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55
Jornal Brasileiro
de Psiquiatria
ISSN 0047-2085
CODEN JBPSAX
Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB
volume 52 • set/out-2003
Publicação bimestral
Alcebíades Gomes
Festa Junina, detalhe
Brazilian Journal
of Psychiatry
Jornal Brasileiro de Psiquiatria • vol. 52 - nº 5 • Setem
bro - O
utubro 2003
Jornal Brasileiro
de Psiquiatria
CORPO EDITORIAL
Naomar de A lmeida Filho
M árcio A maral
Thomas A . Ban
O thon Bastos
J. M . Bertolo te
Neury José Botega
M arco A ntônio A lves Brasil
M ax Luiz de Carvalho
Roosevelt M .S. Cassorla
Juarez O liveira Castro
Arist ides Cordioli
Jurandir Freire Costa
Paulo Dalgalarrondo
Carlos Edson Duarte
Luiz Fernando Dias Duarte
Wiiliam Dunningham
Claudio Laks Eizerick
Helio Elkis
Eliasz Engelhard t
Rodolfo Fahrer
M arcos Pacheco de Toledo Ferraz
Ivan Luis de Vasconcellos Figueira
Josimar M ata de Farias França
Ricardo Gat tass
Wagner F. Gat taz
Valentim Gentil Filho
Clarice Gorenstein
M auro Gus
Luiz A lberto Hetem
Miguel Roberto Jorge
Flávio Kapczinski
Julio Licinio
Carlos A ugusto de M endonça Lima
M aurício Silva de Lima
Pedro A . Schimidt do Prado Lima
A na Carolina Lobianco
M ário Rodrigues Louzã Neto
Theodor S. Lo w enkron
Nelson M aculan
Jair de Jesus M ari
Paulo M at tos
Celine M ercier
Eurípedes Constan tino Miguel Filho
Talvane M . M orais
A ntônio Egídio Nardi
Irismar Reis de O liveira
M arcos Pala tinik
A ntônio Pacheco Palha
Roberto Ayrton Piedade
João Ismael Pinheiro
A na M aria Fernandes Pi t ta
José A lberto Del Porto
Branca Telles Ribeiro
Fábio Lopes Rocha
Jane de Araújo Russo
Luiz Salvador de Miranda Sá Jr.
Benedet to Saraceno
It iro Shiraka w a
Jorge A lberto Costa e Silva
João Ferreira da Silva Filho
Fábio Gomes de M atos e Souza
Ricardo de O liveira Souza
Yves Thoret
Gilberto A . Velho
Walter Zin
A ntonio W . Zuardi
Pede-se permuta
Se solici t a el canje
Exchange requested
M an bit te t um A ustausch
O n prie l’échange
Si prega lo scambio
ISSN 0047-2085
CODEN JBPSAX
volume 52 • set / out 2003
J.bras.psiquiatr. 52 (5): 329-396, 2003
Publicação bimestral
UNIVERSIDADE FEDERAL
DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PESQUISA
Av. Venceslau Brás, 71 Fundos
22290-140 Rio de Janeiro RJ Brasil
Tel: (5521) 2295-2549
Fax: (5521) 2543-3101
w w w.ufrj.br/ipub
e-mail: editora@ipub .ufrj.br
DIRETOR
M árcio Versiani
mversiani@ipub .ufrj.br
JORNAL BRASILEIRO DE
PSIQUIATRIA
jpb@ipub .ufrj.br
EDITOR
João Romildo Bueno
romildo@ipub .ufrj.br
EDITOR CONVIDADO
DESTA EDIÇÃO
E. A . Carlini
EDITORA ASSISTENTE
Gláucia A zambuja de A guiar
editora@ipub .ufrj.br
EDITORES ASSOCIADOS
E. Portella Nunes Filho
portella@ipub .ufrj.br
João Ferreira da Silva Filho
jferreira@ccsdecania .ufrj.br
EDITOR EXECUTIVO
Ne w ton M arins
editora@diagraphic.com .br
CIP-BRASIL-CATALO G AÇÃ O N A FO NTE
SINDICATO N ACIO N AL D OS EDITORES DE LIVROS, RJ
071
Jornal brasileiro de psiquia tria / Inst itu to de
Psiquia tria da Universidade Federal do Rio de Janeiro . —
V.1, nº 1 ( ). — Rio de Janeiro: ECN-Ed . Científ ica Nacional, 2000
v.50
M ensal
Editado pela Diagraphic a par tir do V.49 (10-12), 2000
Descrição baseada em: V.47, nº12 (1998)
ISSN 0047-2085
1. Psiquia tria - Periódicos brasileiros. I.
Universidade Federal do Rio de Janeiro . Inst itu to de Psiquia tria
98-1981. CDD 616.89
 CDU 616.89
Programação Visual e Produção Gráfica
Diagraphic Editora
Av. Paulo de Frontin 707 – Rio Comprido
CEP 20261-241 – Rio de Janeiro-RJ
Telefax: (21) 2502.7405
e-mail: editora@diagraphic.com.br
w w w.diagraphic.com.br
Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB
333
E. A. Carlin i
Redução de danos: uma visão internacional
João Carlos D ias; Sandra Scivo letto; C láud io Jerôn imo da Silva; Ronaldo Ramos Laran jeira; Marcos Zaleski; Analice G ig liott i;
Iran i Arg imon; Ana Cecília P. Roselli Marques
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira
para Estudos do Álcool e Outras Drogas
Carla Silveira; Den ise Doneda; Den ise Gando lfi; Maria Crist ina Hoffmann; Pau lo Macedo; Pedro Gabriel Delgado; Reg ina Benevides;
Sueli Moreira
Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas
Marcelo Santos Cruz; Ana Crist ina Sáad; Salette Maria Barros Ferreira
Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos
na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas
E. A. Carlin i
Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos
Edward MacRae; Mon ica Gorgu lho
Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de
Redução de Danos
André Malberg ier; Arthur Guerra de Andrade; Sandra Scivo letto
Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo
Beatriz Carlin i-Marlatt; Dagoberto Hungria Requ ião; Andrea Caro line Stachon
Redução de danos: uma abordagem de saúde pública
Marcelo Araú jo Campos; Dom iciano J. Ribeiro Siqueira
Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação
Brasileira de Redutores de Danos
335-339
341-348
349-354
355-362
363-370
371-374
375-380
Sumário
381-386
387-393
E rE rE rE rE rra t a :ra t a :ra t a :ra t a :ra t a : N o artigo Transtornos Mentais e Trabalho em Turnos Alternados em O perários de M ineração de Ferro em Itab ira (M G), pub licado no JBP 2003;
52(4): 283-89 , uma correção precisa ser feita no Resumo: na p . 283 , terceira linha, onde se lê n = 80 , o correto é n = 580 .
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
KNAW – Library of The Royal Netherlands Academy of Arts
 and Sciences
LILACS – Index Med icus Latino-Americano
N ISC Pennsylvan ia, Inc.
Periód ica – CICH-UNAM
Psychoinfo – American Psycholog ical Association
Ulrich’s International Period icals D irectory
UM I – Un iversity M icrofilms International
Academ ia de C iências da Rússia Biolog ical Abstracts
BLDSC – British Library Document Supp ly Center
CAS – Chem ical Abstracts Service of American Chem ical Society
 Chem ical Abstracts
Embase/Excerpta Med ica
EM D O CS – Embase Document Delivery Service
IBICT – Sumários Correntes Brasileiros
IN IST – Institute de L’information Scientifique et Techn ique
Fontes de referência e indexação:
Apresentação
Atualmente os problemas relacionados ao uso de drogas lícitas ou ilícitas no Brasil somam-se de forma crescente a uma ampla
gama de questões sociais que exigem respostas precisas e efetivas. O debate sobre as formas de abordagem do uso abusivo de
drogas é marcada pela discussão de pontos de vista aparentemente inconciliáveis, gerando dificuldades para o estabelecimento de
consenso. Entre as questões discutidas mundialmente está a decisão de adotar ou não estratégias de prevenção e assistência
orientadas pela lógica de redução de danos. Esta ótica, em uso pelo menos desde o início do século 20, teve impulso na última
década como resposta, em grande parte, ao crescimento da ameaça representada pela epidem ia da Aids. Redução de danos
constitui um conjunto de medidas preconizadas com o intuito de dim inuir os prejuízos relacionados ao consumo de álcool e de
outras drogas, medidas essas que são adotadas sem que haja a exigência de os indivíduos implicados interromperem imediatamente
o uso de drogas.
A ausência de consenso ocorre porque se questiona se a utilização de estratégias de redução de danos, tanto em termos
individuais quanto no plano coletivo, poderia agir como facilitação ou autorização para o consumo de drogas, sem levar em
consideração os seus riscos e prejuízos.Também há aqueles que alegam ser a adoção dessa estratégia uma capitulação inaceitável na
luta contra as drogas. Aqueles que defendem as estratégias de redução de danos, além de não concordarem com esses argumentos,
ressaltam a dim inuição dos prejuízos individuais pelo emprego de uma estratégia por eles considerada mais realista. Para dirim ir este
embate de posições há questões que ainda precisam ser respondidas, como: “A utilização de estratégias de redução de danos
efetivamente dim inui os prejuízos?” e “A sua adoção pode, por outro lado, aumentar o consumo de álcool e de outras drogas?” .
Várias outras questões são atualmente foco de debate e esforços no sentido de estender e aperfeiçoar os recursos de prevenção e
assistência aos problemas relacionados ao uso de drogas, como a necessidade de ampliação da rede de atenção, a relação com a
m ídia e a justiça e muitas outras. A definição sobre a utilização das estratégias de redução de danos é, no entanto, inadiável, uma vez
que essa postura pode permear, como princípio, as ações em todas as demais áreas.
O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo
(Cebrid/FM/Unifesp), sob a coordenação do professor Elisaldo Carlini, confirmando sua excelência como centro de pesquisa nessa
área, realizou, no dia 8 de agosto de 2003, a apresentação dos pareceres de centros universitários, associações com vasta experiência
neste campo e representantes do M inistério da Saúde e da Secretaria Nacional Antidrogas sobre a adequação da adoção de
estratég ias
de redução de danos e tratamentos de substituição no Brasil. Este número do Jornal Brasileiro de Psiquiatria reúne os pareceres
apresentados como uma valiosa contribuição, uma vez que constituem , no seu conjunto, extensa revisão das evidências encontradas
na literatura, além de relevante experiência com práticas de redução de danos.
Marcelo Santos Cruz
Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas do
Instituto de Psiquiatria da Un iversidade Federal do Rio de Janeiro (Projad/Ipub/UFRJ)
335
Membro titular eleito do International Narcotics Control Board (INCB), período 2002-2006.
Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Redução de danos:
uma visão internacional
Harm reduction: an international view
E. A. Carlini
R e s u m o
A técn ica de redução de danos não é mencionada nas Convenções Internacionais da O NU (1961, 1971 e 1988). Portanto, de
acordo com o International Narcotics Control Board (IN CB), órgão que é considerado o guard ião das convenções, esta modali-
dade de atuação não pode ser classificada como contrária às convenções. Este órgão internacional reconhece mesmo a impor-
tância da redução de danos como uma estratég ia de prevenção terciária. Esta op in ião é partilhada por muitos órgãos internaci-
onais e nacionais. Todavia, o IN CB também alerta que a redução de danos não deveria ser utilizada apenas como uma “espécie
de cunha” para facilitar a pregação de alguns que são favoráveis à legalização das drogas.
Unitermos
redução de danos; Convenções da ONU; INCB (JIFE); prevenção terciária; descriminalização; legalização
S u m m a r y
Harm reduction is not mentioned in the three United Nations Conventions: Single Convention on Narcotic Drugs, 1961; Convention on
Psychotropic Substances, 1971; and Convention Aga inst Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances, 1971. As a consequence,
according to the Internationa l Narcotics Control Board (INCB), a board considered as the guardian of these conventions, this form of
prevention can not be classified as contrary to the conventions. Actua lly, the INCB recognizes the importance of harm reduction as a form of
tertiary prevention. This opinion is supported by many other internationa l and nationa l bodies. However, the INCB a lso makes clear that
harm reduction should not be utilized to help to promote movements a imed at lega lization of drugs.
Uniterms
harm reduction; UN Conventions; INCB (JIFE); tertiary prevention; drug discriminalization; drug legalization
Introdução e definições
Em fevere iro de 2002 , ass i m dec larava o
International Narcotics Control Board (IN CB) das
Nações Un idas:
“As Convenções Internacionais (1961, 1971,
1988) não mencionam a redução de danos (...);
portanto, esta modalidade não pode ser classifi-
cada como contrária às Convenções.”
E em abril de 2003 , o presidente do IN CB,
prof. Ph ilip Emafo, assim se pronunciou na reu-
n ião da Com issão de Drogas Narcóticas (C N D –
Comm ission of Narcotic Drugs):
“ O IN CB reconhece a importância da redu-
ção de danos em uma estratég ia de prevenção
terciária (. . .)”
A fim de melhor entender o que foi d ito aci-
ma, é oportuno defin ir o que são os órgãos ou
estruturas mencionadas.
O IN CB, constituído de 13 membros eleitos
pelo Conselho Econôm ico e Social das Nações
Un idas, é um órgão independente, mas mantido
pelas Nações Un idas, que tem como função ser o
guard ião das convenções, isto é, verificar se a co-
mun idade mund ial obedece aos d itames das con-
venções. Foi criado em 1961 pela Convenção Ún i-
J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 335-339, 2003
336 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
ca de Entorpecentes. Ele pode ser considerado o
jud iciário das Nações Un idas em relação ao pro-
b lema das drogas.
As três convenções da O NU (1961, sobre entor-
pecentes; 1971, sobre psicotrópicos, e 1988, sobre
substâncias químicas e precursores) são documen-
tos que, através de seus artigos, dão regras aos paí-
ses signatários sobre como controlar a produção, a
distribuição, o uso, o armazenamento e os estoques
de drogas narcóticas e psicotrópicas. Mais de 90%
dos países são signatários desses documentos. Para
exemplificar, 179 dos 192 países ou territórios já ade-
riram à convenção de 1961. Acresce-se que os 13
países/territórios que ainda não aderiram têm pe-
quena representatividade no concerto das nações.
São eles: Angola, Congo e Guiné Equatorial, na Áfri-
ca; Butan, Cambodja, Coréia do Norte e Timor Les-
te, na Ásia; Andorra, na Europa; Kiribati, Nauru,
Samoa, Tuvalu e Vanuatu, na Oceania. O Brasil é
signatário das três convenções.
A Com issão de Drogas N arcót icas (C N D –
Comm ission of Narcotic Drugs) é o órgão da O NU,
com mais de 50 membros, onde são tomadas de-
cisões que poderíamos chamar de legislativas . É a
C N D que pode, em assemb léia, tomar decisões
como incluir ou excluir substâncias das conven-
ções (retirando ou determ inando modificações nas
listas). A C N D seria o braço político, o legislativo,
das Nações Unidas, em relação às drogas.
E finalmente temos o braço executivo da O NU,
o Un ited N at ions O ff ice on Drugs and Crime ,
(UN O DC) que substituiu o Un ited Nations Drug
Control Programme (UN DCP).
Por fim , cabe também esclarecer as técn icas
de prevenção adotadas pelas Nações Un idas atra-
vés da Organização Mund ial da Saúde (O MS), que
são as que se seguem:
Prevenção pr i m ár ia:Prevenção pr i m ár ia:Prevenção pr i m ár ia:Prevenção pr i m ár ia:Prevenção pr i m ár ia: tem por finalidade as-
segurar que uma desordem , um processo ou pro-
b lema não ocorrerão, ou seja, imped ir o primeiro
uso de uma droga.
Preve nção secu n d ár ia: Preve nção secu n d ár ia: Preve nção secu n d ár ia: Preve nção secu n d ár ia: Preve nção secu n d ár ia: procura identificar
e abolir ou mod ificar para melhor uma desordem ,
um processo ou prob lema o mais precocemente
possível. Vale d izer: a prevenção secundária está
ind icada para aqueles que tiveram contato com a
droga e visa a imped ir ou d im inuir este uso ou
pelo menos imped i-lo de aumentar.
P rP rP rP rP revençãoterevenção terevenção terevenção terevenção terc iár ia: c iár ia: c iár ia: c iár ia: c iár ia: propõe interromper ou re-
tardar o progresso de uma desordem , um proces-
so ou problema e suas seqüelas, mesmo que as con-
dições básicas do fenômeno ainda persistam . Em
outras palavras, a prevenção terciária não tem mais
como condição básica e prioritária reduzir ou abo-
lir o uso de drogas, mas sim interromper ou dim i-
nuir as seqüelas do uso, mesmo que este (as con-
dições básicas) ainda persista.
R. L. Dupont (1987), ex-d iretor do National
Institute on Drug Abuse (N ida) dos EUA suma-
riou os três tipos prevenção:
• primária – preven ir o uso antes que e le se
in icie;
• secundária – imped ir a progressão do uso, uma
vez já in iciado;
• terciária – imped ir as p iores conseqüências do
uso contínuo.
É n essa ú l t i m a t écn ica d e p reve nção , a
terciária, que os órgãos internacionais colocam a
redução de danos, conforme já mencionado pelo
presidente do IN CB.
Redução de danos: uma visão internacional Carlini
Histórico da redução de danos
e as convenções da ONU
Mesmo antes da convenção da O NU sobre
narcóticos, de 1961, a redução de danos (embo-
ra sem esta designação) já era praticada em vári-
os países. Por exemp lo: óp io, heroína e morfina
já eram adm in istrados como terapêutica de ad ic-
tos em países da Europa, pelo menos desde a dé-
cada de 1920; a adm in istração de óp io a pessoas
ad ictas a esta substância já era prática comum na
Ásia pelo menos a partir de 1914.
E em 1965 in iciou-se a utilização da metadona
para dependentes de op iáceos.
Hoje em d ia essas modalidades de interven-
ção terapêutica são chamadas de tratamento de
substituição ou de manutenção, sendo formas de
redução de danos.
O termo redução de danos (RD) ainda não
existia quando a Convenção de Drogas Narcóti-
cas da O NU – 1961 foi estabelecida. Nessa con-
venção , o artigo 38 d iz apenas: “med idas para
preven ir o abuso e identificação precoce do mes-
mo, tratar e reab ilitar o dependente” .
A Convenção de Psicotróp icos de 1971 tam-
bém não menciona RD . No seu artigo 20 consta
apenas: “para preven ir o abuso, identificar, tratar
e reab ilitar o dependente” .
A Convenção de Precursores, de 1988, já se apro-
xima um pouco da concepção de RD: no seu artigo
337J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
14 diz que medidas devem ser adotadas, visando a
“eliminar ou reduzir a demanda ilícita (...) com o
fito de reduzir o sofrimento humano” (grifo meu).
Há ainda a consignar que em uma seção es-
pecial da Assemb léia Geral da O NU, em junho de
1998 , o parágrafo 8 (b) pode ser interpretado
como ind iretamente referindo-se às med idas de
RD: “A redução de demanda visa a preven ir o uso
de drogas e a reduzir as conseqüências adversas
do abuso de drogas” (grifo meu).
Foi baseado nesses fatos que o IN CB já havia
concluído anteriormente que:
“As Convenções Internacionais não mencio-
nam a redução de danos (...); portanto, esta mo-
dalidade de terapêutica não pode ser classificada
como contrária às Convenções” .
“ O IN CB, portanto, não se opõe à redução de
danos, dado ser ela parte do tratamento méd ico
(grifo meu) e uma estratég ia coerente de redu-
ção de demanda (...)” .
“ O IN CB, entretanto, está preocupado com
que algumas intervenções de redução de danos
possam ser utilizadas com o propósito de advo-
gar uma legalização da droga para uso não-mé-
d ico, com o que não concorda” .
dução de danos, embora mostrasse uma certa
preocupação:
“IN CB reconhece a importância de certos as-
pectos da redução de danos como uma estraté-
g ia de prevenção terciária (grifo meu) para pro-
pósitos de redução de demanda. Todavia o IN CB
considera como seu dever chamar a atenção para
o fato de que programas de redução de danos
não são substitutos para programas de redução
de demanda (...). O fato de que programas de
redução de danos devem ser considerados ape-
nas como um elemento de uma estratég ia mais
amp la e abarcante de redução de demanda tem
sido neg ligenciado” .
Carlini Redução de danos: uma visão internacional
Definição e filosofia
da redução de danos
O UN O DC , quando ainda UN DCP, na sua pu-
b licação Redução de Demanda – Um G lossário de
Termos, assim define a redução de danos:
“Redução de danos refere-se a políticas ou pro-
gramas que visam d iretamente a reduzir o dano
resultante do uso de álcool ou outras drogas, tanto
para o ind ivíduo como para a sociedade. O ter-
mo é usado particularmente para programas que
visam a reduzir o dano sem necessariamente exi-
g ir abstinência” (grifo meu).
O UN O DC d iz mais: “A extensão do desen-
corajamento do uso continuado da droga varia
grandemente de acordo com a filosofia do cen-
tro que ap lica redução de danos”; e ainda: “A re-
dução de danos é neutra em relação à sabedoria
e à moralidade do uso continuado de drogas, e
não deveria ser vista como sinônimo de movimen-
tos que procuram descrim inalizar, legalizar ou
promover o uso de drogas” .
O IN C B , j á e m 1 9 9 3 , e m se u re l a t ór i o
anua l , também reconhec ia a importânc ia da re-
Objetivos e exemplos
da redução de danos
De acordo com o governo suíço, “intervenções
de RD são aquelas planejadas para atingir as pessoas
dependentes que não poderiam ser contatadas de
outra maneira. Por exemplo, os programas de troca
de agulhas e as salas de injeções são algumas vezes
planejados com o objetivo adicional de se chegar
até os dependentes fim de linha (hard core abusers)
para motivá-los a iniciar tratamentos” (relatório da
missão do INCB à Suíça, ano 2000).
Essa exp licação do governo suíço encaixa-se
b e m d e n tro d a d e f i n ição d e RD d ad a p e l o
U N O D C .
O que parece ser relevante nos programas de
redução de danos é exatamente o que afirmou o
governo da Suíça (e o de vários outros países), ou
seja, são ou deveriam ser programas destinados a
atingir usuários que não poderiam ser contatados
por outros meios. Tanto assim é que o desenvolvi-
mento de programas de redução de danos:
• deve ter suas ações exercidas no próprio ambi-
ente freqüentado pelos usuários de drogas; e
• deve ating ir amb ientes de profunda exclusão
social, exatamente o local onde se encontram
os usuários fim de linha ou com comprometi-
mento grave.
Por outro lado, no sentido mais amplo, e seguin-
do as características de uma prevenção terciária (evi-
tar as piores conseqüências do uso de drogas), vári-
as estratégias ou programas de redução de danos
podem ser estabelecidos, como, por exemplo:
1 . programa de troca ou doação de seringas;
2 . escolha (sorteio) de motorista sóbrio;
338 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Redução de danos: uma visão internacional Carlini
3 . servir beb idas em copos e recip ientes que não
sejam de vidro, em casos de bares freqüenta-
dos por bebedores-prob lema violentos;
4 . adesivos de n icotina para fumantes; e,
5. instituir tratamentos de manutenção ou de subs-
tituição. Seguramente, esta última é uma das mais
difundidas formas de redução de danos.
Deve ser ressaltado que, em todas essas estra-
tég ias, não se procura d im inuir ou parar o uso de
droga, mas fazer com que o usuário evite danos a
si e a outros.
de danos à base de terapêutica de substituição por
metadona. Por exemplo, o IN CB diz sobre isto: “Em
quase todos os indivíduos dependentes de opióides,
a metadona, quando corretamente prescrita, re-
duz e freqüentemente elim ina o uso de opióides
não-prescritos (...) um efeito indireto do uso legal
da metadona é a redução do crime associado”.
Deve-se também ressaltar que nos Estados
Un idos uma conferência de consenso, patrocina-
da pelo National Institutes of Health (N IH), em
1998 (JAMA 280,1936-1943,1998), concluiu que:
“Embora um estado livre de drogas seja o ob-
jetivoideal de tratamento, as pesquisas mostram
que este estado não pode ser ating ido pela maio-
ria dos pacientes. Todavia, outros ob jetivos im-
portantes de um tratamento podem ser ating i-
dos, ta is como d im inu ição do uso de drogas,
d i m i n u içã o d a a t i v i d a d e c r i m i n osa e
restabe lec imento de emprego , como acontece
com a maioria dos pacientes sob a metadona” .
M a is recen te mente , a própr ia substânc ia
indutora de dependência tem sido dada aos pacien-
tes sob supervisão médica. Esses programas são cha-
mados tratamento de manutenção. É o caso da he-
ro ína sendo fornec ida , sob contrato , para os
dependentes desta substância na Holanda, na Suí-
ça, na Alemanha e no Reino Unido; do ópio sendo
administrado sob supervisão aos dependentes des-
ta substância na Índia, no Irã, em M ianmá, na Laos e
na Tailândia; da morfina para os dependentes desta
substância na Austrália, na Guatemala, no México e
Suíça.
Tratamento de
substituição / manutenção
De acordo com a O MS: “Para uma pessoa de-
pendente de uma substância psicoativa, a pres-
cr ição d e u m a o u tra su bs t ânc ia ps icoat iva ,
farmacolog icamente relacionada àquela produzin-
do a dependência, para ating ir ob jetivos defin i-
dos de tratamento, usualmente melhora a saúde
e o bem-estar do paciente” .
Para o IN CB, um tratamento de substituição
tem por finalidade:
1 . reduzir o uso ilícito da droga (o paciente rece-
be a droga e a utiliza sob orientação);
2 . re d u z i r o r isco d e i n f ecçõ es p e l a v i a
endovenosa;
3 . melhorar o estado físico e psicológ ico do usu-
ário; e
4 . reduzir a crim inalidade.
Ainda, para o IN CB:
“ O programa de tratamento de substituição
deve ser a última providência para os dependen-
tes pesados (hard core) que não tiveram sucesso
em tratamentos anteriores. Tal programa deveria
ser encarado como última tentativa, mas, mesmo
assim , como um programa provisório que deverá
levar a um estilo de vida livre de drogas (...)” .
Finalmente, o IN CB assim define um tratamen-
to de subst itu ição: “pode ser defin ido como a
prescrição de uma droga com ação sim ilar à dro-
ga de dependência, mas com menor grau de ris-
co, com a finalidade específica de tratamento” .
Entre as substâncias usadas para a terapêutica
de substituição destaca-se a metadona (embora
outras drogas estejam mais e mais conquistando o
rece i tuár io , co m o n o caso da co de ína e da
buprernorfina). Existem op iniões taxativas a res-
peito das vantagens de um programa de redução
Da troca de seringas
às salas de inalação
Distribuição/ troca de seringas e agulhas
Uma das formas mais utilizadas de redução de
danos é a distribuição ou troca de agulhas e serin-
gas. Em relação a esse programa, já em 1987 o INCB,
em seu relatório anual, assim se expressava: “É claro
que a adoção de medidas que possam diminuir o
compartilhamento de seringas entre os usuários de
drogas por via endovenosa é um passo necessário
para limitar a propagação da AIDS. Ao mesmo tem-
po, essas medidas profiláticas, que são urgentemente
necessárias, não deveriam permitir ou mesmo facili-
tar o abuso de drogas”.
Dezesseis anos mais tarde, ou seja, no ano de
2003, o IN CB novamente se posiciona favoravel-
339J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Carlini Redução de danos: uma visão internacional
mente ao programa, dizendo: “Decisão 76/19 – Em
relação à troca de seringas e agulhas, o INCB reafir-
ma sua posição anterior, já apresentada em relatóri-
os anuais, de que, embora concorde que tais pro-
gramas possam ser necessários para l im itar a
disseminação de HIV/AIDS, cuidados devem ser to-
mados para tais medidas não provocarem o abuso
de drogas”.
Salas de injeção
Outra iniciativa de alguns governos europeus
que vem despertando a atenção refere-se a salas
de injeção. São amb ientes onde os usuários po-
dem injetar-se com as drogas que eles mesmos
adquiriram . Não existe aconselhamento ou equi-
pe de saúde nessas salas, apenas um local mais dis-
creto e, portanto, mais protegido, para a prática
de adm inistração endovenosa de drogas. Essas se-
riam as razões aventadas para a existência da sala
de injeção: os dependentes não mais injetar-se-iam
nas ruas ou praças públicas, o que, certamente,
confere certo grau de proteção. Mas alguns comen-
tam que, na realidade, a verdadeira razão para o
aparecimento dessas salas de injeção seria de or-
dem econôm ica. Algumas das cidades onde essa
prática (salas de injeção) está sendo incentivada
(por quem? só governo?) já haviam antes adotado
o programa das praças de drogas, locais públicos
onde usuários de drogas por via endovenosa se
reun iam para auto-adm in istrarem-se. A grande
concentração de dependentes nessas praças e a
visão deprimente de pessoas intoxicadas fez com
que houvesse uma tremenda queda no comércio
e no valor dos imóveis locais. As salas de injeção
teriam então sido organizadas com o fito de dim i-
nuir a presença de dependentes endovenosos em
um único local (a praça), diluindo a população para
diferentes pontos (as salas de injeção).
O IN CB não concorda com a existência des-
sas salas de in jeção, pois elas ferem as conven-
ções, e assim se pronuncia no seu Relatório Anual
de 1999: “ O estabelecimento de salas de in jeção,
onde dependentes podem abusar de drogas obti-
das ilicitamente, mesmo sendo estas salas d ireta
ou ind iretamente supervisionadas pelo governo,
é contrário às Convenções Internacionais. A au-
toridade que autoriza as salas de in jeção, e assim
perm it indo o uso (sem supervisão) de drogas,
estará facilitando ou perm itindo o cometimento
de crime envolvendo a posse e o uso de drogas,
(...) encorajando o tráfico. As salas de in jeção de-
vem ser claramente d istinguidas (grifo meu) dos
locais med icamente supervisionados, onde dro-
gas são prescritas para o uso dos dependentes (tra-
tamento de substituição ou manutenção)” .
O INCB novamente examina o problema, em
novembro de 2002, e emite duas decisões a respeito,
confirmando o que foi dito anteriormente: “Decisão
76/18 – em relação às salas de injeção, o INCB opina
que tais programas estão em desacordo com as Con-
venções e são uma violação das mesmas”; “Decisão
76/17 – em relação aos tratamentos de substituição e
manutenção, o INCB opina que são legítimos em face
das Convenções, desde que o objetivo último de tais
tratamentos seja a abstinência”.
Salas de inalação
Em algumas cidades na Europa foi aberta uma
variante das salas de in jeção, são as salas de inala-
ção , onde os usuários podem fumar ou inalar
crack e heroína que são adquiridos ilicitamente.
Essas salas, que foram abertas em caráter experi-
mental, não têm o aval do IN CB, que as condena
como fez com as salas de in jeção.
Controle de qualidade das drogas
Na Holanda (e possivelmente em outros paí-
ses europeus), o governo colocou junto às salas
de in jeção/ inalação equipamentos que perm item
aos usuários avaliar a pureza das drogas que com-
pram ilicitamente no mercado negro. Em relação
a este tóp ico, o IN CB tomou duas decisões. A pri-
meira é condenando tal prática: “Decisão 76/20
– Em relação ao controle de qualidade de drogas,
o IN CB op ina que tais programas estão em desa-
cordo com as Convenções” .
A segunda decisão foi a inclusão, em seu relató-
rio anual (de 2003), a ser publicado no início de 2004,
de um ou dois parágrafos sobre esse programa.
Finalmente deve ser mencionado que o gover-
no holandês descontinuou o programa de controle
de qualidade, pois surgiram evidências de que o mes-
mo estava incentivando o uso indevido de drogas.
Endereço para correspondência
E. A. Carlini
Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas (Cebrid)
Departamento de Psicobiologia
Universidade Federa l de São Paulo
Rua Botucatu 862/1º andar – Ed. Ciências Biomédicas
CEP 04023-062 – São Paulo-SP341
Redução de danos: posições da
Associação Brasileira de Psiquiatria
e da Associação Brasileira para
Estudos do Álcool e Outras Drogas
Harm reduction: perspectives for the Brazilian reality. Position
of the Brazilian Association of Psychiatry and the Brazilian
Association for Studies of Alcohol and Other Drugs
João Carlos Dias1; Sandra Scivoletto1; Cláudio Jerônimo da Silva1; Ronaldo Ramos Laranjeira2; Marcos Zaleski2; Analice Gigliotti2;
Irani Argimon2; Ana Cecília P. Roselli Marques2
R e s u m o
Este artigo tem como ob jetivo apresentar princíp ios, conceitos, fundamentos e principais d iretrizes da redução de danos.
Aborda as defin ições de risco e dano e a relação entre dano e uso de drogas, bem como a associação entre as perspectivas de
danos ind ividuais e coletivos. Sub linha que a redução de danos é um con junto de estratég ias que visa m in im izar os agravos à
saúde relacionados ao uso de drogas, quer sejam lícitas ou ilícitas, devendo ser encarada como uma das possíveis estratég ias de
abordagem no tratamento e na prevenção do uso de drogas. Suas ações devem estabelecer com precisão quais os tipos e qual
a d imensão de danos que pretende m in im izar e estar embasadas em evidências científicas. Enfatiza-se, contudo, a necessidade
de serem devidamente exp licitadas as suas ind icações e o seu púb lico-alvo em nosso país e que evidências científicas embasarão
a prática, levando em consideração riscos e benefícios ind ividuais e coletivos.
Unitermos
redução de danos; drogas lícitas e ilícitas; uso nocivo de drogas; dependência de drogas; risco; dano; abstinência; saúde pública
S u m m a r y
The purpose of this article is to present the principles, concepts, basis and the guidelines of the harm reduction strategy. It a lso presents
the definitions of risk and damage and the relation between damage and drug use, as well as the association of the individua l and communitary
damage. It emphasizes that harm reduction strategy is one of the possible approaches in the treatment and prevention of drug use and its
actions must establish which kinds and dimensions it supposes to minimize based in scientific evidences. It a lso stresses, however, the need
of its targets in our country taking into consideration risks and benefits to the individua l and to the population.
Uniterms
harm reduction; licit and illicit drugs; drug abuse; drug dependence; risk; damage; abstinence; public health
J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 341-348, 2003
1. Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
2. Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead).
342 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Introdução ciais causados pelo uso de drogas. A Organ iza-
ção Mund ial da Saúde propõe política neste cam-
po. Exemp lificando no caso do álcool, as políti-
cas g lobais que visam a d im inuir o consumo geral
do álcoo l são: aumento do preço das beb idas;
proib ição da propaganda do álcool; controle de
acesso e d ispon ib ilidade do álcool; leis mais atu-
antes sobre beber e d irig ir. No Brasil não temos
uma política sobre o álcool que ob jetive d im inuir
o consumo e o dano desta substância na nossa
população, e, portanto, uma das prioridades de
uma política racional sobre drogas deveria ser criar
as co n d içõ es p ara q u e es t a p o l í t ica f osse
imp lementada. Seria a mais importante med ida
para d im inuir o custo social do álcool. Nos pou-
cos exemp los onde algumas dessas políticas fo-
ram imp lementadas temos resultados substanci-
ais. Por exemp lo, há um ano a cidade de D iadema,
na Grande São Paulo, aprovou o fechamento dos
bares a partir das 23 horas. Desde então a morta-
lidade por causas violentas caiu em mais de 50% .
O primeiro conceito, baseado em princíp ios
mais estritos, também pode ser entend ido, segun-
do alguns autores, como ações dentro do campo
preventivo, que é a melhor forma de reduzir ou
evitar danos. Por este ângulo, podemos lembrar
os seguintes dados:
• as po lít icas de redução de danos para grupos
específicos, como crianças e ado lescentes, de-
veriam buscar ações sociais com vistas a est i-
mu lar padrões de abstinência. Deveríamos en-
tender um pouco mais as razões pelas quais a
maioria dos ado lescentes não usa drogas. Exis-
tem fatores de proteção nestes ind ivíduos que
os mantém longe do consumo . Po lít icas que
visem a amp liar estes fatores de proteção ao
uso de drogas e a d im inu ição dos fatores de
riscos do consumo deveriam ser est imu ladas
e imp lementadas;
• o tratamento baseado na abstinência para a de-
pendência quím ica funciona e pode ser enten-
dido, por este conceito mais ampliado, como a
Cada ind ivíduo traz consigo uma bagagem
d iferente a respeito do uso de drogas e, conse-
qüentemente, d iversa atitude sobre redução de
danos. Alguns apresentam posições e condutas
influenciadas por suas próprias experiências de tra-
tamento; outros tomam por base sua própria vi-
são e formação, estando incluída a bagagem mo-
ral-relig iosa sobre o uso de droga; outros, ainda,
trazem uma visão menos estereotipada ou me-
nos ríg ida do que é adequado em termos do uso
de drogas para determ inado ind ivíduo; ou ainda
uma visão pró-legalização das drogas4.
Qual a atitude e a característica das d iversas
visões sobre o uso de drogas e sobre os prob le-
mas a ele relacionados que cam inham em sintonia
com o movimento de redução de dano? E quais
são as áreas em desacordo entre si ou que neces-
sitam de maiores exp lorações e pesquisas?
A redução de danos, portanto, pode ser en-
tend ida atualmente por, pelo menos, duas ver-
tentes d iferentes: (a) a primeira, mais fided igna
aos conce itos primord iais de sua criação , para
reduzir danos de HIV e DST em usuários de dro-
gas in jetáveis e (b) a segunda, cujo conceito mais
abrangente inclui ações no campo da saúde pú-
b lica preventiva e de políticas púb licas que visam
a preven ir os danos antes que eles ocorram .
Para o segundo conceito, que parte do ponto
de vista mais abrangente, alguns princíp ios base-
ados em evidências devem ser destacados.
A melhor forma de reduzir os danos de todas as
drogas à sociedade é estimular padrões de abstinên-
cia em todas as comunidades, famílias e indivíduos.
Não existe uso de drogas isento de riscos. Da-
dos recentes mostraram que doses relativamente
baixas de álcool expõem adolescentes a maiores
riscos de acidentes e a outros prob lemas.
As políticas de redução de danos, neste senti-
do mais amp lo, deveriam d im inuir os danos so-
“As melhores estratég ias para conscientizar a sociedade e as autoridades competentes da importância
da questão das drogas não se resumem a um só golpe de mestre. Na verdade, é um grito de guerra longo e firme.
Quando apresentar sua argumentação sobre o caso, é fundamental se ater aos fatos, apresentá-los com sinceridade,
e nunca parecer rad ical ou ter se deixado levar pela paixão em relação a esta questão. Acred ito que
também é importante formar alianças com outros assuntos de interesse de saúde púb lica mais amp los.”
Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Bo le t i m d a ABEA D , Bo le t i m d a ABEA D , Bo le t i m d a ABEA D , Bo le t i m d a ABEA D , Bo le t i m d a ABEA D , 2 0 0 12 0 0 12 0 0 12 0 0 12 0 0 1
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.
343J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
melhor política de redução de danos. Inúmeras
evidências têm mostrado que as diferentes for-
mas de tratamento funcionam . Infelizmentenão
funcionam tanto como gostaríamos, mas, quan-
do existe um sistema diversificado de tratamento
numa comunidade na qual os profissionais são
bem treinados, as taxas de sucesso aumentam
muito. No Brasil não temos essa rede de trata-
mento, que deveria ser prioridade absoluta para
uma política de redução de danos neste grupo.
Não podemos deixar de notar que um bom
número de pacientes não apresenta uma boa
evolução, mesmo com a oferta ideal de trata-
mento. Estes pacientes deveriam receber um tra-
tamento especial. Todo sistema de tratamento
deveria basear-se numa política de inclusão da-
queles pacientes que não estivessem tendo uma
boa evolução, quer porque tenham uma co-
morbidade psiquiátrica associada, quer por fal-
ta de apoio social, ou por dano cerebral decor-
rente da própria dependência quím ica. Estes
pacientes deveriam ser incluídos no sistema de
tratamento com programas especiais para eles.
Nesta situação específica poderíamos falar em
redução de danos no sentido estrito da palavra
e oferecermos a possibilidade de o paciente ado-
tar objetivos diferentes da própria abstinência.
A recusa do paciente a se tornar abstinente nun-
ca deveria ser motivo para a exclusão do trata-
mento;
• portanto, a redução de danos, no sentido es-
trito da palavra, deveria ser uma das formas
de tratamento oferecida aos pacientes. Existem
evidências de que estas políticas podem salvar
muitas vidas. Por exemp lo, na década de 1980
o oferecimento de agulhas e seringas na Ing la-
terra poupou muitas vidas ao perm itir que as
pessoas não utilizassem material contam inado
pelo HIV. Mas foi somente com a demonstra-
ção científica que essa política salvou vidas. Só
então essas po líticas foram incorporadas, na
prática, no governo conservador da primeira-
m in istra Margareth Tatcher, na Ing laterra;
• em uma política de drogas deveríamos evitar
ideolog ias e seguir os avanços conceituais. As
evidências científicas ainda são os melhores cri-
térios para adotarmos na prática de saúde. Cor-
remos o risco de o termo redução de danos
acabar virando mais uma ideolog ia que venha
a produzir, ela mesma, um grande dano a uma
política de drogas que ainda não se desenvol-
veu no Brasil.
Assim , estabeleceu-se na literatura, ao longo
dos anos, duas ou mais correntes de idealizadores
da redução de danos. Procuraremos aqui retomar
alguns conceitos in iciais, salientando a necessi-
dade de esclarecimento dos princíp ios da redu-
ção de danos, de sua defin ição e de suas práticas,
as quais muitas vezes se contrad izem .
Vo ltando , então , ao princíp io , é importante
que se esclareça que o fundamento da redução
de danos não estabelece , necessariamente , uma
posição contra nem tampouco a favor do uso
de drogas4. A redução de danos está focalizada
no aumento ou na d im inu ição dos agravos con-
seqüentes ao uso de substâncias psicoat ivas. A
posição predeterm inada do uso de drogas como
intrinsecamente bom ou ru im não tem sign ifi-
cado neste contexto . Assim , a d iscussão sobre
esta questão pressupõe a isenção de posições
ideo lóg icas.
Esta posição tem base nos primórd ios da re-
dução de danos na Europa; entretanto algumas
reflexões foram sendo acrescentadas ao longo dos
últimos anos, colocando em xeque tal princíp io.
Um profissional da saúde comprometido com a
ética e com a med icina, baseado em evidências,
poderia argumentar que as substâncias psicoativas
p o d e m l evar a u m a d o e n ça d e p r i n c í p i os
b iopsicossociais – a dependência – que pode ter
conseqüências danosas para ind ivíduo. Portanto,
ao não se assum ir uma posição sobre a droga,
poder-se-ia estar incorrendo em má prát ica da
med icina. Ressalte-se aqui que a posição do pro-
fissional de saúde pode ser contrária às substân-
cias, mas não aos ind ivíduos que as utilizam .
Uma confusão conceitual, então, foi se esta-
belecendo ao longo dos anos em torno da redu-
ção de danos: alguns se mantendo nos princíp ios
de sua criação, mais praticados na Europa, e ou-
tros, incluindo práticas já existentes no campo da
prevenção e do tratamento, no conceito e na prá-
tica da redução de danos.
Portanto, numa primeira instância, faz-se ne-
cessário o estabelecimento de uma defin ição mais
precisa, clara e un iforme sobre o termo redução
de danos. Desta forma, as d iscussões a respeito
das visões e ações acerca do assunto poderão es-
tar devidamente fundamentadas. Deve-se levar
em consideração o contexto social, a atitude, a
cultura, os comportamentos, os háb itos, a ep ide-
m io log ia e os padrões do uso de drogas. Estes
últimos, especificamente, sofrem influência d ire-
D ias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas
344 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
ta da d ispon ib ilidade e das trad ições com relação
à formulação e fiscalização de políticas púb licas
relacionadas ao uso.
De acordo com Griff ith3, o uso de drogas
pode ser entend ido em duas d imensões d ist in-
tas. De um lado está o uso da droga que varia
ao longo de um cont inuum , e de outro , suas
conseqüências. A redução de danos tem primor-
d ialmente o seu foco no eixo dos prob lemas as-
sociados ao uso de drogas. Entretanto é neces-
sário sempre considerar a relação d ireta ex istente
entre a gravidade das conseqüências e o padrão
do uso de droga. Portanto , mesmo que os con-
ce itos se entrecruzem com prevenção e trata-
mento , não deveríamos expand i-los?
onados ao próprio efeito da droga no organ is-
mo. Outros danos, porém , estão associados com
a forma de utilização (por exemp lo, os utensílios
utilizados). Fazem parte deste grupo as infecções
p or h e p a t i t e B , H IV e h e p a t i t e C p or
compartilhamento de equipamentos de in jeção.
Outro exemp lo se relaciona às drogas de asp ira-
ção , como aerossó is, resu ltando em laringoes-
pasmo. Existem , ainda, os danos associados com
o contexto no qual a droga é usada, como, por
exemp lo , acidentes automob ilísticos associados
ao comportamento de beber e d irig ir.
No estabelecimento de políticas púb licas de
redução de danos é prec iso ter em foco qua l
o t ipo da re lação ex istente entre as drogas e
os danos associados ao uso, e quais danos se pre-
tendem m in im izar.
A política de redução de danos, estabelecida
em 1996 pelo governo do estado de São Paulo,
por exemp lo1, visava a m in im izar o contág io por
HIV, hepatites B e C associado ao uso de drogas
in jetáveis por compartilhamento de seringas ou
agulhas, bem como as doenças sexualmente trans-
m issíveis pelo comportamento sexual de risco ,
comum entre os usuários de drogas in jetáveis. Es-
sas ações podem ser entend idas como preventi-
vas se tivermos como foco o ind ivíduo: são ações
que ob jetivam d im inuir o risco de os ind ivíduos
contraírem HIV ou outras doenças transm issíveis
por contato sangüíneo e sexual. Entretanto o foco
da redução de danos está na população, ou seja,
do ponto de vista ep idem iológ ico, a redução de
danos visa a m in im izar danos à sociedade que so-
fre uma ep idem ia de HIV e outras doenças.
A troca de seringas e agulhas foi uma estraté-
g ia que claramente tinha em vista m in im izar o
dano relacionado à contam inação por HIV, sífilis
e hepatite numa população bem defin ida e que
obteve resultados positivos, demonstrados em d i-
versos trabalhos científicos.
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.
Definição de risco e dano
Risco pode ser defin ido como a possib ilidade
ou probab ilidade da ocorrência de um evento. O
dano prevê a ocorrência do evento em si4. Assim ,
esses termos não deveriam ser usados como si-
nôn imos porque, inclusive, estão relacionados a
campos d iferentes de atuação dentro do contex-to de uso de droga. A redução do risco está no
campo da prevenção e visa a evitar ou d im inuir
as chances de que um evento perigoso à saúde
ocorra. A redução de danos prevê ações que d i-
m inuam os danos inerentes a um evento perigo-
so que já vem sendo praticado por ind ivíduos ou
grupos de ind ivíduos.
Relação entre uso
de drogas e danos
Comportamentos de risco não resu ltam ne-
cessariamente em danos. Ex istem , por exemp lo ,
ind ivíduos que fumam por mu itos anos e se man-
têm saudáve is , ou a inda ind iv íduos que não
usam capacete ao p ilotar suas motocicletas e não
sofrem acidentes. Contudo esses fatos não alte-
ram a relação clara desses comportamentos de
risco com a possib ilidade de danos. Além d isso ,
alguns comportamentos de risco , sab idamente
relacionados com danos, podem ser prat icados
por mu itos anos antes que ocorra o dano pro-
priamente d ito .
Que tipos de dano podem ser associados ao
uso de drogas? Alguns tipos de danos hepáticos
e cerebrais, por exemp lo, estão associados ao uso
e álcool ou barb itúricos. Estes danos estão relaci-
Definição: redução de danos
Uma confusão freqüente se dá entre os termos
m inim ização de danos e redução de danos. Redu-
ção de danos pode ser considerada algo essencial-
mente operacional (por exemplo, política de re-
dução de danos, programa de redução de danos);
a m inim ização de danos pode ser considerada uma
meta global, um end point a ser alcançado através
das estratégias de redução de danos4.
345J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Outro aspecto importante d iz respeito ao ter-
mo dano . As políticas de redução de danos pre-
tendem m in im izar quais tipos de danos, relativos
a que áreas da vida do ind ivíduo e em quais seg-
mentos da população? Outra indagação que me-
rece destaque é se a própria dependência deve
ser considerada um dano.
Dano pode ser defin ido como o resultado pre-
jud icial à saúde, de gravidade alta e que decorre
do uso de uma substância psicoativa, afetando
um grande número de pessoas. Neste sentido, a
redução de danos estabelece políticas e ações para
m in im izar estes danos que tenham representação
ep idem io lóg ica.
Negrete6, em ed itorial pub licado na revista
Add ict ion , afirma: “ Como pode alguém sugerir
que a escravidão proporcionada pela droga não
é um dos maiores danos no qual incorre o de-
pendente?” .
A vida de uma pessoa que depende de droga
está d irecionada pela urgência em obter nova-
mente a experiência dos efeitos da droga, ou pela
necessidade de se livrar dos desconfortos causa-
dos pela ausência da substância, decorrentes de
alterações fisiológ icas cerebrais. Ademais, a gra-
vidade da dependência é um dos pred itores de
baixa adesão tanto para a troca de seringa como
para a prática de sexo seguro entre os usuários
de heroína, por exemp lo2.
Neste sent ido , a própria dependência qu ím i-
ca poderia ser entend ida como um dano , além
do fato , já apontado , da ínt ima relação da de-
pendência com outros danos. Aqui está uma con-
fusão que precisa ser esclarecida, porque , na de-
fin ição de dano , pode ser incluída a dependência,
e isto fug iria do conceito h istórico in icial da re-
dução de danos. Mas, por outro lado , como não
considerar a dependência quím ica um dano? Faz-
se necessária uma defin ição mais clara de quais
os t ipos de danos fazem parte do en foque da
redução de danos.
Sendo a redução de danos tam bém u ma
es t r a t é g i a d e sa ú d e p ú b l ica , n ã o se d e v e
neg l igenc iar o dano da dependênc ia qu ím ica .
Educação , in formação adequada , inc lusão so-
c ia l , acesso aos serv iços de saúde são a lgumas
das ações que poder iam ser inc lu ídas na redu-
ção de danos , e a estas deve ser acrescentado
o acesso fác i l e irrestr i to ao tratamento da de-
pendênc ia qu ím ica .
Princípios básicos de
redução de danos
D ias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas
A redução de danos é fundamentada nos se-
guintes princíp ios:
1 . a redução de danos é uma alternativa de saú-
de púb lica para os modelos moral, crim inal e
de doença do uso e da dependência de droga.
O modelo moral defende a proib ição do uso
ou da d istribuição de certas drogas, atos con-
siderados crimes sujeitos a pun ição. Como ex-
tensão do modelo moral (pressuposto: o uso
de drogas ilícitas é moralmente incorreto), o
sistema de justiça crim inal tem colaborado com
os formuladores de políticas nacionais de guer-
ra às drogas, cujo ob jetivo aparente é promo-
ver o desenvolvimento de uma sociedade livre
de drogas. Já o modelo doença enfatiza os pro-
gramas de tratamento e de prevenção que pro-
curam remed iar o desejo ou a demanda por
drogas por parte do ind ivíduo (redução da
deman- da), tendo como ob jetivo primord ial
a abstinência. A redução de danos desvia-se
de tais princíp ios, evitando julgamentos mo-
rais de certo ou errado e oferecendo uma vari-
edade de políticas e de proced imentos que vi-
sam à redução das conseqüências prejud iciais
do comportamento dependente. A redução de
danos aceita o fato concreto de que mu itas
pessoas usam drogas e a maioria delas apre-
senta outros comportamentos, também de alto
risco. Assim , a redução de danos trabalha com
programas de baixa exigência, sem perder de
vista a possib ilidade ideal da abstinência5;
2. a redução de danos reconhece a abstinência
como resultado ideal, mas aceita alternativas que
minimizem os danos para aqueles que permane-
cem usando drogas. O princípio de tolerância
zero estabelece uma dicotomia absoluta entre
nenhum uso e qualquer uso, sem distinguir o uso
experimental, os usos moderados, pesados e as
diferentes dimensões de danos associados aos dis-
tintos padrões de uso. A redução de danos não é
contra a abstinência. Contudo acredita que os
efeitos prejudiciais do uso de drogas e outros ris-
cos assoc iad os , co m o a at iv i dade sexua l
desproteg ida, podem ser co locados em um
continuum. Quando há comportamento muito
perigoso, a redução de danos propõe reduzir o
nível da exposição ao risco. A abordagem de re-
dução gradual estimula os indivíduos que tenham
comportamento excessivo ou de alto risco a dar
346 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
um passo de cada vez para reduzir as conseqü-
ências prejudiciais de seu comportamento5. Es-
tratégias de redução de danos também têm apli-
cação no uso de drogas legais, incluídos o tabaco
e o álcool, para, por exemplo, tabagistas incapa-
zes de abandonar o uso de maneira abrupta e
definitiva. Existem, como alternativas disponíveis,
os adesivos de nicotina, as gomas e outras for-
mas de administração de nicotina menos noci-
vas do que o fumo. Embora as terapias de substi-
tuição de nicotina tenham sido criadas como um
auxílio para deixar de fumar, algumas pessoas
usam estes produtos para manter o uso de nico-
tina num nível mais seguro6;
3 . a redução de danos surg iu princ ipa lmente
como uma abordagem de baixo para cima, ba-
seada na defesa do dependente, em vez de uma
po lít ica de cima para baixo, promovida por
formuladores de políticas de drogas5;
4 . a redução de danos promove acesso a serviços
de baixa exigência como uma alternativa para
abordagens tradicionais de alta exigência. Os
programas comunitários de rua oferecem um
exemplo de abordagem de baixa exigência na
redução de danos. Em vez de estabelecer a abs-
tinência como um pré-requisito de alta exigên-
cia, para receber o tratamento para dependên-
cia ou outro tipo de assistência, os defensores
da redução de danos estão dispostos a reduzir
estes obstáculos. Deste modo, os necessitados
têm mais possibilidade de aderir, iniciar, envol-
ver-se com a mudança do comportamento. Os
programas de baixa exigência fazem isto de di-
versas formas5. Emprimeiro lugar, os defenso-
res de abordagem de baixa exigência estão dis-
postos a encontrar o indivíduo em seus próprios
termos – encontrá-lo onde estiver, em vez de
onde você deveria estar. Informações de mem-
bros da população-alvo são bem-vindas e, por-
tanto, estimuladas, na tentativa de estabelecer
uma parceria ou uma aliança entre os que for-
necem os serviços e os que recebem (mesmo
quando ambos os grupos consistem em usuári-
os de drogas ativas). Novos programas são de-
senvolvidos com a colaboração de pessoas di-
retamente envolvidas e afetadas. Por meio do
diálogo, da discussão e das iniciativas de plane-
jamento mútuo (por exemplo, uso de grupos
focais para reunir informações iniciais e fixação
de metas), programas comunitários e serviços
associados continuaram a emergir nos segmen-
tos comunitários5;
5 . a redução de danos baseia-se no pressuposto
do pragmat ismo empát ico versus idea l ismo
mora l ista . Um adesivo para carros, popu lar
em meados da década de 1990 , proc lama
“ Merda acontece”6. Sendo uma abordagem
prát ica, a redução de danos aceita esse fato
desagradável da vida como prem issa básica.
O comportamento prejud icial acontece, sem-
pre fo i assim e sempre será. Uma vez aceita
es t a p re m issa , a m e t a t o r n a-se a d o
pragmat ismo empát ico: o que pode ser feito
para reduz ir o dano e o sofrimento tanto para
o i n d iv í d uo q uan to p ara a soc iedad e? O
pragmat ismo não pergunta se o comporta-
mento em questão é certo ou errado , bom
ou ru im , doentio ou saudável. O pragmatismo
preocupa-se com o manejo das questões co-
t id ianas e das prát icas reais, e sua validade é
avaliada por resu ltados prát icos5.
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.
Perspectiva pessoal x
saúde pública
Grande parte dos prob lemas de infecção por
H IV e h e p a t i t e C e n tre usuár i os d e d ro g as
in jetáveis tem simultaneamente satisfeito as con-
siderações tanto da saúde ind ividual como da saú-
de púb lica. A redução de danos deve considerar
tanto o n íve l ind iv idua l quanto o púb l ico da
m in im ização do dano. O balanço dos benefícios
dos danos para a população como um todo e o
conhecimento dos danos totais ind ividuais forne-
cerão o resultado dos benefícios púb licos4. Entre-
tanto, como política púb lica, na prática a redu-
ção de danos tem um olhar ep idem iológ ico. Esta
confusão entre danos ind ividuais e danos para a
sociedade precisa ser mais bem esclarecida, por-
que nem sempre é possível contemp lar as duas
perspectivas em questão. Falta uma resposta, ba-
seada em evidências, sobre qual é a perspectiva
da redução de danos.
Tipos e dimensão dos danos
e população-alvo
Os danos em um n ível mais simp les podem
ocorrer como um ún ico evento. Já em outras cir-
cunstâncias os danos são cumulativos4. A gravi-
dade do dano relacionado ao uso da droga, bem
como os tipos de dano, deve ser cuidadosamente
avaliada no estabe lec imento de programas ou
políticas de redução de danos. Na Europa os pro-
gramas de redução de danos tinham o seu foco
347J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
no usuário de droga que apresentava dependên-
cia grave, que recusava o tratamento e que au-
mentava as estatísticas dos d iversos prob lemas as-
sociados ao uso de droga.
Entretanto , gradualmente as ações de redu-
ção de danos foram se expand indo para púb li-
cos cu ja gravidade da dependência era menor.
Ex istem evidências de que , quanto menor a gra-
vidade do uso de droga, mais eficaz é o trata-
mento . A questão não respond ida claramente é
para qual púb lico as po lít icas de redução de da-
nos devem estar vo ltadas? Seria para os usuári-
os que não querem tratamento . Mas seria ét ica
a prát ica de ações de redução de danos sem to-
car no uso da droga? Como defin ir claramente
quem são os usuários que defin it ivamente não
irão ao tratamento? Se a redução de danos está
vo ltada aos prob lemas do uso e evita sugestões,
opções e reflexões sobre o uso da droga, como
saber se o ind ivíduo é eleg ível para um progra-
ma de redução de danos?
gênc ia focados un icamente na abst inênc ia;
(2) proporc ionar uma v isão rea l ista que re-
conhece que o uso de drogas ocorre , que
nem todos os usuários estão em estág ios de
pront idão para mudança e que estas pesso-
as têm d ire ito ao acesso aos serv iços de saú-
de; (3) a redução de danos não é contra a
abst inênc ia e não deve ser con fund ida com
at itudes ou posições ideo lóg icas contra nem
a favor do uso de drogas;
6 . as ações de redução de danos devem ter claros
quais os tipos e a dimensão de danos que se
pretendem m inim izar e estar embasadas em evi-
dências científicas. As práticas de redução de
danos mostraram-se eficazes através de pesqui-
sas bem conduzidas em m in im izar os danos
causados pelo HIV e outras doenças infecciosas,
mas para estabelecer novas ações é necessário
um maior número de pesquisas. Desta forma se
questiona se a medicina deve colocar em práti-
ca as intervenções ainda não-testadas e compa-
radas com outras intervenções já existentes;
7 . a redução de danos reconhece que não é pos-
sível impor mudanças ao comportamento de
terceiros, mas é possível dar acesso à infor-
mação a todos os cidadãos, com respeito , sem
d iscrim inação , e com isso m in im izar os da-
nos à saúde associados ao uso de drogas. En-
tretanto a recusa do tratamento não deveria
ser mot ivo imed iato para a exclusão do trata-
mento . Todos deveriam ter acesso às in for-
mações referentes a ele;
8 . a redução de danos deve ser considerada uma
das possíveis estratég ias de abordagem ao tra-
tamento e prevenção do uso de drogas. Desta
forma, hão que se tornar exp lícitas suas ind i-
cações e seu púb lico-alvo. Entretanto algumas
questões permanecem pouco claras: (1) o foco
das estratég ias de redução de danos está em
n ível pessoal ou social? Ou como se dá essa
ponderação entre o que é bom para o ind iví-
duo ou para a sociedade? (2) Sabendo pelas
evidências que a dependência é um dano à saú-
de, estaria o profissional eticamente autoriza-
do a não informar ao paciente sobre os riscos
de uso da droga e não deixar claro que a meta
ideal é a abstinência? (3) Para qual púb lico de
usuários as políticas de redução de danos se
voltam , e como identificá-los?;
9 . finalmente, a ABP e a ABEAD sugerem , forte-
mente, a realização de um consenso nacional,
D ias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas
Conclusões e recomendações
1 . A redução de danos pode ser entend ida por
uma ótica mais abrangente, envolvendo ações
de políticas púb licas e tratamento ou a partir
de uma ótica mais restrita, como a troca de
seringas, mas também ações que m in im izem
danos antes que estes ocorram , estabelecendo
programas, por exemp lo, sobre beber e d iri-
g ir;
2 . a redução de danos é um con junto de estraté-
g ias que visa a m in im izar os agravos à saúde
associados ao uso de drogas, quer sejam líci-
tas ou ilícitas;
3 . a redução de danos está focada no eixo dos
prob lemas associados ao uso de drogas, mas
não deve desconsiderar a existência da clara
relação entre estes prob lemas e o uso, ao lon-
go de um continuum , e que a própria depen-
dência pode ser entend ida como um dano;
4 . é necessária uma defin ição ob jetiva do que seja
dano, qual tipo de dano se pretende m in im i-
zar com as estratég ias de redução de danos e
quais as evidências científicas que embasarão
a prática, levando em consideração riscos e be-
nefícios para o ind ivíduo e para a sociedade;
5 . os princ íp ios da redução de danos são: (1)
estabe lecer uma abordagem de baixa ex igên-
c ia em a lternat iva aos serv iços de a lta ex i-348 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.
Referências
1 . Conselho Estadual de Entorpecentes do Estado de São Paulo
(Conen/SP). Guia de ação . Imprensa Oficial do Estado S.A .
IMESP; 1996 .
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and HIV risk , II. A ids Care 1993; 52: 159-68 .
3 . Griff ith E. Tratamento do a lcoo l ismo . Porto A legre: Artes
Médicas; 2001 .
4 . Heather N , Wodak A , Nadelmann E, O Hare P. Psychoactive
drugs & harm reduct ion: from fa ith to sc ience . Brit ish
Library; 1992 , p . 3-34 . Jornal Brasileiro de Psiquiatria
5 . Marllat GA et al. Redução de danos: estratégias práticas para
lidar com o comportamento de alto risco . Porto A legre:
Artes Médicas; 1999 .
6 . Negrete JC . Harm reduc t ion: quo vad is? Add ic t ion 2001;
96: 543-5 .
Endereço para correspondência
João Carlos Dias
Avenida Nossa Senhora de Copacabana 788/1202-1204
CEP 22050-001 – Rio de Janeiro-RJ
Tel./fax: (21) 2548-3616
e-ma il: jcdias@casasaude.com.br
com a participação de todas as entidades re-
presentativas, para a d iscussão amp la e cientí-
f ica d o te m a co m a f i na l i d ad e d e sere m
estabelecidas metas, prioridades, bem como o
esclarecimento de conceitos dúb ios e proto-
colos de atuação.
349
R e s u m o
Os desafios colocados pela realidade contemporânea exigem esforços para construção de políticas púb licas de atenção à
saúde. H istoricamente, a questão sobre a temática droga foi vista exclusivamente pela ótica predom inantemente psiquiátrica ou
méd ica. O uso e/ou abuso e/ou dependência de álcool e outras drogas representam um prob lema que é do âmb ito da saúde
púb lica, que pressupõe necessária interface com outros programas do M in istério da Saúde, de outros m in istérios (Justiça, Educa-
ção, Secretaria de D ireitos Humanos), organ izações governamentais e não-governamentais e demais representantes da socieda-
de civil organ izada, garantindo, assim , a intersetorialidade na construção de uma política de prevenção, tratamento e educação
para o uso/consumo de álcool e outras drogas. Entendemos que sobre este tema há predom ín io da heterogeneidade, já que
afeta d iferentes pessoas de d iferentes maneiras, por d iferentes razões, em d iferentes contextos e circunstâncias. As ações de
saúde devem atender às d iferentes especificidades (isto é: eqüidade, un iversalidade e integralidade do Sistema Ún ico de Saúde
[SUS]) apresentadas pelo consum idor. Portanto, para que esta política de saúde seja coerente, eficaz e efetiva, devemos ter em
conta que as d istintas estratég ias (retardo no consumo de drogas, redução de danos associada ao consumo e superação do
consumo) são comp lementares e fundamentais para a sua construção.
Unitermos
saúde pública; redução de danos; usuários de álcool e outras drogas
S u m m a r y
The challenges put by the contemporary reality demand efforts for the construction of public politics of attention to health. Historically, the
subjects on the theme drugs were seen exclusively through the optics of psychiatrics or doctors. The use and/or abuse and/or dependence of
alcohol and other drugs represent a problem that is of public health extent, that presuppose necessary interface with other programs of the
Ministry of Health, other Ministries (Justice, Education, General O ffice of Human Rights), government and non-government organizations and
other representatives of the organized civil society, so guaranteeing the participation of all the sections in the construction of politics of prevention,
treatment and education for the use and/or abuse of alcohol and other drugs. We understand that on this theme there is a prevalence of the
heterogeneity, since it affects different people in different ways, for different reasons, in different contexts and circumstances. The actions of health
Assessores do M inistério da Saúde.
Política do Ministério da Saúde para
atenção integral a usuários de álcool e
outras drogas
Politics of the Ministry of Health for integral attention to users
of alcohol and other drugs
Carla Silveira; Denise Doneda; Denise Gandolfi; Maria Cristina Hoffmann; Paulo Macedo; Pedro Gabriel Delgado; Regina Benevides;
Sueli Moreira
J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 349-354, 2003
350 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Introdução A política de promoção, prevenção, tratamen-
to e educação voltada para o uso de álcool e ou-
tras drogas deverá necessariamente ser construída
nas interfaces intra/ intersetoriais. Visto que o uso
de álcool e outras drogas é um grave prob lema
de saúde púb lica, o M in istério da Saúde, pautado
no comprom isso ético de defesa da vida, apre-
senta as d iretrizes para a construção de uma polí-
tica de atenção integral, assum indo completamen-
te o desaf io de preven ir, tratar e reab i l itar os
usuários de álcool e outras drogas e enfocando a
imp lementação e a imp lantação de ações com es-
tratég ias mais amp las, que possam contemp lar
g ra n d es p arce l as d a p o p u l ação e q u e n ão
priorizem a abstinência como ún ica meta viável.
A realidade contemporânea tem colocado no-
vos desafios no modo como certos temas têm sido
habitualmente abordados, especialmente no cam-
po da saúde. A construção de diretrizes para a saú-
de deve ser coletiva. Os modelos assistenciais de-
vem ser revistos, objetivando contemplar as reais
necessidades da população, o que implica desen-
volver ações que possam atender igualmente ao di-
reito de cada cidadão. Este é um preceito da Consti-
tu ição brasileira: a saúde deve ter abrangência
universal, não existindo critérios que perm itam a
exclusão de qualquer segmento social de possíveis
benefícios ou, ainda, que releguem grupos ou indi-
víduos a intervenções preventivas ou assistenciais de
qualidade inferior ou de menor abrangência do que
aquelas oferecidas aos seus concidadãos.
O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela
Constituição em 1988 e regulamentado pelas Leis
8.080/90 e 8.142/90, a Lei 10.216 (marco legal da
reforma psiquiátrica) e o relatório da Conferência
Nacional de Saúde Mental (dezembro/2001) vêm
reforçando e fomentando o que é hoje tomado
como imperativo: a elaboração de estratégias e pro-
postas para efetivar e consolidar o modelo de aten-
ção aos usuários de álcool e outras drogas, de modo
a garantir seu atendimento pelo SUS.
De acordo com a Organ ização Mund ial de
Saúde, cerca de 10% das populações dos centros
urbanos de todo o mundo consomem substânci-
as psicoativas de forma abusiva, independente-
mente de sexo, idade, n ível de instrução e poder
aquisitivo. Isso nos mostra que estamos d iante de
um prob lema de grandes proporções. Frente à au-
sência de políticas claras e concretas de atenção
voltadas para esse segmento, surg iram , no Brasil,
alternativas de atenção pautadas pelo resultado
de abstinência.
Contexto nacional: impacto do uso
de álcool e outras drogas
Pesquisas e estudos realizados observaram os
seguintes pontos:
1 . a Organ ização Mund ial de Saúde apontou que
10% das populações que vivem em centros ur-
banos de todo o mundo consomem abusiva-
mente substâncias psicoativas, sendo que o ál-
coo l e o tabaco possuem maior prevalência
g lobal, trazendo conseqüências graves para a
saúde púb lica mund ial23;
2 . es t u d o co n d u z i d o p e l a U n ivers i d a d e d e
Harvard apontou o álcoo l como responsável
por 1,5% de todas as mortes no mundo e por
2,5% do total de anos vividos ajustados para
incapacidade21;
3 . há uma tendência mund ial que aponta para
o uso cada vez mais precoce de substâncias
psicoat ivas, sendo que tal uso ocorre de for-
ma cada vez mais pesada. Estudo realizado
pelo CentroBrasileiro de Informações sobre
Política do M inistério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Silveira et al.
should assist the different peculiarities (that is, equity, universality and totality of SUS) presented by the consumer. Therefore, so that
these politics of health are coherent and effective, we should take into account that the different strategies (the retard of the
consumption of drugs, the harm reduction associated to the consumption and the abstinence of the consumption) are complementary:
they are fundamental elements in the construction of these politcs.
Uniterms
public health; reduction of damages; users of alcohol and other drugs
351J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Drogas Psicotróp icas (Cebrid) acerca do uso
indevido de drogas por estudantes em dez ca-
p itais brasileiras fo i ut ilizado como base com-
parat iva para outros estudos e demonstrou
que houve aumento do uso freqüente do ál-
coo l em seis das dez cap itais brasileiras que
part iciparam do estudo , e do uso pesado (20
vezes ou mais) em o ito;
4 . vinte e cinco por cento dos casos notificados
de Aids no Brasil estão d ireta ou ind iretamen-
te relacionados à categoria de exposição ao uso
de drogas in jetáveis (Boletim Ep idem iológ ico
C N DST/Aids/2001);
5. estudo realizado entre usuários de drogas injetáveis
(UDIs) contatados por projetos de redução de
danos aponta que 38,6% compartilharam agu-
lha e/ou seringa com outra pessoa, enquanto
35,9% utilizaram agulhas e/ou seringas de outra
pessoa. A taxa de soroprevalência de HIV nesta
população é de 36,5%8;
6. pesquisa encomendada pelo governo federal
mostra, em seus resultados prelim inares, que
53% do total de pacientes atend idos por aci-
dentes de trânsito no Ambulatório de Emer-
gência do Hosp ital das C lín icas em São Paulo
estava com índ ices de alcoolem ia em seus exa-
mes de sangue superiores aos perm itidos pelo
Cód igo de Trânsito Brasileiro. Das análises em
vítimas fatais (IML/SP), o n ível de alcoolem ia
encontrado chega a 96,8%7;
7. série histórica do Sistema de Mortalidade do M i-
nistério da Saúde nos últimos oito anos sobre a
relação entre o uso de álcool e outras drogas e
eventos acidentais ou situações de violência evi-
dencia o aumento na gravidade das lesões e a
dim inuição dos anos potenciais de vida da po-
pulação. Os acidentes e as situações violentas
ocupam o segundo lugar em causa de mortali-
dade geral, sendo o primeiro lugar na causa de
óbitos entre pessoas de 10 a 49 anos;
8. dados do Datasus referentes ao ano de 2001
notificam 84.467 internações para tratamen-
to de prob lemas relacionados ao uso de álco-
o l , n ú m ero q ua tro vezes su p er i or ao d e
internações ocorridas por uso de outras dro-
gas. N este mesmo período foram em it idas
121 .901 autorizações para internação hosp i-
talar (AIHs) para internações relacionadas ao
alcoolismo; a méd ia de internação foi de 27,3
d ias, e o custo anual para o SUS foi superior a
60 m ilhões de reais;
9 . n o p er í o d o d e 1 9 8 8 a 2 0 0 1 , se g u n d o o
Datasus, os gastos decorrentes do uso de álco-
o l represen tavam 87 ,9% contra 13% dos
oriundos do consumo de outras substâncias
psicoativas;
10 . no Brasil, estima-se que 20% das pessoas tra-
tadas na rede púb lica de atenção primária be-
bem em um n ível considerado de alto risco,
sendo que o sistema de saúde leva em méd ia
cinco anos para d iagnosticar tal situação.
Eficácia das ações de redução
de danos e sua ampliação para a
clínica das dependências
As ações de redução de danos tiveram in ício
no Brasi l em 1989 , em um ún ico mun ic íp io ,
Santos, no estado de São Paulo. Esta primeira in i-
ciativa teve grande resistência das autoridades ju-
d iciais. Somente em 1994, com o primeiro acor-
do de empréstimo do governo brasileiro com o
Banco Mund ial, e em parceria com o Programa
das Nações Un idas para o Controle Internacional
de Drogas, a redução de danos constituiu-se como
uma política de governo, mas ainda de modo par-
cial. O governo federal assum iu a redução de da-
nos como importante ação de saúde púb lica. Es-
sas ações foram acompanhadas pelo M in istério
das Saúde – Coordenação Nacional de DST/Aids.
O primeiro programa vinculado foi o do Centro
de Estudos e Terap ia do Abuso de Drogas (Cetad),
na Bah ia, vincu lado à Un iversidade Federal da
Bah ia (UFBA).
O M in istério da Saúde, em parceria com o M i-
n istério da Justiça, in iciou a construção de pare-
ceres para que a interpretação da antiga Lei 6.368,
antidrogas, não imped isse as ações e o desenvol-
vimento de trabalhos de intervenção baseados em
capacitação pelos pares e trabalho de redutores
de danos.
Constatou-se desde então que o impacto das
ações de redução de danos está d iretamente rela-
cionado ao fato da inclusão dos usuários de dro-
gas na agenda púb lica.
Estudos realizados pela Un iversidade Federal
de M inas Gerais (1999/2001) demonstravam que
as ações de redução de danos d irig idas a UDIs
promoviam mudança de comportamento desde
o aumento consistente no uso de preservativo ,
d e 4 2 % p ara 6 5 % , a t é a d i m i n u içã o n o
compartilhamento de material de injeção, de 70%
Silveira et al. Política do M inistério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas
352 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
para 41% . A procura para d iagnóstico de HIV e
hepatites, o tratamento de dependência quím ica
e o tratamento da Aids também foram relatados
a partir da imp lantação dos programas de troca
de seringas, d im inuindo a vulnerab ilidade à in-
fecção pelo HIV, bem como a soroprevalência da
hepatite C nos usuários de drogas in jetáveis.
Atualmente contamos com 160 projetos finan-
ciados pela Coordenação Nacional de DST/Aids no
Brasil e que atingem 84 mil pessoas, o que equivale
a 10,5% do total estimado de UDI no Brasil. Existem
19 associações de usuários, ex-usuários e profissio-
nais da redução de danos, sendo que duas são naci-
onais e 17, estaduais. Elas têm tido papel fundamen-
tal na conquista de cidadania pelos usuários de
drogas, exigindo dos profissionais de saúde novas
posturas para o atendimento do usuário.
Outras estratég ias e ações devem ser in icia-
das e/ou imp lementadas, como a atenção para o
compartilhamento de seringas e agulhas para uso
de anabolizantes em academ ias de ginástica e para
ap licação de silicone e de hormôn ios. Bem como
ações que estão sendo realizadas de forma pon-
tual. Há necessidade, pois, de expand ir as estraté-
g ias de redução de danos para outras drogas e
vias de adm in istração, como o crack e o álcool.
A ampliação e a garantia da participação ativa
dos usuários de drogas na construção de políticas
públicas de saúde, bem como o apoio governamen-
tal para a diminuição das vulnerabilidades deste seg-
mento. Para tanto são necessários investimentos na-
cionais e internacionais na discussão das leis em vigor,
a partir dos custos sociais e econômicos que as polí-
ticas repressivas (proibicionistas) fazem recair sobre
a saúde.
tados e no D istrito Federal, a d iversidade das ca-
racteríst icas popu lacionais e a variação da inci-
dência de transtornos causados pelo uso abusivo
e/ou dependência de álcoo l e outras drogas, o
M in istério da Saúde propôs a criação de 250
Centros de Atenção Psicossocial (Caps – álcoo l e
drogas), d isposit ivo assistencial de comprovada
reso lub ilidade que pode abrigar em seus pro je-
tos terapêut icos prát icas e cu idados que contem-
p lem a flex ib ilidade e a abrangência possíveis às
necessidades a esta atenção espec íf ica, dentro
de uma perspect iva estratég ica de redução de
danos sociais e à saúde .
Os Caps ad devem oferecer atend imento d iá-
rio, sendo capazes de prestar atend imento nas d i-
versas modalidades (intensiva/sem i-intensiva/não-

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