns na extração minerária. A matéria utilizada 
no fabrico da maior parte dos instrumentos era o ferro. 
Os martelos encontrados nas minas da Bética mostram 
que o peso variava de 2.2 Kg a 4.5 Kg, e que eram 
dotados de cabos de madeira. A picareta de lâmina 
curvada também era muito utilizada para o trabalho em 
terra e em rochas mais macias; exemplares foram 
escavados nas minas de Laurion e Rio Tinto. Para as 
rochas duras, utilizava-se, como dito, lanças em ritmo 
parecido ao dos martelos. A lança provoca – sendo 
visível nas paredes de poços e galerias – a quebra de 
pequenas lascas e muito pó oriundo das rochas. Esses 
vestígios auxiliam os arqueólogos no estudo sobre os 
métodos de perfuração das jazidas na Antiguidade. 
Pequenas estacas de ferro completam a gama de 
instrumentos fabricados em metal. Os produzidos em 
pedra eram em menor número, embora haja martelos 
feitos com esse material, e até mesmo instrumentos de 
grandes dimensões, com revestimentos em ferro, para 
alto impacto
250
. 
Um baixo relevo encontrado em Palazuleos 
(próximo a Linares, na Espanha), é de grande valia 
sobre o tema das ferramentas usadas pelos mineiros 
(Figura 70). Esculpido em pedra de arenito, ele 
representa um grupo de trabalhadores de mina. No 
fragmento, há nove homens, quatro ao fundo e cinco 
em primeiro plano. Destes cinco, o último à esquerda, 
o maior, é provavelmente o chefe: em sua mão direita, 
carrega uma maça, enquanto na outra parece segurar 
um sino ou um recipiente de armazenamento (muito 
possível que seja de óleo, para abastecer as 
lamparinas). A personagem seguinte carrega uma 
picareta. O homem do meio leva uma lamparina. Nos 
dois últimos, não é possível identificar os objetos que 
levam devido às partes que faltam, bem como não 
conseguimos observar seus pés, embora John Healy 
afirme que, quase certamente, estariam calçando 
sandálias. As cabeças dos homens não estão cobertas, 
mas seus corpos parecem vestidos com túnica e com 
uma espécie de avental feito em couro, para protegê-los 
em caso de queda de pedras ou dos cestos usados para 
transportar os minerais
251
. 
Após a extração, os minérios brutos passavam 
por um tratamento de separação de componentes e 
transformação em matérias para serem usadas por 
outros trabalhadores. 
 
Segundo John Healy, quatro são os pré-
requisitos necessários a qualquer tipo de operação 
metalífera: 1) minerais prontos para a fusão; 2) 
combustível (lenha ou carvão proveniente dela); 3) um 
forno com abertura natural ou, se necessário, com 
entrada para um fole que sustente a temperatura 
necessária ao trabalho; 4) um crisol, ou outro tipo de 
recipiente resistente ao fogo, juntamente com as 
ferramentas e equipamentos precisos
252
. Era 
primordial, portanto, preparar os minérios para que 
 
250
 John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e 
romano, pp. 113-114. 
251
 Ibidem, pp. 114-115. 
252
 Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 181. 
chegassem prontos ao consumo dos artesãos. O 
processo de trituraçãoe refinamento – com fins a 
separar tipos de minérios – foi descrito por Platão em 
sua obra Político, e constitui um dos mais antigos 
documentos referentes ao tema. Diz, pois, a 
personagem do Estranho no texto: 
 
[303d] Porque os refinadores primeiro removem 
terra e pedras e todo o tipo de coisa; [303e] e depois disso, lá 
permanecem as substâncias preciosas que estão misturadas 
com o ouro e similares e que só podem ser removidas através 
do fogo – cobre e prata e, às vezes, adamantium [também 
sugerido como platina]. Estes são separados pelos difíceis 
processos de fundição, deixando diante de nossos olhos 
aquilo que é chamado de ouro não amalgamado, em toda a 
sua pureza. 
 
A descrição de Platão é falha ao não citar a 
primeira etapa do processo: a trituração. A quebra das 
rochas em pedaços menores representa uma tarefa 
essencial, uma vez que o poder do fogo não era capaz 
de separar os minérios presentes em nacos maiores. 
Gregos e romanos utilizavam-se de equipamentos cuja 
funcionalidade era calcada no impacto, na percussão; 
dentre eles, o pilão e a mó. O pilão era um recipiente 
em forma de dedal, em média com 40 a 60 cm de 
profundidade, escavado em rocha vulcânica (K-
feldspato), fechado por uma cobertura – também em 
pedra – que possuía um orifício ao centro, por onde se 
passava o percutor (mão de pilão) de ferro que 
quebrava as rochas em grãos menores. Sobre a mó, 
Diodoro Sículo escreveu (Biblioteca Histórica, III, 13): 
 
[...] as mulheres e os homens velhos recebem a 
rocha [anteriormente já fragmentada] e a jogam no moinho, o 
qual possui um número de pessoas postas em fileira; grupos 
de duas ou três pessoas trabalham cada moinho, fazendo com 
que as rochas adquiram um aspecto de uma fina farinha. 
 
Triturados, os minérios passavam por uma 
peneiração. As peneiras eram feitas em pedra, com 
aberturas centrais e suspensas graças a um anel de ferro 
que as circundavam. Vibrando-se a peneira, separava-
se o material já tido como ideal para o prosseguimento 
no processo e o restante retornava à trituração. 
Separados, os grãos eram então lavados, como 
descreve Estrabão (III, 2): 
 
[...] o grão de prata arrastado pelos rios é triturado e 
peneirado em contra-corrente; se trituram de novo os resíduos 
e os lavam novamente [...]. 
 
Porém, o método exposto por Estrabão era 
ineficiente quando a monta de rochas era alta. Em 
minas onde a extração era intensa, construíam-se mesas 
de lavagem (Figuras 71 e 72), como a de Laurion, do 
século V a.C. (anterior a 423 a.C.). John Healy aponta 
os quatro elementos que constituíam essa técnica: “1) 
um amplo fundo rebocado e achatado, (...) circundado 
de canaletas em seus quatro lados e dotado de dois 
reservatórios circulares nos dois ângulos meridionais; 
2) uma “mesa” de dimensão menor, posta 
imediatamente no exterior da canaleta norte (também 
rebocada com gesso), e dotada de uma discreta 
inclinação para o escoamento da água; 3) um grande 
reservatório de água construído próximo à mesa 
 57 
inclinada (...); 4) uma grande cisterna ou reservatório 
circular, cavada diretamente no declive da colina. 
Todas essas quatro estruturas eram feitas em um duplo 
quadrado (...)”253. A operação da mesa de lavagem 
dava-se quando a água da grande cisterna corria para o 
reservatório e deste para a mesa inclinada onde 
estavam dispostos os grãos triturados; a água que corria 
pelas canaletas levava os fragmentos indesejáveis e 
depositava nos fundos dos reservatórios meridionais os 
minérios mais pesados (como a prata) que, então, eram 
recolhidos e lavados manualmente pelos escravos. Os 
materiais encontravam-se, agora, prontos para a fusão. 
Obviamente, a fusão dependia de 
combustíveis. E os antigos usaram dos mais variados 
tipos. Um dos mais comuns era o lignito. Abundante e 
de fácil extração, o lignito – que tem em sua 
composição uma quantidade de carbono que varia de 
60 a 75 % - é um combustível fácil de queimar, porém, 
com baixo grau calorífico. Teofrasto, filósofo grego de 
Ereso que viveu entre 322 a 287 a.C., nos fornece um 
dos primeiros documentos que atestam o uso de carvão 
mineral como combustível (Das Rochas): 
 
[16] Entre as substâncias que são escavadas por 
serem úteis, aquelas conhecidas simplesmente por carvão são 
feitas de terra e, ao serem jogadas no fogo, queimam como 
carvão vegetal. São encontradas na Ligúria, onde o âmbar 
também é achado (...); e são atualmente usadas por 
trabalhadores de metais. 
[17] Nas minas de Scapte Hyle [na Trácia], uma 
pedra encontrada tem a aparência de madeira podre. Quando 
óleo é despejado sobre ela, ela queima, mas quando o óleo 
acaba, a pedra pára de queimar como se não tivesse sido 
afetada. 
 
Além do lignito, a turfa (carvão fóssil) é citada 
por Plínio como uma lama que, ao secar, é capaz de se 
inflamar (História Natural, XVI, 1). Porém, a lenha era 
um dos combustíveis de maior utilização por parte dos 
romanos. Devido a sua composição de celulose e 
lignina, a madeira não alcança temperaturas muito 
elevadas. Por isso, recorria-se ao carvão de lenha 
quando se desejava fogo para processos de fundição
254
: 
pode chegar aos 900ºC e ir adiante quando auxiliado 
por correntes de ar (como as proporcionadas pelos 
foles, nos fornos). 
Tendo a matéria-prima e o combustível, 
passava-se, então, ao processo de refinamento nos 
fornos – onde o metal era fundido255 – e ao trabalho do 
artesão em si, transformando os metais em objetos 
passíveis de compra e venda. 
 
 
 
 
B) O trabalho em metais. 
 
A figura do artesão, como já falamos 
anteriormente
256
, era, na maioria dos casos, vista com 
 
253
 Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, pp. 184-
185. 
254
 John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e 
romano, pp. 190-191. 
255
 Pormenores serão expostos no próximo segmento deste 
trabalho. 
256
 Parte IV. 
menosprezo e preocupação. Seu trabalho, embora 
abundante – como demonstram os vestígios materiais –
, não seria “digno” na opinião da elite da sociedade 
antiga. O ofício que necessitasse essencialmente do uso 
das mãos para ser produzido era tido como menor, pois 
as ocupações que demandassem um esforço mais 
intelectual (como advogado ou médico) eram mais 
valorizadas. Essa interpretação do artesão também se 
refletia no caso dos sempiternos deuses, e, 
especificamente, em um deus-artesão que obrava sobre 
os metais. Hefesto para os gregos. Vulcano para os 
romanos. Vejamos sua representação na literatura 
antiga. 
Na Ilíada, Homero escreveu: 
 
(...) No meio tempo, Tétis, 
a deusa pés-de-prata, ao palácio soberbo 
de Hefesto chegara, ímpar entre os imortais, 
imperecível, estrelado, em bronze ereto 
pelo deus coxo. Ei-lo entre os foles, afanoso, 
suarento. Uma vintena de trípodes bem- 
-lavradas para o paço forjava, adornando-o 
em torno do saguão; (...)257 
 
(...) disforme ergueu-se, a mancar, da bigorna: 
movia os tornozelos frágeis com presteza. 
Apartou os petrechos e foles (lavrava 
uma arca de preciosa prata). Ambas as mãos 
limpou com uma esponja e as faces, o pescoço 
rijo, o peito lanudo; (...)258 
 
(...) E retirou-se em direção aos foles. 
Voltou-os para o fogo e ordenou: “Ao trabalho!” 
Vinte foles soprando nas fornalhas sopro 
vário, atiçando as chamas, ora com vigor, 
lépidos, ora lentos, a líbito do amo, 
Hefesto, para, assim, levar a termo a obra; 
lança o ferreiro ao fogo bronze rijo, estanho, 
ouro precioso e prata. Dispõe sobre o cepo 
uma enorme bigorna, soergue o macromalho, 
potente,na outra mão segurando as tenazes
259
. 
 
Na Antologia Grega, encontramos o seguinte 
fragmento
260
: 
 
Retirai da fornalha este martelo, estas tesouras, esta 
pinça, oferenda que Polícrates dedicou a Hefesto. Foi com 
redobrados golpes do seu martelo sobre a bigorna, que 
arranjou para os filhos uma fortuna que deles afastará a triste 
miséria. 
 
Em um hino escrito pelo poeta grego do 
século III a.C. Calímaco há a referência aos ciclopes, 
ajudantes ferreiros de Vulcano: 
 
As ninfas empalideceram à vista de tais gigantes 
semelhantes a montanhas e cujo olho único, sob espessa 
sobrancelha, brilhava ameaçadoramente. Uns faziam gemer 
imensos foles; outros, levantando os pesados martelos, 
batiam furiosamente o bronze que tiravam da fornalha. A 
bigorna estremece, o Etna e a Sicília tremem, a Itália ecoa o 
estrondo e a própria Córsega se sacode. Àquele terrível 
espetáculo, àquele medonho fragor, as filhas do Oceano 
ficam estarrecidas... e trata-se, aliás, de um estarrecimento 
 
257
 XVIII, vv. 367-374. 
258
 Idem, vv. 410-415. 
259
 XVIII, vv. 468-477. 
260
 Apud René Ménard, Mitologia Greco-romana, v. 2, p. 151. 
 58 
perdoável; as próprias filhas dos deuses, na sua infância, só 
encaram tais gigantes com temor, e quando se recusam a 
obedecer, suas mães fingem chamar Arges ou Steropes: 
Mercúrio acorre com as feições de um desses ciclopes, de 
rosto coberto de cinza e fumaça; imediatamente, a criança, 
aterrorizada, cobre os olhos com as mãos e se atira tremendo 
ao seio materno
261
. 
 
Vulcano é, então, uma figura disforme, feia. 
Não só ele: os seus ajudantes, os ciclopes (ou gigantes) 
também padecem dessas características. Homero retrata 
o deus como um deficiente, que manca, mas que é 
capaz de fazer os mais belos trabalhos em metal. Tétis 
pede seu auxílio e ele fabrica, dentre as armas de 
Aquiles, o seu escudo, belíssimo. Porém, o que se deve 
atentar aqui é a impossibilidade de escrever algo que 
fuja do aprendizado humano. As tradições orais são 
calcadas naquilo que os homens viveram e 
conseguiram apreender. Por isso, os deuses são tão 
humanos, pois são o reflexo dos homens. Em outras 
palavras, lendo Homero conseguimos conhecer o 
trabalho exercido pelos ferreiros gregos desde, pelo 
menos, o século VIII a.C.: data em que a Ilíada foi 
redigida. Tudo o que o aedo
262
 narra é presente no 
cotidiano do artesão. Os instrumentos básicos 
utilizados para o fabrico de uma peça em metal estão 
nos versos: foles, forno, bigorna, martelo 
(macromalho), tenazes. Da mesma forma, há mostras 
de um entendimento acerca da operação dos fornos: ora 
o fogo está mais forte, ora mais ameno, obedecendo ao 
ferreiro. Já no excerto da Antologia Grega, o processo 
de se martelar o metal sobre uma bigorna é realçado. 
Igualmente, os ciclopes (em Calímaco) – seres que 
estão sujos devido às cinzas que saem do forno
263
 – 
obram o bronze. 
Porém, a mitologia clássica perpetuou-se e 
chegou até a Época Moderna, nas produções dos 
artistas. Dois exemplos importantes sobre a 
representação do deus Vulcano encontram-se em 
Giulio Romano e Diego Velásquez. Na primeira 
metade do século XVI, o pintor e arquiteto italiano 
Giulio Romano deu vida ao momento em que Vulcano 
é solicitado a fazer as armas de Aquiles (canto XVIII 
da Ilíada). Na obra do executor do afresco – e um dos 
expoentes do maneirismo – Vulcano ganha traços mais 
belos do que o narrado nas fontes antigas e, na pintura, 
não vemos o forno, apenas o martelo em sua mão e um 
apoio para trabalhar o elmo (Figura 73). 
Coisa semelhante ocorre no quadro de 
Velásquez, pintor espanhol do século XVII, um dos 
pilares do barroco. No entanto, devemos, antes, citar o 
excerto presente em Metamorfoses – escrita pelo poeta 
romano Ovídio (43 a.C. a 17 d.C.): 
 
Terminara; e houve breve intervalo de tempo, e 
Leucónoe começou a falar. As irmãs contiveram a voz. 
“Também aquele que com sua luz rege todos os astros, 
O amor capturou: o Sol; do Sol os amores narraremos. 
Julga-se que este deus foi o primeiro 
 
261
 Ibidem, p. 159. 
262
 Diz François Hartog: “Inspirado pela Musa, o aedo „vê‟ pelos 
dois lados. Ele conhece e canta os feitos e os infortúnios de uns e 
de outros, ciente de que nada escapa aos desígnios de Zeus”. 
“Primeiras figuras do historiador na Grécia: historicidade e 
história”, in: Revista de História, pp. 10-11. 
263
 Observe-se o trecho de Homero sobre o aspecto de Vulcano. 
a ver o adultério de Vênus com Marte: este deus vê tudo 
primeiro. 
Condoeu-se do fato e revelou ao marido, filho de Juno, 
o crime contra o casamento e o local do crime
264
. 
 
O que Velásquez buscou interpretar – em sua 
obra de 1630 – foi a desgraça do filho de Juno, ou seja, 
Vulcano, quando descobre que sua esposa, a bela 
Vênus, o traíra com Marte. Vemos, então, a expressão 
de assombro que surge no rosto de Vulcano (o homem 
que segura a chapa de metal sobre a bigorna) e de seus 
ajudantes ciclopes quando o deus Apolo (o Sol) vai à 
oficina contar o ocorrido (Figura 74). Aqui também se 
nota que o deus e seus auxiliares estão embelezados. 
Mais ainda: os ciclopes ganharam feições humanas, 
possuem dois olhos. 
Essa breve divagação ficaria sem muito 
sentido se não fosse por um fator: tanto a pintura de 
Romano como a de Velásquez apresentam objetos 
cotidianos a eles. A oficina retratada pelo espanhol é 
certamente uma cópia bem próxima da realidade 
daquilo que seria uma oficina de ferreiros no século 
XVII; basta reparar nos produtos fabricados nela: 
armaduras da Idade Moderna. O que se deve 
depreender de ambas as pinturas é que a técnica de 
fabricação metalúrgica praticamente permaneceu 
inalterada em seus princípios durante os séculos 
anteriores à Revolução Industrial. Observamos nos 
retratos aquilo que os textos antigos nos falam: há os 
mesmos martelos, as mesmas bigornas, as mesmas 
tenazes e o mesmo forno. E, de acordo com os registros 
arqueológicos, deparamos com uma semelhança e 
funcionalidade deveras próximas entre as ferramentas 
dos romanos e gregos e a dos italianos e espanhóis dos 
séculos XVI e XVII. Isso serve para nos ilustrar uma 
questão: o arqueólogo também trabalha com analogias 
tecnológicas. Tanto no caso da cerâmica como no caso 
do metal e do vidro, a experimentação, a tentativa de se 
produzir algo parecido com aquilo que foi escavado, é 
de muita importância para um entendimento mais 
próximo da realidade das sociedades estudadas. 
Não é à toa, pois, que nas leituras realizadas 
sobre o tema da metalurgia romana, poucos não são os 
casos de arqueólogos que tentam reconstituir um objeto 
antigo a partir de seu presente. É crucial entendermos 
as técnicas empregadas no fabrico de objetos de metais, 
que é o foco central nesta parte de nosso trabalho. 
Vejamos, agora – e dando prosseguimento ao 
processo que vem após a trituração dos minérios –, 
como os romanos construíam suas peças em metal. 
 
 
 
 Trabalhos em ferro 
 
[39] [O ferro é] ao mesmo tempo o mais útil e o 
mais fatal instrumento nas mãos da humanidade. Pela ajuda 
do ferro nós preparamos o solo, plantamos árvores, 
preparamos nossas parreiras, e forçamos nossas vinhas a 
reassumirem seu aspecto juvenil a cada ano cortando seus 
galhos deteriorados. É pela ajuda do ferro que construímos 
casas, ligamos rochas, e fazemos tantas outras coisas úteis 
para a vida. Mas também é com o ferro que guerras, 
assassínios e roubos são feitos, e não com as próprias mãos: à264
 IV, vv. 167-175. 
 59 
distância, com o auxílio de projéteis e armas aéreas – agora 
lançadas por máquinas, agora arremessadas pelo braço do 
homem, e agora providas com plumas. Considero estas armas 
como o maior artifício criminal jamais criado pela mente 
humana; como uma maneira de trazer a morte mais 
rapidamente ao homem, nós demos asas ao ferro e o 
ensinamos a voar. Deixemos, portanto, a Natureza se 
encarregar de levar o homem. 
Realmente houve alguns exemplos nos quais foi 
provado que o ferro poderia ser usado somente para 
propósitos inocentes. No tratado que Porsena legou aos 
romanos depois da expulsão dos reis, nós achamos 
expressamente estipulado que aquele ferro só seria 
empregado para o cultivo dos campos; e nossos autores mais 
velhos nos informam que por esses dias era considerado 
inseguro escrever com uma caneta férrea. Há um édito 
publicado no terceiro consulado de Pompeu Magno, durante 
o tumulto que resultou na morte de Clódio, proibindo 
qualquer arma de ser carregada na Cidade. 
 
[41] Minérios férreos são achados quase em todos 
os lugares [...], facilmente distinguidos pela cor ferruginosa 
da terra. O método de trabalhar o minério é igual ao 
empregado no caso de cobre [...]. 
Há numerosas variedades de minério de ferro [...]. 
Algumas terras produzem um metal que é macio e quase 
similar ao chumbo; outras, um ferro que é frágil e cobreado, o 
uso do qual deve ser evitado particularmente ao construírem-
se polias ou pregos: o tipo anterior serve melhor para estes 
propósitos. Há outro tipo que só é estimado quando cortado 
em comprimentos curtos e usado para fazer cravos; e outro 
que é mais particularmente sujeito a ferrugem. Todas estas 
variedades são conhecidas pelo nome de strictura 
(“estreitados”): um título que não é usado como para os 
outros metais e é derivado do aço que é usado para uma 
extremidade. Há uma grande diferença, também, na fundição; 
alguns tipos produzem nós de metal, que são especialmente 
adaptados para endurecer no aço, ou então, preparados de 
outra maneira, para fazer bigornas grossas ou cabeças de 
martelos. Mas a diferença principal resulta da qualidade da 
água na qual o metal incandescente é mergulhado de vez em 
quando. A água, que é melhor em alguns lugares para este 
propósito do que em outros, enobreceu algumas localidades 
para a excelência de seus ferros [...]. 
Mas de todos os tipos diferentes de ferro, o melhor 
é aquele que é feito por Seres265, que o enviam a nós com os 
seus tecidos e peles; próximo em qualidade está o férreo da 
Pártia [...]. Em nossa parte do mundo, uma jazida de minério 
é ocasionalmente achada para a produção de um metal desta 
alta qualidade, como em Nórica266, por exemplo; mas, em 
outros casos, deriva seu valor do modo em que é trabalhado, 
como em Sulmo267, por exemplo: um resultado devido à 
natureza de sua água, como já mencionado. Também será 
observado que, dando uma extremidade ao ferro, há uma 
grande diferença entre rebolos de óleo e rebolos de água: o 
uso de óleo produz uma extremidade muito melhor. É um 
fato notável que, quando o minério é fundido, o metal é 
liquidificado como água e depois adquire uma textura 
esponjosa, frágil [...]. 
 
Nesses dois capítulos do livro XXXIV de 
Plínio observa-se como o uso do ferro estava 
impregnado no cotidiano romano. Serve para lavrar a 
terra, erigir edifícios e como arma – para citar as 
utilidades que o autor nos diz. A província de Nórica, 
como atestada, deveras era a maior exportadora de 
ferro semi-pronto para artesanato. A têmpera do ferro 
 
265
 Localizada na Ásia Oriental, próximo à China. 
266
 Província romana ao sul do Danúbio. 
267
 Atual Sulmona, em Abruzos, Itália. 
empregando-se a água também é uma notação 
relevante de Plínio, mostrando-nos que, embora não 
tivesse conhecimentos específicos sobre os trabalhos 
manuais, ainda assim o autor sabia os seus princípios 
básicos. Porém, devemos nos centrar nos pormenores 
da fabricação do ferro com base na bibliografia recente 
sobre o tema; para tanto, o texto do arqueólogo Henry 
Cleere, “Ironmaking”, contido na obra Roman crafts é 
esclarecedor nesse quesito. 
A fabricação de ferro é um método de 
fundição no qual se separa o material metálico do não-
metálico por meio de reações físico-químicas. “No caso 
dos minérios de ferro, a fundição envolve um processo 
de redução, desde que o seu composto primário ou 
secundário seja um óxido: a técnica de redução envolve 
a remoção dos átomos de oxigênio das moléculas de 
óxido a fim de liberar o ferro”268. Henry Cleere aponta 
que somente os óxidos e os carbonatos de ferro 
possuem interesse econômico, uma vez que os 
sulfuretos são difíceis de reduzir, além de que, o 
enxofre, quando presente no ferro, o deteriora
269
. 
O processo de redução, no caso do minério de 
ferro, necessita de uma quantidade enorme de energia 
porque os átomos de ferro e de oxigênio têm uma 
grande afinidade entre si. Nesse sistema, um agente de 
redução é fundamental: no caso, o monóxido de 
carbono (CO) – que, durante o processo, reage com o 
oxigênio e libera gás carbônico (CO2). As etapas da 
redução são as seguintes: 
 
3Fe2O3 + CO → 2Fe3O4 + CO2 
Fe3O4 + CO → 3FeO + CO2 
FeO + CO → Fe + CO2 
 
A transformação de óxido férrico (Fe2O3) para 
óxido ferroso (FeO) e, finalmente, para ferro (Fe) 
precisa de muito calor fornecido por uma fonte. Essa 
energia é essencial não só para obter-se o ferro puro, 
mas, também, para separar o composto de ferro daquilo 
que é indesejável, ou seja, a ganga (mencionada por 
Plínio em seu capítulo XXXIII). Essa ganga é o 
conjunto de materiais não-metálicos e que não possuem 
valor econômico, sendo constituída, por exemplo, por 
sílica (SiO2), alumina (Al2O3) e cal (CaO). Esses 
compostos derretidos durante a fundição, todos juntos, 
formam uma borra (mineral artificial) que se solta 
fisicamente do material metálico em uma temperatura 
mais baixa. Na Antiguidade, devido aos conhecimentos 
da época, havia um desperdício de minérios de ferro 
junto à borra, praticamente formada de faialita, cuja 
fórmula química é 2FeO.SiO2. Segundo Cleere, isso 
“significa que para cada molécula de sílica no minério, 
duas moléculas de óxido ferroso têm de ser perdidas 
para se produzir um material fluido à temperatura em 
torno de 1200ºC”270. 
Para um melhor entendimento desse processo 
todo, é preciso discorrer sobre cada um de seus 
componentes. 
 
 
268
 Henry Cleere, “Ironmaking”, in: Donald Strong e David 
Brown (eds.), Roman crafts, p. 127. 
269
 Ibidem, p. 127. 
270
 “Ironmaking”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), 
Roman crafts, p. 128. 
 60 
- Minério de ferro: 
 
Os óxidos de ferro mais comuns são a 
hematita (Fe2O3), a limonita (Fe2O3.H2O) e a magnetita 
(Fe3O4); os carbonatos são agrupados geralmente em 
sideritas. Os romanos utilizaram, principalmente, os 
minérios de limonita e de carbonatos por serem os que 
mais facilmente são reduzidos, necessitando de uma 
fonte de calor mais baixa e apresentando melhores 
resultados de fundição. Por serem minérios com uma 
quantidade considerável de água em sua composição, 
precisam de calor para, primeiramente, secarem e, 
depois, fundirem. No entanto, essa característica úmida 
faz com que sua queima se realize em fornos abertos, já 
que a entrada de oxigênio é pouco influenciadora nesse 
processo, pois o ponto de secagem fica entre 500 e 
600ºC. Esses fornos de secagem eram geralmente 
abertos no solo e revestidos com pedrase argila; os 
minérios eram, então, depositados em seus fundos 
juntamente com a madeira usada como combustível. 
Após a lenta queima, o material era raspado e as cinzas 
peneiradas. Os minérios ficavam estocados para, 
posteriormente, irem aos fornos de redução e serem 
fundidos. Essa etapa era realizada deixando-se o 
material se consumir durante toda a noite (o auxílio de 
foles não era satisfatório porque não permitia a queima 
total dos minérios). Henry Cleere informa que esse 
trabalho de “tostadura” era sazonal: os trabalhadores 
recolhiam os minérios, os preparavam e os 
armazenavam em um dado período do ano para depois 
passarem à fundição
271
. 
 
- Combustível: 
 
Para a secagem dos minérios, a madeira verde 
era usada: facilmente encontrada na natureza, esse 
material fornecia a caloria suficiente para os fornos de 
queima. O calor necessário para a fundição provinha de 
fontes variadas. Dentre elas, a turfa: embora não possua 
um poder de combustão elevado, parece ter sido usada 
em locais onde a madeira era escassa; o “uso da turfa 
como combustível de fundição em alguns artefatos 
antigos tem sido deduzido por meio dos nitridos 
encontrados nos metais resultantes (...)”272. Outra fonte 
de calor, a mais utilizada, era o carvão vegetal. Tendo 
carbono em estado puro, sem impurezas como enxofre, 
o carvão vegetal é um ótimo combustível para a 
fabricação de ferro. Os vestígios de madeiras no 
distrito de Wealden, Inglaterra, mostram que os 
romanos usaram uma variedade de madeiras para a 
transformação em carvão, sendo o carvalho o elemento 
que se destaca. O carvão mineral, por sua vez, era 
utilizado apenas no processo de forja do ferro. 
 
- Forno: 
 
Os fornos precisavam de controle de ar 
adequado, por isso, a argila era comumente usada para 
revestimento das paredes do equipamento. Além de 
impermeável, resiste a grandes temperaturas. Existiam 
fornos feitos completamente em argila e também os 
 
271
 “Ironmaking”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), 
Roman crafts, p. 130. 
272
 Ibidem, p. 131. 
feitos em pedra com o revestimento citado (nas paredes 
interiores e/ou exteriores). A argila tinha de ser 
cuidadosamente enlameada e sovada antes do uso: sua 
aplicação nas paredes dos fornos também despendia 
uma maior atenção – não poderia haver respiros ou 
falhas que acabassem por gerar rachaduras quando o 
material secasse. Argila, do mesmo modo, servia para 
tapar a abertura frontal do forno; marcas de dedos dos 
trabalhadores são encontradas nessas espécies de 
tampas
273
. 
Henry Cleere classifica os fornos romanos 
para derretimento de ferro em dois grupos
274
: 
 
273
 Henry Cleere, “Ironmaking”, in: Donald Strong e David 
Brown (eds.), Roman crafts, p. 132. 
274
 Ibidem, pp. 132-133. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Observando as Figuras 75 e 76, fica mais 
clara a tipologia estabelecida pelo autor (baseada em 
vestígios de fornos encontrados na Inglaterra). 
 Após sua ereção, secagem e revestimento com 
argila o forno sofre uma primeira queima – durante a 
metade de um dia – com madeira verde (que possui 
caloria mais baixa) a fim de se reparar possíveis 
rachaduras. O orifício frontal do forno é tapado com 
cunhas de argila e na abertura de seu topo é posto um 
cilindro de argila onde se apoiará o fole. O forno é 
 62 
alimentado com carvão vegetal e a temperatura é 
elevada a 1300ºC graças à ação do fole. A esta altura, 
os minérios são colocados na estrutura, onde começa o 
processo de redução: pequenos glóbulos de ferro 
metálico são formados e gradualmente coligados; essa 
massa de ferro com aspecto de esponja é coletada do 
fundo do forno. Ao mesmo tempo, os materiais que se 
tornaram fluidos antes do ferro (escórias) são escoados 
para fora da estrutura (através de uma abertura feita na 
cunha de argila que tapara a entrada frontal), 
solidificando-se quando em contato com o ar (Figura 
77). Depois dos florescimentos de ferro terem sido 
retirados, as escórias presas no interior do forno são 
raspadas e a estrutura está pronta para o uso 
novamente. 
 Os florescimentos (lingotes) precisam ser 
trabalhados. Usando a técnica de alternar calor com 
marteladas, o ferreiro molda e, ao mesmo tempo, retira 
possíveis escórias de dentro da massa esponjosa. Isso é 
possível somente quando o pedaço de metal está 
aquecido a 1100ºC: temperatura na qual a escória fica 
semi-derretida e o ferro se torna maleável. Diz Henry 
Cleere: “A estrutura do florescimento era, 
metalurgicamente, muito heterogênea. Os últimos 
metais trabalhados, ao passarem pelas seções mais 
baixas da superestrutura do forno onde a temperatura 
excede 1200ºC, se tornam amalgamadas com o carbono 
pelo contato com o carvão quente e rapidamente são 
convertidos em aço. No entanto, o processo é devagar: 
em meus experimentos, levei cerca de 8 horas para 
produzir algo em torno de 9 Kg de metal”275 (Figura 
78). 
O ferro puro é relativamente frágil para 
operações cotidianas, como ferramentas e armas. Para 
contornar essa situação, geralmente produzia-se aço, 
como o mencionado acima pelo autor. A estrutura do 
aço é alcançada quando se injeta por volta de 1% de 
carbono no ferro. Na Antiguidade, o aço era obtido 
diretamente do forno quando se trabalhava o restante 
de metal, ou ao se deixar os lingotes de ferro fechados 
na câmara do forno, entrando em contato com carbono. 
Porém, grande parte do aço romano era fabricado nas 
ferrarias, contando com a habilidade do artesão, que 
comprava os lingotes de ferro já prontos
276
. 
A organização romana de produção de ferro 
estava dividida em dois grupos, baseados nos sítios 
escavados: os terrenos com fornos sozinhos, e os 
terrenos com múltiplos fornos. Exemplos do primeiro 
tipo são encontrados em Wealden, enquanto o outro 
pode ser ilustrado com os vestígios de Ashwicken e 
Bardown, Inglaterra
277
. 
 
- Trabalhando o ferro: 
 
 Os lingotes comercializados na cidade eram 
comprados pelos artesãos trabalhadores de metal. Os 
retalhos de ferro também eram fonte importante nas 
oficinas, embora o preço desse metal fosse baixo em 
toda a época romana. 
 
275
 “Ironmaking”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), 
Roman crafts, p. 137. 
276
 Henry Cleere, “Ironmaking”, in: Donald Strong e David 
Brown (eds.), Roman crafts, pp. 138-139. 
277
 Ibidem, pp. 139-140. 
 A atividade do artesão diferia da do ferreiro 
que transforma a matéria-prima. Enquanto o último 
trabalha principalmente sobre a fundição dos minérios, 
o primeiro utiliza-se da técnica da forja: martelando o 
metal aquecido a fim de lhe dar formas. É bem 
provável que existissem casos em que ferreiro e artesão 
se confundiam, tendo uma só pessoa encarregada de 
refinar e dar acabamento ao seu material, porém, a 
distância das minas dos locais dos grandes fornos de 
fundição, aliada ao baixo valor do ferro, faziam com 
que os ofícios fossem delineados, tendo especialistas 
para extração, para o refinamento e para o acabamento. 
 Um dos principais equipamentos de que 
necessitava o artesão era o fogão, onde aqueceria o 
ferro. Segundo o arqueólogo W.H. Manning, os fogões 
eram construídos em pedra ou tijolos sobre uma 
plataforma
278
. O fogo ficava coberto por uma semi-
abóbada, atrás da qual havia abertura para se acoplar os 
foles – movidos por um assistente, como podemos 
notar na cena presente na catacumba de Domitila,em 
Roma (Figura 79). Infelizmente, as evidências sobre 
esses fogões elevados do solo praticamente se 
restringem a tijolos e alvenaria, o que torna importante, 
ao estudioso, a análise da iconografia presente em 
pinturas e relevos. O combustível usado para alimentar 
o fogo era o carvão vegetal e as ferramentas 
empunhadas a fim de trabalhá-lo consistiam em 
atiçadores, ancinhos e a pás (geralmente possuindo 
uma haste longa e torcida) (Figura 80). 
 A bigorna era uma das peças fundamentais 
para a execução do trabalho. Relevos como o da estela 
de Aquileia nos mostram que as bigornas eram um 
grande bloco quadrado maciço de ferro posto sobre um 
pilar de madeira, regulando-se, assim, a altura ideal 
para o artesão (Figura 81). Algumas eram encovadas 
em sua base, dando aparência de pernas. Suas 
extremidades eram arredondadas para evitar ferimentos 
e possuíam um orifício central. Esse orifício servia para 
se prender um dos lados do metal incandescido 
enquanto, com outras ferramentas, o trabalhador o 
puxava para dar forma ao material. O orifício também 
era usado quando se pretendia furar o lingote, 
apoiando-o entre vão existente e os demais lados da 
bigorna, pronto para receber o impacto que causaria 
uma abertura. Havia, do mesmo modo, bigornas 
“bicudas”, ou seja, que tinham suas extremidades 
alongadas e estreitadas, formando, no conjunto, um 
formato T (Figura 82)
279
. 
 Alicates e martelos eram outras duas 
ferramentas indispensáveis ao artesão. Os alicates 
surgiram na Grécia por volta do século VI a.C. e foram 
muito utilizados no período de expansão romana. 
Constituídos de uma longa haste e mandíbulas, os 
alicates serviam para segurar o metal aquecido e, ao 
mesmo tempo, evitar que o artesão se queimasse. Nas 
palavras de Manning: “O ferreiro tinha uma 
inestimável vantagem sobre a maioria dos outros 
artesãos por serem capazes de fabricar seus próprios 
instrumentos, e isso resulta mais claramente na 
 
278
 “Blacksmithing”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), 
Roman crafts, p. 143. 
279
 W.H. Manning, “Blacksmithing”, in: Donald Strong e David 
Brown (eds.), Roman crafts, pp. 144-145. 
 63 
variedade de mandíbulas encontradas nos alicates”280. 
A forma mais comum de mandíbula era a de um arco 
que terminava em garras paralelas, parecendo uma pêra 
(Figura 83). 
O martelo, por sua vez, era o encarregado pelo 
cerne da fabricação de objetos em metal. Havia 
martelos para serviços pesados (sendo usados com as 
duas mãos) até aqueles que executavam com precisão 
os acabamentos. A forma do malho praticamente não 
mudou da época romana até agora, enquanto que os 
martelos de mão sofreram pequenas modificações 
(Figura 84). O processo de trabalho com o martelo é 
descrito por W.H. Manning: “O metal era aquecido no 
fogão e então carregado com o alicate até a bigorna, 
onde era martelado para ganhar as características de 
uma chapa. Se a peça era grande, dois homens a 
trabalhavam: um segurando o alicate, o outro atacando 
com o malho; ambas as operações necessitavam de 
habilidade: para o ferro, que é movido e virado a fim de 
se transformar em uma placa, e para a martelada, que 
deveria sempre atacar o mesmo local, com a força 
certa, ou o trabalho se perderia. Se a peça era pequena, 
o ferreiro podia trabalhar sozinho, usando pequenos 
alicates que tinham suas hastes postas em uma presilha 
com formato de oito para facilitar o manuseio. Tão 
logo o metal começasse a esfriar, deixava de ser 
maleável e precisava voltar ao fogo. Um simples objeto 
poderia ser feito de uma única peça de metal, mas, na 
maioria dos casos, era composta de várias peças 
soldadas juntas. Em alguns artefatos as linhas de solda 
podem claramente ser vistas, embora seja mais comum 
serem visíveis nas radiografias”281. A soldagem mais 
usual consistia em afinar as extremidades de duas 
peças distintas, aquecê-las, e depois uni-las com o 
auxílio do martelo – esse processo deixa como marca 
uma linha diagonal que contorna o artefato. 
Outras ferramentas faziam parte do rol do 
artesão. O mandril de mão era uma barra de ferro que, 
ao ser apoiada sobre a peça com uma extremidade e 
tendo a outra martelada, podia cortar os objetos 
(Figura 85). O cinzel, por sua vez, parece ter sido 
raramente usado: um dos exemplos é uma ferramenta 
que possuía a aparência de um machado pequeno 
(Figura 86). Orifícios eram abertos nas peças com a 
ajuda de um furador e depois alargados com 
ferramentas semelhantes, porém, menores (Figura 87). 
Rebites auxiliavam na junção de placas de metal, 
especialmente quando a chapa era tão fina que, a força 
necessária para soldá-la, acabaria por danificá-la. 
Existiam limas de diversos tipos, sendo utilizadas no 
acabamento das peças (Figura 88). Os cravos eram 
necessários para muitos trabalhos, e os ferreiros 
precisavam dispor de grande quantidade: devido a essa 
demanda, foi inventado um suporte que moldava a 
cabeça dos cravos, dois de cada vez (Figura 89)
282
. 
Acima já mencionamos o uso do aço pelos 
romanos, contudo, W.H. Manning afirma: “[Sobre a 
produção controlada de aço] deve-se enfatizar que não 
há evidência de uma difundida, regular e intencional 
 
280
 Ibidem, p. 146. 
281
 “Blacksmithing”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), 
Roman crafts, pp. 147-148. 
282
 Ibidem, pp. 150-152. 
produção no Império Romano (...)”283. O processo de 
formação do aço consiste, como foi dito, em deixar o 
ferro em contato com um agente que possua carbono, 
no caso, o carvão vegetal; porém, o ferro geralmente 
permanecia pouco tempo em meio ao carvão, fazendo 
com que ocorresse aquilo que é denominado de 
cimentação: o artesão, ao trabalhar o metal, o aquecia e 
martelava, repetidamente, até obter uma peça 
homogênea; durante essa atividade, formava-se uma 
verdadeira “camada de bolo”, onde se intercalava uma 
faixa de ferro com uma de aço, permitindo uma maior 
resistência do metal. O quão os romanos estavam 
cônscios sobre esse processo ainda é incerto. Porém, a 
produção de artefatos atesta que os artesãos 
dominavam duas técnicas básicas da fabricação de 
objetos de aço. A primeira é o arrefecimento: o metal 
incandescido é mergulhado na água, fazendo com que 
sua estrutura química se altere – o resultado é um metal 
mais duro, mas quebradiço demais para ser usado. 
Então, para contornar essa deficiência, uma segunda 
técnica se apresenta, a têmpera: consiste em re-
aquecer o metal, controlando a temperatura do fogão – 
quanto maior a temperatura, mais o metal amolece. Os 
artesãos romanos parecem ter tido o mínimo de 
conhecimento acerca desse processo, uma vez que 
século II d.C. surgem armas feitas a partir de soldagens 
trançadas: esse método fazia com que o metal aquecido 
fosse dobrado sobre si, formando várias camadas de 
ferro e aço; espadas eram comumente fabricadas com 
essa soldagem e, no fim do século III d.C., sua 
utilização encontrava-se tanto no nordeste da Inglaterra 
como na região da atual Dinamarca
284
. 
 
 
 
 Trabalhos em bronze 
 
 Além do bronze, que logo será 
pormenorizado, os romanos fabricavam objetos em 
duas outras ligas metálicas. 
 O latão é um amálgama de cobre e zinco que 
se distingue do bronze por sua cor dourada e 
amarelada. Devido as suas propriedades de 
composição, o latão não servia para trabalhos a frio, 
sendo principalmente utilizado em processos de 
fundição, com o auxílio de moldes, em fabricos de 
vasos e moedas. Como os romanos não possuíam a 
técnica correta para a extraçãode um minério de zinco 
puro, usavam o seu óxido. O arqueólogo David Brown 
descreve em seu artigo “Bronze and Pewter”, da obra 
Roman crafts: “O método de se fazer latão consistia em 
fundir o minério de zinco junto ao cobre puro ou ao 
minério de cobre. Quando derretido sozinho, o zinco 
volatiza e se perde; com o cobre, o zinco é incorporado 
a ele e resulta no latão”285. 
Outra liga era o peltre (pewter, em inglês), 
formado por chumbo e estanho. Por causa de seu baixo 
ponto de fusão, 300ºC, e sua característica maleável, o 
peltre não era aconselhável para trabalhos frios. Sua 
 
283
 Ibidem, p. 148. 
284
 W.H. Manning, “Blacksmithing”, in: Donald Strong e David 
Brown (eds.), Roman crafts, pp. 148-149. 
285
 Op.cit., p. 26. 
 64 
utilização era principalmente em soldagens e objetos 
como pratos e vasos. 
 
O bronze, por sua vez, é uma amálgama que 
trabalha perfeitamente bem com técnicas que envolvam 
calor ou não. O cobre representa a maior parte da liga, 
porém, por ser macio e dúctil quando em estado puro, é 
unido – a frio – com mais de 13,2% de estanho. Essa 
proporção permite ao metal, uma vez enrijecido, ser 
trabalhado por martelamento. 
Quando se necessitava de caloria na 
fabricação de objetos, essa liga de cobre e estanho 
mostrava-se inadequada. Como diz Brown, as 
propriedades de derretimento “são incrivelmente 
melhoradas pela inclusão de chumbo na amálgama; ele 
tem a vantagem de diminuir o ponto de fusão do metal. 
Mas o chumbo afeta as propriedades mecânicas 
requeridas para o trabalho a frio: então o artesão tinha 
de estabelecer um balanço entre o chumbo e o estanho 
de acordo com o uso que o bronze teria. Adicionando 
2% de chumbo as propriedades mecânicas pouco se 
alteram; de 3% em diante, a maleabilidade é 
rapidamente afetada; quando a percentagem de chumbo 
é acima de 30% fica difícil de manter os componentes 
amalgamados e prevenir que o chumbo se separe do 
cobre e do estanho. Para todos os propósitos práticos, 
essa percentagem é o limite para o bronze”286. 
 
- Métodos de derretimento: 
 
Os romanos possuíam processos de 
derretimento para a fabricação de peças sólidas ou 
ocas. 
Os objetos de menor porte eram, geralmente, 
sólidos; para tanto, utilizava-se a técnica da cera 
perdida. Inicialmente, fabricava-se um modelo da peça 
em cera de abelha. Esse moldelo era, então, revestido 
com uma camada de argila e areia; quando seco, o 
conjunto de barro com preenchimento de cera era 
submetido ao calor: por ter um ponto de fusão baixo, a 
cera logo derretia e escoava por um orifício feito 
anteriormente no revestimento. O molde oco sofria 
uma nova queima para ficar apto a receber o bronze 
fundido sem correr o risco de fragmentar-se. O metal 
fundido era derramado no espaço em que antes estava a 
cera, e, quando estava frio e solidificado, o molde era 
quebrado (e descartado), retirando-se a peça de bronze 
sólida – que passava por um acabamento onde se 
aparavam as saliências e depois ganhava polimento 
(Figura 90)
287
. 
Os moldes, como dito, recebiam orifícios para 
o escoamento da cera e, também, do bronze derretido. 
Segundo David Brown, grande parte dos vestígios que 
corroboram um processo de cera perdida encontra-se 
nesses moldes. Primeiramente, as aberturas auxiliavam 
o escape de ar quando o metal fundido era derramado, 
fazendo com que não houvesse falhas na peça, 
enchendo completamente o molde de argila. Esse 
vazamento de bronze era descartado junto com a 
quebra do molde, e poderia voltar ao fogo para uma 
nova fundição; porém, nem todos eram re-
 
286
 “Bronze and pewter”, in: Donald Strong e David Brown 
(eds.), Roman crafts, pp. 25-26. 
287
 Idem, p. 27. 
aproveitados, sendo comum encontrá-los nos sítios 
arqueológicos. Por sua vez, a argila fragmentada, 
devido ao seu pouco cozimento (ou seja, é frágil), 
praticamente não deixa vestígios. Outra espécie de 
vestígio é o resto do cadinho deixado pelos artesãos, 
contendo pouquíssima quantidade de metal 
solidificado
288
. 
De acordo com os vestígios materiais, esse 
método de cera perdida parece ter sido extremamente 
comum em todo o Império. 
 
Porém, quando os artesãos necessitavam 
fabricar objetos maiores do que 20 cm, ou peças com 
formas bojudas, o processo da cera perdida sofria 
alterações de modo a serem feitos objetos ocos pois o 
alto custo do material ficaria inviável. O fabrico, como 
veremos, pode ser equiparado à estrutura de um bolo 
recheado ou a de um sanduíche. 
A primeira etapa consistia em fazer, com 
argila, a forma, com contornos rústicos, da figura 
desejada, tomando o cuidado de que tivesse um 
tamanho menor do que o almejado ao final do 
processo
289
. Depois, uma camada de cera era posta 
sobre esse núcleo de argila, e os detalhes da peça feitos. 
Por fim, a cera era revestida com outra camada de 
argila e o conjunto todo era aquecido. A cera derretida 
era escoada do molde, deixando espaço para o metal 
fundido ser despejado. Quando o bronze esfriava, o 
manto era quebrado, deixando aparecer a fina camada 
de metal formada entre o núcleo e o revestimento de 
argila. 
Se a peça não apresentasse aberturas, o artesão 
deixava o núcleo de argila dentro da cobertura de 
bronze, como podemos notar na estátua de Hórus 
Imperador, no Egito (Figura 91). Os vestígios 
arqueológicos de mantos encontrados em Essex, 
Inglaterra – como analisa David Brown – mostram que 
duas camadas de argila formavam essa cobertura 
(Figura 92). Primeiro era aplicada uma argila 
finamente granulada a fim de que se adaptasse melhor 
aos contornos e pormenores da cera. Sobre essa 
camada, outra argila mais espessa era aplicada, dando 
ao manto resistência ao fogo. No fragmento maior de 
Essex, nota-se um orifício através do qual o núcleo era 
sustentado: quando a cera derretia, se o núcleo não 
estivesse preso ao manto, ficaria solto dentro da 
cobertura, tornando o trabalho inútil. Hastes de metal 
eram usadas para segurar o núcleo. Os artesãos 
optavam por usar hastes feitas do mesmo metal que 
logo seria despejado ali dentro; isso significa que o 
metal fundido acabava por derreter a haste, não 
causando maiores problemas à peça. Depois que o 
objeto era removido, cortavam-se as saliências das 
hastes
290
. 
Os antigos enfrentavam problemas técnicos na 
fabricação de peças maiores, mesmo com o recurso de 
objetos ocos. Diz o autor já citado: “Os fatores 
limitadores no caso desse tipo de derretimento 
 
288
 Idem, p. 27. 
289
 David Brown cita o exemplo de uma estátua de bronze: 
desejando-se 30 cm finais, a peça em argila possuía cerca de 20 
cm. Op. cit., p. 27. 
290
 David Brown, “Bronze and pewter”, in: Donald Strong e 
David Brown (eds.), Roman crafts, pp. 28-29. 
 65 
convergem com a quantidade de metal fundido que 
pode ser manipulado de uma só vez. Quanto maior o 
derretimento, maior a temperatura necessária para a 
fundição, e mais rapidamente o metal deve ser usado 
antes de esfriar; conseqüentemente, mais o metal deve 
estar aquecido. Esses dois fatores combinam para 
limitar o tamanho da maioria dos objetos de finas 
camadas de metal a dimensões não superiores a 90 cm. 
Até mesmo as dificuldades práticas de se ter grande 
quantidade de metal fundido não se limita 
exclusivamente aos cadinhos. O metal deve ser 
derretido em um forno que esteja situado próximo – e 
em um nível mais alto – ao molde que será utilizado: 
assim, o metal fundido corre pelos canais,enchendo o 
molde graças à ação da gravidade, sem precisar de um 
transporte para os cadinhos”291. 
Além de objetos feitos inteiramente em um só 
molde, os romanos fabricavam peças que continham 
partes separadas. Exemplo é a estátua de bronze de 
uma sacerdotisa achada em Nemi, Itália, do período 
tardio etrusco. A figura é composta de oito partes: o 
corpo dividido em três segmentos, dois braços e dois 
pés, e o topo da cabeça (Figura 93). O artesão 
fabricava um molde para cada parte da figura em cera, 
argila ou gesso, e depois dava continuidade ao processo 
semelhantemente ao método da peça única: 
derretimento da cera interior e preenchimento com 
bronze fundido. Quando todos os segmentos estavam 
prontos, eram unidos por meio de rebitagem ou 
soldagem. As soldas envolviam um pouco mais de 
complexidade, uma vez que necessitavam de outro 
molde, da seguinte maneira: as partes eram colocadas 
no local certo, próximas, e um molde de argila envolvia 
exterior e interiormente a junção; esse molde possuía 
uma abertura por onde o metal fundido escorria, isso 
era requerido para que as extremidades das peças 
aquecessem-se o suficiente a ponto de unirem-se ao 
metal despejado; quando estava na temperatura correta, 
a abertura do molde era fechada e a junção era 
preenchida com o metal fundido; quando frio, a parte 
exterior do molde era retirada, restando a solda. A 
soldagem deixava superfícies irregulares em ambos os 
lados da peça. Exteriormente, as cicatrizes da solda 
eram removidas no processo de acabamento. As marcas 
internas nunca sumiam, como aparecem nos vestígios 
(Figura 94)
292
. 
 
- Derretimento para fabricação de vasilhas: 
 
As vasilhas, tal como no caso da prata, podiam 
ser marteladas para tomarem forma. Esse método será 
analisado quando discorremos sobre as peças em prata. 
Por ora, mencionaremos como os romanos faziam 
vasilhas de bronze e peltre a partir de derretimentos dos 
metais. 
Essa espécie de processo ocorria para dois 
tipos de objetos: vasilhas abertas – pratos, travessas e 
caçarolas, por exemplo – e vasilhas fechadas – garrafas 
de gargalo estreito, jarros e lamparinas, entre outros. A 
técnica, necessariamente, dependia de um molde. Tanto 
para o bronze como para o peltre utilizavam-se moldes 
 
291
 “Bronze and pewter”, in: Donald Strong e David Brown 
(eds.), Roman crafts, p. 29. 
292
 Idem, pp. 30-33. 
feitos em pedra. Normalmente em calcário, o molde era 
cavado e colocado no torno para adquirir o tamanho 
correto e o acabamento; o conjunto contava com uma 
parte superior e uma inferior que, juntas, constituíam a 
forma para a vasilha. O metal fundido era despejado 
nesse conjunto através de um orifício feito no molde, 
sendo que o ar escapava pela fresta existente entre as 
camadas de pedra (Figura 95). A diferença principal 
entre o bronze e o peltre trabalhados centrava-se no 
ponto de fusão: o último a 300ºC e o primeiro entre 
1000 e 1100ºC
293
. Quando enrijecida, a vasilha passava 
ao torno para o acabamento e polimento. 
David Brown menciona os pormenores de um 
torno reconstruído pelo estudioso Alfred Mutz, a fim 
de fabricar objetos em bronze tal qual os romanos 
antigos o faziam; diz o autor: “(...) ele construiu um 
torno em madeira, incorporando todas as características 
que possam ser usadas para o fabrico de vasilhas. Esse 
torno requer dois operadores: um para girar a manivela 
e fazê-lo funcionar, e outro para segurar a ferramenta 
de corte e guiar o trabalho. A roda do torno gera de seis 
a sete revoluções a cada volta da manivela. A estrutura 
do torno é construída com madeira sólida, o que dá 
peso e rigidez necessários à estabilidade. O disco de 
trabalho é adaptado ao objeto desejado. (...) Esse disco 
é fixado no fim do mandril, sendo preso por três cravos 
(...). O outro lado do objeto é suportado por uma haste 
– ajustável – que termina em uma ponta estreita; então, 
essa ponta de contato é pressionada contra a base do 
objeto, fazendo com que sua maior área fique exposta 
ao trabalho de torneamento. Um bloco de madeira 
abaixo do objeto atua como um descanso para a 
ferramenta do artesão” (Figura 96)294. Esse tipo de 
equipamento era usado para dar a forma final e para 
acabamentos. Era muito comum os pratos, por 
exemplo, saírem dos moldes com tamanhos diferentes 
devido ao erro do artesão ao juntar as duas partes da 
forma, não deixando-a co-axial. Decorações 
envolvendo cortes no metal com o auxílio do torno são 
típicas da metade do século II d.C. em diante. As 
marcas encontradas nas bases e fundos das vasilhas 
podem representar tanto a retirada do excesso contido 
nessa parte da peça (formando algo decorativo) como 
serem sinais dos desenhos feitos com compasso pelos 
artesãos – círculos eram desenhados a fim de se 
encontrar o ponto correto de rotação, deixando a 
vasilha apta a receber cortes iguais em toda a sua 
extensão (Figuras 97 e 98)
295
. 
 
Vasilhas também podiam ser fabricadas 
utilizando-se núcleos. Essa técnica aplicava-se a 
recipientes fechados, como jarros, garrafas e 
lamparinas. Fazia-se o núcleo de argila com o formato 
da peça e o revestia-se com um molde de pedra ou 
argila em duas partes. Após derramar o metal e esperar 
sua solidificação, tirava-se a vasilha e quebrava-se o 
núcleo em seu interior. As lamparinas eram fabricadas 
de modo semelhante, com um único molde, e tinham 
seus núcleos retirados pelos orifícios por onde se 
 
293
 David Brown, “Bronze and pewter”, in: Donald Strong e 
David Brown (eds.), Roman crafts, p. 34. 
294
 Ibidem, p. 34. 
295
 David Brown, “Bronze and pewter”, in: Donald Strong e 
David Brown (eds.), Roman crafts, pp. 35-36. 
 66 
despejava o óleo combustível. Porém, em peças que 
possuíam gargalos muito estreitos o molde não possuía 
base: retirava-se o núcleo e depois se soldava um fundo 
preparado no torno (Figura 99)
296
. 
Quando a peça se mostrava difícil de ser 
fabricada inteiramente com moldes ou em torno, a 
solução era segmentá-la. Os bronzes, assim como a 
prataria, poderiam ser construídos com a união das 
duas técnicas. O jarro de Lanarkshire, Inglaterra, por 
exemplo, teve corpo e pescoço feitos separadamente, 
por alçamento, e depois soldados (o que é visível 
observando-se a linha na peça); a asa do jarro também 
foi fabricada separadamente, em molde, e depois 
soldada ao conjunto (Figura 100). 
A vasilha pronta recebia, por fim, uma camada 
de proteção. Como diz Plínio (XXXIV, 21): 
 
O cobre se torna coberto de azinhavre
297
 mais 
rapidamente quando limpo do que quando negligenciado, a 
menos que seja esfregado com óleo. É dito que o melhor 
método de preservação é estanhar o cobre. 
 
A estanhagem de peças de bronze consistia em 
se mergulhar o objeto em estanho fundido – que, 
devido ao seu baixo ponto de fusão, não oferece risco 
algum à vasilha de bronze
298
. 
 
- Os vasilhames de bronze romanos: 
 
 As vasilhas fabricadas pelos artesãos plebeus 
podem ser classificadas de acordo com a tipologia 
estabelecida pela arqueóloga Maria Isabel D‟Agostino 
Fleming em sua tese de doutoramento
299
: 
 
296
 Ibidem, p. 37. 
297
 Nome dado à oxidação do bronze, de coloração tipicamente 
esverdeada. 
298
 Ibidem, p. 39. 
299
 O vasilhame de bronze romano: produção e consumo no 
início do período imperial, pp. 72-88; 108.As formas das vasilhas podem ser vistas nos 
itens da Figura 101. 
A técnica de fabricação das formas abertas 
simples e das fechadas simples, de acordo com a 
autora, partia de uma placa de bronze fundido que era 
reduzida a uma folha por martelamento; o aspecto final 
das vasilhas era dado de acordo com um gabarito 
existente. Esse ato de martelar o bronze, como mostra a 
metalografia, era feito a frio, pois, em objetos de 
paredes com espessuras inferiores a 1 mm, a 
temperatura elevada logo se dissipa. “O resultado final 
são vasilhas sem emendas, de paredes finas, lisas ou 
com sulcos como os urceola e as formas ou moldes. Os 
acessórios como alças, cabos, argolas de sustentação 
das alças e pés são fundidos. Alguns deles são 
submetidos a martelamento: alças móveis das sítulas, 
dos lances ou de grandes vasilhas, cabos de páteras, de 
sartagi, de simpula e de cola”300. 
As vasilhas de formas abertas complexas são 
fabricadas a partir de um esboço fundido feito com 
molde que, por martelamento, adquire sua forma final. 
Esses esboços podem ter paredes grossas ou finas. Os 
de paredes finas implicam em uma temperatura de 
fundição mais elevada do que os de parede mais 
espessas. Assim sendo, a proporção de estanho da liga 
é mais alta, variando de 9 a 12 % (dando maior dureza 
à matéria), além de conter chumbo (1 a 2%) para 
auxiliar na fluidez do metal líquido colocado nos 
moldes. O chumbo também ajuda na hora em que o 
artesão leva a peça ao torno para dar o acabamento. O 
trabalho de torneamento implicava em uma mudança 
na composição das ligas metálicas, conforme o objeto 
intentado, gerando dois tipos de esboços: a) esboço 
fundido composto por estanho em quantidade de 9 a 12 
%, e chumbo de 18 a 20%; b) esboço oriundo de 
martelamento e aquecimento, composto apenas por 
cobre e estanho (de 9 a 12% em média)
301
. O 
torneamento de peças com espessuras de parede 
menores do que 1 mm, só era possível para objetos 
com grandes aberturas (peluis, caçarola, páteras leves e 
simpula); as vasilhas de abertura mais estreita tinham 
suas paredes afinadas por martelamento (as sítulas). Os 
esboços com paredes espessas (4 mm ou mais) não 
precisavam de uma fundição tão refinada, por isso, 
suas composições tinham cerca de 7% de estanho e 13 
a 15% de chumbo. Após serem retiradas dos moldes, as 
vasilhas sofriam o processo de afinamento no torno. 
Diz Maria Isabel Fleming: “As mudanças de técnicas 
apresentadas relacionam-se às necessidades impostas 
pelos tipos de vasilhas (vasilhas de paredes espessas ou 
finas; abertura grande ou pequena em relação à altura 
do vaso) ou estão associadas à escolha do artesão 
(afinamento de paredes de vasilhas abertas altas 
partindo de paredes fundidas espessas ou finas). A 
escolha do artesão pode também ser relacionada à 
disponibilidade de matéria prima, pois a fusão de 
paredes finas depende da presença do chumbo. De 
qualquer forma, essas variações significam a 
convivência de duas técnicas no mesmo período, talvez 
associadas a oficinas diferentes: a de tradição mais 
antiga (paredes espessas marteladas) e a característica 
 
300
 Maria Isabel D‟Agostino Fleming, O vasilhame de bronze..., 
p. 109. 
301
 Ibidem, pp. 110-111. 
do período romano, que é a de paredes finas 
fundidas”302. 
As formas fechadas complexas basicamente se 
centravam em dois tipos de esboços. Esboços 
inteiramente fechados, retirados assim, completos, de 
seus moldes e depois martelados para acabamento 
(embora as paredes não possam ser muito finas devido 
à impossibilidade física presente em um objeto 
fechado). Outro tipo de esboço, já mencionado acima, é 
o que tem molde sem base, deixando uma abertura na 
peça que auxiliava no martelamento para se adquirir as 
formas finais desejadas. Outra característica desse tipo 
de vasilha era a sua segmentação: partes eram fundidas, 
marteladas ou torneadas separadamente e depois 
unidas, formando o conjunto complexo
303
. 
 
O período de transição da República para o 
Principado assistiu a um aumento vertiginoso em 
relação à produção artesanal. Não só a cerâmica se 
tornou abundante: a indústria do bronze expandiu-se 
significativamente pela Itália. O maior pólo produtor 
foi a região da Campânia, com suas peças mais 
refinadas; contudo, a partir da segunda metade do 
século I d.C., sua produção de bronze entra em crise 
devido à substituição de peças importadas por 
fabricações locais utilizando-se as antigas vasilhas 
adquiridas como moldes para novas cópias. Cabe 
ressaltar que as vasilhas de bronze, nesse período 
tiveram suas funções estendidas: o que antes se 
limitava a serviços de mesa e da parte social das casas, 
agora atende também à cozinha (fato que nunca 
ocorreu para os bronzes gregos e etruscos – arcaicos e 
clássicos – e os helenísticos). Por fim, o estudo das 
vasilhas não é relevante apenas para o entendimento 
desses tipos de peças: devem ser examinadas “como 
objetos que carregam em si as técnicas aplicadas na 
execução de outros objetos de bronze”304. 
 
 
 
 Trabalhos em prata 
 
Petrônio, em meados do século I d.C., 
escreveu em sua famigerada passagem acerca de 
Trimalquião, na obra Satiricon (“A ceia de 
Trimalquião”): 
 
A prata, eis o que me agrada. Eu possuo vasos 
desse metal que são, mais ou menos, de tamanho de uma 
urna: neles está esculpida Cassandra no ato de matar os seus 
filhos; e os pequenos cadáveres são tão bem feitos que se nos 
afigura tê-los a nossa frente. Possuo ainda uma ânfora, 
deixada pelo meu patrão, na qual se vê Dédalo fechando 
Níobe no cavalo de Tróia, e copos com os combatentes de 
Hermeros e Petraites, todos maciços. Ah! Por ouro nenhum 
me privarei desses vasos, que meu bom gosto me torna tão 
caros! 
 
Objetos em prata representavam o luxo no 
cotidiano romano, sendo fabricados para os mais 
 
302
 Op. cit., pp. 113-114. 
303
 Maria Isabel D‟Agostino Fleming, O vasilhame de bronze..., 
pp. 114-115. 
304
 Maria Isabel D‟Agostino Fleming, “A manufatura do 
vasilhame de bronze...”, in: Revista do Museu de Arqueologia e 
Etnologia, p. 97. 
 70 
diferentes propósitos. No mesmo capítulo em que há o 
banquete na casa do liberto Trimalquião, há várias 
menções a artefatos em prata, por exemplo: um vaso 
como repositório de urina; pratos; os Lares feitos em 
prata; grelha; palito de dentes; pequeno esqueleto 
articulado; pequeno forno portátil; coroa de prata. 
Vejamos, agora, quais as principais técnicas 
empregadas no trabalho com esse tipo de metal. 
Plínio nos oferece um retrato sobre as jazidas 
de prata da Antiguidade (XXXIII, 31): 
 
 Prata é achada em jazidas penetradas no chão 
profundamente, não havendo nenhuma indicação para 
aumentar as esperanças de sua existência, nenhuma centelha 
esplendente, como no caso de ouro. A terra na qual é achada 
às vezes é vermelha, às vezes é de uma cor cinzenta. É 
impossível, também, de ser derretida, exceto em combinação 
com o chumbo ou com a galena; esta última sendo o nome 
dado ao veio de chumbo – que é principalmente encontrado 
correndo junto aos veios do minério prateado. Quando 
submetido à ação de fogo, parte do minério [da galena] se 
precipita na forma de chumbo, enquanto a prata flutua na 
superfície, como óleo em água. 
Prata é encontrada em quase todas as nossas 
províncias, mas a melhor prata de todas é a da Hispânia; onde 
é achada, como o ouro, em terras não cultivadas, e nas 
montanhas. Onde quer que um veio de prata seja achado, 
outro será encontrado seguramente não longe

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