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SILVA NETO - CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL (CAP 3-6)

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,
 
_______________..a
 
~ 
Capitulo 3 
Constituigao 
3.1. Conceito 
Todo objeto passui uma constituigao a revelar a sua forma especifica e par­
ticular. Assim, diz-se que a bola e redonda; a cadeira emacia ou dura; a parede 
e lisa au aspera. 
Em verdade, ao analisarmos a constituigao do objeto, estamos, por igual, 
decompondo a sua estrutura, 0 seu ser. 
Este 0 sentido ampllssimo do vocabulo constituic;ao. 
Em sua acepgao juridica, todavia, a constituigao ea forma especifica e inimi­
tavel assumida pela entidade estatal, OU, como salienta Celso Ribeiro Bastcs, "e 0 
conjunto de faIgas pollticas, economicas, ideo16gicas, etc.. que conforma a realida­
de social de determinado Estado, configurando a sua particular maneira de ser".l 
NaG obstante, teda conceituagao eperigosa e envolve aquele que se propoe 
a conceituar em urn mar de dificuldades, a que nao poderia ser diferente com 
relagao ao conceito de constituigao. 
A ideia de constitui,ao na qualidade de instrumento de ordena,ao do 
Estado apenas exterioriza uma face do fenomeno, porque, ao promoverem tal 
limitagao, os juristas revelam urn tinico aspeeto, sendo nociva a posigao, por­
quanto expressa uma reahdade desvinculada do contexto para 0 qual se dirige a 
norma constitucional. 
Objetivando alcangar a compreensao do dialetico termo, surgiram as acep­
goes sociologica, polltica e juridica, de que logo adiante, trataremos. 
3.2. Concepc;:6es Sobre as Constituic;:6es 
3.2.1. A Acepgao Sociol6gica2 de Constituigao 
A concepgao da constituigao como fato, antes que como norma propriamen­
te dita, e apanagio mais genuino daquilo que se convencionou chamar "sociolo­
gismo juridico", sendo " (... ) uma concepgao cientifica e uma atitude mental que 
de maneira mais ou menos intensa e extensa relativiza a politica, 0 Direito e a 
cultura a situag6es sociais".3 
1 Ct. Curso de Direito Constitucional, Sao Paulo, p. 43. 
2 Em estudos anteriores, criticamos a referEmcia a doutrina de LassaLie como "acepC;ao 'socio16gi­
ca'" de constituiC;ao (ver Curso Basieo de Direito Constitucional, Rio: Lumen Juris, tomo I, 2004). 
3 Cf. Garcia-Pelayo, Derecho Constitucional Comparado, p. 46. 
25 
ADRIANO
Realce
Manoel Jorge e Silva Neto 
Para tal corrente, a genese do ordenamento juridico-constituciona] positivo 
deve ser buscada na realidade social, nos fatas que se desenvolvem e se enfor­
mam no meio sociaL 
FerdinFlnd Lassalle se tornou 0 expoente maior do "sociologismo" no campo 
do direito constitucional ao acentuar que os fatores reais de poder que imperam 
no seio de cada sociedade "( ... ) sao a for~a ativa e cficaz que informa todas as 
instituig6es juridicas da sociedade em questao, fazendo com que nao passam 
ser, em substfmcia, mais que tal e como S80".4 
Portanto, seralegitimo 0 texto constitucional quando guardar corresponden­
cia ou consonEmcia com "os fatores reais de poder", sendo tais fat ores a consti ­
tuigao real e efetiva, DaO passando a eonstitui<;:ao escrita de "uma folha de paper' 
quando deles dissociada. 5 Sera ilegitimo quando se distaneiar ou quando nao 
representar 0 efetivo poder social. 
o exercicio do poder e 0 instrumento real e a constituig8o 0 instrumento for­
mal, de acardo COIn a teoria. 
Na afamada canferencia de abril de 1862 na cidade de BerEm, cuja abjeto 
estava voltndo D. descoberta da ess€mcia da eonstituigao, Ferdinand Lassalle eri­
tieou 0 conceito reinante, sob 0 fundamento de que se oeupara - no caso, as defi­
nigoes juridicas formalS - muito mais com a tentativa de explicar 0 modo como 
se formavam e 0 que faziam as leis fundamentais, quando, em vez disso, deve· 
riam se deter, de sorte a delinear rt sua apar€mcia, no clemcnto essencial da cons­
tituiqao.6 
Assim, empregando a sua investigag80 cientifica para desencobrir a subs­
tancia da lei fundamental, serviu-se Lassalle de atraente teoria sedimentada nos 
mencionados fatores reais de poder e, dirigindo 0 labor a iustificagclo de suas 
ideias, langa mao de interessante exemplo (conquanto remotamente factivel, 
como ele proprio afirma): oconido urn grande incendio, foram reduzidos a po todos 
as arquivos que cantinham as textos legais do Estada, 0 mesmo se sucedendo 
com as bibliotecas publicas e particulares. Sinistra, em suma, de tal dimensao que 
nao remanescera urn texto sequer para disciplinar as relagoes juridicas ocorren­
tes no seio da un~dade politica abalada com 0 infausto e hipotetico acontecimen­
4	 CL Ferdinand Lassalle, LQue es una Constitllci6n?, p 42. LassaUe afitma: .. (,J todo pals delle, y 
ha tenido siempre, en todos los momentos de su historia, Constitucion real y '.!erdadera. La espe· 
cinco de los tiempos madernos - hay bien en esta, y no olvidarlo, pues tiene mucha importancia -, 
no son las constituciones reales y o[octivOJs, 8ino1as Constituciones escritas, las hOJas de papel. En 
electa, en casi todos los Escados modemos vemos apuntar, en un determinado momenco de su his­
toria, la tendencia a darse una Constituci6n escrita, cuja misi6n en una haja de papel, todas las 
institucianes vigentes en el pais" (ob. cit" p. 59). 
5	 Idem, ibidem, 
6	 Podemos afirmar que a pensamento de Lassalle eessencialista. tendo em vista a sequiosa buscil. 
pela essencia da constituit;aa. Prise-se, a proposita, que essencialisma se trata de dautrina filo­
s6fica a canferir primado a essencia sabre a existencia. correspondendo a primeira ao mundo 
lOvisivel e imutavel, ao passo que esta ultima se identifica com 0 munno visivel e flutuantc 
{Platao). 
26 
..........------------~-
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r
 
----------------....
 
Cursa de Direito Constitucional 
to. Indaga Lassalle: poderia 0 legislador editar normatividade aD seu capricho, 
elaborando leis que melhar lhe conviessem, aD seu talante ou alvedrio?7 
Canclui negativamente, e 0 faz mediante 0 reconhecimento acerca da exis­
t€mcia de determinados fatores de carater extranormativo que naD apenas enfor­
mam a constitui9ao como, tambem, vinculam a sua legitimidade aD fatD de estar 
em consonancia a "falha de papel" a constitui9ao real e efetiva (as fatores reais 
de poder). 
Expressa a constitui9ao real e efetiva as relay6es de poder predominantes 
em urn pais: 0 poder militar, representado pelo Exercito; 0 poder social, materia­
lizado nos latifundiarios; 0 poder economica, em virtude da influ€mcia da grande 
industria e do grande capital e, por derradeiro, 0 poder intelectual, urdido pela 
consciEmcia e cultura do povo. 
A respeito do sociologismo constitucional, oportuna e a remissao as ideias 
de Konrad Hesse: "Se as normas constitucionais nada mais expressam do que 
rela96es faticas em continua mudan9a, nao ha como deixar de reconhecer que a 
ciencia da Constituic;ao juridica constitui uma ciencia juridica na ausencia do 
direito (... )".8 
3.2.2. 0 Sentido Politico de Carl Schmitt 
Ja 0 decisionismo politico promove distin9aO entre constituic;ao e lei consti­
tucional. 
Carl Schmitt apresenta quatm conceitos de constitui9ao: absoluto - consti­
tui9ao COmo urn todo unitario; relativo - constitui9ao como pluralidade de leis 
particulares; positivo - constitui9ao como decisao de conjunto sobre modo e 
forma da unidade politica; ideal - constitui9ao como resultado da identidade en­
tre 0 seu conteudo e as aspira96es dos grupos politicos dominantes. 9 
De todos os conceitos articulados, 0 que se tornou mais conhecido foi a posi­
tivo, que promove a divisao entre constituig80 e lei constitucional. Constituic;ao e 
o produto da decisao politica fundamental, a estabelecer a forma de Estado, de 
governo, as orgaos do poder e os direitos e garantias constitucionais. Lei consti­
tucional par outro lado, diz respeito a materias que apenas formalmente SEW 
constitucionais, porquanto poderiamser tratadas pelo legislador ordinario. 10 
Atem-se Carl Schmitt ao principio da exclusao, ou seja, toda materia que 
nao resulte da "decisao politica fundamental" promanada de urn poder consti­
tuinte e considerada lei constitucional. A sua teoria, apos analisar os conceitos 
absoluto (constitui9ao como urn todo unitario), relativo (constitui9ao como plura­
lidade de leis particulares), ideal (constitui9ao como fen6meno que corresponde 
as aspira9oes, ao ideal de urn povo). termina por apontar 0 conceito positivo de 
7 Cf. Lassalle, ab. cit .. p. 42. 
8 Cf. Kotuad Hesse, Escritas de Derecho Constitucional, p. 59. 
9 Cf. Tearia de 1a Constitucion, pp. 29-62. 
10 Idem, pp. 45~57. 
27 
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constituigao, representado pela decisao do conjunto sobre 0 modo e forma da 
eXist€mcia da unidade polltica. E de relevo ressaltar que a posic;ao de Schmitt 
contem inegaveis influencias do sociologismo juridico, nomeadamente quando 
afirma: "A Constituigao nao e, pais, coisa absoluta, porquanto nao surge de si 
mesma. 'I'ampouco vale em virtude de sua justiga normativa ou em Iazao de sua 
sistematica fechada. Nao se da a si mesma, senao que <3 dada par uma unidade 
politica concreta. Talvez seja possivel dizer que uma Constituigao se estabelece 
por si mesma sem que a raridade desta expressao se choque em seguida. Mas 
que uma Constituigao se de a si mesma e urn absurdo manifesto. A Constituigao 
vale em razao da vontO-de poHtica existente daquele que ada. Toda a especie de 
norma\=ao juridica, e tambem a normac;ao constitucional, pressupoe uma tal von­
tade como existente".11 
3.2.3. A Concepc;ao Juridica de Hans Kelsen 
o Direito, por Dutro lado, nElD necessita reeoner a Politica, a Sociologia, de 
sorte a conceituar a eonstituir;ao, argumenta Hans Kelsen. 12 A conceitua\=B.o res­
trita a esfera puramente juridica e 0 bastante. Ao recorrer, de forma exclusiva, a 
dencia juridica, objetivando cxplicitar e conceituar a constltui\=8.o, Hans Kelsen 
admite dois pIanos distintos: 0 16gico-juridico e 0 juridico-positivo. 0 plano 16gi­
co-juridico 5e traduz na nornla suposta, hipotetica, a servir de fundamento 16gi­
co transcendental de validade da constituiyao juridico-positiva. 13 
Kelsen assinala que "( ... ) a norma fundamental e a instauragao do fato fun­
damental da criagao juridica e pode, nestes termos, ser designada como 
Constitui<;ao no sentido l6gico-juridico, para a distinguir da Constituic;ao em sen­
tido juridico-positivo. Ela e 0 ponto de partida de urn processo: do processo do 
criayao do Direito positivo. Ela propria nao e uma norma posta, posta pelo costu­
me ou pelo ato de urn orqao juridico, nao e uma norma positiva, mas uma norma 
pressuposta, na medida em que a inst€mcia constituinte e considerada como a 
mais elevada autoridade e por isso nao pode ser havida corno recebendo 0 poder 
constituinte atraves de uma outra norma, posta por uma autoridade superior" .14 
A norma posta (constituir;ao juridico-positiva), de existencia visivel, mate­
rial, encontra 0 seu fundamento de validade na norma hipoH~tica fundamental ­
Grundnorm - (conslituigao 16gico-juridica), invisivel e imaterial, eompreendida 
no comando generico e naturalmente aceito consistente na obediEmeia a tudo 
quanta esta na constituiyaO. 1b 
11 Idem, p. 46. 
12 Cf. Teoria Pura do Duelto, p. 1. 
13 CI. Kelsen, ob. cit .. pp. 223-224. 
14 Cf. Kelseo, ob cit., p. ~LL 
15 Cf. Kelsen, ob. cit., p. 225. Salienta: "Somente quando pressuponhamos esta norma fundamental 
referida a UInCl constitui(,<ao inteira310ntc determinada. qU~f dizer, sornente quaudo pressuponha­
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Curso de Direito Constitucional 
E ainda Kelsen quem afirma estar a constitui9aO, no plano hierarquico das 
DOrmas juridicas, no mais elevado patamar do ordenamento positivo 85tatal, aD 
acentuar: "A Constituig8.o no sentido formal e urn certo documento solene, urn 
conjunto de Dormas juridicas que pode ser modificado apenas com a observan­
cia de prescrig6es especiais cuja proposito e tornar mais dificil a modificagao 
dessas Dormas" ,16 
3.2.4. A Concepc;;ao de Constituic;;ao Total 
No eotaoto, como bern observa Gomes Canotilho, "a Constituigao naD deve 
ser estudada isoladamente. Pelo contraric, ela conexiona-se com outras catego­
rias politicas e conjuntos sociais (Estado, sistema politico, sistema juridica, orcte­
namento, instituigao) de relevante significado para a captagao do mundo circun­
dante/estruturante do politico. rsto aponta para a imprescindibilidade de algu­
mas ideias basicas sob essas categorias e conjuntos" .17 
A plurissignificatividade do conceito de constituigao conduz it constatagao 
de que "todos os paises possuem, possuiram sempre, em todos os momentos da 
sua hist6ria, uma constituigao real e efetiva", consoante a teoria de Lassalle, 18 
promanada de uma "decisao politica fundamental" (Carl Schmitt), servindo, a urn 
s6 tempo, de fundamento de validade normativa de todo 0 sistema (constituigao 
juridico-positiva) e fundamento l6gico-transcendental para validar a constituigao 
positiva, ja que assente e pacifica a obediencia incondicionada da sociedade a 
tudo quanto emana da constituigao, sendo ela norma suposta. hipotetica (cons­
tituigao l6gico-juridica).19 
Nao por acaso, portanto, vern os autores tentando estabelecer urn conceito 
uno de constituigao. a sintetizar a conexao de sentido das normas constitucio­
nais com a realidade. 
Interessante formulagao e trazida por Canotilho aD caracterizar a constitui­
t;:ao como "estatuto juridico do politico" .20 Nao quer significar a proposta urn neo­
decisionisrno na teoria politica contemporanea. Revela, efetivamente, nao 0 "po-
mas que nos devemos conduzir de acordo com esta Constituic;ao concretamente determinada, e 
que podemos interpretar 0 sentido subjetivo do ato constituinte e dos atos constitucionalmente 
pastas como sendo a seu sentida subjetivo, quer dizer, como normas jur(dlcas objetivamente 
vaUdas, e as relac;6es constituidas atraves destas normas como relac;6es juridicas." a fundamen· 
to ultimo de validade do sistema juridico, para Kelsen. naa e uma norma posta, mas um fato: a 
aceitac;ao dos comandos da constituic;ao juridica, A partir dai se avolumaram as crlticas a con­
cepC;ao juridica. Castanheira Neves, por exemplo, acentua que 0 positivismo termina par cons­
truir, como tlltima fundamento de validade, a eticacia de uma norma. E condui: "( ... ) como se urn 
'mero fato' pudesse ser fundamento normativo" (cf. Digesta - Escritos acerca do direito, do pen­
samento juridico, da sua metodologia e outros, V. 2, p. 63). 
16 Ct. Kelsen, Tharia Geral do Direlto e do Estado, p. 130.
 
17 Cf. Direito Constitucional, p. 39.
 
18 ab. cit., p. 38.
 
19 Cf. Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, cit., p. 225.
 
20 ab. cit., p. 39.
 
29 
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Manoel Jorge e Silva Neto 
Iltico" como reduzido ao Estado, "(... ) mas para conceber este como categoria 
explicativa e constitutiva da racionalizagao do politico, nas condig6es historicas, 
particulares e concretas, dos processos de transformagao polltica do ocidente 
europeu a partir do seculo XVI" .21 
Dirley da Cunha Jr., apoiando-se no escolio de Meirelles Teixeira, aduz que 
"esse conceito de Constituigao total, se atentarmos, reune, numa perspectiva 
unitaria, aspectos economicos, sociologicos, juridicos e filosoficos. (... ) Constitui­
gao e urn conjunto de normas juridicas fundamentais, condicionadas pela cultu­
ra total, e ao mesmo tempo condicionantes desta, emanadas da vontade existen­
cial da unidade politica, e reguladoras da existencia, estrutura e fins do Estadoe do modo de exercicio e limites do poder politico" .22 
3.3. Classificac;:ao das Constituic;:6es 
Sempre se constituiu em preocupagao dos pensadores ou dos teoricos do 
Estado 0 estudo dos principios e normas legais a estruturarem a organizagao da 
unidade polltica. 
Portanto, a concepgao de constituigao, tal como se formula atualmente, che­
gou a ser aventada pelos gregos e romanos. 
Aristoteles efetuou precisa distingao entre lei constitucional e disposig6es 
legislativas ordinarias, na medida em que aquela despontaria como "alma do 
Estado", na feliz expressao de Isocrates, au seja, 0 principia maior, imorredouro, 
sem 0 qual a estrutura politica nao subsistiria. Refletindo acerca das marcas 
indeleveis presentes na constituigao a diferencia·la das outras especies normati­
vas, a filosofo helena trouxe significativo contributo a teoria polltica ao assinalar 
as linhas essenciais da distingao dos poderes estatais que, modernamente, sob 
a influxo do pensamento liberal racionalista do seculo XVIII, foi desenvolvido 
pelo Barao de Montesquieu. Este, aditando-a, findau por conduir a respeito DaO 
apenas da imprescindibilidade da separagao de poderes para a sobrevivencia do 
Estado moderno, direcionado ao atingimento do Estado de Direito. Concluiu tam­
bern pela necessidade de estar garantida a separagao de poderes atraves da ins­
titucionalizagao de orgaos distintos e aut6nomos. 
Na Roma Antiga, muito embora, de inicio, a constituigao apresentasse 
aspecto mais consuetudinario, com a evolver desta civilizagao foram gradativa­
mente sendo retiradas as amarras que a vinculavam aos costumes, a que S8 
logrou, em definitivo, mediante as constitutione emanadas dos Imperadores. 
A Idade Media, de outro ver, trouxe consigo a filosofia crista fundada no 
Direito Natural, relegando-se a plano secundario 0 Direito Publico (incluindo-se a 
teoria constitucional), notadamente porque "( ... ) 0 homem, como valor espiritual, 
se elevava diante do Estado (... )", sendo ainda "( ... ) imprescindivel que a proprio 
21 
22 
Cf. Gomes Canotilho, ob. cit., p. 40. 
Cf. ControLe Judicial das Omissoes do Poder Publico, p. 31. 
30 
-
---- 4 
• 
~ 
Curso de Direito Constitucional 
Estado 5e organizasse de sorte a naa ferir as finalidades essenciais da pessoa 
humana".23 
Partanto, observamos as diversos tipos de Estados, ao Iongo das eras, 5e 
adequando ao momento historico, as contingEmcias de cada sociedade. 
Nessa linha de compreensao, 5e concluimos existirem diversos tipos de 
Estados concebidos em razao de fatares que lhes moldaram a personalidade poli­
tica, irrecusavel sera reconhecer tambem a diversidade do instrumento fundador 
do Estado, e, por conseguinte, alcan~armos a classificagao das constituigoes. 
NaG ha na doutrina, em absoluto, uniformidade da classificagao; muito pel0 
contrario, as autores dissentem sobremaneira quando 5e propoem a classificar as 
constituic;6es. 
James Bryce, buscando explicitar 0 regime constitucional norte-americano, 
discrimina as cartas politicas em diversas modalidades, discrepando substan­
cialmente conforme sejam elas costumeiras e escritas, flexiveis e rigidas. 24 
Constituic;ao costumeira ou hist6rica e aquela concretizada por via de pro­
cesso constituinte protraido no tempo, representada por uma gama de costumes 
e usos que, amalgamados na habitualidade de sua pratica atraves dos tempos, 
redundam na fundamenta~aoda estrutura estatal. 
Inexiste, como vis to, materializac;ao atraves do texto escrito. 
Ja estas, as escritas, contrariamente, refletem 0 predominio da codifica~ao 
do direito sobre a norma consuetudinaria. 
Ao examinar a classifica~ao das constitui~6es em costumeiras e escritas, 
Bryce, verificando a dificuldade de distinguir urnas das outras, sugere os termos 
rigidez e flexibilidade constitucional (constituigoes rigidas e flexiveis).25 Rigida e 
a constituigao somente alteravel mediante a observancia de processo legislativo 
especial, diverso daquele estabelecido para criagao das demais especies norma­
tivas do sistema. Nao se deve confundir rigidez com imutabilidade constitucio­
nal, porque esta ultima conduziria ao engessamento absoluto do Estado e, inde­
fectivelmente, em face da existEmcia da constituigao imutavel, se opora a realida­
de. nlais fatica que juridica, da natural evolugao da sociedade. 0 que, decerto, 
desencadeara manifestagao constituinte originaria com a consequente ruptura 
institucional. Concernente aconstituigao flexivel, podemos dizer que os Estados 
que a adotam nao aceitam, de forma pura, 0 principio da hierarquia das leis, por­
que nao colocam a lex fundamentalis no vertice do sistema, e isto porque a cons­
tituigao flexivel pode ser modificada pelo simples processo legislativo comum. 
Bryce, no entanto, foi criticado por confundir constituigao costumeira com a 
flexivel, como tambem a escrita com a rigida. 
A advertencia ede McBain: "E habitual, desde que Bryce sugeriu os termos, 
distinguir-se constituig6es flexiveis e rigidas, condicionando a diferenga na faci­
lidade ou dificuldade com que as constituigoes podem ser temporaria ou perma· 
23 Cf. Rosah Russomano, Li90es de Direito Constitucional, p. 49.
 
24 Ct. James Bryce, Constituciones flexibles y constituciones rigidas, pp. 19-34.
 
25 Idem, ibidem. 
31 
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I 
Manoel Jorge e Silva Neto 
nentemente alteradas. A distin9ao nao e, au pelo menos nao deveria ser, basea­
da no can~.ter escrito au nao escrito da constitui9aO" (tradu9aO nossa).26 
A classifica9aO das constitui90es, como formulada, sob a 6tica da suprema­
cia constitucional, segundo Joseph Barthelemy e Paul Duez, perde importancia 
pratica porque a constitui9aO, seja ela costumeira au escrita, seja ela flexivel au 
rigida, retira de si mesma uma certa supremacia.27 
Entre os constitucionalistas brasileiros nao ha tend€mcia Ii uniformidade da 
classifica9ao. 
Ainda assim, e possivel indicar classifica98.0 que contempla as criterios ado­
tados majoritariamente pela doutrina no Brasil, que sao as relativos ao conteudo, 
a forma, a origem, a estabilidade, ao modo de e1aboragao, a ideologia e a extensao. 
Ouanto ao conteudo, as constitui9oes podem ser materiais e formais. 
Materiais sao aquelas que disciplinam exclusivamente temas vinculados aorga­
,	 nizac;ao do Estado e aos direitos e garantias fundamentais. Formais sao as cons­
titui90es que inserem dispositivos que nao guardam rela9ao com a refer ida 
nucleo materialmente constitucional. 
Quanta a forma podem ser consideradas escritas e nao escritas. Escritas sao 
as constitui90es cuja disciplina da vida do Estado e inserida completamente em 
texto escrito. Nao escrita e a constituic;ao que se ampara nos costumes e na juris­
prud€mcia. 
Quanta a origem, podem ser populares e outorgadas. Populares sao as tex­
tos constitucionais elaborados mediante a participac;ao democri3tica do povo. 
Outorgadas, diferentemente, sao as impostas par urn ditador, monaIca ou mesmo 
grupo politico que se encontra no poder.28 
Quanta aestabilidade, podem ser rigidas, super-rigidas, flexiveis e semi-rigi­
das. Rigidas sao as constitui9oes que preveem processa legislativo solene e rnais 
rigoroso para a modifica9aO de suas normas.29 a conceito de super-rigidez cons­
titucional e elaborado pela doutrina com base na ideia de que muitos textos 
constitucionais indicam a existencia de urn conteudo intangivel, imodificavel- as 
denominadas c1ausulas petreas.30 Flexiveis sao as modelos constitucionais cujo 
processa de altera9ao de suas normas e identico aquele previsto no sistema nor­
26	 ce. Howard Lee McBrain. The Living Constitution, p. 16. "It is customary also, since Lord Bryce 
suggested the terms, to distinguish between flexible and rigid constitutions, the difference depen­
ding upon the ease or difficulty with which constitutions may be temporarily or permanently alte­
red.The distinction is not, or at least should not be, based upon the written or unwritten charac­
ter of the constitution." 
27	 Cf. Traite de Droit Constitutionnel, p. 186. E0 seguinte 0 texto original: "La constitution, soit eJle 
coutummiere ou ecrite; soit eJle souple ou rigide, tire, tout d'abord, une certaine supremacie.".~ 28	 A evolu9ao constitucional brasileira noticia a existencia de quatro Constitui90es outorgadas 
(1824, 1937, 1967 e 1969) e quatro populares (1891, 1934, 1946 e 1988). 
29	 A Constitui~ao de 1988 e rigida, conforme demonstram os §§ 1'>1 e 2'>1 do art. 60. 
30	 Cf. Alexandre de Moraes, Direito Coustitucional, p. 5. Revela 0 Autor que a Constitui9ao de 1988 
pode ser considerada surper-rigida. Andre Ramos Tavares (cf. Curso de Direito Constitucional, p. 
68) assinala, contudo, que a Constituit;:ao brasileira de 1988 seria exemplo de constitui~aosuper­
r[gida e rigida, concomitantemente. 
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Curso de Direito Constitucional 
mativo para a elaboragao e alteragao das leis ordinarias. Semi-rigidas sao as que 
possuem, ao mesma tempo, dispositivos constitucionais alteraveis somente 
mediante processo mais dificil e rigoroso e Dutros cuja modificagao pade se ope­
rar da mesma forma admitida para as leis ordinarias. 
Quanta ao modo de elaboraq.3o, as constituigoes podem ser dogmaticas ou 
hist6ricas. Dogmaticas sao aquelas em que as regras de organiz8gao politica de 
urn pais sao expressamente inseridas em documento ofieial redigido com a abje­
tivo de determinar 0 cumprimento a todos. Hist6ricas sao as decorrentes dos 
usas, costumes e precedentes, do lento processo de evolugao hist6rica do siste­
ma constitucional. 
Quanto a ideologia, podem ser destacadas duas especies de constituic;6es: 
ortodoxas e ecleticas. Ortodoxas sao as elaboradas em atendimento a ideologia 
unica. Ecleticas sao as que resultam do embate ideologico existente quando da 
elaborac;ao do texto constitucional. 
Quanta a. extensao, podem ser sinteticas au analiticas. Sinteticos sao os sis­
temas constitucionais que se caracterizam por enundar principios gerais, res­
tringindo-se a discipIina da organizac;ao e limitac;ao do poder, cujo exemplo sem­
pre lembrado e a Constituigao dos Estados Unidos de 1787. Analiticos, de modo 
diverso, sao aqueles que empreendem disciplina minudente, promovendo trata­
mento em sede constitucional de temas que poderiam ser objeto de lei ordinaria. 
A doutrina estrangeira apresenta classificac;ao interessante que merece ser 
registrada. 
Canotilho, ao examinar a Constituic;ao portuguesa de 1976, esclarece que e 
unitextual, programatica ou dirigente e compromissoria. "Esta unitextualidade 
deriva, em larga medida, de dais factores: (1) nao~exist€mcia de 'leis de emenda' 
da Constituic;ao fora do texto constitucional, pais as alterac;6es resultantes das 
leis constitucionais de revisao 'serao inseridas no lugar proprio mediante substi· 
tuic;oes, supressoes e aditamentos necessarios' (Cm:: artigo 287Q/l); (2) nao-exis­
t€mcia de leis com valor constitucional ao lado da Constituic;ao, como acontece 
em alguns paises onde a disciplina de certas materias e feita atraves de leis com 
forc;a constitucional" .31 Atento a. transformac;ao do Estado e as acentuadas exi­
gencias que se the dirigem, ao formular a conceito de "constituic;ao dirigente", 
Canotilho articula duas indagac;oes verdadeiramente instigativas: "Deve uma 
constituic;ao conceber-se como 'estatuto organizat6rio', como simples 'instru­
menta de governo', definidor de compet€mcias e regulador de processos, ou, pelo 
contrario, deve aspirar a transformar-se num plano normativo·material global 
que determina tarefas, estabelece programas e define fins? Uma constituic;ao e 
uma lei do Estado e so do Estado ou e urn 'estatuto juridico do politico', urn 'plano 
global normativo' do Estado e da sociedade"?32 
31 Cf. Direlto Constitucional e Teoria da Constitui<;:ao, p. 215.
 
32 Cf. Gomes Canotilho, ConstituiQao dirigente e vinculaQao do legislador. p. 12.
 
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Nota
CF 88 liberal X social. const. cidadã.null
Manoel Jorge e Silva New 
a carater programatico au dirigente da Constitui98.0 portuguesa de 1976 
decorre da insen;:ao de numerosas normas-tarefa e normas-fim, que definem pro­
gramas de ayaO e de diretrizes de atua<;ao dirigidas ao Estado.33 A natureza com­
promiss6ria da constitui<;8.o se prende ao fato de que representa modelo norma­
tivo de compatibiIizac;ao de interesses antag6nicos. "Globalmente considerados, 
os compromissos constitucionais possibilitaram urn projecto constitucional que 
tern servido para resolver razoavelmente as probelmas suscitados pelo pluralis­
rno politico, pela complexida social e pela democracia conflitual" .34 
Karl Loewenstein35 propoe a classificaC;ao das constituiqoes em originarias 
e derivadas, ideo16gico-programatic8g e vtilitarias. 
Constituic;ao originaria, segundo 0 autor, corresponde a "(... ) urn documento 
de governo que contem urn principia funcional novo, verdadeiramente criador, e 
portanto original, para 0 processa do poder politico e para a forrnac;ao da vontade 
estatal. A expressao constitui<;ao derivada (ou derivativa) designa urn tipo de 
constituic;ao que segue fundamentalmente as modelos constitucionais ou estran­
geiros, levando a cabo tao-somente uma adaptaqao as necessidades nacionais".36 
Por outro lado, constituic;ao ideologico-programatica e aquela que se encon­
trn imprcgnada de certa diretriz ideologica, ao passo que a constituic;ao utilitaria 
nao se diferencia em muito de uma lista telef6nica, como aponta Loewenstein, 
tendo por conta a seu conteudo ideo16gico neutro.37 
Com base nos criterios aqui relacionados, e correto coneluir que a Constitui­
gao brasileira de 1988 e formal, popular, rigida e super-rigida, concomitantemen­
te, escrita, ec1etica, analitica, dirigente e ideologico-programatica. 
3.4. Objeto e Conteudo das Constitui90es 
Ao 10ngo da hist6ria observa-se a gradativa constitucionalizaC;EI.O de rnate­
rias tidas e havidas por relevantes dentro da organiza<;8.o estatal. 
A estruturaC;ao da unidade politica, a disciplina de investidura dos agentes 
politicos nos 6rgaos fundamentals do Estado, 0 modo como 6 adquirido 0 poder 
politico e a forma do seu exercicio, as direitos e garantias fundamentais do indi­
viduo, foram apenas algumas das rnaterias objeto de gradual positivac;ao. 
Para Karl Loewenstein a autenticidade de uma constituic;ao e medida pela 
disciplina e ordenac;ao de urn campo material minima, a saber: 1) tripartigao de 
33 Idem. p. 217, E verdade que 0 Uustre constitucionallsta portugues. modificando entendimento 
anterior defendido na obra "Constituig5.o Dirigente e Vinculdgau du Legislador" (Coimbra, 
Coimbra Editora, 1994j, mitiga os efeitos do di£igismo constitucional ao assinalar que "hoje, em 
virtude da transformagao do papel do Estado, 0 programa constitucional assume mais 0 papel 
de legitimador da sociedade estatal do qne it flln9ao dirigente do contro politico" (cf. DireiLo 
Constitucional e Teoria da Cor.stituigao, pp. 217-218). 
34 Idem, p. 219. 
35 Cf. Teoria de 1a Constitllci6u. pp. 209-213. 
36 Ob. cit., p. 209. 
37 Ob. cit., p. 211. 
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fungoes estatais, conferindo-as a orgaos distintos e autonomos, na forma da teo­
ria engendrada POI Montesquieu; 2) limitagao genericamente imposta aos "pede· 
res"38 do Estado mediante 0 estabelecimento de mecanismos de freios e contra­
pesos (checks and balances), au seja, contengao do poder pelo proprio poder; 3) 
mecanisme de proibig8.o de solugao autocratica de impasse institucional; 4) cria­
gEl.O de processo legislativQ especial para adaptar-se a constituigao a realidade 
social e politica cambiante, de sorte a evitar a ruptura institucional,e, por tim, 5) 
reconhecimento expresso das direitos lndividuais e das liberdades fundamentais 
como caTalario logico do reconhecimento da legitimidade da esfera de autodeter­
minagao individua1. 39 
o aumento da constitucionalizagao de materias que ainda nao haviam side 
tratadas pela norma-vert ice gerou a distingao entre constituigao em sentido mate­
rial e constituigao em sentido formal, porque, de acordo com a doutrina, assuntos 
ou materias nao pertinentes a estrutura do Estado, it organizagao dos poderes, 
seu exercicio e aos direitos e garantias fundamentais do individuo somente 
podiam ser considerados constitucionais porque localizados na constituigao. 
A distingao doutrinaria carece de importancia pratica, porquanto nao convi­
vemos atualmente com discriminagao de qualquer especie com relagao a urn con­
tetido formal ou materialmente constitucional, como ocorrera na Constituigao do 
Imperio, ao indicar 0 art. 178: OlE so constitucional 0 que diz respeito aos limites 
e atribuig6es respectivos dos poderes politicos, e aos direitos politicos e indivi­
duais dos cidadaos; tudo que nao e constitucional pode ser alterado, sem as for­
malidades referidas, pelas legislaturas ordinarias." 
3.5. Elementos das constituigoes 
Assenta a doutrina a classificagao de cinco categorias de elementos, em 
razao da sua natureza, fungao ou finalidade: a) normas constitucionais orgEmicas, 
tendentes a estruturagao do Estado e do Poder; b) normas constitucionais de 
limitagao ou limitativas correspondentes ao elenco de direitos e garantias funda­
mentais outorgadas ao individuo, nao apenas com escopo de limitar a atuagao do 
Estado em face daquele, mas tambE~m elemento direcionado a. limitagao do arbi­
trio ou autodeterminagao individual; c) normas de estabilizagEl.O constitucional, 
consagradoras de elementos criados para solver os conflitos constitucionais e 
para defender a constituigao; d) nornlas constitucionais de aplicabilidade, que 
sao aquelas reguladoras dos elementos formais conducentes a aplicabilidade 
das normas constitucionais, elementos de suma importancia para 0 estudo da 
eficacia dos preceitos da constituigao, e, por ultimo: e) normas constitucionais 
socio-ideologicas, reveladoras do compromisso das constituigoes contempora­
38 A terminologia se encontra entre aspas porque entendernos que 0 poder, enquanto manifesta· 
9ao objetiva do fen6meno politico, e sempre uno e indivisivel. 0 que pode ser fraClOnado para 
evitar-se 0 predominio do arbitrio sao as fun90es estatais. 
39 Ob. cit., p. 53. 
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Nota
executivo, legislativo e judiciário.
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Manoel Jorge e Silva Neto 
neas com a busca por uma sociedade menos desigual (normas de direito social), 
bern assim fixadoras do modelo economico a ser trilhado pelo Estado (normas de 
direito economico).40 
40 Cf. Jose Manso da Silva, Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 165. 
36 
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Capitulo 4
 
Hist6ria do Constitucionalismo
 
4.1. Justificativa do Capitulo 
E necessaria apresentar as motivos justificadores da previsao de capitulo 
especifico para 0 estudo da hist6ria do constitucionalismo no contexto de uma 
Teoria da Constituigao. 
If: que, inegavelmente, as quest6es mais atuais e relacionadas, por exemplo, 
a interpretagao e a aplicabilidade das normas constitucionais naG podem ser 
bern compreendidas 5e naG torem enunciados as principais fatos hist6ricos res­
ponsaveis pela transforma<;:ao dos Estados 8, logicamente, dos modelos normati­
vo-constitucionais que sustentaram t3i8 ordenamentos. 
4.2. 0 Surgimento da Prote<;:ao aos Direitos Fundamentais 
Se bern que 5e possa reconhecer 0 carater relativamente recente das previ­
soes legislativas tuteladoras dos chamados direitos fundamentais, ja na Idade 
Antiga se presencia alguma preocupac;:ao em torno aos direitos hoje consagrados 
nos mais diversos sistemas constitucionais. 
Jose Afonso da Silva exp6e que "( ... ) alguns antecedentes formais das 
declarac;:6es de direitos foram sendo elaborados, como 0 veto do tribuno da plebe 
contra a~6es injustas dos patricios em Roma, a Lei de Valerio Publicola proibin­
do penas corporais contra cidadaos em certas situa~6es ate culminar com 0 
Interdicto in Romine Libero Exhibendo, remoto antecedente do habeas corpus 
moderno, que 0 Direito romano instituiu como prote~ao juridica da liberdade".l 
Na Idade Media, entretanto, houve consideravel avanc;:o em tema de prote­
c;:ao de alguns direitos fundamentais, especialmente na Inglaterra, decerto como 
conseqiiencia da limitac;:ao do poder monarquico e consolida~ao do parlamenta­
rismo como sistema de governo,2 a partir do desinteresse demonstrado pelo 
monarca pelos problemas da Coroa Inglesa, fazendo-se representar nas reuni6es 
do Magnum Concilium por urn conselheiro, surgindo, dai, presumivelmente, a 
figura do primeiro-ministro. 
E necessario apontar a importancia da Magna Charta Libertatum para 0 
desenvolvimento dos direitos fundamentais. 
1 Cf. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 150. 
2 Nunca e demals recordar que: sistema de governo (parlamentarismo/presidenciahsmo) - forma 
de governo (republica/monarquia) - forma de Estado (federal/unitario/regional). 
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Inglaterra. Revolução de 1640. revolução gloriosa de 1688 (?). Monarquia constitucional. null
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Nota
1215. Rei João. E não na Revolução Gloriosa. 
Manoel Jorge e Silva Neto 
No seculo XIII, precisamente no ana de 1215, a Rei Joao Sem-Terra firmou 
pacta com bispos e nobres ingleses, garantindo-Ihes alguns privilegios feudais. 
Se e certo que a Magna Charta efetivamente deixou a esmagadora maioria 
da populagao sem acesso aos direitos nela previstos, nao menos e que serviu 
como urn dos marcos para a consolidagao de importantes direitos e' garantias 
fundamentais, como e 0 caso do habeas corpus e do direito de propriedade. 
Todavia, como anota lnga Sarlet, mesmo antes da Magna Charta, ja existiam 
diversas documentos que buscavam consolidar a protegao a direitos fundamen­
tais, como foi a documento firmado por Afonso IX, em 1188, a Bula de Ouro da 
Hungria (1222), a Privilegia General autargada par Pedro JJI em 1283 e as Privi­
legias da Uniaa Araganesa (1286).3 
Com a Revolugao Gloriosa, em 1688, Guilherme de Orange concedeu diver­
sas prerrogativas aos membros do Parlamento, sendo implementada, na ocasiao, 
nova concessao regia, denominada Bill ofRights. 
It natural que a mudanga no sistema de governo ingles tenha provocado a 
aparecimento de normas protetivas dos direitos fundamentais, notadamente por­
que, em seguida, a exerdcio da chefia de governo se transferira para a lider do 
Parlamento, que, par sua vez, carecia de apoio polftico dos seus pares eleitos 
,•
pelos cidadaos ingleses. 
Mas, convictamente, a constitucionahsmo, em sua moldura classica, surgiu 
com a Revolugao Francesa,4 fato politico e social que, pela sua relevancia, inclu­
sive para 0 exame historico que ora se empreende, merece analise a parte. 
3	 Cf. A eficacia dos direitos fundamentais, p. 48. 
4	 Santl Romano insiste, no entanto, que 0 fen6meno do constitucionaLismo tern origem inglesa e, 
portanto, e mais antigo do que a Revolu<;ao Ftancesa. Acentua que .oeste movimento e precisa­
mente aquele que, no que se refere a Europa, tinha par finalidade mtroduzir no continente uma 
ordenat;ao semelhante ~quela que ha seculos vigorava na lnglaterra, enquanta nos de rna is con­
tinentes a adoqao de semelhante ordenaqao se deu antes do que na Europa, ou depois, em segui­
da a varios acontecimentas. De sorte que se pode dizer que 0 direito constituclOnal dos Estadas 
Modernos resulta do direito constitucional ingles e das demais ardena<;oes, delemais au menos 
derivadas diretamente" (cf. "Principios de Direito Constltucianal Geral", pp. 42-43). 0 autor faz 
ainda interessantes observat;0es sabre a influencia do direito ingles. admitinda a beneficia do 
dueito constitucional consuetudinario: "0 processo historico, atraves do qual se farmou a 
Constituiqao inglesa, tern permitido uma caracteristica e feliz conciliaqao da monarquia com a 
aristacracia e a povo, nas epocas em que as outros Estados eram monarquias abso}utas, republi· 
cas aristocraticas au, exclusivamente, democracias. Enquanto a Corea foi muito prudente ao 
consentir a limitat;ao dos poderes reais atraves da participat;ao no governo das classes mais ele­
vadas e dos comuns, nao menos prudentes foram estas classes ao evitar a enfraquecimento do 
poder central que em outros Estados era conseqiiencia da falta de regulamentaqao da fort;a poli­
tica dos feudatarios e daquela tumultuosa e indisciPlinada classe popular (... )" (op. cit" pp. 45­
46). Ernbora a processo de consolidat;ao do Estado Canstitucional passa ser reconduzido a expe­
rieucia lOglesa, como afirma Santi Romano, e correto dizer que foi a Revolut;ao Ftancesa, com a 
rationalization du pauvair (fenomeno a ser examinado adiante), que solidificou as bases do cons­
titUClOnalismo moderno, notadamente em faCe do art. 16 da Declarat;ao UniversaL dos Direitos do 
Homem e do Cidadao. 
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Curso de Direito Constitucional 
4.3. 0 Constitucionalismo Classico e a Revolugao Francesa 
Chama·se de constitucionalismo classico 0 movimento aconido na 
Revolugao Francesa de 1789, cuja marca indelevel e a proteg3.o dos direitos indi­
viduais contra a interferencia do Estado. 
Explica-se 0 fenomeno. A partir do final do sE?cula XV, COIn a politica unifica­
cionista ocorrida na Europa. os diversos Estados que ate entao se apresentavam 
com divisao espacial e politica bastante fragmentaria assumiram compleigao dis­
tinta, maxime em virtude da centralizagao do poder politico em maos do monar­
ca, que se posicionoll como exclusiva fonte irradiadora de decis6es. 
Nesta epoca, tambem conhecida como a "Era das Descobertas" houve 0I 
soerguimento dos Estados nacionais e a instalagao de modele economico volta­
do a acumulagao de oura e prata (metaIismo). Igualmente vigorava na cartilha 
economica deste periodo a busca obsessiva pelo equilibrio da balanga comercial 
mediante 0 aurnento das exportagoes. 
Enquanto os Estados nacionais - de modo especial Portugal e Espanha - se 
agigantavam com a sua politica economica mercantihsta, 0 caminho inverso se 
fazia em termos de garantia dos direitos dos individuos. 
Pouca ou nenhuma hberdade de expressao ou participagao politica; exagoes 
fiscais extorsivas e impostas ao alvedrio do suserano. Nao havia, em suma, exer­
dcio de hberdade e 0 Estado absolutista monarquico parecia ser a unica alterna­
tiva para a sociedade medieval. 
Todavia, esbog<lva-se 0 aparecimento de ideario que pregava rigorosamen­
te 0 contnirio dos postulados do Absolutismo Monarquico: 0 Iluminismo. 
Tratava-se de movimento filos6fico, igualmente conhecido como Esclareci­
mento, Ilustragao ou Seculo das Luzes, que toma lugar na Franga, Alemanha e 
Inglaterra no sEkulo XVIII, cuja caracteristica mais genuina era a defesa da racio­
nalidade critica contra a te, a superstig8.o e 0 dogma religioso. 5 
Na Franga, as ideias iluministas transportadas para 0 contexto politico ense­
jaram 0 surgimento da rationalization du pouvoir, ou racionalizagao do poder, que 
significava simplesmente a necessidade de consolidagao dos direitos individuais 
e da tripartigao das fung6es estatais nas constituig6es. 
Por conseguinte, a genese do constitucionalismo classico esta atrelada ao 
irrefreavel impeto quanto apositivagao de direitos e garantias aptos asalvaguar­
da dos individuos quanta a intromissao ou arbitrio praticados pelo Estado. Nao 
se podera compreender a nogao do constitucionalismo daquela epoca se nao se 
atentar para 0 autentico motivo conducente a inclusao das liberdades publicas 
nos textos constitucionais: a preservagao da liberdade individual. 
Olema da Revolugao Francesa - "Liberdade. 19ualdade e Fraternidade" ­
serviu de esteio a configuragao de Estado nao-interventor nos negocios indivi­
5 Cf. Hilton Japiassu & Danilo Marcondes, Dicionario Basico de Filosofia, pp. 128-129. 
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duais; sociedade politica mera espectadora do que se sucedia no torvelinho das 
relag6es sociais. 
Dentre os caracteres desse Estado, habitualrnente chamado de "liberal" ou 
"abstencionista", pode ser destacada a passividade no trato das desigualdades 
sociais que grassavam, ao ponto de a isonomia entao assegurada ser apenas a 
de contextura formal, ou seja, nao se investigava a respeito da existencia de 
desequiparagoes havidas entre os individuos que impusessem atuagao do Es­
tado no sentido de elimina-las ou, na pior das hip6teses, mitiga-Ias. 
Se bern que seja inegavel reconhecer 0 carater francamente liberal da De­
claragao F'rancesa, Mirkine-Guetzevitch esclarece que os direitos sociais nao 
eram estranhos a consciencia juridica dos homens da Revolugao F'rancesa, tanto 
que a concepgao social da Declarag800 e estabelecida de modo marcante no pro­
jeto apresentado por Maximilien Robespierre aSociedade dos Jacobinos a 21 de 
abril de 1793, cujo conteudo, dentre outros artigos, denotava a nitida preocupa­
9800 com os direitos sociais.6 
Thdavia, segundo ainda Guetzevitch, .. a Declaragao de 1793 nao seguiu 0 
ousado projeto de Robespierre; mas ela estabeleceu ja alguns direitos sociais e 
em seu artigo lQ. dispoe: "0 fim da sociedade e a felicidade comum".7 
4.3.1. a Constitucionalismo Classico e a Racionaliza<;;ao do Poder 
No altiplano do ideffiio absenteista caracteristico do pensamento predomi­
nante durante 0 "SEkulo das Luzes", resplandeceu, com intensa luminosidade, 
notadamente na F'ranga, 0 fenomeno da racionalization du pouvoir, ou, ern verna­
culo, racionalizag8oo do poder. 
Consistia sirnplesmente na tentativa de aferrar 0 exercicio do poder politico 
ao racionalismo que vicejava a epoca, determinando importantissimas conse­
qiiencias no plano constitucional, dentre as quais a tripartigao das fungoes do 
Estado e a consolidagao dos direitos individuais. 
Guetzevitch entende que racionalizagao do poder e, genericamente, a ten­
tativa de subnleter ao direito todo 0 conjunto da vida coletiva.8 
6	 Cf. Les Nouvelles Thndances du Droit Constitutionnel. pp. 86-87. Sao os seguintes os dispositivos, 
segundo 0 autor, que denotavam preocupac;:ao com os direitos sociais: art. 82 ("0 direito de pw­
priedade e limitado como os outros peta obrigayao de respeitar os direitos de outrem"); art. 11 
("a sociedade e obrigada a prover a subsistencia de todos os seus membros, seja lhes disponi· 
bilizando trabalbo, seja assegurando os meios de vida aqueles que estao impossiblitados de tra­
balhar"); art. 12 ("os socorros necessarios a indigencia constituem divida do rico para com 0 
pobre; cabe a lei determinar como estas dlvida deve ser saldada"); art. 13 ("os cidadaos cuja 
renda nao exceder 0 necessario para sua subsistE!ncia sao dispensados de contribulr para as 
despesas publicas. as demais devem suporta-las progressivamente, segundo a extensao de sua 
fortuna") e art. 14 ("a sociedade deve favorecer com todo seu poder os progressos da razao publi ­
ca e par a instrw;:ao ao alcance de todos os cidadaos"). 
7 Idem, pp 87-88. 
8 Idem, p. 8. Sao as palavras do constitucionalista europeu: "On assiste auprocessus de la ratio­
nalisation dll pOllvoir a1a tendance de soumettre au droit tout l'ensemble de 1a Vle collective". 
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Em rigor, a referencia ao tema da triparti~ao das fungoes estatais deve cor­
responder a identica remissao as ideias de Montesquieu, cuja arcaboUl~o teorica 
sedimentou a contengao do poder pelo proprio poder. muito embora tal pensa­
mento igualmente possa ser encontrado na Grecia, com Ari5t6teles, quando divi­
diu tambsffi em tn?s as fungoes do Estado: deliberag8.o sabre assuntos de inte­
resse geral, organizagao de cargos e magistraturas e atos jUdiciais. 0 grande 
merito, todavia, da teoria de Montesquieu foi esclarecer que a divisao funcional 
seguir-se-ia a divisao organica, i5tO 8. eada fungao especifica do Estado para ser 
desempenhada por 6rgao distinto. 
A par disso, a racionalizag8.o do poder induzia a incorporagao dos direitos 
individuais cM.ssicos as constituigoes modernas, fato determinante de sua inclu­
sao no art. 16 da Declaragao Francesa de 1791: "Thute societe dans laquelle la 
garantie des droits n'est pas assuree, ni la separation des pouvoirs determinee, n'a 
point de constitution. 11 
4.4. A Derrocada do Constitucionalismo Classico e 0 
Surgimento do Constitucionalismo Social 
Amparado no pressuposto de que nao haveria razao para intervir nos nego­
cios individuais, 0 Estado liberal prosseguia forte na linha do absenteismo urdi­
do a partir e com fundamento no laisser faire laisser passer que Ie monde va de lui 
meme. 
E, diante de tal opgao ideologica, nao havia mesmo espago para a tentativa 
de reduzir as desigualdades sempre alimentadas pelo liberalismo economico. 
Para Adam Smith, constituia verdadeiro desproposito a intervengao do Es­
tado no dominio economico, porquanto a "mao invisivel" (invisible hand) se 
encarregaria de efetivar 0 natural equilibrio do sistema. Dizia ainda que 0 indivi­
duo, mesmo que procurasse 0 melhor proveito para 0 investimento do seu capi­
tal - iniciativa, de ordinario, segundo ele, presa a sentimentos individualistas e 
ego(sticos -, de modo natural 0 empreendimento findaria por satisfazer 0 interes­
se da coletividade.9 
As premissas forjadas nos dominios da doutrina economica liberal nao se 
justificaram no plano da vida em sociedade, tanto que a consagragao da isono­
mia de compostura formal, aliada ao absenteismo que cingiu a fronte do Estado, 
trouxe como consequencia, irreprimivel, a eclosao de inumeros movimentos 
sociais, destacando-se as Revolug6es Mexicana de 1910 e a Russa de 1917, que 
contribuiram decisivamente para 0 aparecimento do fen6meno denominado de 
constitucionalismo social, com a nota peculiar da modificagao da postura do 
Estado em face dos individuos, ja, agora, amparado no principio da nao-neutra­
lidade, e destinado a intervir no dominio economico em ordem a consecugao de 
sociedade menos desiguaL 
9 Cf. A Riqueza das Nac;6es, p. 48. 
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Observa-se, contudo, que a resposta das camadas populares a acentuada 
explora~ao do trabalho humano nao foi imediata. Jose Augusto Rodrigues Pinto 
explica: "Ainda que se compreenda nao ter havido resposta social imediata a 
esse fato, e certo que ja nO meio do mesmo sEkulo (0 autor se refere ao seculo 
XVIII) 0 panorama das rela~oes entre openlrios e patroes mudara visivelmente, 
revelando-se a mudan~a, sobretudo, no clima de insatisfa~ao de perfil coletivo 
marcante, reprimida pela natural resist€mcia do capitalismo voltado para 0 lucro 
como meta exclusiva de sua atividade. A despeito da fermenta~ao crescente e 
dos primeiros sinais de violencia nos choques dos interesses antagonizados, a 
estrutura do Poder se conservou a margem dos acontecimentos, au por DaO lhe 
compreender a exata profundidade, ou por sonhar com a solu~ao do conflito nos 
limites internos das classes nele comprometidas de modo cada vez mais irrever­
sivel e abrangente".10 
Frise-se que os principios de justi~a social, consolidados a partir do 
Manifesto Comunista de 1848, de Marx e Engels, nao foram apenas responsaveis 
pela surgimento dos modelos economicos socialistas; pelo contrario, ate nas eco­
nomias assentadas sobre 0 regime de livre mercado 58 tornou impositiva a incor­
pora9ao dos direitos sociais nas constitui90es contemporaneas. E que passou a 
reinar predominantemente a ideia segundo a qual deveria 0 Estado buscar a legi­
tima9ao garantindo os direitos sociais, nem que fosse para remete-Ios ao plano 
de promessa a ser descumprida apas. 
Mas persiste a relevancia dos direitos sociais, razao por que, doravante, tra­
taremos do tema com a indica~ao do conceito, classifica9ao e fundamentos, 
importancia, evolu93o e constitucionalismo social no Brasil. 
4.5. Fundamentos do Constitucionalismo Social 
Para compreendermos os fundamentos do constitucionalismo social, deve­
mos, antes de mais nada, ter em mente ser a constitui~ao nao apenas a norma 
que se posiciona no ponto mais elevado do sistema juridico de urn pais, mas a 
intera~ao de fatores de ordem social, politica e economica. A constitui9ao e 0 
resultado do dialetico processo de enformagao do Estado. 
o constitucionalismo social, como parte integrante da grande maioria das 
constitui90es contemporaneas, nao poderia, em absoluto, se postar infenso a tal 
constata~ao. 
Georges Ripert salienta incisivamente que "la democratie moderne assure la 
protection des faibles avec d'autant plus de complaisance que les {aibles sont en 
foit Ie plus nombreux" - com 0 que acentua a natureza protetiva e tutelar do 
Estado na democracia moderna ao assegurar a prote~ao aos mais fracas e nume­
rosos. l1 
10 Cf. Curso de Direito Individual do T'rabalho, p. 29.
 
11 Cf. Le Regime Democratique et Ie Droit Civil Modeme. p. 121.
 
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Numa perspectiva historica, analisando-se as diversos sistemas econ6micos 
desencadeadores do desenvolvimento da civilizac;ao traduziveis no feudalismo, 
no mercantilismo e no capitalismo, nos sentimos inteiramente Ii vontade para 
afirmar que, dentre todos, 0 que mais mUdangas provocou (nao apenas de oIdem 
estrutural da sociedade, mas sobretudo de "temperamento" ideologico) foi 0 sis­
tema capitalista de produgao, lapidado pela Revolue;:ao Tecnica,12 notadamente 
se atinarmos para 0 fato de que se naa tratava mais de assentar 0 sistema de 
dominac;ao na vassalagem e suserania (feudalismo) ou no comercio de rnercado­
rias para acumulagao de reserva em auro (mercantilismo), mas sim na mais-valia, 
exploragao do trabalho pelo capital (capitalismo), cUja resposta veio a tona quase 
de imediato atraves do Socialismo, quer 0 Utopico, defendido por Saint Simon, 
Charles Fourier e Proudhon, quer 0 Cientifico, criado pelos alemaes Karl Marx e 
Friedrich Engels, restando por concluir estarem, todos, indistintamente, adequa­
dos ao conceito de modele politico de dominagao, porquanto, como bern acentua 
Max Weber, "( ... ) 0 Estado consiste em uma relagao de dominagao do homern 
sobre 0 homern, fundada no instrumento da violEmcia legitima (isto e, da violEm­
cia considerada como legitima). 0 Estado so pode existir, portanto, sob condigao 
de que os homens dominados se submetam a autoridade continuadamente rei­
vindicada pelos dominadores" .13 
o fundamento - a parte a digressao no tocante a teoria do pensamento 
politico contemporaneo - para 0 emergir do fenomeno denominado constitu­
cionalismo social, ou seja, a inscrigao dos direitos sociais em sentidoamplis­
simo nas constituig6es, esta na razao direta do recrudescimento da questao 
social, na inflorescencia de movimentos populares, mesmo porque, se a explo­
ragao desenfreada do homem pelo homem no apogeu do sistema capitalista 
confere, por assim dizer, uma n6doa negra indelevel a historia da humanida­
de, traz a baila, como lenitivo, circunstancia provocadora de mudanga de 
estrutura. 
A Revolugao Russa de 1917 ressoava como grave advertencia aqueles que, 
desavisada ou imprudentemente, insistiam na persecugao do modelo liberal. 
o receio quanto ao eclodir de movimentos identificadores da insatisfagao 
popular, conlo a revolugao sovietica, alcangou niveis tao significativos que a 
introdugao dos elementos s6cio-ideo16gicos nas constituigoes nElO portava direta 
relagao com a maior ou menor proporgao de democratisme de urn determinado 
pais. 0 surgimento de novos elementos sociais nao correspondia, tao-sornente, 
ao resultado da interferencia e participagao de setores socialistas da sociedade 
nas assernbleias constituintes, porquanto ate mesmo nas constituigoes redigidas 
com inexpressiva atuagao de tal ideologia, se evidenciava, de fato, a inser9ao dos 
direitos sociais, e, nesse passo, explicaval 0 fenomeno atraves da preocupagao 
12	 Preferimos a termo ao conhecido "Revolu~ao Industrial", pais que nao induz it significatividade 
e it. amplitude do fenomeno ocorrido na epoca. 
13	 Cf. Ciemcia e Polltica - Duas Voca90es, Sao Paulo, p. 67. 
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causada aos constituintes pela ameac;a social e pelos efeitos devastadores da 
experiencia russa. 14 
Como dito, pairava sobre as sociedades a ameac;a da conflitualidade objeti­
va,15 sendo premente a utilizac;ao das Declarac;6es de Direito de sorte a diminuir 
au tornar controlaveis os conflitos que tivessem por movel a melhoria das "con­
dic;oes materiais de exist€mcia" da classe trabalhadora, para utilizar expressao 
consagrada par Karl Marx. 
Certamente, iniciou-se a inserc;ao dos elementos s6cio-ideologicos nas 
constituic;6es em virtude das graves ocorrencias do inicio do seculo XX, mas 
podemos afirmar - sem receio quanta a cometimento de equivocos - estar 0 feno­
meno da constitucionalizac;ao dos direitos sociais arraigado as Declarac;6es 
Modernas, desenhado como imorredouro simbolo a autenticar as vicissitudes do 
passado, a reclamar a efetivac;ao das normas sociais no presente, conduzindo, 
indefectivelmente, a almejada estabilidade social para a futuro. 
Destarte, 0 fenomeno da positivac;a.o constitucional dos elementos s6cio­
ideologicos tern par causa eficiente a propria questa.o social, porquanto floresceu 
o capitalismo em regime de concentrac;ao dos meios de produc;a.o e tambem da 
insidiosa realidade do trabalho encarado como mercadoria, al8m da adversidade 
de condic;6es ern que era prestado - como retrata fielmente Emile 201a em seu 
Germinal -, lugubre quadro a que a Estado liberal nao-intervencionista burgues 
assistia impassivel.. 
A irresignac;8.o quanto a persistir tal realidade determinou nao apenas a 
criagao do Direito do Trabalho, caracterizado como "urn conjunto de regras juri­
dicas de natureza tutelar e compensatoria, visando a permitir, tanto quanta pos­
sivel, a realizac;ao do fundamento moral (... )" ,16 mas tambem a luta dos trabalha­
dores para 0 reconhecimento das normas tutelares do trabalho (higidez e salubri­
dade do meio ambiente de trabalho, salario minimo, ferias, limitac;ao da jornada 
diaria, etc.) em nivel constitucional. 
Portanto, avista do expendido, podemos sintetizar dizendo que 0 constitu­
cionalismo social tern fundamentos de natureza sociologica, politica e juridica. 
Sob 0 prisma sociologico, ressaItam-se os movimentos sociais contestadores 
da estrutura vigente, cUjo exemplo mais marcante e a Revoluc;ao Socialista 
Sovietica. 
Ao examinarmos 0 aspecto politico da introdugao das normas de dire ito 
social nas constituig6es, admitlmo-Io como resultado da decisao levada ao fim e 
ao cabo pelas forgas politicas predominantes a epoca da manifestagao consti­
tuinte. 
14 Cf. B. Mirkine-Guetzevitch. Les nouvelles tendances du droit constitutJ'onnel, pp. 39-40. 
15 E1S que Lewis, defensor da escola sociologica dos conflitos. argumenta quanto A. permanencia 
do estado conflitual em qualquer meio, meSilla naqueles onde aparentemente nao seja presen­
ciado, 0 que configura a existencia dos conflitos subjetivos. 
16 Cf. Orlando Teixeira da Costa, Direito Coletivo do Trabalho e Crise Econ6mica, p. 23 
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a fundamento juridico e conducente a constatac;ao da necessidade de se 
introduzir na norma maior do sistema as elementos sociais como forma de 
expressar mais marcantemente 0 compromisso do Estado com a questao social, 
bern assim para impedir, inviabilizar ou dificultar sobremaneira a sua retirada por 
conveni€mcia do legislador ordinaria - patente e not6rio estar mais submetido a 
interferencia de interest groups (grupos de interesse) quando da enformagao do 
processo legislativQ respeitante a criar;ao das leis hierarquicamente inferiores a 
constituigao. 
No caso, poderia ser deduzida a inutilidade da inserc;8.o dos direitos sociais 
ou elementos s6cio-ideol6gicos nas constituir;oes como 6bice a atuagao dos gru· 
pos de interesse, porqueT com efeito, ate as pr6prias normas constitucionais, 
quer resultem do legislador constituinte originario, quer despontem como produ­
to do trabalho constituinte de segundo grau ou constituinte de compet€mcia deri ­
vada, podem receber 0 influxo de tais segmentos organizados. A contestagao nao 
deixa de trazer urn aspecto relevantissimo atinente ao processo de elaboragao da 
constituigao pelo titular do poder constituinte (povo, ditador) ou de modificagao 
da lei fundamental pelo legislador derivado. Nao obstante, nao podemos esque­
cer que ha muito mais discussao e participagao da sociedade quando da feitura 
do texto fundador do Estado ou ainda na sua alteragao superveniente do que na 
eventualidade de alteragao de mera lei ordinaria ou complementar disciplinado­
ra de norma social. 
4.6. Importancia do constitucionalismo social 
o Direito do 'frabalho, dominic normativo dotado de principiologia especifi ­
ca, tern alargado sensivelmente 0 seu campo de atuagao a vista da sua crescen­
te importancia na politica e economia dos povos. 
Reflete, com efeito, 0 Direito do 'frabalho tres dimensoes traduziveis dos 
principios nucleares da constituigao de urn povo: a) a politico·juridica; b) a poli· 
tico-economica e, por tim; c) a politico-social, 0 que redunda em uma simbiose do 
Direito politico com 0 Direito laboral. Simbiose a S8 manifestar positivamente na 
constituigao ao optar 0 legislador constituinte originario pela elevagao dos prin­
cipios e institutos trabalhistas a natureza constitucional. 17 
A introdugao das normas de direito social nas constituigoes, se nao forem 
remetidas ao plano da declaratividade e da retorica, revela 0 compromisso sole­
nemente assumido entre os detentores dos meios de produgao e da forga de tra­
balho no sentido de buscarem uma sociedade menos desigual, ao mesmo tempo 
dignificadora do trabalhador e vi8.vel a atividade empresarial como expressao da 
economia de mercado e da livre iniciativa. 
17	 Cf. E. Perez Botija, apud Mariano Tissembaum, "La Constitucionalizaci6n deL Derecho del Traba~ 
jo", in Tratado de Derecho del Trabajo, dirigido por Mario Deveali, pp. 177-178. 
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o embate ideologico,18 longe de se constituir em empecilho a va]orizac;ao do 
trabalho e a livre iniciativa,e fato gerador de uma sociedade pluralista, democra¥ 
18 Ha varios sentidos da palavra ideologia. Na teoria social norte-americana contemporanea, por 
exemplo, 0 termo ideologia vem sendo utilizado para designar opirri6es politicas conscientemen­
te formutadas (cf. Anthony de Crespigny e Jeremy Cronin, Ideologias Politicas, p. 9). Afirmam as 
autores mencionados que a palavra ideologia quando inauguralmente concebida portava cono­
ta~ao bern distinta da que hoje se formula. Ei'ora empregado a termo a epoca da Revolugao 
Francesa, pela vez primeira, par Destutt De Tracy, que a associou a busca de urn metoda, sendo 
que ideologie foi a nome dado par De 'Itacy ao metodo especffico que propunha como universal­
mente aplicavel. "A ideo]ogie, au ciencia das ideias, proporcionaria a verdadeira fundamento 
para todas as demais cillncias" (ob. cit., p. 6). Crespigny e Cronin aludem ainda ao sentido mais 
generico e popular da palavra ideoLogia, apontada como sistemas de crengas de grupos sociais, 
e, com efeito, tal concepgao foi disseminada a partir das obras de Karl Marx, muito embora nao 
tenha sido a mosofo alemao a primeira a reconhecer que os grupos sociais carregam conslgo uma 
particular compreensao da realidade, distinta dos demais (idem, ibidem). Esclarega-se que, ao 
nos referirrnos a embate ideologico, como flzemos no texto, associamos indicativamente a con­
cep~ao de Ideologia a de sistemas de cren~as de grupos sociais. 
Niio obstante, nao se esgotam nesse plano as incontaveis significa~6es da palavra ideologia. 
Karl Mannheim (cf. Ideologia y Utopia, p. 49) reconhece dois sentidos distintos e separados do 
termo ideologia, sendo urn particular e outra total. Ideologia, tomada em sua acepgao particular, 
segundo Mannheim, se revela atraves da desconfianga e do cepticismo do indivjduo com rela~ao 
as ideias do seu adversaIio, e, por Dutra giro, assumida ern seu sentido total, e sinonimo de con­
junto de ideias de uma epoca au de urn grupo historico-social concreto, "( ... ) par exemplo, de 
uma ciasse, quando estudarnos as caracteristicas e a composi~ao da total estrutura do espirito 
de nossa epoca au deste grupo" (idem, ibidem). 
Tercio Sampaio Ferraz Jr. (d. Teoria da Norma Juddica, pp. 155-157) clarifica que "ideologia e 
terrno equivoco, significando, ora falsa consciencia, ora tomada de posi~ao (filosofica, politica, 
pessoal, etc.), ora instrumento de analise critica (teoria da ideologia), ora instrumento de justifi­
cagao (pregrama de a~ao). Em nossa concepgao, funcionalizamos a conceito. Admitimo-lo como 
conceito axiologico, isto e, a lingl.lagem ideologica e tambem vaLorativa. So que, enquanto as 
valores em geral constituem prisrna, criteria de avaliagao de ag6es, a valoragao ideologica tern 
par ob]etivo imediato as pr6prios valores. Alem dis so, com qualidade pragmatica diferente. 
Enquanto as valares sao express6es dialogicas, reflexivas e instaveis, a valoragao ideologica e 
rigida e lirnitada. Ela atua no sentido de que a fun~ao seletiva do valor no contrale da a~ao se 
torna 'consciente'. Isto e, a valoragao ideologica e uma metacomunica~aoque estima as estima­
tivas, valora as proprias valora<;oes, seleciona as selegoes ao 'dizer' ao endere<;ado como este 
deve ve-tas". 
"A ideotogia, isto e, a avalia<;ao ideol6gica, atraves da qual podemos identificar a quaJidade 
imperatividade do sistema normative, sendo meta-comunicativa, constitui, portanto, per assim 
dizer, uma pauta de segundo grau, pressupondo a existencia das pr6prias normas. Ela calibra a 
sistema normativo na medida em que s6 par eta e possivel determinar, numa situa<;ao dada, que 
tipo de efetividade deve possuir ele, como urn todo, para que suas narmas constituam cadeias 
validas e, em consequencla, que tipo de autoridade deve seI assumida como legitima. Assim, 
par exemplo, maximas do tipo "ninguem deve perrnitir-se obter preveito de sua propria fraude 
ou brar vantagens de sua pr6pria transgressao" sao iospiradas em considera<;bes que tern sel.l 
fundamento em avalia<;ao ideol6gica, como as que afirmam a primado universal da ordem, da 
justi~a, enquanto valor social. podendo decidir, em conseqiiencia, sabre a validade e efetividade 
de testarneotos, contratos e outras atos juridicos, confirmando-lhes, alterando-lhes e suprimio­
do-Ihes a for<;a obrigatoria. Elas nao sao dirigidas diIetamente aos relatos das normas, mas aos 
seus cometimentos, tocando, par isso, imediatamente na rela<;ao entre editor e sujeito como 
meta complemental." 
It Tercio Sampaio Ferraz Jr., ainda, quem esclarece a respeito da possibilidade de distinguir-se 
eotre urn enunciado sobre a ideologia e urn enunciado ideol6gico, ao afirmar que "( .. ,) a distin<;ao 
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Curso de Direlto Constitucional 
tica, cuja apanagio rnais genuino e na multiplicidade das ideias alcan~ar a unici­
dade na solu~ao dos problemas nacionais. 
o constitucionalismo social esta fundamentalmente vinculado ao principia 
da nao-neutralidade. isto e, comprometimento da filosofia constitucional com os 
desfavorecidos, como soi oeorrer nas constitui~6es - como a nossa - que organi­
zam, de forma taxativa, as direitos sociais. 
a carater compromissorio e peculiar do estatuta fundador do Estado (se naD 
como obter-se a convergencia no uno dentro da multiplicidade ideo16gica?) e det 
maneira mais acentuada, presenciamos 0 acordo dos denominados "parceiros 
reais" nag normas constitucionais de direito social. 
Como aludimos anteriormente, habita 0 fundamento juridico do constitucio­
nalismo social na necessidade imperiosa de fazer residir na lei fundamental os 
direitos sociais, cujo escopo imediato e, sem duvida alguma. notabilizar tais nor­
mas, impedindo, por conseguinte, a sua altera~ao ou revoga~ao ao alvedrio do 
legislador infraconstitucional, e, por outro lado, 0 objetivo mediato e tragar as 
diretrizes de atua~ao legislativa e administrativa em absoluta consonancia com 
o programa escolhido pelo constituinte originario. 
A importElllcia pratica da coloca~ao de normas de natureza social na consti ­
tuigao deriva do fato de produzirem contigua altera~ao no sistema normativo-tra­
balhista, de sinalizarem quanto a urn possivel "estado de inconstitucionalidade" 
do legislador - na hipotese de omissao legislativa inconstitucional- ou, ainda, ao 
vincularem a atua~ao de acordo com 0 programa constituinte. 
e possivel e tern ao menes urn valor operacional. Assim, em tese, urn enunciado sobre a ideblo·
 
gia, nao importa seja ele mesmo ideo16gico, tern uma ideologia como seu objeto. Ja urn enuncia­
do ideologico nao fala de uma tdeologia, mas tern uma carga ideologica: emite, ideologicamen­
te, urn valor, au seja, urn simbolo de prefere!ncia para a90es indeterminadameute permanentes,
 
uma formula integradora e sintetica para a representa9ao do consenso social. Muito embora,
 
como reconhecemos, na pratica, essa distinr;ao seja imprecisa, poderiamos resumHa dizendo
 
que, numa alusao a Hart (1961:99), urn enunciado sabre a ideologia manifesta urn ponto de vista
 
exteruo, enquanto urn enunciado ideo!ogico manifesta urn ponto de vista interne. 0 primeiro e
 
aquele que e emittdo par urn observador que, em tese, nao tern urn compromisso com a ideolo­
gia que menciona, ao passo que a segundo e emitido par urn observador que se compromete"
 
(cf. Constitui9.3.0 de 1988: Legitimidade. Vige!ncia e Eficacia. Supremacia, p. 17).
 
Questae de relevo a qual nao devemos tangenciar diz respeito a considera9ao de a ciencia do
 
direito comportar au nao a ideologia.
 
Para Hans Kelsen, a ci€!ncia do direito e ideologica enquanto em oposi9.3.0 ao mundo do ser au da
 
natureza, sob a prisma 16gico transcendental, tendo em vista a sua afirmativa de que "somente
 
quando se entenda 'ideoLogia' como oposir;ao areahdade dos fatos da ordem do ser, isto 12, quan­
do par ideologia se entenda tudo que nao seja realidade determinada por leicausal au uma des­
crir;ao desta realidade, eque a Direito, como norma - LstO e, como sentido de atos da ordem do
 
ser causa!mente determinados mas diferente destes atos -, e uma ideologia" (ct. Teoria Pura do
 
Direito, pp. 116-117).
 
Cantudo, e tambem antiideol6gica, quando se nao refenr a valores e, nessa Iinha, conclui Kelsen:
 
"( ... ) a ciencia tern, como conhecimento, a inten9.3.0 imanente de desvendar a seu objeto. A 'ideo­
logia', porem, encobre a realidade enquanto, com a intenr;ao de a conservar. de a defender, a obs­
curece au, cam a intenr;ao de a atacar, de a destruir e de a substituir par uma outra, a desfigu­
ra" (ob. cit., PP. 118-119).
 
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4.7. Evolugao 
Nao sao encontradas, senao muito raramente, disposig6es a respeito de nor­
mas protetivas do trabalhador nas constituig6es do seculo XIX e nas anteriores 
aos grandes movimentos populares no inicio do sEkulo XX. 
Iniludivelmente, a constitucionalizagao dos direitos sociais e nada mais 
nada menos que a pronta resposta dada pelos mantenedores da estrutura e da 
filosofia liberais a vista da possibilidade de modificagao abrupta do sistema 
vigente e de ruptura institucional. 19 
Impende, nessa linha de compreensao, examinar 0 constitucionalismo social 
dentro de uma perspectiva hist6rico~evolutivo-constitucional,a fim de presen­
ciarmos as circunstancias autorizativas - ou determinantes - da incorparagao 
dos direitos sociais pelas constituic;:6es. 
4.7.1. As Constituic;:6es Liberais dos Seculos XVIII e XIX 
Floriano Correa Vaz da Silva acentua que "sena uma esquematizac;:ao sim­
phsta a afirmac;:ao de que as constituic;:6es do SE3cUlo XIX foram todas puramente 
liberais e as constituic;:6es do seculo XX foram todas marcadamente sociais. Em 
quaisquer constituic;:6es, nas mais diversas epocas, podem ser encontrados e 
pesquisados dispositivos concernentes a ordem social e economica, clausulas 
que expllcita ou implicitamente definem 0 regime economico-social pretendido 
pelos constituintes. A pr6pria ausencia de cUmsulas sociais numa constituigao 
traduz a opc;:ao por determinado sistema, E esta aus€mcia, e claro, nao impede 
uma lenta construc;:ao jurisprudencial, nem emendas constitucionais, nem legis­
lac;:ao ordinaria - que irao, pouco a pouca, delinear dentro do sistema constitucio­
nal, uma serie de direitos sociais e trabalhistas, que passam a integrar 0 arcabou­
go economico-social do Pais".20 
E sintomatica observar, ate mesmo em sede de legislac;:ao infraconstitucio­
nal, a intenc;:ao quanto ao preservar do ideallibero-individualista burgues, como 
ocorrera com 0 C6digo de Napoleao do seculo XIX, a garantir de forma absoluta 
o direito de propriedade como corolario 16gico do principio da nao-intervenc;:ao do 
Estado nos assuntos de ordem individual, 
Predominantemente, as Constituic;:6es do seculo XVIII, como a norte-ameri~ 
cana (1787) e a francesa de 1791. consagram 0 liberal-individualismo e nao dedi­
cam qualquer atenc;:ao aos direitos sociais, que somente viriam a integrar as 
Declarac;:6es de Direito posteriores a primeira decada do secul0 XX. 
19 Na forma do que anunciamas anteriarmente, com suporte na lio:;:aa de Mirkine-Guetzevitch, naa 
hil. relao:;:aa direta au necessaria entre a insero:;:ao das normas de direito social nas canstituio:;:6es 
modernas e a interferimcia de segmentos "progressistas" da socledade. 
20 Ct. Direito Constitucional do Trabalha, p, 35, 
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No entanto, no seculo XIX jil. notamos a convergencia, conquanto ainda 
tenue, no sentido de se dedicar 0 minima em termes de protec;ao aD trabalho, ou 
simplesmente adetar como principia constitucional tal modelo protetivo. 
Dentro do continente europeu devem ser destacadas a Constituic;ao france­
sa de 1848 e a Constituic;BO SUic;8 de 1874. 
Com efeito, na Revolugao Francesa (1789), a "droit au travail" au "direito ao 
trabalho" era comumente ouvido nas manifestac;:6es populares que desencadea­
ram urn dos mais importantes acontecimentos politicos do milenio, sendo assun~ 
to ensejactor de grande polemica e controversia na Assembleia Constituinte de 
1848, restando par ser inscrito na Constituigiio frances a de 1848, ao lado de 
alguns direitos sociais, 0 que, de igual modo. oeonera corn a Constituig:ao sUlga 
de 1874, ao conduir: ''A Confederac;:ao tern 0 direito de estabelecer regras unifor­
mes sobre 0 trabalho das criangas nas fa-bricas, a duragao de trabalho imposta 
aos adultos e a protegao a dar aos operarios no exerdcio de trabalhos insalubres 
e perigosos" .21 
Pierre Lavigne, invocando 0 pioneirismo da Constituic;ao francesa no tocan­
te a inserg:ao dos direitos sociais, assevera que "sao pela primeira vez definidos 
num texto solene e ampliados ao mesmo tempo que precisados: a feita sua liga­
gao com os textos politicos" ,22 
Poram, as substanciais e radicais rnetamorfoses somente viriam no saculo 
XX, mais precisamente no primeiro quartel, com a eclosao da I Guerra Mundial 
(1914), da Revolugao Mexicana (1910) e da Revolugao Socialista Sovietica (1917). 
4.7.2. As Constituic;6es do SEkula XX 
A idealizag8.o do direito como instrumento de conformagao social a recente 
dentro da teoria constitucional. 
A luz dos fatos hist6ricos marcantes ocorridos no inicio do saculo XX, as 
constituig6es foram gradativamente introduzindo principios de democracia 
social e economica, ensejando, nesse momento, de forma mais detida, a analise 
dos textos politicos mais importantes, aqueles causadores de maior impacto 
ideol6gico dentro da estrutura de poder vigente. 
4.7.2.1. A Constituigao do Mexico de 1917 
A Carta mexicana e a primeira constituig8.o politico-social do mundo, no 
dizer de Trueba-Urbina,23 que traz no seu bojo como expresseo maxima da supra­
constitucionalidade autogenerativa (complexo de fatores valorativos, sociol6gi­
21 Cf. Floriano Correa Vaz da Silva, "Constitucionalismo Social", in Curso de Direito Constitucional 
do 'Irabalho, pp. 39-40. 
22 Apud Floriano Correa Vaz da Silva, "Constitucionalismo", cit., p. 40. 
23 CI. Alberto Tcueba-Urbina, Derecho Social Mexicano, p. 226. 
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cos, antropol6gicos e culturais a dlrecionar a manifestac;ao constituinte origina­
ria)24 a divida social e 0 compromisso quanto ao seu resgate. 
Daniel Moreno observa que "poucas vezes 0 pensamento juridico foi deve­
dor de fornla tao determinante da realidade social e das ideias postas em jogo, 
como no caso da mencionada Assembleia" - e, finalizando, salienta a respeito de 
despontar como causa fundamental a postura constituinte a deploravel situac;ao 
dos camponeses e operarios, que eram duramente explorados.25 
Ao reconhecer 0 pioneirismo da Constituigao mexicana, assevera Loewenstein 
que, "como postulados expressamente formulados, los derechos fundamentales 
socioeconomicos no son abso1utamente nuevos: algunos de e11os, como el derecho 
al trabajo, fueran recogidos en 1a Constitucion francesa de 1793 y 1848. Pero es s610 
en nuestro siglo, tras la primeira .v. en mayor grAdo todAvia, tras 1a segunda guor­
ra mundial, cuando se han convertido en e1 equipaje estandar del constitucionalis­
mo. F'ueron proclamados por primera vez, en la Constitucion mexicana de 1917, 
que con un alto saIto se Ahorro todo e1 camino para reil1izarlos: todas las riquezas 
naturales fueron nacionalizadas y e1 Estado asumio completamente, por 10 menos 
en e1 pape1, 1a responsabilidad social para garantizar una digna existencia a cada 
uno de sus dudadanos".2 6 
A constatac;ao de Loewenstein e valida para atestar 0 comprometinlento do 
constituinte mexicano com 0 programa social do Estado, fato absolutamente nor­
mnl e esperado em virtude das deternlinantes sociais a, de modo impositivo,

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