Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
55 Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB volume 52 • set/out-2003 Publicação bimestral Alcebíades Gomes Festa Junina, detalhe Brazilian Journal of Psychiatry Jornal Brasileiro de Psiquiatria • vol. 52 - nº 5 • Setem bro - O utubro 2003 Jornal Brasileiro de Psiquiatria CORPO EDITORIAL Naomar de A lmeida Filho M árcio A maral Thomas A . Ban O thon Bastos J. M . Bertolo te Neury José Botega M arco A ntônio A lves Brasil M ax Luiz de Carvalho Roosevelt M .S. Cassorla Juarez O liveira Castro Arist ides Cordioli Jurandir Freire Costa Paulo Dalgalarrondo Carlos Edson Duarte Luiz Fernando Dias Duarte Wiiliam Dunningham Claudio Laks Eizerick Helio Elkis Eliasz Engelhard t Rodolfo Fahrer M arcos Pacheco de Toledo Ferraz Ivan Luis de Vasconcellos Figueira Josimar M ata de Farias França Ricardo Gat tass Wagner F. Gat taz Valentim Gentil Filho Clarice Gorenstein M auro Gus Luiz A lberto Hetem Miguel Roberto Jorge Flávio Kapczinski Julio Licinio Carlos A ugusto de M endonça Lima M aurício Silva de Lima Pedro A . Schimidt do Prado Lima A na Carolina Lobianco M ário Rodrigues Louzã Neto Theodor S. Lo w enkron Nelson M aculan Jair de Jesus M ari Paulo M at tos Celine M ercier Eurípedes Constan tino Miguel Filho Talvane M . M orais A ntônio Egídio Nardi Irismar Reis de O liveira M arcos Pala tinik A ntônio Pacheco Palha Roberto Ayrton Piedade João Ismael Pinheiro A na M aria Fernandes Pi t ta José A lberto Del Porto Branca Telles Ribeiro Fábio Lopes Rocha Jane de Araújo Russo Luiz Salvador de Miranda Sá Jr. Benedet to Saraceno It iro Shiraka w a Jorge A lberto Costa e Silva João Ferreira da Silva Filho Fábio Gomes de M atos e Souza Ricardo de O liveira Souza Yves Thoret Gilberto A . Velho Walter Zin A ntonio W . Zuardi Pede-se permuta Se solici t a el canje Exchange requested M an bit te t um A ustausch O n prie l’échange Si prega lo scambio ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX volume 52 • set / out 2003 J.bras.psiquiatr. 52 (5): 329-396, 2003 Publicação bimestral UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PESQUISA Av. Venceslau Brás, 71 Fundos 22290-140 Rio de Janeiro RJ Brasil Tel: (5521) 2295-2549 Fax: (5521) 2543-3101 w w w.ufrj.br/ipub e-mail: editora@ipub .ufrj.br DIRETOR M árcio Versiani mversiani@ipub .ufrj.br JORNAL BRASILEIRO DE PSIQUIATRIA jpb@ipub .ufrj.br EDITOR João Romildo Bueno romildo@ipub .ufrj.br EDITOR CONVIDADO DESTA EDIÇÃO E. A . Carlini EDITORA ASSISTENTE Gláucia A zambuja de A guiar editora@ipub .ufrj.br EDITORES ASSOCIADOS E. Portella Nunes Filho portella@ipub .ufrj.br João Ferreira da Silva Filho jferreira@ccsdecania .ufrj.br EDITOR EXECUTIVO Ne w ton M arins editora@diagraphic.com .br CIP-BRASIL-CATALO G AÇÃ O N A FO NTE SINDICATO N ACIO N AL D OS EDITORES DE LIVROS, RJ 071 Jornal brasileiro de psiquia tria / Inst itu to de Psiquia tria da Universidade Federal do Rio de Janeiro . — V.1, nº 1 ( ). — Rio de Janeiro: ECN-Ed . Científ ica Nacional, 2000 v.50 M ensal Editado pela Diagraphic a par tir do V.49 (10-12), 2000 Descrição baseada em: V.47, nº12 (1998) ISSN 0047-2085 1. Psiquia tria - Periódicos brasileiros. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro . Inst itu to de Psiquia tria 98-1981. CDD 616.89 CDU 616.89 Programação Visual e Produção Gráfica Diagraphic Editora Av. Paulo de Frontin 707 – Rio Comprido CEP 20261-241 – Rio de Janeiro-RJ Telefax: (21) 2502.7405 e-mail: editora@diagraphic.com.br w w w.diagraphic.com.br Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB 333 E. A. Carlin i Redução de danos: uma visão internacional João Carlos D ias; Sandra Scivo letto; C láud io Jerôn imo da Silva; Ronaldo Ramos Laran jeira; Marcos Zaleski; Analice G ig liott i; Iran i Arg imon; Ana Cecília P. Roselli Marques Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Carla Silveira; Den ise Doneda; Den ise Gando lfi; Maria Crist ina Hoffmann; Pau lo Macedo; Pedro Gabriel Delgado; Reg ina Benevides; Sueli Moreira Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Marcelo Santos Cruz; Ana Crist ina Sáad; Salette Maria Barros Ferreira Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas E. A. Carlin i Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos Edward MacRae; Mon ica Gorgu lho Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de Redução de Danos André Malberg ier; Arthur Guerra de Andrade; Sandra Scivo letto Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Beatriz Carlin i-Marlatt; Dagoberto Hungria Requ ião; Andrea Caro line Stachon Redução de danos: uma abordagem de saúde pública Marcelo Araú jo Campos; Dom iciano J. Ribeiro Siqueira Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos 335-339 341-348 349-354 355-362 363-370 371-374 375-380 Sumário 381-386 387-393 E rE rE rE rE rra t a :ra t a :ra t a :ra t a :ra t a : N o artigo Transtornos Mentais e Trabalho em Turnos Alternados em O perários de M ineração de Ferro em Itab ira (M G), pub licado no JBP 2003; 52(4): 283-89 , uma correção precisa ser feita no Resumo: na p . 283 , terceira linha, onde se lê n = 80 , o correto é n = 580 . J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 KNAW – Library of The Royal Netherlands Academy of Arts and Sciences LILACS – Index Med icus Latino-Americano N ISC Pennsylvan ia, Inc. Periód ica – CICH-UNAM Psychoinfo – American Psycholog ical Association Ulrich’s International Period icals D irectory UM I – Un iversity M icrofilms International Academ ia de C iências da Rússia Biolog ical Abstracts BLDSC – British Library Document Supp ly Center CAS – Chem ical Abstracts Service of American Chem ical Society Chem ical Abstracts Embase/Excerpta Med ica EM D O CS – Embase Document Delivery Service IBICT – Sumários Correntes Brasileiros IN IST – Institute de L’information Scientifique et Techn ique Fontes de referência e indexação: Apresentação Atualmente os problemas relacionados ao uso de drogas lícitas ou ilícitas no Brasil somam-se de forma crescente a uma ampla gama de questões sociais que exigem respostas precisas e efetivas. O debate sobre as formas de abordagem do uso abusivo de drogas é marcada pela discussão de pontos de vista aparentemente inconciliáveis, gerando dificuldades para o estabelecimento de consenso. Entre as questões discutidas mundialmente está a decisão de adotar ou não estratégias de prevenção e assistência orientadas pela lógica de redução de danos. Esta ótica, em uso pelo menos desde o início do século 20, teve impulso na última década como resposta, em grande parte, ao crescimento da ameaça representada pela epidem ia da Aids. Redução de danos constitui um conjunto de medidas preconizadas com o intuito de dim inuir os prejuízos relacionados ao consumo de álcool e de outras drogas, medidas essas que são adotadas sem que haja a exigência de os indivíduos implicados interromperem imediatamente o uso de drogas. A ausência de consenso ocorre porque se questiona se a utilização de estratégias de redução de danos, tanto em termos individuais quanto no plano coletivo, poderia agir como facilitação ou autorização para o consumo de drogas, sem levar em consideração os seus riscos e prejuízos.Também há aqueles que alegam ser a adoção dessa estratégia uma capitulação inaceitável na luta contra as drogas. Aqueles que defendem as estratégias de redução de danos, além de não concordarem com esses argumentos, ressaltam a dim inuição dos prejuízos individuais pelo emprego de uma estratégia por eles considerada mais realista. Para dirim ir este embate de posições há questões que ainda precisam ser respondidas, como: “A utilização de estratégias de redução de danos efetivamente dim inui os prejuízos?” e “A sua adoção pode, por outro lado, aumentar o consumo de álcool e de outras drogas?” . Várias outras questões são atualmente foco de debate e esforços no sentido de estender e aperfeiçoar os recursos de prevenção e assistência aos problemas relacionados ao uso de drogas, como a necessidade de ampliação da rede de atenção, a relação com a m ídia e a justiça e muitas outras. A definição sobre a utilização das estratégias de redução de danos é, no entanto, inadiável, uma vez que essa postura pode permear, como princípio, as ações em todas as demais áreas. O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Cebrid/FM/Unifesp), sob a coordenação do professor Elisaldo Carlini, confirmando sua excelência como centro de pesquisa nessa área, realizou, no dia 8 de agosto de 2003, a apresentação dos pareceres de centros universitários, associações com vasta experiência neste campo e representantes do M inistério da Saúde e da Secretaria Nacional Antidrogas sobre a adequação da adoção de estratég ias de redução de danos e tratamentos de substituição no Brasil. Este número do Jornal Brasileiro de Psiquiatria reúne os pareceres apresentados como uma valiosa contribuição, uma vez que constituem , no seu conjunto, extensa revisão das evidências encontradas na literatura, além de relevante experiência com práticas de redução de danos. Marcelo Santos Cruz Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas do Instituto de Psiquiatria da Un iversidade Federal do Rio de Janeiro (Projad/Ipub/UFRJ) 335 Membro titular eleito do International Narcotics Control Board (INCB), período 2002-2006. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Redução de danos: uma visão internacional Harm reduction: an international view E. A. Carlini R e s u m o A técn ica de redução de danos não é mencionada nas Convenções Internacionais da O NU (1961, 1971 e 1988). Portanto, de acordo com o International Narcotics Control Board (IN CB), órgão que é considerado o guard ião das convenções, esta modali- dade de atuação não pode ser classificada como contrária às convenções. Este órgão internacional reconhece mesmo a impor- tância da redução de danos como uma estratég ia de prevenção terciária. Esta op in ião é partilhada por muitos órgãos internaci- onais e nacionais. Todavia, o IN CB também alerta que a redução de danos não deveria ser utilizada apenas como uma “espécie de cunha” para facilitar a pregação de alguns que são favoráveis à legalização das drogas. Unitermos redução de danos; Convenções da ONU; INCB (JIFE); prevenção terciária; descriminalização; legalização S u m m a r y Harm reduction is not mentioned in the three United Nations Conventions: Single Convention on Narcotic Drugs, 1961; Convention on Psychotropic Substances, 1971; and Convention Aga inst Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances, 1971. As a consequence, according to the Internationa l Narcotics Control Board (INCB), a board considered as the guardian of these conventions, this form of prevention can not be classified as contrary to the conventions. Actua lly, the INCB recognizes the importance of harm reduction as a form of tertiary prevention. This opinion is supported by many other internationa l and nationa l bodies. However, the INCB a lso makes clear that harm reduction should not be utilized to help to promote movements a imed at lega lization of drugs. Uniterms harm reduction; UN Conventions; INCB (JIFE); tertiary prevention; drug discriminalization; drug legalization Introdução e definições Em fevere iro de 2002 , ass i m dec larava o International Narcotics Control Board (IN CB) das Nações Un idas: “As Convenções Internacionais (1961, 1971, 1988) não mencionam a redução de danos (...); portanto, esta modalidade não pode ser classifi- cada como contrária às Convenções.” E em abril de 2003 , o presidente do IN CB, prof. Ph ilip Emafo, assim se pronunciou na reu- n ião da Com issão de Drogas Narcóticas (C N D – Comm ission of Narcotic Drugs): “ O IN CB reconhece a importância da redu- ção de danos em uma estratég ia de prevenção terciária (. . .)” A fim de melhor entender o que foi d ito aci- ma, é oportuno defin ir o que são os órgãos ou estruturas mencionadas. O IN CB, constituído de 13 membros eleitos pelo Conselho Econôm ico e Social das Nações Un idas, é um órgão independente, mas mantido pelas Nações Un idas, que tem como função ser o guard ião das convenções, isto é, verificar se a co- mun idade mund ial obedece aos d itames das con- venções. Foi criado em 1961 pela Convenção Ún i- J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 335-339, 2003 336 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 ca de Entorpecentes. Ele pode ser considerado o jud iciário das Nações Un idas em relação ao pro- b lema das drogas. As três convenções da O NU (1961, sobre entor- pecentes; 1971, sobre psicotrópicos, e 1988, sobre substâncias químicas e precursores) são documen- tos que, através de seus artigos, dão regras aos paí- ses signatários sobre como controlar a produção, a distribuição, o uso, o armazenamento e os estoques de drogas narcóticas e psicotrópicas. Mais de 90% dos países são signatários desses documentos. Para exemplificar, 179 dos 192 países ou territórios já ade- riram à convenção de 1961. Acresce-se que os 13 países/territórios que ainda não aderiram têm pe- quena representatividade no concerto das nações. São eles: Angola, Congo e Guiné Equatorial, na Áfri- ca; Butan, Cambodja, Coréia do Norte e Timor Les- te, na Ásia; Andorra, na Europa; Kiribati, Nauru, Samoa, Tuvalu e Vanuatu, na Oceania. O Brasil é signatário das três convenções. A Com issão de Drogas N arcót icas (C N D – Comm ission of Narcotic Drugs) é o órgão da O NU, com mais de 50 membros, onde são tomadas de- cisões que poderíamos chamar de legislativas . É a C N D que pode, em assemb léia, tomar decisões como incluir ou excluir substâncias das conven- ções (retirando ou determ inando modificações nas listas). A C N D seria o braço político, o legislativo, das Nações Unidas, em relação às drogas. E finalmente temos o braço executivo da O NU, o Un ited N at ions O ff ice on Drugs and Crime , (UN O DC) que substituiu o Un ited Nations Drug Control Programme (UN DCP). Por fim , cabe também esclarecer as técn icas de prevenção adotadas pelas Nações Un idas atra- vés da Organização Mund ial da Saúde (O MS), que são as que se seguem: Prevenção pr i m ár ia:Prevenção pr i m ár ia:Prevenção pr i m ár ia:Prevenção pr i m ár ia:Prevenção pr i m ár ia: tem por finalidade as- segurar que uma desordem , um processo ou pro- b lema não ocorrerão, ou seja, imped ir o primeiro uso de uma droga. Preve nção secu n d ár ia: Preve nção secu n d ár ia: Preve nção secu n d ár ia: Preve nção secu n d ár ia: Preve nção secu n d ár ia: procura identificar e abolir ou mod ificar para melhor uma desordem , um processo ou prob lema o mais precocemente possível. Vale d izer: a prevenção secundária está ind icada para aqueles que tiveram contato com a droga e visa a imped ir ou d im inuir este uso ou pelo menos imped i-lo de aumentar. P rP rP rP rP revençãoterevenção terevenção terevenção terevenção terc iár ia: c iár ia: c iár ia: c iár ia: c iár ia: propõe interromper ou re- tardar o progresso de uma desordem , um proces- so ou problema e suas seqüelas, mesmo que as con- dições básicas do fenômeno ainda persistam . Em outras palavras, a prevenção terciária não tem mais como condição básica e prioritária reduzir ou abo- lir o uso de drogas, mas sim interromper ou dim i- nuir as seqüelas do uso, mesmo que este (as con- dições básicas) ainda persista. R. L. Dupont (1987), ex-d iretor do National Institute on Drug Abuse (N ida) dos EUA suma- riou os três tipos prevenção: • primária – preven ir o uso antes que e le se in icie; • secundária – imped ir a progressão do uso, uma vez já in iciado; • terciária – imped ir as p iores conseqüências do uso contínuo. É n essa ú l t i m a t écn ica d e p reve nção , a terciária, que os órgãos internacionais colocam a redução de danos, conforme já mencionado pelo presidente do IN CB. Redução de danos: uma visão internacional Carlini Histórico da redução de danos e as convenções da ONU Mesmo antes da convenção da O NU sobre narcóticos, de 1961, a redução de danos (embo- ra sem esta designação) já era praticada em vári- os países. Por exemp lo: óp io, heroína e morfina já eram adm in istrados como terapêutica de ad ic- tos em países da Europa, pelo menos desde a dé- cada de 1920; a adm in istração de óp io a pessoas ad ictas a esta substância já era prática comum na Ásia pelo menos a partir de 1914. E em 1965 in iciou-se a utilização da metadona para dependentes de op iáceos. Hoje em d ia essas modalidades de interven- ção terapêutica são chamadas de tratamento de substituição ou de manutenção, sendo formas de redução de danos. O termo redução de danos (RD) ainda não existia quando a Convenção de Drogas Narcóti- cas da O NU – 1961 foi estabelecida. Nessa con- venção , o artigo 38 d iz apenas: “med idas para preven ir o abuso e identificação precoce do mes- mo, tratar e reab ilitar o dependente” . A Convenção de Psicotróp icos de 1971 tam- bém não menciona RD . No seu artigo 20 consta apenas: “para preven ir o abuso, identificar, tratar e reab ilitar o dependente” . A Convenção de Precursores, de 1988, já se apro- xima um pouco da concepção de RD: no seu artigo 337J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 14 diz que medidas devem ser adotadas, visando a “eliminar ou reduzir a demanda ilícita (...) com o fito de reduzir o sofrimento humano” (grifo meu). Há ainda a consignar que em uma seção es- pecial da Assemb léia Geral da O NU, em junho de 1998 , o parágrafo 8 (b) pode ser interpretado como ind iretamente referindo-se às med idas de RD: “A redução de demanda visa a preven ir o uso de drogas e a reduzir as conseqüências adversas do abuso de drogas” (grifo meu). Foi baseado nesses fatos que o IN CB já havia concluído anteriormente que: “As Convenções Internacionais não mencio- nam a redução de danos (...); portanto, esta mo- dalidade de terapêutica não pode ser classificada como contrária às Convenções” . “ O IN CB, portanto, não se opõe à redução de danos, dado ser ela parte do tratamento méd ico (grifo meu) e uma estratég ia coerente de redu- ção de demanda (...)” . “ O IN CB, entretanto, está preocupado com que algumas intervenções de redução de danos possam ser utilizadas com o propósito de advo- gar uma legalização da droga para uso não-mé- d ico, com o que não concorda” . dução de danos, embora mostrasse uma certa preocupação: “IN CB reconhece a importância de certos as- pectos da redução de danos como uma estraté- g ia de prevenção terciária (grifo meu) para pro- pósitos de redução de demanda. Todavia o IN CB considera como seu dever chamar a atenção para o fato de que programas de redução de danos não são substitutos para programas de redução de demanda (...). O fato de que programas de redução de danos devem ser considerados ape- nas como um elemento de uma estratég ia mais amp la e abarcante de redução de demanda tem sido neg ligenciado” . Carlini Redução de danos: uma visão internacional Definição e filosofia da redução de danos O UN O DC , quando ainda UN DCP, na sua pu- b licação Redução de Demanda – Um G lossário de Termos, assim define a redução de danos: “Redução de danos refere-se a políticas ou pro- gramas que visam d iretamente a reduzir o dano resultante do uso de álcool ou outras drogas, tanto para o ind ivíduo como para a sociedade. O ter- mo é usado particularmente para programas que visam a reduzir o dano sem necessariamente exi- g ir abstinência” (grifo meu). O UN O DC d iz mais: “A extensão do desen- corajamento do uso continuado da droga varia grandemente de acordo com a filosofia do cen- tro que ap lica redução de danos”; e ainda: “A re- dução de danos é neutra em relação à sabedoria e à moralidade do uso continuado de drogas, e não deveria ser vista como sinônimo de movimen- tos que procuram descrim inalizar, legalizar ou promover o uso de drogas” . O IN C B , j á e m 1 9 9 3 , e m se u re l a t ór i o anua l , também reconhec ia a importânc ia da re- Objetivos e exemplos da redução de danos De acordo com o governo suíço, “intervenções de RD são aquelas planejadas para atingir as pessoas dependentes que não poderiam ser contatadas de outra maneira. Por exemplo, os programas de troca de agulhas e as salas de injeções são algumas vezes planejados com o objetivo adicional de se chegar até os dependentes fim de linha (hard core abusers) para motivá-los a iniciar tratamentos” (relatório da missão do INCB à Suíça, ano 2000). Essa exp licação do governo suíço encaixa-se b e m d e n tro d a d e f i n ição d e RD d ad a p e l o U N O D C . O que parece ser relevante nos programas de redução de danos é exatamente o que afirmou o governo da Suíça (e o de vários outros países), ou seja, são ou deveriam ser programas destinados a atingir usuários que não poderiam ser contatados por outros meios. Tanto assim é que o desenvolvi- mento de programas de redução de danos: • deve ter suas ações exercidas no próprio ambi- ente freqüentado pelos usuários de drogas; e • deve ating ir amb ientes de profunda exclusão social, exatamente o local onde se encontram os usuários fim de linha ou com comprometi- mento grave. Por outro lado, no sentido mais amplo, e seguin- do as características de uma prevenção terciária (evi- tar as piores conseqüências do uso de drogas), vári- as estratégias ou programas de redução de danos podem ser estabelecidos, como, por exemplo: 1 . programa de troca ou doação de seringas; 2 . escolha (sorteio) de motorista sóbrio; 338 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 Redução de danos: uma visão internacional Carlini 3 . servir beb idas em copos e recip ientes que não sejam de vidro, em casos de bares freqüenta- dos por bebedores-prob lema violentos; 4 . adesivos de n icotina para fumantes; e, 5. instituir tratamentos de manutenção ou de subs- tituição. Seguramente, esta última é uma das mais difundidas formas de redução de danos. Deve ser ressaltado que, em todas essas estra- tég ias, não se procura d im inuir ou parar o uso de droga, mas fazer com que o usuário evite danos a si e a outros. de danos à base de terapêutica de substituição por metadona. Por exemplo, o IN CB diz sobre isto: “Em quase todos os indivíduos dependentes de opióides, a metadona, quando corretamente prescrita, re- duz e freqüentemente elim ina o uso de opióides não-prescritos (...) um efeito indireto do uso legal da metadona é a redução do crime associado”. Deve-se também ressaltar que nos Estados Un idos uma conferência de consenso, patrocina- da pelo National Institutes of Health (N IH), em 1998 (JAMA 280,1936-1943,1998), concluiu que: “Embora um estado livre de drogas seja o ob- jetivoideal de tratamento, as pesquisas mostram que este estado não pode ser ating ido pela maio- ria dos pacientes. Todavia, outros ob jetivos im- portantes de um tratamento podem ser ating i- dos, ta is como d im inu ição do uso de drogas, d i m i n u içã o d a a t i v i d a d e c r i m i n osa e restabe lec imento de emprego , como acontece com a maioria dos pacientes sob a metadona” . M a is recen te mente , a própr ia substânc ia indutora de dependência tem sido dada aos pacien- tes sob supervisão médica. Esses programas são cha- mados tratamento de manutenção. É o caso da he- ro ína sendo fornec ida , sob contrato , para os dependentes desta substância na Holanda, na Suí- ça, na Alemanha e no Reino Unido; do ópio sendo administrado sob supervisão aos dependentes des- ta substância na Índia, no Irã, em M ianmá, na Laos e na Tailândia; da morfina para os dependentes desta substância na Austrália, na Guatemala, no México e Suíça. Tratamento de substituição / manutenção De acordo com a O MS: “Para uma pessoa de- pendente de uma substância psicoativa, a pres- cr ição d e u m a o u tra su bs t ânc ia ps icoat iva , farmacolog icamente relacionada àquela produzin- do a dependência, para ating ir ob jetivos defin i- dos de tratamento, usualmente melhora a saúde e o bem-estar do paciente” . Para o IN CB, um tratamento de substituição tem por finalidade: 1 . reduzir o uso ilícito da droga (o paciente rece- be a droga e a utiliza sob orientação); 2 . re d u z i r o r isco d e i n f ecçõ es p e l a v i a endovenosa; 3 . melhorar o estado físico e psicológ ico do usu- ário; e 4 . reduzir a crim inalidade. Ainda, para o IN CB: “ O programa de tratamento de substituição deve ser a última providência para os dependen- tes pesados (hard core) que não tiveram sucesso em tratamentos anteriores. Tal programa deveria ser encarado como última tentativa, mas, mesmo assim , como um programa provisório que deverá levar a um estilo de vida livre de drogas (...)” . Finalmente, o IN CB assim define um tratamen- to de subst itu ição: “pode ser defin ido como a prescrição de uma droga com ação sim ilar à dro- ga de dependência, mas com menor grau de ris- co, com a finalidade específica de tratamento” . Entre as substâncias usadas para a terapêutica de substituição destaca-se a metadona (embora outras drogas estejam mais e mais conquistando o rece i tuár io , co m o n o caso da co de ína e da buprernorfina). Existem op iniões taxativas a res- peito das vantagens de um programa de redução Da troca de seringas às salas de inalação Distribuição/ troca de seringas e agulhas Uma das formas mais utilizadas de redução de danos é a distribuição ou troca de agulhas e serin- gas. Em relação a esse programa, já em 1987 o INCB, em seu relatório anual, assim se expressava: “É claro que a adoção de medidas que possam diminuir o compartilhamento de seringas entre os usuários de drogas por via endovenosa é um passo necessário para limitar a propagação da AIDS. Ao mesmo tem- po, essas medidas profiláticas, que são urgentemente necessárias, não deveriam permitir ou mesmo facili- tar o abuso de drogas”. Dezesseis anos mais tarde, ou seja, no ano de 2003, o IN CB novamente se posiciona favoravel- 339J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 Carlini Redução de danos: uma visão internacional mente ao programa, dizendo: “Decisão 76/19 – Em relação à troca de seringas e agulhas, o INCB reafir- ma sua posição anterior, já apresentada em relatóri- os anuais, de que, embora concorde que tais pro- gramas possam ser necessários para l im itar a disseminação de HIV/AIDS, cuidados devem ser to- mados para tais medidas não provocarem o abuso de drogas”. Salas de injeção Outra iniciativa de alguns governos europeus que vem despertando a atenção refere-se a salas de injeção. São amb ientes onde os usuários po- dem injetar-se com as drogas que eles mesmos adquiriram . Não existe aconselhamento ou equi- pe de saúde nessas salas, apenas um local mais dis- creto e, portanto, mais protegido, para a prática de adm inistração endovenosa de drogas. Essas se- riam as razões aventadas para a existência da sala de injeção: os dependentes não mais injetar-se-iam nas ruas ou praças públicas, o que, certamente, confere certo grau de proteção. Mas alguns comen- tam que, na realidade, a verdadeira razão para o aparecimento dessas salas de injeção seria de or- dem econôm ica. Algumas das cidades onde essa prática (salas de injeção) está sendo incentivada (por quem? só governo?) já haviam antes adotado o programa das praças de drogas, locais públicos onde usuários de drogas por via endovenosa se reun iam para auto-adm in istrarem-se. A grande concentração de dependentes nessas praças e a visão deprimente de pessoas intoxicadas fez com que houvesse uma tremenda queda no comércio e no valor dos imóveis locais. As salas de injeção teriam então sido organizadas com o fito de dim i- nuir a presença de dependentes endovenosos em um único local (a praça), diluindo a população para diferentes pontos (as salas de injeção). O IN CB não concorda com a existência des- sas salas de in jeção, pois elas ferem as conven- ções, e assim se pronuncia no seu Relatório Anual de 1999: “ O estabelecimento de salas de in jeção, onde dependentes podem abusar de drogas obti- das ilicitamente, mesmo sendo estas salas d ireta ou ind iretamente supervisionadas pelo governo, é contrário às Convenções Internacionais. A au- toridade que autoriza as salas de in jeção, e assim perm it indo o uso (sem supervisão) de drogas, estará facilitando ou perm itindo o cometimento de crime envolvendo a posse e o uso de drogas, (...) encorajando o tráfico. As salas de in jeção de- vem ser claramente d istinguidas (grifo meu) dos locais med icamente supervisionados, onde dro- gas são prescritas para o uso dos dependentes (tra- tamento de substituição ou manutenção)” . O INCB novamente examina o problema, em novembro de 2002, e emite duas decisões a respeito, confirmando o que foi dito anteriormente: “Decisão 76/18 – em relação às salas de injeção, o INCB opina que tais programas estão em desacordo com as Con- venções e são uma violação das mesmas”; “Decisão 76/17 – em relação aos tratamentos de substituição e manutenção, o INCB opina que são legítimos em face das Convenções, desde que o objetivo último de tais tratamentos seja a abstinência”. Salas de inalação Em algumas cidades na Europa foi aberta uma variante das salas de in jeção, são as salas de inala- ção , onde os usuários podem fumar ou inalar crack e heroína que são adquiridos ilicitamente. Essas salas, que foram abertas em caráter experi- mental, não têm o aval do IN CB, que as condena como fez com as salas de in jeção. Controle de qualidade das drogas Na Holanda (e possivelmente em outros paí- ses europeus), o governo colocou junto às salas de in jeção/ inalação equipamentos que perm item aos usuários avaliar a pureza das drogas que com- pram ilicitamente no mercado negro. Em relação a este tóp ico, o IN CB tomou duas decisões. A pri- meira é condenando tal prática: “Decisão 76/20 – Em relação ao controle de qualidade de drogas, o IN CB op ina que tais programas estão em desa- cordo com as Convenções” . A segunda decisão foi a inclusão, em seu relató- rio anual (de 2003), a ser publicado no início de 2004, de um ou dois parágrafos sobre esse programa. Finalmente deve ser mencionado que o gover- no holandês descontinuou o programa de controle de qualidade, pois surgiram evidências de que o mes- mo estava incentivando o uso indevido de drogas. Endereço para correspondência E. A. Carlini Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) Departamento de Psicobiologia Universidade Federa l de São Paulo Rua Botucatu 862/1º andar – Ed. Ciências Biomédicas CEP 04023-062 – São Paulo-SP341 Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Harm reduction: perspectives for the Brazilian reality. Position of the Brazilian Association of Psychiatry and the Brazilian Association for Studies of Alcohol and Other Drugs João Carlos Dias1; Sandra Scivoletto1; Cláudio Jerônimo da Silva1; Ronaldo Ramos Laranjeira2; Marcos Zaleski2; Analice Gigliotti2; Irani Argimon2; Ana Cecília P. Roselli Marques2 R e s u m o Este artigo tem como ob jetivo apresentar princíp ios, conceitos, fundamentos e principais d iretrizes da redução de danos. Aborda as defin ições de risco e dano e a relação entre dano e uso de drogas, bem como a associação entre as perspectivas de danos ind ividuais e coletivos. Sub linha que a redução de danos é um con junto de estratég ias que visa m in im izar os agravos à saúde relacionados ao uso de drogas, quer sejam lícitas ou ilícitas, devendo ser encarada como uma das possíveis estratég ias de abordagem no tratamento e na prevenção do uso de drogas. Suas ações devem estabelecer com precisão quais os tipos e qual a d imensão de danos que pretende m in im izar e estar embasadas em evidências científicas. Enfatiza-se, contudo, a necessidade de serem devidamente exp licitadas as suas ind icações e o seu púb lico-alvo em nosso país e que evidências científicas embasarão a prática, levando em consideração riscos e benefícios ind ividuais e coletivos. Unitermos redução de danos; drogas lícitas e ilícitas; uso nocivo de drogas; dependência de drogas; risco; dano; abstinência; saúde pública S u m m a r y The purpose of this article is to present the principles, concepts, basis and the guidelines of the harm reduction strategy. It a lso presents the definitions of risk and damage and the relation between damage and drug use, as well as the association of the individua l and communitary damage. It emphasizes that harm reduction strategy is one of the possible approaches in the treatment and prevention of drug use and its actions must establish which kinds and dimensions it supposes to minimize based in scientific evidences. It a lso stresses, however, the need of its targets in our country taking into consideration risks and benefits to the individua l and to the population. Uniterms harm reduction; licit and illicit drugs; drug abuse; drug dependence; risk; damage; abstinence; public health J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 341-348, 2003 1. Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). 2. Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead). 342 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 Introdução ciais causados pelo uso de drogas. A Organ iza- ção Mund ial da Saúde propõe política neste cam- po. Exemp lificando no caso do álcool, as políti- cas g lobais que visam a d im inuir o consumo geral do álcoo l são: aumento do preço das beb idas; proib ição da propaganda do álcool; controle de acesso e d ispon ib ilidade do álcool; leis mais atu- antes sobre beber e d irig ir. No Brasil não temos uma política sobre o álcool que ob jetive d im inuir o consumo e o dano desta substância na nossa população, e, portanto, uma das prioridades de uma política racional sobre drogas deveria ser criar as co n d içõ es p ara q u e es t a p o l í t ica f osse imp lementada. Seria a mais importante med ida para d im inuir o custo social do álcool. Nos pou- cos exemp los onde algumas dessas políticas fo- ram imp lementadas temos resultados substanci- ais. Por exemp lo, há um ano a cidade de D iadema, na Grande São Paulo, aprovou o fechamento dos bares a partir das 23 horas. Desde então a morta- lidade por causas violentas caiu em mais de 50% . O primeiro conceito, baseado em princíp ios mais estritos, também pode ser entend ido, segun- do alguns autores, como ações dentro do campo preventivo, que é a melhor forma de reduzir ou evitar danos. Por este ângulo, podemos lembrar os seguintes dados: • as po lít icas de redução de danos para grupos específicos, como crianças e ado lescentes, de- veriam buscar ações sociais com vistas a est i- mu lar padrões de abstinência. Deveríamos en- tender um pouco mais as razões pelas quais a maioria dos ado lescentes não usa drogas. Exis- tem fatores de proteção nestes ind ivíduos que os mantém longe do consumo . Po lít icas que visem a amp liar estes fatores de proteção ao uso de drogas e a d im inu ição dos fatores de riscos do consumo deveriam ser est imu ladas e imp lementadas; • o tratamento baseado na abstinência para a de- pendência quím ica funciona e pode ser enten- dido, por este conceito mais ampliado, como a Cada ind ivíduo traz consigo uma bagagem d iferente a respeito do uso de drogas e, conse- qüentemente, d iversa atitude sobre redução de danos. Alguns apresentam posições e condutas influenciadas por suas próprias experiências de tra- tamento; outros tomam por base sua própria vi- são e formação, estando incluída a bagagem mo- ral-relig iosa sobre o uso de droga; outros, ainda, trazem uma visão menos estereotipada ou me- nos ríg ida do que é adequado em termos do uso de drogas para determ inado ind ivíduo; ou ainda uma visão pró-legalização das drogas4. Qual a atitude e a característica das d iversas visões sobre o uso de drogas e sobre os prob le- mas a ele relacionados que cam inham em sintonia com o movimento de redução de dano? E quais são as áreas em desacordo entre si ou que neces- sitam de maiores exp lorações e pesquisas? A redução de danos, portanto, pode ser en- tend ida atualmente por, pelo menos, duas ver- tentes d iferentes: (a) a primeira, mais fided igna aos conce itos primord iais de sua criação , para reduzir danos de HIV e DST em usuários de dro- gas in jetáveis e (b) a segunda, cujo conceito mais abrangente inclui ações no campo da saúde pú- b lica preventiva e de políticas púb licas que visam a preven ir os danos antes que eles ocorram . Para o segundo conceito, que parte do ponto de vista mais abrangente, alguns princíp ios base- ados em evidências devem ser destacados. A melhor forma de reduzir os danos de todas as drogas à sociedade é estimular padrões de abstinên- cia em todas as comunidades, famílias e indivíduos. Não existe uso de drogas isento de riscos. Da- dos recentes mostraram que doses relativamente baixas de álcool expõem adolescentes a maiores riscos de acidentes e a outros prob lemas. As políticas de redução de danos, neste senti- do mais amp lo, deveriam d im inuir os danos so- “As melhores estratég ias para conscientizar a sociedade e as autoridades competentes da importância da questão das drogas não se resumem a um só golpe de mestre. Na verdade, é um grito de guerra longo e firme. Quando apresentar sua argumentação sobre o caso, é fundamental se ater aos fatos, apresentá-los com sinceridade, e nunca parecer rad ical ou ter se deixado levar pela paixão em relação a esta questão. Acred ito que também é importante formar alianças com outros assuntos de interesse de saúde púb lica mais amp los.” Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Bo le t i m d a ABEA D , Bo le t i m d a ABEA D , Bo le t i m d a ABEA D , Bo le t i m d a ABEA D , Bo le t i m d a ABEA D , 2 0 0 12 0 0 12 0 0 12 0 0 12 0 0 1 Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al. 343J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 melhor política de redução de danos. Inúmeras evidências têm mostrado que as diferentes for- mas de tratamento funcionam . Infelizmentenão funcionam tanto como gostaríamos, mas, quan- do existe um sistema diversificado de tratamento numa comunidade na qual os profissionais são bem treinados, as taxas de sucesso aumentam muito. No Brasil não temos essa rede de trata- mento, que deveria ser prioridade absoluta para uma política de redução de danos neste grupo. Não podemos deixar de notar que um bom número de pacientes não apresenta uma boa evolução, mesmo com a oferta ideal de trata- mento. Estes pacientes deveriam receber um tra- tamento especial. Todo sistema de tratamento deveria basear-se numa política de inclusão da- queles pacientes que não estivessem tendo uma boa evolução, quer porque tenham uma co- morbidade psiquiátrica associada, quer por fal- ta de apoio social, ou por dano cerebral decor- rente da própria dependência quím ica. Estes pacientes deveriam ser incluídos no sistema de tratamento com programas especiais para eles. Nesta situação específica poderíamos falar em redução de danos no sentido estrito da palavra e oferecermos a possibilidade de o paciente ado- tar objetivos diferentes da própria abstinência. A recusa do paciente a se tornar abstinente nun- ca deveria ser motivo para a exclusão do trata- mento; • portanto, a redução de danos, no sentido es- trito da palavra, deveria ser uma das formas de tratamento oferecida aos pacientes. Existem evidências de que estas políticas podem salvar muitas vidas. Por exemp lo, na década de 1980 o oferecimento de agulhas e seringas na Ing la- terra poupou muitas vidas ao perm itir que as pessoas não utilizassem material contam inado pelo HIV. Mas foi somente com a demonstra- ção científica que essa política salvou vidas. Só então essas po líticas foram incorporadas, na prática, no governo conservador da primeira- m in istra Margareth Tatcher, na Ing laterra; • em uma política de drogas deveríamos evitar ideolog ias e seguir os avanços conceituais. As evidências científicas ainda são os melhores cri- térios para adotarmos na prática de saúde. Cor- remos o risco de o termo redução de danos acabar virando mais uma ideolog ia que venha a produzir, ela mesma, um grande dano a uma política de drogas que ainda não se desenvol- veu no Brasil. Assim , estabeleceu-se na literatura, ao longo dos anos, duas ou mais correntes de idealizadores da redução de danos. Procuraremos aqui retomar alguns conceitos in iciais, salientando a necessi- dade de esclarecimento dos princíp ios da redu- ção de danos, de sua defin ição e de suas práticas, as quais muitas vezes se contrad izem . Vo ltando , então , ao princíp io , é importante que se esclareça que o fundamento da redução de danos não estabelece , necessariamente , uma posição contra nem tampouco a favor do uso de drogas4. A redução de danos está focalizada no aumento ou na d im inu ição dos agravos con- seqüentes ao uso de substâncias psicoat ivas. A posição predeterm inada do uso de drogas como intrinsecamente bom ou ru im não tem sign ifi- cado neste contexto . Assim , a d iscussão sobre esta questão pressupõe a isenção de posições ideo lóg icas. Esta posição tem base nos primórd ios da re- dução de danos na Europa; entretanto algumas reflexões foram sendo acrescentadas ao longo dos últimos anos, colocando em xeque tal princíp io. Um profissional da saúde comprometido com a ética e com a med icina, baseado em evidências, poderia argumentar que as substâncias psicoativas p o d e m l evar a u m a d o e n ça d e p r i n c í p i os b iopsicossociais – a dependência – que pode ter conseqüências danosas para ind ivíduo. Portanto, ao não se assum ir uma posição sobre a droga, poder-se-ia estar incorrendo em má prát ica da med icina. Ressalte-se aqui que a posição do pro- fissional de saúde pode ser contrária às substân- cias, mas não aos ind ivíduos que as utilizam . Uma confusão conceitual, então, foi se esta- belecendo ao longo dos anos em torno da redu- ção de danos: alguns se mantendo nos princíp ios de sua criação, mais praticados na Europa, e ou- tros, incluindo práticas já existentes no campo da prevenção e do tratamento, no conceito e na prá- tica da redução de danos. Portanto, numa primeira instância, faz-se ne- cessário o estabelecimento de uma defin ição mais precisa, clara e un iforme sobre o termo redução de danos. Desta forma, as d iscussões a respeito das visões e ações acerca do assunto poderão es- tar devidamente fundamentadas. Deve-se levar em consideração o contexto social, a atitude, a cultura, os comportamentos, os háb itos, a ep ide- m io log ia e os padrões do uso de drogas. Estes últimos, especificamente, sofrem influência d ire- D ias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas 344 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 ta da d ispon ib ilidade e das trad ições com relação à formulação e fiscalização de políticas púb licas relacionadas ao uso. De acordo com Griff ith3, o uso de drogas pode ser entend ido em duas d imensões d ist in- tas. De um lado está o uso da droga que varia ao longo de um cont inuum , e de outro , suas conseqüências. A redução de danos tem primor- d ialmente o seu foco no eixo dos prob lemas as- sociados ao uso de drogas. Entretanto é neces- sário sempre considerar a relação d ireta ex istente entre a gravidade das conseqüências e o padrão do uso de droga. Portanto , mesmo que os con- ce itos se entrecruzem com prevenção e trata- mento , não deveríamos expand i-los? onados ao próprio efeito da droga no organ is- mo. Outros danos, porém , estão associados com a forma de utilização (por exemp lo, os utensílios utilizados). Fazem parte deste grupo as infecções p or h e p a t i t e B , H IV e h e p a t i t e C p or compartilhamento de equipamentos de in jeção. Outro exemp lo se relaciona às drogas de asp ira- ção , como aerossó is, resu ltando em laringoes- pasmo. Existem , ainda, os danos associados com o contexto no qual a droga é usada, como, por exemp lo , acidentes automob ilísticos associados ao comportamento de beber e d irig ir. No estabelecimento de políticas púb licas de redução de danos é prec iso ter em foco qua l o t ipo da re lação ex istente entre as drogas e os danos associados ao uso, e quais danos se pre- tendem m in im izar. A política de redução de danos, estabelecida em 1996 pelo governo do estado de São Paulo, por exemp lo1, visava a m in im izar o contág io por HIV, hepatites B e C associado ao uso de drogas in jetáveis por compartilhamento de seringas ou agulhas, bem como as doenças sexualmente trans- m issíveis pelo comportamento sexual de risco , comum entre os usuários de drogas in jetáveis. Es- sas ações podem ser entend idas como preventi- vas se tivermos como foco o ind ivíduo: são ações que ob jetivam d im inuir o risco de os ind ivíduos contraírem HIV ou outras doenças transm issíveis por contato sangüíneo e sexual. Entretanto o foco da redução de danos está na população, ou seja, do ponto de vista ep idem iológ ico, a redução de danos visa a m in im izar danos à sociedade que so- fre uma ep idem ia de HIV e outras doenças. A troca de seringas e agulhas foi uma estraté- g ia que claramente tinha em vista m in im izar o dano relacionado à contam inação por HIV, sífilis e hepatite numa população bem defin ida e que obteve resultados positivos, demonstrados em d i- versos trabalhos científicos. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al. Definição de risco e dano Risco pode ser defin ido como a possib ilidade ou probab ilidade da ocorrência de um evento. O dano prevê a ocorrência do evento em si4. Assim , esses termos não deveriam ser usados como si- nôn imos porque, inclusive, estão relacionados a campos d iferentes de atuação dentro do contex-to de uso de droga. A redução do risco está no campo da prevenção e visa a evitar ou d im inuir as chances de que um evento perigoso à saúde ocorra. A redução de danos prevê ações que d i- m inuam os danos inerentes a um evento perigo- so que já vem sendo praticado por ind ivíduos ou grupos de ind ivíduos. Relação entre uso de drogas e danos Comportamentos de risco não resu ltam ne- cessariamente em danos. Ex istem , por exemp lo , ind ivíduos que fumam por mu itos anos e se man- têm saudáve is , ou a inda ind iv íduos que não usam capacete ao p ilotar suas motocicletas e não sofrem acidentes. Contudo esses fatos não alte- ram a relação clara desses comportamentos de risco com a possib ilidade de danos. Além d isso , alguns comportamentos de risco , sab idamente relacionados com danos, podem ser prat icados por mu itos anos antes que ocorra o dano pro- priamente d ito . Que tipos de dano podem ser associados ao uso de drogas? Alguns tipos de danos hepáticos e cerebrais, por exemp lo, estão associados ao uso e álcool ou barb itúricos. Estes danos estão relaci- Definição: redução de danos Uma confusão freqüente se dá entre os termos m inim ização de danos e redução de danos. Redu- ção de danos pode ser considerada algo essencial- mente operacional (por exemplo, política de re- dução de danos, programa de redução de danos); a m inim ização de danos pode ser considerada uma meta global, um end point a ser alcançado através das estratégias de redução de danos4. 345J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 Outro aspecto importante d iz respeito ao ter- mo dano . As políticas de redução de danos pre- tendem m in im izar quais tipos de danos, relativos a que áreas da vida do ind ivíduo e em quais seg- mentos da população? Outra indagação que me- rece destaque é se a própria dependência deve ser considerada um dano. Dano pode ser defin ido como o resultado pre- jud icial à saúde, de gravidade alta e que decorre do uso de uma substância psicoativa, afetando um grande número de pessoas. Neste sentido, a redução de danos estabelece políticas e ações para m in im izar estes danos que tenham representação ep idem io lóg ica. Negrete6, em ed itorial pub licado na revista Add ict ion , afirma: “ Como pode alguém sugerir que a escravidão proporcionada pela droga não é um dos maiores danos no qual incorre o de- pendente?” . A vida de uma pessoa que depende de droga está d irecionada pela urgência em obter nova- mente a experiência dos efeitos da droga, ou pela necessidade de se livrar dos desconfortos causa- dos pela ausência da substância, decorrentes de alterações fisiológ icas cerebrais. Ademais, a gra- vidade da dependência é um dos pred itores de baixa adesão tanto para a troca de seringa como para a prática de sexo seguro entre os usuários de heroína, por exemp lo2. Neste sent ido , a própria dependência qu ím i- ca poderia ser entend ida como um dano , além do fato , já apontado , da ínt ima relação da de- pendência com outros danos. Aqui está uma con- fusão que precisa ser esclarecida, porque , na de- fin ição de dano , pode ser incluída a dependência, e isto fug iria do conceito h istórico in icial da re- dução de danos. Mas, por outro lado , como não considerar a dependência quím ica um dano? Faz- se necessária uma defin ição mais clara de quais os t ipos de danos fazem parte do en foque da redução de danos. Sendo a redução de danos tam bém u ma es t r a t é g i a d e sa ú d e p ú b l ica , n ã o se d e v e neg l igenc iar o dano da dependênc ia qu ím ica . Educação , in formação adequada , inc lusão so- c ia l , acesso aos serv iços de saúde são a lgumas das ações que poder iam ser inc lu ídas na redu- ção de danos , e a estas deve ser acrescentado o acesso fác i l e irrestr i to ao tratamento da de- pendênc ia qu ím ica . Princípios básicos de redução de danos D ias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas A redução de danos é fundamentada nos se- guintes princíp ios: 1 . a redução de danos é uma alternativa de saú- de púb lica para os modelos moral, crim inal e de doença do uso e da dependência de droga. O modelo moral defende a proib ição do uso ou da d istribuição de certas drogas, atos con- siderados crimes sujeitos a pun ição. Como ex- tensão do modelo moral (pressuposto: o uso de drogas ilícitas é moralmente incorreto), o sistema de justiça crim inal tem colaborado com os formuladores de políticas nacionais de guer- ra às drogas, cujo ob jetivo aparente é promo- ver o desenvolvimento de uma sociedade livre de drogas. Já o modelo doença enfatiza os pro- gramas de tratamento e de prevenção que pro- curam remed iar o desejo ou a demanda por drogas por parte do ind ivíduo (redução da deman- da), tendo como ob jetivo primord ial a abstinência. A redução de danos desvia-se de tais princíp ios, evitando julgamentos mo- rais de certo ou errado e oferecendo uma vari- edade de políticas e de proced imentos que vi- sam à redução das conseqüências prejud iciais do comportamento dependente. A redução de danos aceita o fato concreto de que mu itas pessoas usam drogas e a maioria delas apre- senta outros comportamentos, também de alto risco. Assim , a redução de danos trabalha com programas de baixa exigência, sem perder de vista a possib ilidade ideal da abstinência5; 2. a redução de danos reconhece a abstinência como resultado ideal, mas aceita alternativas que minimizem os danos para aqueles que permane- cem usando drogas. O princípio de tolerância zero estabelece uma dicotomia absoluta entre nenhum uso e qualquer uso, sem distinguir o uso experimental, os usos moderados, pesados e as diferentes dimensões de danos associados aos dis- tintos padrões de uso. A redução de danos não é contra a abstinência. Contudo acredita que os efeitos prejudiciais do uso de drogas e outros ris- cos assoc iad os , co m o a at iv i dade sexua l desproteg ida, podem ser co locados em um continuum. Quando há comportamento muito perigoso, a redução de danos propõe reduzir o nível da exposição ao risco. A abordagem de re- dução gradual estimula os indivíduos que tenham comportamento excessivo ou de alto risco a dar 346 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 um passo de cada vez para reduzir as conseqü- ências prejudiciais de seu comportamento5. Es- tratégias de redução de danos também têm apli- cação no uso de drogas legais, incluídos o tabaco e o álcool, para, por exemplo, tabagistas incapa- zes de abandonar o uso de maneira abrupta e definitiva. Existem, como alternativas disponíveis, os adesivos de nicotina, as gomas e outras for- mas de administração de nicotina menos noci- vas do que o fumo. Embora as terapias de substi- tuição de nicotina tenham sido criadas como um auxílio para deixar de fumar, algumas pessoas usam estes produtos para manter o uso de nico- tina num nível mais seguro6; 3 . a redução de danos surg iu princ ipa lmente como uma abordagem de baixo para cima, ba- seada na defesa do dependente, em vez de uma po lít ica de cima para baixo, promovida por formuladores de políticas de drogas5; 4 . a redução de danos promove acesso a serviços de baixa exigência como uma alternativa para abordagens tradicionais de alta exigência. Os programas comunitários de rua oferecem um exemplo de abordagem de baixa exigência na redução de danos. Em vez de estabelecer a abs- tinência como um pré-requisito de alta exigên- cia, para receber o tratamento para dependên- cia ou outro tipo de assistência, os defensores da redução de danos estão dispostos a reduzir estes obstáculos. Deste modo, os necessitados têm mais possibilidade de aderir, iniciar, envol- ver-se com a mudança do comportamento. Os programas de baixa exigência fazem isto de di- versas formas5. Emprimeiro lugar, os defenso- res de abordagem de baixa exigência estão dis- postos a encontrar o indivíduo em seus próprios termos – encontrá-lo onde estiver, em vez de onde você deveria estar. Informações de mem- bros da população-alvo são bem-vindas e, por- tanto, estimuladas, na tentativa de estabelecer uma parceria ou uma aliança entre os que for- necem os serviços e os que recebem (mesmo quando ambos os grupos consistem em usuári- os de drogas ativas). Novos programas são de- senvolvidos com a colaboração de pessoas di- retamente envolvidas e afetadas. Por meio do diálogo, da discussão e das iniciativas de plane- jamento mútuo (por exemplo, uso de grupos focais para reunir informações iniciais e fixação de metas), programas comunitários e serviços associados continuaram a emergir nos segmen- tos comunitários5; 5 . a redução de danos baseia-se no pressuposto do pragmat ismo empát ico versus idea l ismo mora l ista . Um adesivo para carros, popu lar em meados da década de 1990 , proc lama “ Merda acontece”6. Sendo uma abordagem prát ica, a redução de danos aceita esse fato desagradável da vida como prem issa básica. O comportamento prejud icial acontece, sem- pre fo i assim e sempre será. Uma vez aceita es t a p re m issa , a m e t a t o r n a-se a d o pragmat ismo empát ico: o que pode ser feito para reduz ir o dano e o sofrimento tanto para o i n d iv í d uo q uan to p ara a soc iedad e? O pragmat ismo não pergunta se o comporta- mento em questão é certo ou errado , bom ou ru im , doentio ou saudável. O pragmatismo preocupa-se com o manejo das questões co- t id ianas e das prát icas reais, e sua validade é avaliada por resu ltados prát icos5. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al. Perspectiva pessoal x saúde pública Grande parte dos prob lemas de infecção por H IV e h e p a t i t e C e n tre usuár i os d e d ro g as in jetáveis tem simultaneamente satisfeito as con- siderações tanto da saúde ind ividual como da saú- de púb lica. A redução de danos deve considerar tanto o n íve l ind iv idua l quanto o púb l ico da m in im ização do dano. O balanço dos benefícios dos danos para a população como um todo e o conhecimento dos danos totais ind ividuais forne- cerão o resultado dos benefícios púb licos4. Entre- tanto, como política púb lica, na prática a redu- ção de danos tem um olhar ep idem iológ ico. Esta confusão entre danos ind ividuais e danos para a sociedade precisa ser mais bem esclarecida, por- que nem sempre é possível contemp lar as duas perspectivas em questão. Falta uma resposta, ba- seada em evidências, sobre qual é a perspectiva da redução de danos. Tipos e dimensão dos danos e população-alvo Os danos em um n ível mais simp les podem ocorrer como um ún ico evento. Já em outras cir- cunstâncias os danos são cumulativos4. A gravi- dade do dano relacionado ao uso da droga, bem como os tipos de dano, deve ser cuidadosamente avaliada no estabe lec imento de programas ou políticas de redução de danos. Na Europa os pro- gramas de redução de danos tinham o seu foco 347J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 no usuário de droga que apresentava dependên- cia grave, que recusava o tratamento e que au- mentava as estatísticas dos d iversos prob lemas as- sociados ao uso de droga. Entretanto , gradualmente as ações de redu- ção de danos foram se expand indo para púb li- cos cu ja gravidade da dependência era menor. Ex istem evidências de que , quanto menor a gra- vidade do uso de droga, mais eficaz é o trata- mento . A questão não respond ida claramente é para qual púb lico as po lít icas de redução de da- nos devem estar vo ltadas? Seria para os usuári- os que não querem tratamento . Mas seria ét ica a prát ica de ações de redução de danos sem to- car no uso da droga? Como defin ir claramente quem são os usuários que defin it ivamente não irão ao tratamento? Se a redução de danos está vo ltada aos prob lemas do uso e evita sugestões, opções e reflexões sobre o uso da droga, como saber se o ind ivíduo é eleg ível para um progra- ma de redução de danos? gênc ia focados un icamente na abst inênc ia; (2) proporc ionar uma v isão rea l ista que re- conhece que o uso de drogas ocorre , que nem todos os usuários estão em estág ios de pront idão para mudança e que estas pesso- as têm d ire ito ao acesso aos serv iços de saú- de; (3) a redução de danos não é contra a abst inênc ia e não deve ser con fund ida com at itudes ou posições ideo lóg icas contra nem a favor do uso de drogas; 6 . as ações de redução de danos devem ter claros quais os tipos e a dimensão de danos que se pretendem m inim izar e estar embasadas em evi- dências científicas. As práticas de redução de danos mostraram-se eficazes através de pesqui- sas bem conduzidas em m in im izar os danos causados pelo HIV e outras doenças infecciosas, mas para estabelecer novas ações é necessário um maior número de pesquisas. Desta forma se questiona se a medicina deve colocar em práti- ca as intervenções ainda não-testadas e compa- radas com outras intervenções já existentes; 7 . a redução de danos reconhece que não é pos- sível impor mudanças ao comportamento de terceiros, mas é possível dar acesso à infor- mação a todos os cidadãos, com respeito , sem d iscrim inação , e com isso m in im izar os da- nos à saúde associados ao uso de drogas. En- tretanto a recusa do tratamento não deveria ser mot ivo imed iato para a exclusão do trata- mento . Todos deveriam ter acesso às in for- mações referentes a ele; 8 . a redução de danos deve ser considerada uma das possíveis estratég ias de abordagem ao tra- tamento e prevenção do uso de drogas. Desta forma, hão que se tornar exp lícitas suas ind i- cações e seu púb lico-alvo. Entretanto algumas questões permanecem pouco claras: (1) o foco das estratég ias de redução de danos está em n ível pessoal ou social? Ou como se dá essa ponderação entre o que é bom para o ind iví- duo ou para a sociedade? (2) Sabendo pelas evidências que a dependência é um dano à saú- de, estaria o profissional eticamente autoriza- do a não informar ao paciente sobre os riscos de uso da droga e não deixar claro que a meta ideal é a abstinência? (3) Para qual púb lico de usuários as políticas de redução de danos se voltam , e como identificá-los?; 9 . finalmente, a ABP e a ABEAD sugerem , forte- mente, a realização de um consenso nacional, D ias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Conclusões e recomendações 1 . A redução de danos pode ser entend ida por uma ótica mais abrangente, envolvendo ações de políticas púb licas e tratamento ou a partir de uma ótica mais restrita, como a troca de seringas, mas também ações que m in im izem danos antes que estes ocorram , estabelecendo programas, por exemp lo, sobre beber e d iri- g ir; 2 . a redução de danos é um con junto de estraté- g ias que visa a m in im izar os agravos à saúde associados ao uso de drogas, quer sejam líci- tas ou ilícitas; 3 . a redução de danos está focada no eixo dos prob lemas associados ao uso de drogas, mas não deve desconsiderar a existência da clara relação entre estes prob lemas e o uso, ao lon- go de um continuum , e que a própria depen- dência pode ser entend ida como um dano; 4 . é necessária uma defin ição ob jetiva do que seja dano, qual tipo de dano se pretende m in im i- zar com as estratég ias de redução de danos e quais as evidências científicas que embasarão a prática, levando em consideração riscos e be- nefícios para o ind ivíduo e para a sociedade; 5 . os princ íp ios da redução de danos são: (1) estabe lecer uma abordagem de baixa ex igên- c ia em a lternat iva aos serv iços de a lta ex i-348 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al. Referências 1 . Conselho Estadual de Entorpecentes do Estado de São Paulo (Conen/SP). Guia de ação . Imprensa Oficial do Estado S.A . IMESP; 1996 . 2 . Gossop M , Griffiths P, Pow is B, Strang J. Severity of dependence and HIV risk , II. A ids Care 1993; 52: 159-68 . 3 . Griff ith E. Tratamento do a lcoo l ismo . Porto A legre: Artes Médicas; 2001 . 4 . Heather N , Wodak A , Nadelmann E, O Hare P. Psychoactive drugs & harm reduct ion: from fa ith to sc ience . Brit ish Library; 1992 , p . 3-34 . Jornal Brasileiro de Psiquiatria 5 . Marllat GA et al. Redução de danos: estratégias práticas para lidar com o comportamento de alto risco . Porto A legre: Artes Médicas; 1999 . 6 . Negrete JC . Harm reduc t ion: quo vad is? Add ic t ion 2001; 96: 543-5 . Endereço para correspondência João Carlos Dias Avenida Nossa Senhora de Copacabana 788/1202-1204 CEP 22050-001 – Rio de Janeiro-RJ Tel./fax: (21) 2548-3616 e-ma il: jcdias@casasaude.com.br com a participação de todas as entidades re- presentativas, para a d iscussão amp la e cientí- f ica d o te m a co m a f i na l i d ad e d e sere m estabelecidas metas, prioridades, bem como o esclarecimento de conceitos dúb ios e proto- colos de atuação. 349 R e s u m o Os desafios colocados pela realidade contemporânea exigem esforços para construção de políticas púb licas de atenção à saúde. H istoricamente, a questão sobre a temática droga foi vista exclusivamente pela ótica predom inantemente psiquiátrica ou méd ica. O uso e/ou abuso e/ou dependência de álcool e outras drogas representam um prob lema que é do âmb ito da saúde púb lica, que pressupõe necessária interface com outros programas do M in istério da Saúde, de outros m in istérios (Justiça, Educa- ção, Secretaria de D ireitos Humanos), organ izações governamentais e não-governamentais e demais representantes da socieda- de civil organ izada, garantindo, assim , a intersetorialidade na construção de uma política de prevenção, tratamento e educação para o uso/consumo de álcool e outras drogas. Entendemos que sobre este tema há predom ín io da heterogeneidade, já que afeta d iferentes pessoas de d iferentes maneiras, por d iferentes razões, em d iferentes contextos e circunstâncias. As ações de saúde devem atender às d iferentes especificidades (isto é: eqüidade, un iversalidade e integralidade do Sistema Ún ico de Saúde [SUS]) apresentadas pelo consum idor. Portanto, para que esta política de saúde seja coerente, eficaz e efetiva, devemos ter em conta que as d istintas estratég ias (retardo no consumo de drogas, redução de danos associada ao consumo e superação do consumo) são comp lementares e fundamentais para a sua construção. Unitermos saúde pública; redução de danos; usuários de álcool e outras drogas S u m m a r y The challenges put by the contemporary reality demand efforts for the construction of public politics of attention to health. Historically, the subjects on the theme drugs were seen exclusively through the optics of psychiatrics or doctors. The use and/or abuse and/or dependence of alcohol and other drugs represent a problem that is of public health extent, that presuppose necessary interface with other programs of the Ministry of Health, other Ministries (Justice, Education, General O ffice of Human Rights), government and non-government organizations and other representatives of the organized civil society, so guaranteeing the participation of all the sections in the construction of politics of prevention, treatment and education for the use and/or abuse of alcohol and other drugs. We understand that on this theme there is a prevalence of the heterogeneity, since it affects different people in different ways, for different reasons, in different contexts and circumstances. The actions of health Assessores do M inistério da Saúde. Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Politics of the Ministry of Health for integral attention to users of alcohol and other drugs Carla Silveira; Denise Doneda; Denise Gandolfi; Maria Cristina Hoffmann; Paulo Macedo; Pedro Gabriel Delgado; Regina Benevides; Sueli Moreira J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 349-354, 2003 350 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 Introdução A política de promoção, prevenção, tratamen- to e educação voltada para o uso de álcool e ou- tras drogas deverá necessariamente ser construída nas interfaces intra/ intersetoriais. Visto que o uso de álcool e outras drogas é um grave prob lema de saúde púb lica, o M in istério da Saúde, pautado no comprom isso ético de defesa da vida, apre- senta as d iretrizes para a construção de uma polí- tica de atenção integral, assum indo completamen- te o desaf io de preven ir, tratar e reab i l itar os usuários de álcool e outras drogas e enfocando a imp lementação e a imp lantação de ações com es- tratég ias mais amp las, que possam contemp lar g ra n d es p arce l as d a p o p u l ação e q u e n ão priorizem a abstinência como ún ica meta viável. A realidade contemporânea tem colocado no- vos desafios no modo como certos temas têm sido habitualmente abordados, especialmente no cam- po da saúde. A construção de diretrizes para a saú- de deve ser coletiva. Os modelos assistenciais de- vem ser revistos, objetivando contemplar as reais necessidades da população, o que implica desen- volver ações que possam atender igualmente ao di- reito de cada cidadão. Este é um preceito da Consti- tu ição brasileira: a saúde deve ter abrangência universal, não existindo critérios que perm itam a exclusão de qualquer segmento social de possíveis benefícios ou, ainda, que releguem grupos ou indi- víduos a intervenções preventivas ou assistenciais de qualidade inferior ou de menor abrangência do que aquelas oferecidas aos seus concidadãos. O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Constituição em 1988 e regulamentado pelas Leis 8.080/90 e 8.142/90, a Lei 10.216 (marco legal da reforma psiquiátrica) e o relatório da Conferência Nacional de Saúde Mental (dezembro/2001) vêm reforçando e fomentando o que é hoje tomado como imperativo: a elaboração de estratégias e pro- postas para efetivar e consolidar o modelo de aten- ção aos usuários de álcool e outras drogas, de modo a garantir seu atendimento pelo SUS. De acordo com a Organ ização Mund ial de Saúde, cerca de 10% das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem substânci- as psicoativas de forma abusiva, independente- mente de sexo, idade, n ível de instrução e poder aquisitivo. Isso nos mostra que estamos d iante de um prob lema de grandes proporções. Frente à au- sência de políticas claras e concretas de atenção voltadas para esse segmento, surg iram , no Brasil, alternativas de atenção pautadas pelo resultado de abstinência. Contexto nacional: impacto do uso de álcool e outras drogas Pesquisas e estudos realizados observaram os seguintes pontos: 1 . a Organ ização Mund ial de Saúde apontou que 10% das populações que vivem em centros ur- banos de todo o mundo consomem abusiva- mente substâncias psicoativas, sendo que o ál- coo l e o tabaco possuem maior prevalência g lobal, trazendo conseqüências graves para a saúde púb lica mund ial23; 2 . es t u d o co n d u z i d o p e l a U n ivers i d a d e d e Harvard apontou o álcoo l como responsável por 1,5% de todas as mortes no mundo e por 2,5% do total de anos vividos ajustados para incapacidade21; 3 . há uma tendência mund ial que aponta para o uso cada vez mais precoce de substâncias psicoat ivas, sendo que tal uso ocorre de for- ma cada vez mais pesada. Estudo realizado pelo CentroBrasileiro de Informações sobre Política do M inistério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Silveira et al. should assist the different peculiarities (that is, equity, universality and totality of SUS) presented by the consumer. Therefore, so that these politics of health are coherent and effective, we should take into account that the different strategies (the retard of the consumption of drugs, the harm reduction associated to the consumption and the abstinence of the consumption) are complementary: they are fundamental elements in the construction of these politcs. Uniterms public health; reduction of damages; users of alcohol and other drugs 351J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 Drogas Psicotróp icas (Cebrid) acerca do uso indevido de drogas por estudantes em dez ca- p itais brasileiras fo i ut ilizado como base com- parat iva para outros estudos e demonstrou que houve aumento do uso freqüente do ál- coo l em seis das dez cap itais brasileiras que part iciparam do estudo , e do uso pesado (20 vezes ou mais) em o ito; 4 . vinte e cinco por cento dos casos notificados de Aids no Brasil estão d ireta ou ind iretamen- te relacionados à categoria de exposição ao uso de drogas in jetáveis (Boletim Ep idem iológ ico C N DST/Aids/2001); 5. estudo realizado entre usuários de drogas injetáveis (UDIs) contatados por projetos de redução de danos aponta que 38,6% compartilharam agu- lha e/ou seringa com outra pessoa, enquanto 35,9% utilizaram agulhas e/ou seringas de outra pessoa. A taxa de soroprevalência de HIV nesta população é de 36,5%8; 6. pesquisa encomendada pelo governo federal mostra, em seus resultados prelim inares, que 53% do total de pacientes atend idos por aci- dentes de trânsito no Ambulatório de Emer- gência do Hosp ital das C lín icas em São Paulo estava com índ ices de alcoolem ia em seus exa- mes de sangue superiores aos perm itidos pelo Cód igo de Trânsito Brasileiro. Das análises em vítimas fatais (IML/SP), o n ível de alcoolem ia encontrado chega a 96,8%7; 7. série histórica do Sistema de Mortalidade do M i- nistério da Saúde nos últimos oito anos sobre a relação entre o uso de álcool e outras drogas e eventos acidentais ou situações de violência evi- dencia o aumento na gravidade das lesões e a dim inuição dos anos potenciais de vida da po- pulação. Os acidentes e as situações violentas ocupam o segundo lugar em causa de mortali- dade geral, sendo o primeiro lugar na causa de óbitos entre pessoas de 10 a 49 anos; 8. dados do Datasus referentes ao ano de 2001 notificam 84.467 internações para tratamen- to de prob lemas relacionados ao uso de álco- o l , n ú m ero q ua tro vezes su p er i or ao d e internações ocorridas por uso de outras dro- gas. N este mesmo período foram em it idas 121 .901 autorizações para internação hosp i- talar (AIHs) para internações relacionadas ao alcoolismo; a méd ia de internação foi de 27,3 d ias, e o custo anual para o SUS foi superior a 60 m ilhões de reais; 9 . n o p er í o d o d e 1 9 8 8 a 2 0 0 1 , se g u n d o o Datasus, os gastos decorrentes do uso de álco- o l represen tavam 87 ,9% contra 13% dos oriundos do consumo de outras substâncias psicoativas; 10 . no Brasil, estima-se que 20% das pessoas tra- tadas na rede púb lica de atenção primária be- bem em um n ível considerado de alto risco, sendo que o sistema de saúde leva em méd ia cinco anos para d iagnosticar tal situação. Eficácia das ações de redução de danos e sua ampliação para a clínica das dependências As ações de redução de danos tiveram in ício no Brasi l em 1989 , em um ún ico mun ic íp io , Santos, no estado de São Paulo. Esta primeira in i- ciativa teve grande resistência das autoridades ju- d iciais. Somente em 1994, com o primeiro acor- do de empréstimo do governo brasileiro com o Banco Mund ial, e em parceria com o Programa das Nações Un idas para o Controle Internacional de Drogas, a redução de danos constituiu-se como uma política de governo, mas ainda de modo par- cial. O governo federal assum iu a redução de da- nos como importante ação de saúde púb lica. Es- sas ações foram acompanhadas pelo M in istério das Saúde – Coordenação Nacional de DST/Aids. O primeiro programa vinculado foi o do Centro de Estudos e Terap ia do Abuso de Drogas (Cetad), na Bah ia, vincu lado à Un iversidade Federal da Bah ia (UFBA). O M in istério da Saúde, em parceria com o M i- n istério da Justiça, in iciou a construção de pare- ceres para que a interpretação da antiga Lei 6.368, antidrogas, não imped isse as ações e o desenvol- vimento de trabalhos de intervenção baseados em capacitação pelos pares e trabalho de redutores de danos. Constatou-se desde então que o impacto das ações de redução de danos está d iretamente rela- cionado ao fato da inclusão dos usuários de dro- gas na agenda púb lica. Estudos realizados pela Un iversidade Federal de M inas Gerais (1999/2001) demonstravam que as ações de redução de danos d irig idas a UDIs promoviam mudança de comportamento desde o aumento consistente no uso de preservativo , d e 4 2 % p ara 6 5 % , a t é a d i m i n u içã o n o compartilhamento de material de injeção, de 70% Silveira et al. Política do M inistério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas 352 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003 para 41% . A procura para d iagnóstico de HIV e hepatites, o tratamento de dependência quím ica e o tratamento da Aids também foram relatados a partir da imp lantação dos programas de troca de seringas, d im inuindo a vulnerab ilidade à in- fecção pelo HIV, bem como a soroprevalência da hepatite C nos usuários de drogas in jetáveis. Atualmente contamos com 160 projetos finan- ciados pela Coordenação Nacional de DST/Aids no Brasil e que atingem 84 mil pessoas, o que equivale a 10,5% do total estimado de UDI no Brasil. Existem 19 associações de usuários, ex-usuários e profissio- nais da redução de danos, sendo que duas são naci- onais e 17, estaduais. Elas têm tido papel fundamen- tal na conquista de cidadania pelos usuários de drogas, exigindo dos profissionais de saúde novas posturas para o atendimento do usuário. Outras estratég ias e ações devem ser in icia- das e/ou imp lementadas, como a atenção para o compartilhamento de seringas e agulhas para uso de anabolizantes em academ ias de ginástica e para ap licação de silicone e de hormôn ios. Bem como ações que estão sendo realizadas de forma pon- tual. Há necessidade, pois, de expand ir as estraté- g ias de redução de danos para outras drogas e vias de adm in istração, como o crack e o álcool. A ampliação e a garantia da participação ativa dos usuários de drogas na construção de políticas públicas de saúde, bem como o apoio governamen- tal para a diminuição das vulnerabilidades deste seg- mento. Para tanto são necessários investimentos na- cionais e internacionais na discussão das leis em vigor, a partir dos custos sociais e econômicos que as polí- ticas repressivas (proibicionistas) fazem recair sobre a saúde. tados e no D istrito Federal, a d iversidade das ca- racteríst icas popu lacionais e a variação da inci- dência de transtornos causados pelo uso abusivo e/ou dependência de álcoo l e outras drogas, o M in istério da Saúde propôs a criação de 250 Centros de Atenção Psicossocial (Caps – álcoo l e drogas), d isposit ivo assistencial de comprovada reso lub ilidade que pode abrigar em seus pro je- tos terapêut icos prát icas e cu idados que contem- p lem a flex ib ilidade e a abrangência possíveis às necessidades a esta atenção espec íf ica, dentro de uma perspect iva estratég ica de redução de danos sociais e à saúde . Os Caps ad devem oferecer atend imento d iá- rio, sendo capazes de prestar atend imento nas d i- versas modalidades (intensiva/sem i-intensiva/não-
Compartilhar