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Imprimir () 02/02/2015 - 05:00 Déficits 'gêmeos' já somam mais de R$ 500 bi Por Tainara Machado A forte piora das contas públicas observada ao longo do ano passado e o primeiro resultado negativo na balança comercial desde 2000 levaram a soma dos déficits fiscal e em conta corrente do país a alcançar 10,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014. É o equivalente a cerca de R$ 550 bilhões. Esse montante cresceu com rapidez no último ano: no fim de 2013, a soma desses dois indicadores, conhecidos como "déficits gêmeos" e importantes indicadores da vulnerabilidade externa do país, era de 6,9% do PIB, uma alta de 60% em apenas um ano. É o maior valor da série histórica, iniciada em 2003. Mesmo em momentos de crise, como 2009, em que o governo elevou gastos para combater a desaceleração da economia, os "déficits gêmeos" chegaram a, no máximo, 5,7%. A evolução negativa dessas variáveis, avaliam economistas, reflete o forte aumento da necessidade de financiamento do setor público e maior vulnerabilidade externa do país e são o resultado da política econômica adotada no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Por isso, dizem, é a grande fragilidade do Brasil, monitorada atentamente pelas agências de classificação de risco e por investidores estrangeiros. A necessidade de redução dos "déficits gêmeos", conceito econômico no qual déficits fiscais acabariam resultando em saldo negativo nas contas externas, deve exigir aumento expressivo de poupança pública e privada - o que significa consumo menor - e desvalorização mais acentuada da taxa de câmbio. Esse ajuste, dizem, é mais premente em um momento em que a liquidez internacional pode deixar de ser tão farta quanto nos anos anteriores, mesmo com o afrouxamento monetário anunciado pelo Banco Central Europeu (BCE). Para Alberto Ramos, diretor de pesquisas econômicas para a América Latina do Goldman Sachs, a relação entre o déficit fiscal de 6,7% do PIB e o déficit em conta corrente de 4,2%, ou US$ 90,9 bilhões, em 2014, é "clara e forte". Ramos avalia que a piora do resultado primário a partir de 2012 reduziu a poupança pública. Como o resultado em conta corrente é dado pela diferença entre a taxa de investimentos da economia e a taxa de poupança, o aumento dos gastos do governo teria resultado em crescimento do rombo nas contas externas, apesar da queda dos investimentos no período. Outro ponto relevante, na avaliação de Ramos, é que o "descontrole fiscal" minou a efetividade da política monetária. Ou seja, mesmo com juros altos, a despesa crescente do setor público contribuiu para que a inflação no Brasil se mantivesse mais alta do que em outros países. Assim, a desvalorização em termos reais (já descontada a inflação) da taxa de câmbio é menor do que sugere a perda de valor nominal do real frente ao dólar, o que impede maior ganho de competitividade das exportações. "Déficits combinados de mais de 10% do PIB são evidência clara da deterioração macroeconômica nos últimos anos, com desequilíbrios criados pela política mais intervencionista observada no mandato anterior", avalia Ramos. Para o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Simão Silber, a relação entre piora do quadro fiscal e maior rombo em conta corrente foi mais direta no último ano, embora nem sempre tenha sido verdadeira. O Brasil passou de superávit para um déficit em conta corrente a partir de 2008, avalia, por causa da redução de poupança do setor privado, com maior propensão ao consumo por parte das famílias e redução dos lucros Déficits 'gêmeos' já somam mais de R$ 500 bi http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/3888084 1 de 2 03/02/2015 08:40 das empresas, principalmente na indústria. No entanto, na maior parte desse período, o déficit fiscal se manteve em torno de 2,5% do PIB. Essa relação mudou no último ano, comenta Silber. O déficit fiscal de 6,7% do PIB em 2014, bem superior ao resultado negativo de 4,2% da conta corrente, mostra que, no período, a poupança privada aumentou, enquanto o setor público pressionou fortemente as contas externas. Para Paulo Gala, estrategista da Fator Corretora, a variável-chave para explicar a existência conjunta de déficits fiscais e em conta corrente é a taxa de câmbio valorizada observada nos últimos anos, "que detonou a balança comercial". No ano passado, o déficit foi de US$ 3,9 bilhões. Para Gala, no caso brasileiro o forte aumento da demanda do governo a partir de 2011 contribuiu para manter a inflação de serviços elevada. Para evitar maior alta de preços, o BC Central passou a intervir de forma intensa no mercado de câmbio, com o objetivo de impedir a desvalorização mais expressiva do real. Para o estrategista, o ajuste fiscal é essencial para reverter esse quadro de piora das contas externas e fiscais, mas não suficiente. "Não adianta caminhar pela via do Sul da Europa, que acha que o ajuste fiscal vai resolver o déficit em conta corrente. O câmbio precisa se desvalorizar também," O economista afirma que "é a isso que o BC se refere quando diz que há um duplo realinhamento de preços relativos, com câmbio e administrados, que vai ajudar a reduzir os dois déficits". Ramos, do Goldman Sachs, também avalia que a correção dos desequilíbrios macroeconômicos evidenciados por esses indicadores deve ocorrer gradualmente, à medida que o ajuste fiscal for implementado. "O que importa neste momento é a mudança de tendência, é trazer gradualmente essas variáveis para níveis mais sustentáveis". A taxa de câmbio, avalia, tem que ter desvalorização mais forte, "consistente com fundamentos e a evolução recente dos termos de troca". Algo entre R$ 3,10 e R$ 3,20, diz, estaria mais próximo do equilíbrio. O risco de não fazer esses ajustes, afirma Ramos, é o país encontrar dificuldades crescentes para financiar o passivo externo, que não é desprezível. Além do déficit de mais de US$ 80 bilhões em conta corrente projetado para 2015, o país ainda tem um montante expressivo de dívida com vencimento neste ano, o que pode elevar bastante as obrigações externas. "Se houver piora do cenário, turbulência mais acentuada nos emergentes, o risco é que o capital estrangeiro fique mais seletivo e exija prêmio de risco elevado para seguir financiado as necessidades externas do Brasil", diz Ramos. Para Gala, do Fator, o pacote de compra de ativos anunciado há duas semanas pelo BCE pode ajudar a evitar um cenário mais adverso para o Brasil, mas não elimina o risco para o país de sustentar esses desequilíbrios macroeconômicos. Silber, da FEA, avalia que a equipe econômica está preocupada com a trajetória dessas duas variáveis justamente porque sabe que "o mundo mudou" e não vai mais emprestar US$ 80 bilhões por ano ao Brasil nas condições anteriores. "Com Rússia e Grécia em risco de moratória e alta de juros nos EUA, o dinheiro não vai mais ser tão fácil." Caso a "lição de casa" seja bem feita, Silber avalia que é possível que o déficit fiscal retorne para algo como 4,5% neste ano, enquanto o rombo nas contas externas pode caminhar para algo mais próximo a 3%. "Mas o custo é que provavelmente vamos ter pequena queda do PIB neste ano e crescimento ainda baixo em 2016", diz. Déficits 'gêmeos' já somam mais de R$ 500 bi http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/3888084 2 de 2 03/02/2015 08:40
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