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Resumão de Antropologia III – Segunda prova – Victor Turner; Evans-Pritchard; Edmund Leach; Mary Douglas Por Mariele Domingues Evans-Pritchard Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande Emanoel Magno A. de Oliveira Escrever uma resenha de uma etnografia clássica como “Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande” de Evans-Pritchard não é tarefa das mais fáceis. Ainda mais quando se trata de um clássico da antropologia social, e uma obra bastante conhecida dos antropólogos. No entanto, a presente resenha se centralizara mais na discussão dos aspectos metodológicos utilizados pelo autor na pesquisa que resultou no trabalho etnográfico entre o povo zande. Por fim, discutirá a questão da linhagem teórica a qual estava vinculada o referido autor. Uma resenha que serve para tenta elucidar algumas questões teórico-metodológicas desenvolvida nesta obra por Evans-Pritchard. A bruxaria participa de toda a vida zande, das relações sociais estabelecidas, bem como nas relações cotidianas entre grupos e os próprios clãs. “A bruxaria é onipresente” na vida diária zande. Se um infortúnio se abater sobre qualquer pessoa a qualquer momento e em relação a qualquer atividade cotidiana que pratique, sua causa pode ser atribuída como sendo obra de bruxaria. Tal ligação com a bruxaria só será desacreditada à medida que o oráculo de veneno não confirme o veredito como obra de bruxaria, mas sim como causa de outro agente, a feitiçaria por exemplo. Ao fazer uso do método comparativo o autor destaca os termos utilizados pelo povo zande para relacionar qualquer infortúnio à obra de bruxaria: “Dizer que a bruxaria estragou a colheita de amendoim, que espantou a caça, que fez fulano ficar doente equivale a dizer, em termos de nossa própria cultura, que a colheita de amendoim fracassou por causa das pragas, que a caça é escassa nessa época e que fulano pegou uma gripe” (2005: p.50). Isto é, a bruxaria é a explicação cabível para todo ou qualquer infortúnio e fracasso da vida social e/ou cotidiana zande. Em sua resposta a ação tão funesta os zande não ficam atemorizados, mas sim enraivecidos, furiosos ante a bruxaria. Apercebe-se o modo natural que a trata, pois a qualquer momento pode encontra-la. Os questionamentos no trabalho etnográfico tornam-se fundamental para elucidar determinadas situações cotidianas ou sociais de determinada sociedade. Assim, Evans-Pritchard estabelece um diálogo com seus informantes com a pretensão de preencher lacunas da própria extensão de ideias dos Azande no que diz respeito aos seus pensamentos sobre o procedimento da bruxaria, ligando um paralelo de causas e efeitos muito bem elaborados. A bruxaria nesse caso, é a causa socialmente relevante para o povo Azande, do qual tornou-se o seu objeto de estudo, objeto de estudo da antropologia social realizada por Evans-Pritchard. Nesse sentido, Evans-Pritchard deixou que o campo “falasse”: não estava interessado em estudar bruxaria quando chegou ao país dos zandes, mas os azandes estavam interessados em falar de bruxaria para ele. A bruxaria entre esse povo é geralmente pensada pelo seu caráter individual, mesmo sendo hereditário, quer dizer, se um homem faz parte de um clã de um bruxo reconhecido e é parente próximo desse, se não faz uso de sua substância-bruxaria não pode ser caracterizado como bruxo. Há uma noção pragmática da bruxaria. A pergunta frequente aos oráculos entre os Azande é se determinado indivíduo está fazendo bruxaria, não se ele é bruxo de nascença. Entra nesse caso a questão dos usos práticos e cotidianos para eles. Em seguida, Evans-Pritchard descreve uma visão que tivera de uma luz brilhante que para os Azande seria a luz da bruxaria, coincidentemente (ou não) na mesma manhã (a visão segundo ele ocorrera na madrugada quando saíra para caminhar a meia noite) morre um parente que vivia junto à residência de Tupoi (homem que morava na vizinhança próxima da cabana onde o autor estava habitando) onde segundo ele a luz brilhante se direcionara. Evans-Pritchard pressupõe que poderia ser alguém com um punhado de relva aceso, mas se questiona quanto à direção e a morte do homem na mesma manhã ao ocorrido, porque estava de acordo com as ideias do povo Azande. Estaria o autor “deixando-se levar” pelo seu objeto de estudo? Por uma questão de método, o autor preocupa-se com a identificação física da substância-bruxaria que após a morte do possível bruxo só pode ser identificada através da autópsia no corpo do morto. Evans-Pritchard sugere a localização de tal substância no intestino delgado – melhor, que faz parte do intestino delgado em determinado estágio. Questão metodológica descrita por Evans-Pritchard: “Minha compreensão dos sentimentos dos Azande quando embruxado foi ajudada por uma participação, ao menos relativa, em experiências semelhantes. Tentei adaptar-me à sua cultura, levando a vida de meus anfitriões tanto quanto fosse conveniente, partilhando suas esperanças e alegrias, desânimos e sofrimentos” (Idem: p.72). Os Azande tendem a entrar em conflito com aqueles que lhes são mais próximos, porém, mesmo próximos esses conflitos são atenuados por sentimento de parentesco e se torna irrelevante quando há distinção de classe, status social, idade e sexo. O que se deve ter em mente, segundo o autor, em um estudo sobre a bruxaria zande em primeiro lugar é que essa noção é função de situações de infortúnios, e em segundo lugar que ela é função das relações pessoais. Geralmente provocados por pessoas da mesma classe ou status social, idade e sexo. O autor mais uma vez lança mão do método comparativo para iniciar sua explicação em relação à questão do ato propriamente dito da bruxaria realizada pelos bruxos zandes. Para isso compara com o modelo da bruxaria europeia e como os bruxos europeus confessavam com facilidade seus atos de bruxaria e sua organização na execução de tais atos. No caso zande a bruxaria é algo, como afirma o autor, que somente pode ser evocado quando alguma pessoa é atingida por ela, este é o significado principal da bruxaria para eles. O bruxo que prestam atenção é aquele o qual estar lhe causando infortúnio naquele momento; ao passar o infortúnio, deixam de creditar ao responsável à alcunha de bruxo. A bruxaria para os Azande tem caracteres pragmáticos, não é uma doutrina e muito menos um conceito bem estabelecido. Ele (o autor) sempre provoca os zandes com questionamentos coerentes quanto à natureza da bruxaria e do bruxo e, sobretudo a noção que eles (Azande) têm da mesma. O diálogo em que Evans-Pritchard estabelece com aquele povo e a forma como dispõe dos dados notadamente não só facilita sua apreensão, descrição, mas a própria explicação do fenômeno estudado. De forma pertinente, sempre lança mão de algum questionamento diante da fala de algum nativo ao se referir sobre bruxaria. Faz sempre uso de conversas públicas e/ou privadas com alguma pessoa que tenha sido acusada pelo oráculo de embruxar alguém. A partir daí, chega à conclusão que as pessoas se comportam de maneira diferente quando se trata de bruxaria em público e quando esta é tratada em particular. Geralmente uma pessoa quando acusada publicamente de bruxaria segue a tradição – mesmo afirmando o caráter inconsciente de sua bruxaria – de soprar água sobre as asas de galinhas depositadas aos seus pés (modo socialmente estabelecido de afirmar que o oráculo o acusara); já quando a mesma pessoa é inquirida em particular diz não ser bruxa ou não tem consciência de seu ato de bruxaria, ou até mesmo acusa seus acusadores de não ter consultado direito o oráculo e quem sabe nem mesmo ter o consultado. O método comparativo o faz pressupor que a ideia que os Azande têm sobre bruxaria seria semelhante à noção da culturaeuropeia de azar. Se para um Azande a causa de infortúnio seria a bruxaria, no caso para um europeu (em seu exemplo) tal infortúnio poderia está sendo causado pela falta de sorte em determinado empreendimento. Porém, seu modo de agir sobre o infortúnio em curso é relativamente distinto, pela causa – no caso a bruxaria – ser distinta: os oráculos podem prever futuras situações de bruxaria e muda-las antes de seu desenvolvimento; a magia pode proteger da bruxaria, além de ter o poder de destruí-la. O adivinho zande além de adivinho também é um mágico: como adivinho prevê situações em que alguma pessoa estar embruxada e indica os bruxos; na condição de mágico impede-os de fazer mal. Os métodos usuais de trabalho de campo utilizados e relatado pelo próprio autor na primeira parte da pesquisa sobre os adivinhos: observação direta e repetida do comportamento; entrevistas com os nativos; coleta de textos; e participação do etnógrafo nas atividades dos nativos. Essa parte da pesquisa se trata das atividades da corporação dos adivinhos em relação ao resto da sociedade Azande e como esta se comportava em relação a aqueles. A segunda parte da pesquisa no que diz respeito aos adivinhos, não comportaria utilizar dos métodos etnográficos usuais, por se tratar da vida esotérica dos adivinhos e, para adentrar em sua confraria e saber de seus segredos necessitava-se ser pelo menos um iniciado. Algumas possibilidades metodológicas suscitaram para realização da pesquisa: entre elas o próprio autor se tornar um adivinho, mas foi logo descartada por este entender que não lucraria muito com esse tipo de abordagem; outra maneira seria ganhar a confiança de um dos praticantes (adivinho) e fazer com que este lhe contasse os segredos da confraria, mas também não deu certo, pois nenhum de seus informantes-praticantes ousou lhe contar mais do que ele mesmo já sabia; entretanto, o método mais adequado adotado, segundo Evans- Pritchard, foi usar um substituto no aprendizado da técnica dos adivinhos. Quem foi esse substituto? Kamanga, seu criado que foi iniciado na corporação e tornou-se um adivinho praticante. Passa a utilizar-se então da perspicácia da rivalidade, à medida que seu informante lhe contara algumas informações e ele (o autor) a utiliza para acender a ira de adivinhos rivais e com isso obter o maior número de informações possíveis. Não deixa de ser uma postura ética na pesquisa já que ao iniciar seu criado na arte da adivinhação ele contara ao professor deste para quais fins propostos o iniciara. Para o autor: “No final das contas o etnógrafo tende a triunfar. Dispondo de conhecimentos preliminares, nada pode impedi-lo de enfiar sua cunha cada vez mais fundo, se é interessado e persistente” (Idem: p.93). Quanto às consultas oraculares, o autor descreve os seus métodos empregados no campo, e afirma que para obtenção desses dados específicos não encontrou muitas dificuldades já que, segundo ele, uma investigação quanto aos usos dos oráculos pelo povo Azande não requereu de sua parte informantes especiais. Ele próprio participara de algumas sessões e pôde basear-se em observações diretas quanto às consultas aos oráculos pelos zandes. Assim, só solicitara informações adicionais a algum nativo quando algo não ficava muito claro para ele. Em sua descrição do capítulo XII, Evans-Pritchard diz que para realização de sua pesquisa não fez uso – como fez para com os capítulos anteriores – das entrevistas com informantes e até mesmo observação direta; contando apenas com três fontes de informação, associou-se a uma loja e pesquisou em apenas uma das confrarias; isso porque os colonizadores decretaram a ilegalidade da confraria para a prática de magia, dificultando assim a pesquisa. Por isso deixa clara a escassez do método e dos próprios dados analisados, alegando que para descrição e análise de tal capítulo não tinha como proceder de outro modo; assim sendo, o capítulo em questão – segundo o autor – não tem a mesma qualidade do resto do material no qual essa obra se baseia. Interessante notar que autor sempre informa como os dados foram obtidos e analisados para realização da pesquisa e sua posterior escrita, não omitindo como realizou a coleta desses dados deixando as claras o método utilizado em sua pesquisa. Ora, isso faz com que a pesquisa antropológica ganhe não só em credibilidade, mas, sobretudo se torne muito bem embasada do ponto de vista teórico-metodológico. Dessa forma, pode-se estabelecer o rigor metodológico que orienta toda e qualquer pesquisa que se pretenda científica, mesmo diante das dificuldades enfrentadas pelo pesquisador. Do inicio ao fim de sua obra etnográfica, percebe-se a sua proximidade ou ligação ainda com o funcionalismo quando tenta entender a lógica interna de funcionamento da sociedade azande. Mas a partir do momento que em sua etnografia Evans-Pritchard estabelecer uma ligação do pensamento dos zandes com própria estrutura posta naquela sociedade, fica clara que sua fundamentação teórica tem um teor estrutural-funcionalista. Ora, o oráculo de veneno do príncipe zande vale mais que qualquer outro oráculo de veneno no veredito final no quesito bruxaria: se alguém está embruxando ou não alguma pessoa. Porém, é no apêndice do livro que Evans-Pritchard vai deixar claro o quanto sua orientação teórica contribuiu para escrita desta obra ao afirmar que: “não poderia ter escrito o livro se não tivesse lido os livros do grande Lévy-Bruhl”. Essa forma de lidar com o campo e a teoria antropológica faz parte da própria trajetória acadêmica de Evans-Pritchard, aluno de Malinowski foi para a escola estrutural-funcionalista de Radcliffe-Brow, mas sempre dialogando com outras escolas e orientações teóricas antropológicas. Os Nuer: Uma descrição do modo de subsistência e das instituições políticas de um povo nilota Evans-Pritchard: Os Nuer Chefes de pele de leopardo: importância nos rituais mas sem autoridade. Capítulo "tempo e espaço": ponte entre capítulos de ecologia e economia para os relacionados a linhagem e território. Relatividade social; fissão e fusão. Confições físicas econômicas (ecológicas) limitam normas sociais que podem aparecer, mas não são determinados. Tempo e espaço são determinados pela ecologia e também pela estrutura social. Tempo ecológico: relação de elementos naturais com significação social. Tempo estrutural: determinado pelas interrelações estruturais. Ano cíclico – tempo ecológico. Ciclo diário: atividades, tempo estrutural, passagem do tempo é a relação entre estas atividades diárias: tempo não é contínuo. Tempo estrutural: pontos de referencia. Conjuntos etários: fixa, não-cíclicos. Ordem de parentesco: distancia dos ancestrais comuns. Estrutura: constante, então tempo estrutural não passa. Indivíduos vivem e morrem mas a estrutura não se altera. Tradição:historia se transforma em mito. Espaço estrutural: relativo a organização estrutural (não a distância real). Sistema político: Ecologia: vida social depende do gado. Sociedade se estrutura em torno da criação de gado. Categorias: segmentariedade dos Nuer: pertencimento à grupos: é relacional nas situações de conflitos. Movimentos de fissão, fusão – equilíbrio. Em caso de homicídio ocorre a vendeta (ou doação de gado), mas no caso de aldeia há relações de parentesco – chefe pele de leopardo faz a intermediação entre grupos em conflito. Quanto mais distante da aldeia mais difícil de exigir pagamento de gados, pois não há poder central. Organização política em aldeia é mais coesa, pois todos são relacionados (cada nível mais baixo nas divisões e subdivisões, o grupo é mais coeso, então a mediação é mais fácil). A coesão as vezes so aparece em situação de conflito externo. Não possuem um sistema jurídico como nós,mas a confiança no chefe de pele de leopardo, grupos, etc... é uma forma de lei. Sociedade acéfala: sem chefe. Linhagem: relações agnáticas de ligação com ancestral. O clã principal dá nome a aldeia. Parentesco da mãe: outros clãs moral lá (não há diferença na vida cotidiana). Clã superior existe pois, como não há centro de poder político, serve como modelo. Sistema político segmentado é relacionado a linhagem agnática. Estrutura é empiricamente observada. Identificação política é territorial Em suma: Noções de tempo-espaço: configurações destes elementos pelas relações sociais (ecológico com forte ligação com o estrutural). Difere de Durkheim, pois busca condicionantes da vida. Nas aldeias, conflitos intermediados pelo chefe de pele de leopardo. Política emana da estrutura. Trata-se de um projeto estrutural-funcionalista e comparativo (acahr o que é comum a todas as sociedades humanas). Afasta-se de Radcliffe-Brown, pois se preocupa com a maneira como a vidad é vivida (jogo político) e não só estruturas. Ênfase na linguagem. Estruturalismo de Evans Pritchard Evans Pritchard foi um antropólogo britânico, um teórico fundamental para o desenvolvimento da Antropologia Social na Inglaterra. Ele descende da tradição estrutural-funcionalista de Radcliff-Brown, entretanto, o primeiro trabalha com categorias que venham a diferenciar o tom dos conceitos de função, estrutura e organização que foram formulados pelo segundo. Na sua obra, Os Nuer, Evans tenta estabelecer os princípios estruturais da sociedade Nuer. Para compreender as estruturas ,ou melhor, as relações sociais dos Nuer , primeiramente, o autor trabalha com as noções de tempo e espaço do povo Nuer. Os conceitos de tempo são divididos em dois grupos: o tempo na relação do grupo com o meio-ambiente, o tempo ecológico; e o tempo na relação dos grupos e indivíduos entre si, o tempo estrutural. O tempo ecológico compreenderia: as estações do ano; a divisão dos meses e a do dia. O tempo estrutural seria tudo aquilo que se usa para assinalar algo no tempo, como: os indivíduos de acordo com a sua idade; as denominações dos locais de acampamento e os eventos passados. Assim como o tempo, Evans estabelece a divisão dos conceitos de espaço, que seriam: espaço ecológico e espaço estrutural. O espaço ecológico seriam: os apectos físicos e geográficos das regiões em que se estabelecem os Nuer. O espaço estrutural, seria: a posição das localidades, e a organização do espaço no território nativo. Mas o que diferencia Evans Pritchard dos outros teóricos estrutural-funcionalistas, é justamente, o trabalho com a questão dos conflitos. Os conflitos possuem uma característica funcional entre o povo Nuer. Mas claro, deve-se levar em conta, a estrutura social na qual se ocorre o conflito e o tipo de conflito, caso o conflito viria a desestruturar e não estruturar. Para compreender melhor a função positiva dos conflitos, Pritchard divide a sociedade Nuer em segmentos. Os segmentos seriam: primários (as tribos); secundários (as divisões territoriais) e os terciários (as aldeias). O que ocorre nessa divisão de segmentos, é justamente, uma descentralização política, em que ocorre, até certo ponto, uma independência entre eles. Por exemplo, uma aldeia A vai confrontar a B, a A é bem mais forte, e logo C se juntará a B para combater A. E por aí vai, até se estendendo á outros segmentos territoriais e à outras tribos, podendo causar uma guerra inter-tribal. Para que o conflito tenha uma característica funcional positiva necessária à manutenção da estrutura social dos Nuer, é necessário instituições para que possam ser asseguradas as leis. E a principal instituição seria a vendeta. A vendeta seria a maneira pelo qual se consegue ressarcimentos após a quebra de leis e, também, o asseguramento da propriedade e da vida dos indivíduos. Quando um Nuer mata outro, rapidamente o assassino deve ir, rapidamente, à casa do chefe de pele de leopardo, para que este possa aplicar a vendeta. O chefe não é, demaneira alguma, uma autoridade, ele apenas cumpre um papael de mediador. No caso do assassino, este está protegido, pois na casa do mestre não se pode deramar sangue, pois a família da vítima viria se vingar. A família do assassino pagaria em torno de 40 a 50 cabeças de gado à família da vítima, este é um dos exemplos de ressarcimento conseguido pela vendeta. É claro que não existe uma fórmula fixa para a vendeta, ela pode variar de acordo com: condição econômica, grau de parentesco... Segundo Evans, o papel de instituição da vendeta, que age como meio de coesão, é constatado pelo temor de praticá-la, ocorrendo assim, uma espécie de “ordem” dentro de uma sociedade marcada pelos conflitos, mas que estes conflitos servem como uma forma de estruturar a sociedade Nuer. Anderson Marques. http://antropolosgoderua.blogspot.com.br/2012/05/estruturalismo-de-evans- pritchard_30.html Mary Douglas Pureza e Perigo - As abominações do Levítico Para Douglas a contaminação nunca é um acontecimento isolado. Ela só pode ocorrer em vista de uma disposição sistemática de idéias. Por essa razão, qualquer interpretação fragmentaria das regras de poluição de uma outra cultura esta destinada a falhar. Pois o único modo no qual as idéias de poluição fazem sentido é em referência a uma estrutura total de pensamento cujo ponto-chave, limite, linhas internas e marginais, se relacionam por rituais de separação. A fim de ilustrar, Douglas se utiliza do enigma bíblico “as abominações do Levítico” e, particularmente as regras de dieta. Porque alguns animais seriam considerados impuros e outros não para alimentação. Rejeitando as abordagens tradicionais que se propuseram a explicar as razões de restrição a certos animais ela elabora uma nova tese explicativa sobre o assunto, centrando seus estudos no que nos textos e no que eles dizem, esquecendo abordagens referentes á higiene, moral, repulsa instintiva e outros; A autora firma sua teoria na santidade, e no que ela vem a significar, integridade, unidade, perfeição do individuo e da espécie, para ela as regras dietéticas apenas desenvolvem a metáfora da santidade na mesma linha. Assim, são impuras as espécies que são membros imperfeitos de suas classes ou cuja própria classe confunde o esquema geral do mundo. E para atingir este esquema a autora nos diz que é preciso retornar ao Gênesis e a criação, onde se desdobra uma classificação tripartida, entre a terra, a água e o firmamento (ar), o Levítico toma este esquema e atribui para cada elemento o tipo de vida apropriado: “no firmamento, aves de duas pernas voam com asas; na água, peixes com escamas nadam com nadadeira e na terra animais de quatro pernas pulam, salta ou andam. Assim qualquer classe de criaturas que não esteja equipada para o tipo correto de locomoção no seu elemento é contraria a santidade. Portanto, qualquer coisa da água que não tenha escamas é impura, por exemplo. O protótipo e o modelo das coisas que se movem é a minhoca. Assim como o peixe pertence ao mar, a minhoca pertence ao reino do tumulo, juntamente com a morte e o caos. O caso dos gafanhotos é interessante e conseqüente. O teste para saber se ele é de um tipo puro e portanto comestível, é o modo pelo qual ele se movimenta sobre a terra. Se ele rasteja, é impuro. Se ele salta, ele é puro. Se a interpretação proposta aos animais proibidos está correta, as leis dietéticas teriam sido como signos que a cada momento inspiravam meditação sobre a unidade, pureza e santidade de Deus. Pelas regras de evitação, à santidade foi dada uma expressão física em cada encontro com o mundo animal e a cada refeição. A observância das regras dietéticas teriam então sido umaparte significativa do grande ato litúrgico de reconhecimento e culto que culminava no sacrifício no Templo. Edmund Leach Repensando Edmund Leach Aqui DaMatta começa fazendo uma crítica à maneira evolucionista (Tylor, Spencer e Frazer) de fazer a ciência do homem, como uma espécie de arte classificatória, apontando a problemática de se situar os objetos em um eixo temporal, revelador do progresso, apontando que onde nasce a antropologia evolucionista também nasce a ânsia da conquista. Após faz uma análise também crítica do funcionalismo de Malinowski e Radclif-Brown, apontando a opinião de Leach sobre estes, e demonstrando a necessidade de situar o mesmo na antropologia britânica. Após ele aponta que Leach está mais próximo de Frazer, no que diz respeito ao modelo antropólogo-pesquisa de campo; Isto devido a sua grande diferença em relação à formação de Malinowski, e a diversidade de suas pesquisas de campo. Embora seja ele tome Malinowski como seu modelo consciente da prática antropológica, se aproxima mais de Frazer, dado o seu apetite por novos fatos culturais. Leach foi um adepto do empirismo (seus estudos de parentesco e organização social) e do racionalismo (seus trabalhos de análise simbólica); Dicotomia: traço bem particular da antropologia britânica; aproximação ao objeto de estudo; e a conseqüente confusão da apreensão do caos cotidiano, onde as regras do sistema parecem deixar de operar funcionalmente e onde, finalmente, as motivações e manipulações individuais parecem surgir como um dado inelutível. Oscilação entre uma postura individualista e uma atitude que parte da totalidade. Na área do parentesco e organização social: critica Levi-Strauss, Fortes e Gluckman; Fundamentos sociológicos para a questão dos estudos simbólicos, onde mais uma vez segue os passos de Levi- Strauss e o crítica; Sistemas Políticos na Alta Birmânia Edmundo Leach: Sistemas Políticos da Alta Birmânia Preocupação com a ação dos indivíduos dentro das estruturas (compreendidadas como configurações momentâneas). Conflito das normas e manipulação. Perspectiva histórica: mudança. Objetivo empírico ampliado. Modelo funcionalista que inclui mudanças: modelo como busca pelo equilíbrio (equilíbrio, integração do sistema, dinamismo dos sistemas sociais). Mudança ocorre pela ação dos indivíduos quando estes mudam de posição: mudança intrínseca a posição social. Normas seriam ideais instáveis baseados em configurações momentâneas. Afastamento do modelo de Durkhim. Ritual como afirmação do status e estrutura social. Alta Birmânia: Cham (plantadores de arroz) e Kachin (colinas): esses dois sistemas para Leach seiam o mesmo e se articulam, estão em equilíbrio. Ritual (ação) e mito (palavras): explicação simbólica da sociedade (indivíduos que buscam status). Antropologia social anterior: estudava sociedades em equilibrio, isoladas: sociedades não estão em equilibrio, estruturas (abstratas) sim. Cultura pode variar, sem no entanto sistemas mudarem. Introdução O livro trata da população Kachin e Chan do nordeste da Birmânia, e pretende fornecer uma contribuição à teoria antropológica, apesar de não ser feita projeção de descrição etnográfica. É feito através de fatos etnográficos publicados anteriormente. Grosseiramente os Chan são povos relativamente sofisticados, os Kachins são chamados de selvagens primitivos e belicosos; Diferentes na aparência, na língua e em cultura geral, o que a principio deduziria origem racial totalmente distinta. São vizinhos próximos e estão bastante associados nas questões da vida comum, apesar de terem sido monografados separadamente. O problema, não é distinguir os dois povos, mas distinguir entre si. Dentro da comunidade Kachin há subcategorias, principalmente linguísticas, outras territoriais. Porém a tendência tem sido minimizar a importância dessas distinções e dizer o essencial da cultura Kachin sendo uniforme em toda a região. O interesse em si reside no problema de saber até que ponto se pode afirmar um único tipo de estrutura social. É legitimo pensar que essa sociedade é organizada em toda parte por um conjunto particular de princípios, ou talvez que essa categoria inclui formas diferentes de organização social. Primeiramente é preciso esclarecer o que está delimitado por continuidade e mudança a respeito aos sistemas sócias tanto quanto outros aspectos dessa mesma questão que inter- relaciona as culturas e permite certo paralelismo e confluências de vida social que em primazia seriam distintas. Os antropólogos sociais que na esteira de Radcliff-Brown usam o conceito de estrutura social como categoria por meio de comparar uma sociedade com outra, pressupõem que sociedades de que tratam existem durante o tempo em equilíbrio estável. Seriam possíveis, por meio de categorias sociológicas comuns, sociedades que não se encontram em equilibro estável. A conclusão que se segue, é que com quantos modelos conceituais de sociedade sejam necessariamente modelos de sistemas de equilíbrio, sociedade reais não podem jamais estar em equilíbrio. A discrepância esta ligada ao fato de que as estruturas sociais se expressam sob a forma cultural, consequentemente a representação desta é imprecisa em comparação com a fornecida pelas categorias, estas que os sociólogos gostariam de empregar. Inconsistências na lógica da expressão ritual são sempre necessárias para o bom funcionamento de qualquer sistema social. Sustenta-se no livro que essa estrutura social em situações práticas, em contraste ao modelo abstrato do sociólogo, consiste num conjunto de ideias sobre a distribuição de poder entre pessoas e grupos de pessoas. Estrutura social Através de certo nível de abstração podemos discutir a estrutura social em princípios de organização que unem partes componentes do sistema. A forma da estrutura pode ser considerada de maneira totalmente independente do conteúdo cultural. Nesse nível de abstração não é difícil distinguir um modelo formal de outro. As estruturas que o antropólogo descreve são modelos que existem apenas em sua própria mente e na forma de construções lógicas. Difícil é relacioná-las com os dados do trabalho de campo. Toda sociedade real é um processo no tempo. Mudanças desse processo podem ser obtidas por dois ângulos. Primeiro as que são coerentes com uma continuidade da ordem formal existente. Quando morre o chefe e este é substituído por seu filho. Segundo mudanças que de fato refletem modificações na estrutura formal. Mudanças na estrutural social formal; há a substituição da tradição por uma nova hierarquia ordenada. Este livro quando se fala em mudanças na estrutura social, é referente a mudanças do segundo tipo. Unidades sociais Por ora interpreta-se uma sociedade como se significasse alguma localidade conveniente. Aceitam-se os argumentos de Nadel, por uma sociedade entende realmente qualquer unidade política autônoma. As unidades políticas das colinas de Kachin variam grandemente de tamanho e parecem ser intrinsecamente instáveis. De um lado há a reivindicação de uma unidade familiar de o direito de ser considerada uma unidade plenamente autônoma. No outro extremo temos o estado Chan que continham em 1885, 49 sub- estados, alguns dos quais compreendiam mais de cem aldeias separadas. Entre esses dois extremos, podemos distinguir numerosas outras variedades de sociedades. Sistemas políticos diferem uns dos outros, não só em escala, mas também nos princípios formais à luz dos quais são organizados. É aqui que reside o ponto fundamental do problema. Durante a história da região pequenas unidades políticas autônomas tenderam frequentemente a agregar-seem sistemas maiores, hierarquias feudais em larga escala fragmentaram-se em unidades menores. Houve mudanças violentas e muito rápidas na distribuição global do poder político. È metodologicamente errôneo tratar como tipos independentes as diferentes variedades de sistemas políticos que encontramos hoje na região. Deveriam ser consideradas claramente como parte de um sistema total mais amplo em contínua mudança. A essência da tese é que o processo de continuidade estrutural, não só o processo de segmentação e agregação, É um processo que envolve mudança estrutural. É o mecanismo desse processo de mudanças que interessa a pesquisa em particular. Os estudos de campo são de curta duração, registros históricos raramente apresentam dados do tipo correto, daí a dificuldade de descrição da mudança social em contextos antropológicos. Os antropólogos sociais ingleses tenderam a herdar seus conceitos básicos muito mais de Durkhein; Estão, os esses antropólogos, predisposto em favor de sociedade que apresentam sintomas de integração funcional, solidariedade social, uniformidade cultural, equilíbrio estrutural. Costumam essas sociedades a serem vistas pelos antropólogos: como ricas e idealmente afortunadas. As sociedades que exibem sintomas de faccionarismo e conflito interno que conduzem a rápida mudança são, por outro lado suspeitas de anomia e de decadência patológica. A predisposição a favorecer a interpretação do equilíbrio decorre da natureza dos materias do antropólogo e das condições sob as quais executa o trabalho. Quando as sociedades antropológicas são assim dissociadas do tempo e do espaço, a interpretação que é dada ao material é necessariamente uma análise incompleta. Como na maioria dos trabalhos de investigação foi realizada definitivamente sem qualquer noção de repetição, a apresentação de equilíbrio estável. Os autores escrevem como se as comunidades que são agora fossem para todo o sempre. A confusão dos conceitos de equilíbrio e estabilidade está tão profundamente arraigada na literatura antropológica que o use de qualquer desses termos está sujeito à ambiguidade. Devido a isso a preposição que se segue, Sistemas modelos Descrição de sistema social descreve necessariamente apenas modelo da realidade social. Esse modelo representa o modo como o sistema social opera. As diferentes partes do sistema de modelo forma, um todo coerente, um sistema em equilíbrio. Isso porem não implica que a realidade social forma um todo coerente, a situação real é cheia de incongruências. São incongruências que nos podem propiciar uma compreensão dos processos de mudança social. Em situações como as colinas de Kachin, considera-se que qualquer indivíduo particular detém uma condição social em sistemas social diferente ao mesmo tempo. Tais sistemas apresentam- se como alternativas ou incongruências no esquema de valores pelo qual ele ordena sua vida. O processo global de mudança estrutural realiza-se por meio de manipulação dessas alternativas como forma de progresso social. Todo indivíduo pretende e se empenha em explorar a situação a medida que a percebe, a coletividade de indivíduos altera a estrutura da própria sociedade. Em matéria política os Kachin têm diante de si dois modos ideais de vida totalmente contraditórios. Um deles é o sistema Chan de governos, que se assemelha a uma hierarquia feudal. O outro é aquele que denomino neste livro, organização do tipo Gumlao: é um sistema essencialmente anarquista e igualitário. Não é raro encontrar um Kachin ambicioso que assuma os nomes e os títulos de um príncipe Chan a fim de justificar sua pretensão à aristocracia, mas que apela simultaneamente a princípios de igualdade a fim de fugir a obrigação de pagar direitos feudais ao seu próprio chefe tradicional. Em sua a tese é que em termos de organização política, às comunidades Kachins oscilam entre dois tipos polares – democracia gumlao, de um lado e autocracia Chan , de outro. A maioria das autênticas comunidades kachins não é nem do tipo gumlao nem do tipo Chan. A um terceiro tipo porem que não é estático que é a comunidade gumsa. Algumas sob influência de circunstancias econômicas favoráveis, tendem cada vez mais para o modelo Chan, até que no final os aristocratas Kachins sentem que se tornaram Chans. A organização social Kachin, tal como descritas nos relatos, é sempre sistema gumsa, mas tese vem sendo considerada é realmente incompreensível por estar cheia de contradições inerentes. No campo da realidade social as estrutura politias gunsam são essencialmente instáveis, e são apresentadas plenamente pelos tipos polares de organização gumlao e chan. Outra maneira de estudar os fenômenos de mudança estrutura consiste em dizer que estamos interessados nas mudanças sobrevindas no foco do poder político dentro de um dado sistema. A descrição estrutural de um sistema social fornece-nos um modelo idealizado que declara as relações de status corretas existentes entre grupos dentro do sistema total, e entre as pessoas sociais que compõem grupos particulares. A posição de qualquer pessoa social em tal sistema é necessariamente fixa, conquanto se possa pensar que os indivíduos preenchem diferentes posições no desempenho de diferentes tipos de ocupação e em diferentes estágios de carreira. Ao referirmos à mudança estrutural, consideramos não só as mudanças na posição dos indivíduos a um sistema ideal de relacionamento de status, mas também as mudanças no próprio sistema ideal, ou seja, mudanças na estrutura de poder. O poder em qualquer sistema deve ser pensado como atributo de detenção de cargos, isto é, pessoas sociais que ocupam posições as quais o poder esta ligado. Os indivíduos exercem poder somente em sua capacidade de pessoas sociais. Supõe-se que os indivíduos que se defrontam com uma escolha de ação irão geralmente usar tal escolha para adquirir poder; ou procurarão ter acesso ao cargo ou apreço de seus companheiros que podem leva-los ao cargo. O apreço é um produto cultural. Que é admirado em uma sociedade pode ser deplorado em outra. Um indivíduo pode pertencer a mais de um sistema de apreço, e esses sistemas podem não ser coerentes. A ação que é de méritos chans pode ser tachada de humilhante aos Kachins. Ritual O ritual serve para expressar o status do indivíduo enquanto pessoa social no sistema estrutural em que ele se encontra temporariamente. Os antropólogos ingleses seguiram Durkhein ao dividir as ações sociais em grandes classes – ritos religiosos que são sagrados e atos técnicos que são profanos. Permanece o pressuposto de que situação que de algum modo sagradas e profanas são distintas como totalidades. Ritual é, pois uma palavra usada para descrever as ações sociais que ocorrem em situações sagradas. Uso a palavra de modo diferente deste. Os fatos que se revelam técnicos, a analise não fornece nenhum critério para distinguir as peculiaridades de alguma cultura ou de alguma sociedade. Poucas ações tem essa forma elementar funcionalmente definida. Por exemplo: ao ritual caseiro ao cultivo do arroz. Com a noção de necessidade de boa colheita. Ao realizar esses tipos de ações estão realizando simples atos técnicos de um tipo funcional. Mas há mais que isso. No procedimento costumeiro dos kachins as rotinas de limpar o terreno, plantar sementes, cercar o pedaço de terra e capinar, são padronizadas de acordo com as convenções formais e entremeadas com todos os tipos de adornos e ornatos tecnicamente. Esses tornam o desempenho um desempenho Kachin, e não um mero ato funcional, mesmo que sucede com todo tipo de ação técnica; há sempre o elemento que funcionalmente é essencial, e outro elemento que é apenas costume local.São basicamente esses adornos que fornecem aos antropólogos gamas de significações. Para os indivíduos que vivem numa sociedade tais pormenores nunca podem ser irrelevantes, são partes do sistema total de comunicação interpessoal dentro do grupo. Ações simbólicas, representações. Tarefa do antropólogo, tentar descobrir e traduzir para seu próprio jargão aquilo que está simbolizado ou representado. Durkhein e seus discípulos parecem acreditar que as representações coletivas estavam confinadas a esfera do sagrado e desde que afirma que a dicotomia entre sagrado e profano era universal e absoluta, inferiam-se que eram especificamente sagrados os símbolos que o antropólogo submetia à análise. Dicotomia essa que não se justifica segundo as ideias do autor. Num extremo temos as ações que são inteiramente profanas, funcionais, simples técnica; no outro temos ações que são sagradas, estéticas, tecnicamente não funcionais. Temos entre esses dois termos uma gama de ações sociais que participam em parte de uma das esferas e em parte da outra. Nesse sentido técnica e ritual, não denotam tipos de ação, mas aspectos virtualmente qualquer tipo de ação. A técnica tem consequências materiais economicistas que são mensuráveis e predizíveis. O ritual por outro lado é uma declaração simbólica que diz alguma coisa sobre os indivíduos envolvidos na ação. O mito nessa terminologia é a contrapartida do ritual. Implica ritual e ritual implica mito. Ambas são uma só, e mesma coisa. A doutrina clássica na antropologia social inglesa é que mito e ritual são entidades conceitualmente distintas que perpetuam uma à outra mediante uma interdependência funcional – o rito é uma dramatização do mito, o mito é a sanção ou a justificativa do rito. Esse enfoque do material torna possível discutir os mitos isoladamente como constituindo em sistemas de crença. O mito encarado como uma afirmação em palavras diz a mesma coisa que o ritual encarado como uma afirmação em ação. Indagar sobre o conteúdo da crença que não esta contida no conteúdo do ritual, é um contra senso. Os mitos em si são apenas modo de descrever certos tipos de comportamento humano. Na percepção do autor é sempre com o mundo material do comportamento humano observável, nunca com a metafísica ou com sistemas de ideias que tais. Interpretação Ação ritual e crença são entendidas como formas de afirmação simbólica sobre a ordem social. A principal tarefa da antropologia social é tentar tal interpretação. Supõem que todos os seres humanos, qualquer que seja a sua cultura e o grau de complexidade mental, tendem a construir símbolos e fazer associações mentais do tipo geral. Supõem que possa dar uma interpretação aproximada mesmo de ações simbólicas não verbais, como itens do ritual. Voltar ao problema – a relação entre uma estrutura social considerada como modelo abstrato de uma sociedade ideal e a estrutura social de qualquer sociedade empírica concreta. Afirma-se que onde quer que se encontre ritual pode-se interpreta-lo. O ritual em seu contexto cultural é um modelo de símbolos, as palavras com que interpreto são outro modelo e símbolos composto largamente de termos técnicos inventados por antropólogos – como linhagem, classe, status, etc. Os dois sistemas de símbolos tem algo em comum, uma estrutura comum. O ritual em si torna explicita a estrutura social. A estrutura é simbolizada no ritual é o sistema das relações corretas socialmente aprovadas entre indivíduos e grupos. Estrutura social e cultura Quanto ao tipo de relação entre estrutura social e cultura, acontece como decorrência imediata disso. A cultura proporciona forma, roupagem da situação social. A situação cultural é um produto e um acidente da historia. O que se tira disso é o significado simbólico, em suma importância para interpretação da cultura na estrutura social. A estrutura da situação é largamente independente da sua forma cultural. O mesmo tipo de relação estrutural pode existir em muitas culturas e ser simbolizado de maneiras correspondentemente diferentes. O casamento é uma relação estrutural comum tanto à sociedade inglesa quanto a Kachin. A simbolização nelas implícitas é diferente. As diferenças de culturas são estruturalmente significativas, mas o fato de dois grupos de pessoas serem de cultura diferente não implica necessariamente que pertençam a dois sistemas sociais totalmente diferentes. Daí o que tem significado real é o modelo estrutural básico, e não o modelo cultural manifesto. Interessa não tanto na interpretação estrutural de uma cultura particular, mas o modo como as estruturas particulares podem admitir várias interpretações culturais, e no modo como estrutura diferentes podem ser representadas pelo mesmo conjunto de símbolos culturais. Como nos anuncia Roberto DaMatta, Victur Turner, Mary Douglas e Edmund Leach trazem à tona a antropologia da ambigüidade, dos processos rituais e do paradoxo, que busca tomar os sistemas de classificação, vendo-os como geradores de prescrição que sustentam as rotinas e as estruturas, mas também - eis o seu ponto crítico, original e atraente – como instrumentos produtores de ambigüidade, paradoxo e, no limite de desafios e contradições; de mudança, de rebelião, de transformação e revolução. Victor Turner Victor Turner: O processo ritual Estrutura e processo. Liminariedade. Teoria é abrangente, estrutura maleável. Ritual: drama social. Performance. Communitas: circunstanciado pelas regras sociais. Estrutura e antiestrutura. Aluno da Escola de Manchester, considera a noção de estrutura. O campo de experimentação social (espaço e ritual) é a antiestrutura, que possibilita a mudança. Processo, dinâmica. Teoria do ritual: separação da vida cotidiana. Ritual de consagração da vida social (esta é revigorada por meio dos rituais): dinâmico Se em Leach o mito justifica a facção e mudança social (mitos como retórica política) em Turner uma antropologia não cientifica, em que a estrutura é entendida do ponto de vista da anti-estrutura: estrutura muda na communitas. Turner tem como foco permanente e intenso em seus estudos, os símbolos em movimento e os sistemas de ação, quando toma o ritual como drama, e o drama (as crises políticas, sociais e de vida) como ritual inventando um modo original e promissor de penetrar na vida de uma sociedade. Assim ele foi o criador de uma antropologia do drama e do ritual. Floresta de símbolos: Aspectos do ritual Ndembu A obra de Turner abriu-se com muito mais ousadia para os modos estereotipados de representação de valores, na produção e na encenação paradoxal de emoções padronizadas e obrigatórias, requeridas em certas festas e cerimônias. Isso o levou a uma espécie de cruzada contra o que chamava de formas congeladas ou frias de estudar as sociedades, pois o que propunha era um programa de análise no qual a vida ritual deveria ser vista como um mecanismo privilegiado de sublimação de valores negativo e/ou reprimidos que eles revelavam e traziam à tona por meio de “símbolos” interligados, verdadeiros caminhos ou sendas – que, vistos em conjunto, formavam um tecido móvel, vivo, dinâmico: uma floresta cuja exploração transformava. Sem esquecer essa descoberta dos símbolos como instigadores de ação mística e ritual, com suas evidentes frustrações, reparos e exegeses infinitas e legitimadoras como se o especialista precisasse a todo momento ficar convencido de suas próprias crenças. Outro elemento incomodamente presente nesta obra é a noção de os símbolos fazem coisas e, com isso transformam situações, estados e pessoas. No estruturalismo clássico, o estudioso de dava por feliz quando conseguia “decodificar” um sistema,revelando sua coerência com as outras dimensões estruturais da sociedade que se estudava. Falava-se de eficácia simbólica, mas não se penetrava no núcleo de crenças que conduzia a essa eficácia. Ora, foi exatamente isso o que Turner foi obrigado a realizar entre os Ndembu quando interessou-se pelo estudo dos seus conflitos. Foram os conflitos endêmicos da sociedade Ndembu que levaram Turner a perceber o papel dos símbolos e a descobrir no seu conjunto um centro e um sujeito. Ao optar por uma abordagem centrada na ação social, Turner enfatiza a importância do contexto de situação como fator determinante do simbolismo ritual. Nas suas análises, os interesses, propósitos e vontades que constituem as motivações dos indivíduos e orientam suas atitudes são constituintes fundamentais do próprio simbolismo: “ordem vem de propósitos, não de conhecimento”. A força das interpretações de Victor Turner a respeito dos rituais Ndembu encontra-se, em primeiro lugar, no destaque analítico conferido às exegeses feitas pelos agentes, conjugadas com elaborados quadros sociológicos dos contextos de interação, produzidos pelo antropólogo. Tomado este plano de análise, os rituais emergem como lócus fundamentais de expressão e resolução de tensões sociais, geradas não só pelo choque entre indivíduos e grupos, mas também e principalmente pelas contradições dos próprios princípios estruturais que ordenam a sociedade. Como escreve Turner na introdução de Floresta de Símbolos: os princípios de organização das aldeias “são situacionalmente incompatíveis, eles geram conflitos de lealdade” (2005: 32). No caso específico da sociedade Ndembu, Turner destaca as contradições postas pelos princípios da matrilinearidade e do casamento virilocal, que fazem com que as mulheres, de quem depende a continuidade social, habitem a aldeia de seus maridos. Normas ambíguas e conflitantes, oposição de grupos, competição por prestígio, dinamismo social como resultado de luta política, em todos esses temas é possível identificar a influência de Max Gluckman, mestre de Turner. Essa inspiração encontra-se principalmente em sua tese de doutorado, Schism and Continuity in an African Society: A Study of Ndembu Village Life, publicada em 1957, em que Adam Kuper (1978) reconhece um dos trabalhos mais representativos da Escola de Manchester, da qual Gluckman e o próprio Turner foram expoentes. Foi também neste livro que Victor Turner empregou pela primeira vez o importante conceito de “drama social”, numa elaboração inspirada em Van Gennep que teria grande ascendência em trabalhos de antropólogos brasileiros, a exemplo de Roberto Da Matta – autor do prefácio desta edição. Embora o quadro de referência teórica permaneça o mesmo, em Floresta de Símbolos Turner desenvolve uma refinada análise dos símbolos rituais como elementos dinâmicos, motores da ação através da mobilização simultânea de uma poderosa carga de emoções e de valores sociais. A partir de então, o foco no simbolismo e no ritual – desdobrado nos estudos posteriores sobre performance – seria permanente e constituiria a principal marca da obra de Victor Turner. Em Floresta dos Símbolos é sobretudo na interpretação dos símbolos rituais dentro dos contextos de ação que Turner concentra o trabalho analítico. Para tanto, ele propõe que a estrutura e propriedade dos símbolos podem ser deduzidas: a) da sua forma externa; b) dos significados atribuídos pelos agentes e c) pelos contextos significativos traçados pelo antropólogo. Na verdade, ao longo do livro, Turner sugere diferentes planos de análise, como o confronto entre as interpretações nativas (“nível exegético”) e o comportamento ritual concreto (o “nível operacional”), entre este e os contextos sociais mais amplos (análise sociológica), bem como a observação dos significados de cada símbolo em articulação com a constelação do ritual específico, com sistema cultural total e com os princípios articuladores da sociedade (“nível situacional”). A aplicação deste complexo arcabouço interpretativo a “estudos de caso ampliados” confere sofisticação e vivacidade aos textos de Floresta de Símbolos. Em coerência com o propósito de tratar os símbolos rituais como vetores da ação social e, conseqüentemente, com a prioridade do contexto de situação na interpretação, Turner enfatizou a polissemia, a flexibilidade e abertura semântica dos “símbolos dominantes”. De fato, eles são elementos chave no processo de interpretação proposto pelo autor. Perpassando o sistema simbólico inteiro, os “símbolos dominantes” aparecem em vários rituais e catalisam múltiplos significados, sendo normalmente associados a valores sociais axiomáticos – como é o caso da árvore mudyi, a árvore leiteira, na sociedade matrilinear Ndembu. Mas além das qualidades de polissemia e condensação de significados diversos, que abrem passagem para a apropriação contextual, Turner identificou a “polarização” como outra das propriedades relevantes dos símbolos rituais. Segundo ele, os símbolos teriam componentes oréticos ou afetivos num dos pólos, e, no outro, elementos ideológicos ou normativos. Essa combinação serviria à função social de tornar as normas e os imperativos sociais, de caráter obrigatório, carregados dos estímulos emocionais que os tornariam desejáveis. Na conjugação das propriedades estruturais de polissemia, condensação e polarização de significados encontrar-se-ia a causa da enorme valência e eficácia dos símbolos. Porém, ao remeter o pólo orético para o plano psico-fisiológico e nele situar a dimensão universal da experiência humana, Turner renunciou à busca de uma compreensão antropológica, no sentido forte do termo, do simbólico. Assim, ele chega a afirmar: “eu postularia que o organismo humano e suas experiências cruciais são fonte e origem de todas as classificações” (2005:132). Por outro lado, Turner não chega a negar a existência de um sistema simbólico Ndembu, que garante constância e consistência aos significados dos símbolos dominantes e sua autonomia relativa com relação aos objetivos específicos de cada ritual (2005: 63). Mas é fato que ele não se dedicou a tornar o sistema ritual Ndembu objeto de descrição metódica. Na verdade, como observa Mariza Peirano: “Victor Turner jamais se propôs a estudar o 'sistema ritual Ndembu' como um sistema conceitual” (1995: 62). Em última instância, ele privilegiou a dimensão pragmática do simbolismo ritual e, portanto, os rituais dentro dos quadros vivos da sociedade Ndembu, com seus conflitos e sua dinâmica social pulsante. É justamente na elucidação da qualidade dinâmica dos símbolos rituais e no desvelamento de suas múltiplas camadas significativas, incluindo os contextos ritual e sociológico, que Victor Turner é um mestre sem par e Floresta de Símbolos um construto com muitas e efetivas lições.
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