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Estado de Coisas Inconstitucional no Neoconstitucionalismo Brasileiro

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ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL:
 Instrumento de Efetivação de Direitos no Neoconstitucionalismo Brasileiro
STATUS DER DINGE VERFASSUNGSWIDRIG:
Instrument der Rechtewirksamkeit im brasilianischen NeoKonstitutionalismus
João Matheus Moraes[1: Acadêmico do curso de direito do Centro Universitário Univel. ]
Alessandro Severino Valler Zenni[2: Pós doutor pela universidade de Lisboa. Professor do curso de direito do Centro Universitário Univel.]
RESUMO: O constitucionalismo contemporâneo conhecido, também, por neoconstitucionalismo, surge com o objetivo precípuo de dar efetividade e aplicabilidade às normas elencadas nas constituições modernas. Para tanto, se faz necessário ter uma visão panorâmica da teoria da constituição. Pretende-se ainda estudar o instituto do estado de coisas inconstitucional importado do direito colombiano, através da ADPF 347 impetrada em 2015 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), como possibilidade de promoção dos direitos fundamentais e sociais elencados na carta magna. Seguindo essa perspectiva, o trabalho restringir-se-á na análise de três grandes temas, sendo eles: a perspectiva histórica do neoconstitucionalismo; a visão crítica da ideologia valorativa extraída do livro “A ideologia alemã” de Karl Marx e Friedrich Engels; o aprofundamento do instituto do estado de coisas inconstitucional e sua aplicação ao direito pátrio. Quanto ao neoconstitucionalismo, pretende-se expor um pouco de seus fundamentos, objetivos e aplicabilidade das normas programáticas e diferidas. Quanto à ideologia valorativa, a finalidade é demonstrar a necessidade de materialização das normas constitucionais, afastando as mesmas de tornar-se mera ideologia utópica que não promove a justiça e a igualdade entre os povos, voltando a ser a constituição um mero papel político. Não obstante, conceituar-se-á o instituto do estado de coisas inconstitucional, analisando seus pressupostos com base na Constituição de 1988.
PALAVRAS-CHAVE: Neoconstitucionalismo. Omissão. Inconstitucional. Ideologia.
ZUSAMMENFASSUNG: Der moderne Konstitutionalismus bekannt auch durch NeoKonstitutionalismus kommt mit ultimative Ziel aus Wirksamkeit und Anwendbarkeit auf aufgeführten Standards in modernen Verfassungen zu geben. Daher ist es notwendig, einen Überblick über die Theorie der Verfassung zu haben. Ziel ist es, auch das Institut für verfassungswidrig Zustand von kolumbianischem Gesetz von ADPF 347 im Jahr 2015 von der Partei des Sozialismus und Freiheit (PSOL), wie die Möglichkeit der Förderung des Grunde und sozialer Rechte in dem Magna Carta aufgeführt eingereicht importiert zu studieren. Nach dieser Perspektive wird die Arbeit in drei Analyse beschränkt werden, wichtige Themen, nämlich: die historische Perspektive von NeoKonstitutionalismus; die kritische Ansicht des extrahierten wert Ideologie des „Deutschen Ideologie von “Karl Marx und Friedrich Engels; die Vertiefung des Staatlichen Instituts für verfassungswidrig Dinge und ihre Anwendung auf das Elternrecht. Was neoconstitutionalism zielt darauf ab, einen Teil ihrer Motive, Ziele und Anwendbarkeit der programmatischen und latenten Standards zu belichten. Wie für die wert Ideologie ist der Zweck die Notwendigkeit Materialisierung verfassungsrechtlichen Anforderungen zu demonstrieren, das auch von immer nur utopische Ideologie zu entfernen, die nicht Gerechtigkeit und Gleichheit zwischen den Völkern der Verfassung fördert eine bloße politische Rolle kommen. Dennoch wird es das Staatliche Institut für verfassungswidrig Dinge wird Konzeptualisierung, ihre Annahmen zu der Basis in der Verfassung von 1988 zu analysieren.
Schlüsselwörter: Neo-Konstitutionalismus. Weglassung. Verfassungswidrig. Ideologie.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho ora proposto tem por finalidade responder algumas indagações objetivando a teorização do estado de coisas inconstitucional no direito brasileiro. Observa-se o problema núcleo do trabalho no âmbito do direito constitucional. Ante a relativização hermenêutica do direito constitucional caberia a implantação, no neoconstitucionalismo brasileiro, do instituto do Estado de Coisa Inconstitucional com a finalidade de promoção dos direitos fundamentais e sociais, sem com isso violar a separação dos poderes? 
Na busca de solucionar o problema evidenciado, levantam-se as seguintes hipóteses: O neoconstitucionalismo é aquele que está “por vir”, visando assim a afirmação positiva de preceitos fundamentais garantindo a veracidade das normas constitucionais excluindo-se as normas impossíveis de aplicação, consolidando os direitos de terceira dimensão, quais sejam fraternidade e solidariedade, garantindo ainda ampla participação democrática das decisões, enquadrando-se o mecanismo do estado de coisas inconstitucional como um instrumento de efetivação dos direitos constitucionalmente estatuídos, quando existente omissão de algum dos poderes do Estado (DROMI apud LENZA, 2017).
O direito como ideologia pode encontrar-se em um verdadeiro paradoxo, pois pode representar uma verdadeira garantia de efetivação dos direitos, no entanto pode refletir apenas a vontade da classe dominante. Ante isso, pode-se dizer que, buscando um real Estado Democrático de Direito, poder-se-ia conjugar o estado de coisas inconstitucional ao plebiscito criando, dessa forma, um meio de controle das decisões do Supremo Tribunal Federal gerando, consequentemente, legitimidade do instituto. 
Pretende-se, com o presente trabalho, encontrar no estado de coisas inconstitucional um mecanismo de defesa dos direitos fundamentais e sociais assegurados na constituição federal.
Basicamente, o estado de coisas inconstitucional é definido pela existência de uma violação massiva de direitos fundamentais. Esta é derivada da negligência dos poderes estatais, principalmente legislativo e executivo, que não atuam objetivando a plena aplicação da norma constitucional, seja por normatização de matérias entendidas como de eficácia limitada (classificação de José Afonso da Silva, 2012), seja por omissão na implantação de políticas públicas dirigidas a tornar possível todas as garantias constitucionais. Essa violação somada à omissão estatal promove uma demanda muito elevada no poder judiciário que, por consequência, gera uma lentidão em toda a máquina judiciária.
Nesse ínterim, visa-se analisar a possibilidade de uma normatização do estado de coisas inconstitucionais baseado nos fundamentos da democracia direta, ou seja, a implantação do instituto vinculado à decisão dos cidadãos através do plebiscito. Quando declara-se o estado de coisas inconstitucional para repelir inconstitucionalidades no atendimento à saúde por ausência de leitos, por exemplo, é necessário um deslocamento de recursos para resolução do problema, no entanto vislumbra-se uma possível invasão do judiciário na esfera do executivo, legitimado para tomar tal posição. Pretende-se, no entanto, deixar que o povo elenque a prioridade para aquele momento, chancelando a sentença proferida pelo judiciário, objetivando uma reestruturação do sistema para garantir a destinação de recursos para aquela área especifica. 
Nesse sentido, são os objetivos do trabalho: em primeiro lugar, fazer um levantamento histórico do constitucionalismo, culminando no neoconstitucionalismo, assim como, demonstrar sua finalidade; logo após, questionar o plano eficácia dos direitos fundamentais e sociais segundo o conceito de ideologia de Marx. Ato contínuo analisar a possibilidade de implementação do Estado de Coisas Inconstitucional no direito brasileiro vinculado ao plebiscito, como modo de legitimação do instituto e não violação dos poderes; e, por fim, definir o estado de coisas inconstitucional visando à diminuição da tensão existente entre constituição formal e constituição material.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSTITUCIONALISMO
Contemporaneamente tem-se o direito constitucional como núcleo essencial do sistema jurídico, donde emana toda a organização do Estado, princípios e aspirações políticas. Ela é a força jacentedos princípios ambicionados pela sociedade que rege. Como o sol que transpassa seu calor e energia a todo o sistema solar, a constituição transpassa toda sua força normativa ao sistema jurídico.
Nem sempre, no entanto, foi assim. Houve um processo histórico de construção da constituição e, consequentemente, do constitucionalismo. Evidenciava-se no período feudal a concentração de poder nas mãos de um homem, o rei. Mendes e Branco citam em seu livro Jean Bodin, que afirma que, 
Em 1576, Bodin publica, em Paris, os Seis Livros da Republica e teoriza sobre o poder absoluto do soberano – o rei. Para o autor, esse poder é perpetuo, porque não pode ser revogado. E não o pode ser porque não deriva de outro poder, não é fruto de uma delegação, mas é originário. [...] O poder absoluto não é tido como poder ilimitado; Bodin defende a existência de pelo menos dois limites. O primeiro ligado à distinção entre o rei e a Coroa, que impede o rei de alterar as leis de sucessão e de alienar os bens que formam parte da fazenda pública. O segundo, relacionado com a impossibilidade de o monarca dispor dos bens que pertencem aos súditos, para não confundir-se com um tirano. (BODIN apud MENDES; BRANCO, 2015, p. 41)
Este poder absoluto legitimava-se, pois segundo Thomas Hobbes, o homem em seu estado de natureza vivia em constante estado de guerra, dessa forma, para que os homens “pudessem dormir de portas abertas”, abdicaram de parcela seus direitos para que o soberano garantisse a segurança da sociedade (HOBBES, 2014). No século XVIII, porém, durante o governo de Luis XVI houve uma grande concentração do poder, na qual seus súditos, burguesia comerciante que pagava altos impostos ao reino e a plebe grande maioria da população que não tinham o mínimo para a sobrevivência, tinham como substrato basicamente pão e água. 
Era notória a desigualdade sofrida pelos franceses durante o governo de Luis XVI, por essa razão parte dos intelectuais da época inspirados no ideal iluminista, insurgiu-se aos seus desmandos, dando origem à revolução francesa em 1789, que levou à queda da Bastilha, à decapitação do rei e à criação de uma assembleia constituinte, assim como à declaração dos direitos do homem e do cidadão em 1791.
O constitucionalismo norte-americano, não obstante, nascia posteriormente a declaração de independência em 1776, uma vez que buscavam manter a união das 13 colônias. Diferentemente dos revolucionários franceses, porém, a maior preocupação do constitucionalismo norte-americano não foi o controle do poder executivo, mas sim o controle dos parlamentares, entendidos como corruptos e detentores de poder ilimitado, quando ainda colônia Britânica (CASTRO, 2014).
Buscava-se na América do Norte o equilíbrio entre os poderes, pois com a constituição de 1787, elaborada de modo sintético, objetivando não ultrapassar os limites dos estados membros, visava-se a divisão idealizada por Montesquieu quando da divisão dos poderes. Desse modo, verificou-se pela primeira vez o princípio da supremacia da constituição quando do julgamento do caso Marbury vs. Madison em 1803, caso emblemático que vinculava todos à legalidade da constituição, avocando ao poder judiciário o controle da constitucionalidade das normas. 
Sob esse contexto, vislumbra-se uma vitória aparente do liberalismo clássico que era regido pelos valores do individualismo, do absenteísmo estatal, da valorização da propriedade privada e da proteção do indivíduo. Surge, no entanto, a crise social originada, justamente, pelos valores liberais que deflagraram a revolução industrial. Por essa razão, se fez necessário o intervencionismo estatal, no sentido, de proporcionar garantias à classe não dominante, o proletário.
Percebe-se nesse período a violação dos direitos sociais das pessoas, visto que em nome da livre negociação a classe dominante achatava a classe dominada através do poder econômico. Na grande maioria, os trabalhadores não possuíam força de negociação individual, necessitando de associar-se em sindicatos para pressionar as grandes indústrias e, consequentemente, o Estado a positivar na constituição direitos sociais referentes a saúde, educação, moradia, direitos trabalhistas, etc.
Sob essa ótica, quebrou-se o paradigma liberal originando o constitucionalismo social, representado nas constituições do México de 1917 e de Weimar em 1919. Estas dão origem ao caráter programático das normas constitucionais, ou seja, criam metas a ser atingidas pelo Estado. Verificou-se, no entanto, o problema do positivismo jurídico como teoria pura do direito, idealizada pelo austríaco Hans Kelsen e os juristas da Escola de Viena, que dogmatizou o direito, dizendo Bonavides que no positivismo Kelsianiano “a aplicação do direito é operação logica, ato de subsunção, e não ato criador ou sequer aperfeiçoador” (BONAVIDES, 2017, p.176). Oportunizou-se, dessa forma, ao juiz constitucional apenas o direito de aplicar a norma e não interpretá-la. 
Segundo essa teoria, não caberia ao judiciário interpretar a norma, apenas aplicá-la. Desde que preenchidos os requisitos formais de elaboração das leis, qualquer matéria poderia ser introduzida no ordenamento jurídico. Esse engessamento jurídico deu espaço para a decretação do estado de exceção por Adolf Hitler, que insurgia-se ao Tratado de Versalhes. Este que, por sua vez, colocou fim à primeira guerra mundial, mas deixou a Alemanha em estado de calamidade econômica, abrindo caminho às barbáries do nazismo e da segunda guerra mundial. 
Findada a segunda guerra com a vitória dos Aliados, porém, passou-se a buscar métodos de efetivação das normas constitucionais. Este deu espaço à interpretação das normas constitucionais, a fim de evitar que o excesso de formalismo viesse a dar margem a novas barbáries.
Dentro desse pequeno recorte histórico surge o neoconstitucionalismo com maiores expoentes às constituições de Bon (Alemanha, 1949) e da Itália (1947). Já no Brasil o processo de democratização e renovação foi mais lento, podendo se falar em constituição democrática apenas em 1988, conhecida, também, por constituição cidadã. Nessa nova fase teórica do constitucionalismo já não se espera apenas o controle do poder governamental nem, tampouco, a positivação de direitos fundamentais e sociais no texto constitucional. A essa altura da história espera-se a concretização dos direitos, ou seja, espera-se que sejam efetivadas as normas constitucionais, consequentemente proporcionando aos cidadãos um estado de bem estar social, dando materialidade aos direitos de fraternidade e solidariedade conhecido como direitos de terceira dimensão.
Outrossim, nessa nova fase do constitucionalismo busca-se a diminuição da tensão existente entre a constituição formal e material, não podendo mais a constituição ser apenas um pedaço de papel com garantias formais, mas sim o meio para transformação social. Não basta dizer, no artigo 5º da Magna Carta, que todos são iguais perante a lei, espera-se que o direito oportunize que todos sejam iguais perante a lei. O que se pretende é que sejam aplicados os direitos e garantias fundamentais conforme disposto no §1º do artigo 5º da constituição de 1988, razão essa que corrobora com a elaboração do presente trabalho. 
3 O DIREITO COMO IDEOLOGIA, A CRÍTICA DE MARX
O termo ideologia surge, inicialmente, na França em 1796 pelo filósofo Destutt de Tracy. Etimologicamente, ideologia significa estudo/ciência das ideias, propondo Destutt de Tracy que: 
Ideologia deveria ser, pois, “positiva, útil, e suscetível de exatidão rigorosa”. Genealogicamente, seria a “primeira ciência”, pois todo o conhecimento cientifico envolveria a combinação de ideias. Ela seria, também, a base da gramática, da lógica, da educação, da moralidade e, finalmente, “a maior de todas as artes, isto é, a arte de regular a sociedade de tal modo que o ser humano encontraria ali o maior auxílio possível e, ao mesmo tempo, o menor desprazer de sua existência”. (DE TRACY apud THOMPSON, 1995, p. 45) 
No entanto, essa visão positivado termo ideologia não perdurou muito tempo, tomando rapidamente um sentido negativo, sendo motivo de escárnio por parte de Napoleão Bonaparte inicialmente, mas, sobretudo com a publicação do livro “A Ideologia Alemã” de Karl Marx e Friedrich Engels. Para estes, ideologia seria conceituada como a implantação das ideias da classe dominante na sociedade como um todo, induzindo ou ludibriando a classe dominada sem o uso da força, mas sim através da própria vontade idealizada pela classe dominante.
Segundo Marilena Chaui, os ideólogos estariam a serviço da classe dominante, pois seriam, em suas palavras:
[...] aqueles membros da classe dominante ou da classe média (aliada natural da classe dominante) que, em decorrência da divisão social do trabalho em trabalho material e espiritual, constituem a camada dos pensadores ou intelectuais. Estão encarregados, por meio da sistematização das ideias, de transformar as ilusões da classe dominante (isto é, a visão que a classe dominante tem de si mesma e da sociedade) em representações coletivas e universais. Assim a classe dominante (e sua aliada, a classe média) se divide em pensadores e não pensadores, ou em produtores ativos de ideias e consumidores passivos de ideias. (CHAUI, 1994, p. 95)
Nesse sentido, o direito por ser uma ciência deontológica, ou seja, uma ciência do dever ser, pode ser interpretada como mera ideologia da classe dominante. Seria a implantação de ideias que servem de base ao contrato social, servindo somente para apaziguar os ânimos da classe dominada, dando a sensação (ilusão) de que o Estado Democrático de Direito oportunizaria uma sociedade justa e solidária e lutaria para efetivar as normas formalizadas no ordenamento jurídico como um todo, especialmente, o que encontra-se contido na constituição, que é o ápice do sistema jurídico interno de um país.
A realidade, no entanto, é que a classe dominante usa da força coatora do direito junto com outros métodos cogentes como a polícia para manutenção do status quo. O objetivo do direito, nesse sentido, seria o de iludir os cidadãos garantido uma série de direitos abstratos (isto é, ideias de direitos), porém, na realidade não haveriam mudanças significativas, ou seja, seria apenas a ideologia da classe dominante implantada na sociedade na forma de um pseudodireito.
Por esse motivo, Karl Marx vem criticar duramente o direito, afirmando que o mesmo não passa de ideologia. E como toda ideologia é, também, infiltração da vontade da classe dominante que visa perpetuar-se no poder desvirtuando o direito, servindo tão somente como elo de ligação entre diferentes mundos da vida, contudo, sem conceder meios de crescimento econômico e social para a classe dominada. Essa manipulação do direito, objetivando evitar o levante revolucionário da classe dominada, dar-se-ia, principalmente, pela alienação, ou seja, pelo não reconhecimento de que a sociedade e o direito são uma criação da própria sociedade, que através do poder constituinte originário outorga poderes a supostos representantes, que supostamente trabalhariam para proporcionar o mínimo existencial ao povo. 
Dessa forma, entender-se-ia ideologia como uma criação de autoconsciência acerca de um objeto abstrato, contudo, essa autoconsciência vem, normalmente, viciada pela classe dominante que introduz uma ideologia mentirosa que é repedida por muitas vezes tomando forma de verdade. Tais mentiras seriam agravadas pela relativização hermenêutica proporcionada pelo neoconstitucionalismo, de cuja divindade o juiz Hercules de Ronald Dworkn serve como porta voz à norma constitucional para os mais desavisados, mas percebe-se que a voz traduzida por ele é, muitas vezes, a voz do poder político/financeiro visando tão somente manter o estado de coisas mais favorável à classe dominante.
Esse posicionamento autoriza e legitima a presente pesquisa, sendo a razão para implantação do estado de coisas inconstitucional no direito brasileiro. Este serviria de instrumento capaz de promover, ou ao menos tentar promover, os direitos negligenciados pelos falsos representantes do povo que, ao menos em tese, contaria com um poder judiciário imparcial que através de uma sentença estruturante poderia modificar as situações de injustiças oriundas do desinteresse e omissão dos outros poderes.
4 O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL 
 
No ano de 1997 a Corte Constitucional Colombiana inovou quando, pela primeira vez, declarou o estado de coisas inconstitucional, referente à violação dos direitos previdenciários e de saúde dos professores municipais colombianos. Esse instrumento é uma adaptação do structural remedies dos Estados Unidos e se faz necessário quando da busca de concretização da dimensão objetiva dos direitos, ou seja, que consista realmente efetivados direitos, principalmente os fundamentais e sociais de um país (CAMPOS, 2016). 
 Nesse sentido, Carlos Alexandre de Azevedo Campos, ex-assessor do Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, cita Clara Inés Vargas Hernándes, magistrada da corte constitucional colombiana, que afirma:
O compromisso ético do juiz constitucional de não permanecer indiferente e imóvel frente a diversas situações estruturais, que se inter-relacionam lesando de maneira grave, permanente e contínua numerosos direitos inerentes ao ser humano. (HERNÁNDES apud CAMPOS, 2016, p.96)
Isso significa que é dever do juiz constitucional agir ativamente, não se fazendo indiferente frente à reiterada violação à constituição, mesmo que essa derive dos demais poderes do Estado, sendo autorizado a realizar reformas na estrutura do estado para garantia e efetivação dos direitos. Deve-se, no entanto, levar em consideração que a harmonia, idealizada por Montesquieu, deve existir entre os poderes.
Para tanto, o instrumento processual consistente na declaração do estado de coisas inconstitucional deve ter uma diretriz axiológica alicerçada na democracia direta. Tal tarefa não é muito fácil em um país continental como o Brasil, mas extremamente necessária à legitimação dos remédios estruturais proferidos pelo poder judiciário, uma vez que este não possui a legitimidade originária de escrutínio.
A crítica mais ferrenha ao instituto é a falta de legitimação do poder judiciário para determinar reformas institucionais ou realocação de recursos suprindo a lacuna que gera a inconstitucionalidade, pois como salienta Eduardo Sousa Dantas, 
[...] a garantia de direitos mediante o “entrincheiramento constitucional” de tais direitos e do controle judicial não seria um critério de autoridade legitimo e válido para se decidir acerca dessas questões. Tratar-se-ia, na verdade, de mecanismo antidemocrático de resolução de disputas que deveria ser substituído pelos mecanismos democráticos majoritários propostos. (DANTAS, 2017, p. 163) 
Afirmativa essa que corrobora com nossa tese de vinculação do estado de coisas inconstitucionais à soberania popular, através de plebiscito que chancele, ou não, a determinação contida na sentença estrutural proferida pelo Superior Tribunal Federal, detentor da prerrogativa de defesa da Constituição.
Para isso, deve-se entender o que é o estado de coisas inconstitucional e seus pressupostos. Para o doutor Carlos Alexandre de Azevedo Campos, o estado de coisas inconstitucional é:
[...] a técnica de decisão por meio da qual cortes e juízes constitucionais, quando rigorosamente identificam um quadro de violação massiva e sistemática de direitos fundamentais decorrente de falhas estruturais do Estado, declaram a absoluta contradição entre os comandos normativos constitucionais e a realidade social, e expedem ordens estruturais dirigidas a instar um amplo conjunto de órgãos e autoridades a formularem e implementarem políticas públicas voltada a superação dessa realidade inconstitucional. (CAMPOS, 2016, p. 187)
A identificação do quadro de violação massiva de direitos fundamentais dar-se-á quando preenchidos os pressupostos ensejadores do remédio estrutural, sendo na visão do Ministro Marco Auréliono voto à ADPF 347 a:
Situação de violação generalizada de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a situação; a superação das transgressões exigir a atuação não apenas de um órgão, e sim de uma pluralidade de autoridades. (AURÉLIO, 2018, p. 11)
Reconhecidos esses pressupostos, a Corte Constitucional deverá buscar meios para solucionar as inconstitucionalidades formulando uma sentença estrutural que deverá ser obedecida pelas instituições e autoridades que visam efetivação de diretos. 
Nesse sentido, a doutrina constitucional na fase histórica chamada de neoconstitucionalismo necessita de mecanismos destinados a cumprir os programas de materialização de direitos, sendo que nesse panorama o estado de coisas inconstitucional seria o “ABS” do sistema de freios e contrapesos (Checks and Balances), que destina-se não somente a frear as inconstitucionalidades, mas também a reestruturar o sistema dando ao mesmo novo curso gradativamente.
Nas palavras do professor Owen M. Fiss, citado pelo doutor Carlos Alexandre, portanto:
Reforma estrutural tem como premissa a noção de que a operação de organizações de larga escala, e não apenas indivíduos atuando além ou dentro dessas organizações, afeta a qualidade de nossa vida social de importantes formas. Tem também como premissa a crença que nossos valores constitucionais não podem ser completamente assegurados sem mudanças básicas nas estruturas dessas organizações. O processo estrutural é aquele em que o juiz, confrontando uma burocracia estatal frente a valores de dimensão constitucional, encarrega-se de reestruturar a organização para eliminar ameaças a esses valores constitucionais, impostas pelos arranjos institucionais em vigor. A injunction é o meio por meio da qual essas diretivas reconstrutivas são transmitidas. (FISS apud CAMPOS, 2016, p. 189)
Por esse ângulo, nota-se que a sentença que decreta o estado de coisas inconstitucional deve ser firme por haver necessidade de mudanças estruturais, quando não mostrar-se eficaz meras ordens preventivas ou reparatórias. Devido a essa sentença possuir uma força ativa muito forte, ela não pode ser realizada sem o consentimento das pessoas que abriram mão de parte de seus diretos naturais para a fundação do Estado, devendo todas as decisões de grande relevância nacional passar pelo crivo do plebiscito, inclusive a declaração do estado de coisas inconstitucional.
CONCLUSÃO
Nesse ínterim, percebe-se que não é tarefa fácil teorizar um novo conceito ao direito vigente, no entanto é necessário, pois com a magnitude do Brasil e a diversidade brasileira é necessário um meio de afirmação e aplicação da justiça através do direito. Uma vez que o direito não aplique a justiça ele torna-se tirano, fazendo com que seus cidadãos percam o respeito pelo princípio democrático abrindo espaço para discursos de ódio e, consequentemente, para ditaduras e Estados de exceção.
Conclui-se que tem por objetivo precípuo o presente trabalho agregar conteúdo teórico ao neoconstitucionalismo brasileiro, adicionando o instituto do estado de coisas inconstitucional que, por sua vez, visa à efetivação do direito criando um Estado de bem estar social sem, contudo, violar o princípio da separação dos poderes vinculando-o ao plebiscito, ou seja, à efetiva decisão democrática. Tal instituto é plenamente possível de implementação haja vista a decisão da ADPF 347, que declarou, de forma tímida, o estado de coisas inconstitucional referente ao sistema carcerário brasileiro, que poderia ter muito mais eficácia caso fosse submetida à legitimação da sociedade brasileira, conforme o proposto no presente trabalho. 
REFERÊNCIAS
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