Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Conselho Editorial EAD Dóris Cristina Gedrat (coordenadora) Mara Lúcia Machado José Édil de Lima Alves Astomiro Romais Andrea Eick Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº .610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal. APRESENTAÇÃO Cursávamos o ensino médio em um colégio da Rede de Ensino Públi‐ co, no Centro‐Sul do Chile, no início da década de 1970, quando tive‐ mos a oportunidade de participar do curso “Programa de Educación de los Trabajadores para el Cambio”. O Curso era inspirado nos con‐ ceitos pedagógicos e metodológicos dos brasileiros Paulo Freire e Ernani Maria Fiori. Nesse curso, aprendemos os princípios de uma educação que na prática do exercício da liberdade constrói justiça e solidariedade: a) Ninguém educa ninguém, pois a educação é a ação da pessoa ou do grupo que se educa. A educação é uma ação intransfe‐ rível que ninguém pode fazer por ninguém, cada pessoa ou grupo faz por si e para si, e o educando é o sujeito da sua educação sendo uma tarefa de toda a vida. b) Ninguém se educa sozinho, pois a educação supõe a alteridade, precisamos do outro para educar‐nos. c) A educa‐ ção tem como ponto de partida a própria realidade pessoal e sociocul‐ tural do educando ou do grupo de educandos e, nesse sentido, a reali‐ dade constitui a mediação do ato educativo. Os três princípios se arti‐ culam – ninguém educa ninguém e ninguém se educa sozinho são mediados pela realidade a ser transformada, transformando‐se um ao outro e a si mesmo através de uma relação dialógica. Esses têm sido meus referenciais pedagógicos em todas as minhas experiências educa‐ tivas, sejam elas na educação formal em colégios e universidades, sejam em processos de educação de jovens e adultos em comunidades da periferia, sejam na capacitação de líderes comunitários e operadores de segurança pública e justiça criminal. Esses conceitos constrastam com o referencial pedagógico que configu‐ ra o exercício da nossa prática docente. Isso porque escrever um livro como suporte para o estudo de graduação sem a presença do educador subtrairia a possibilidade de diálogo. Entretanto, tomamos essa carac‐ terística como um desafio a ser superado na alocação dos conteúdos, na descrição e na explicação dos temas e, principalmente, na sugestão das atividades a serem realizadas, bem como nas leituras complemen‐ tares a serem feitas. A articulação interna dos capítulos objetiva susci‐ tar a reflexão individual, aquela que ninguém pode fazer por ninguém, 6 sobre a realidade histórica que faz a mediação dialógica com a autoria do livro que expressa suas idéias ao longo dos dez temas investigados, preparados e apresentados. Não realizar as atividades propostas e as leituras sugeridas em cada capítulo significará inviabilizar esse diálogo entre as idéias mais relevantes e os autores mais representativos de cada recorte histórico e temático presentes em cada capítulo. A história da educação que apresentamos a seguir tem três recortes temáticos: a história da educação nas civilizações antigas (Egito, Grécia e Roma); a história da educação na Idade Média e na Idade Moderna e a história da educação brasileira (HEB). Privilegiamos, em referências bibliográficas, atividades de aprofundamento, leituras sugeridas, apre‐ ciação de documentos e estudo de legislação, a história da educação brasileira. Se os motivos não parecem óbvios, optamos por privilegiar esse recorte, pois nos seis últimos anos em que trabalhamos HEB I e HEB II, no Curso de Pedagogia, percebemos que os estudantes chegam à universidade com uma percepção fragmentada da história da socie‐ dade brasileira. Não tem uma visão do processo de construção dos fatores nacionais e internacionais que se conjugaram para produzirem determinados modelos sociais e econômicos e ignoram a formação e a atuação das elites nacionais na formulação de renovadas estratégias para a manutenção da hegemonia política e econômica. Da mesma maneira, não apresentam um conhecimento apropriado sobre as fina‐ lidades da educação no processo histórico de formação da sociedade brasileira. Para nossa satisfação, um crescimento significativo na compreensão dos aspectos apontados anteriormente tem sido alcançado através de pesquisas temáticas orientadas individuais e em grupos, de seminários sobre temas específicos de responsabilidade individual e coletiva, além de discussões e debates que objetivam a construção de uma visão de conjunto sobre o processo social e histórico brasileiro e o papel atribuí‐ do à educação. Os conteúdos alocados, as atividades de aprofunda‐ mento e as sugestões de leituras que têm contribuído para esse cresci‐ mento pessoal e de grupo são aqueles que são apresentados neste livro. Gostaríamos de terminar essa apresentação parafraseando Zeldin, citado por Callage Netoa, quando afirma que a nossa imaginação é habitada por fantasmas de um passado que nos assombra, mas que as pessoas podem mudar de opinião a seu respeito. Ele acredita que é possível aos indivíduos formarem uma nova opinião de sua própria a CALLAGE NETO, R. A cidadania sempre adiada: da crise de Vargas em 54 à era Fernando Henrique Cardoso. Ijuí: Unijuí, 2002. p. 13. 7 crônica pessoal e de todo o registro da crueldade humana seus equívo‐ cos e alegrias. É consenso que, para que tenhamos uma visão nova do futuro, sempre foi necessário, antes, adquirir uma visão nova do pas‐ sado. SOBRE O AUTOR Julio Alejandro Quezada Jélvez O professor Julio Alejandro Quezada Jélvez é graduado com licencia‐ tura plena em Filosofia na Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição/ RS, mestre em Educação na Pontifícia Universi‐ dade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e atualmente cursa o doutorado em Gerontologia Biomédica na PUCRS. Realizou Cursos de extensão e qualificação em Psicanálise e Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Sua experiência profissional contempla a docência nas seguintes insti‐ tuições: Universidade Luterana do Brasil no Campi de Canoas/RS e Campi São Jerônimo/RS;PUCRS; Universidade Estadual do Rio Gran‐ de do Sul (UERGS) e nas Faculdades Cenecistas de Osório (Facos). Nesta última, é professor de História da Educação e Ética e Cidadania nos cursos de Pedagogia e Computação, respectivamente, e coordena‐ dor do curso de pós‐graduação e especialização em Psicopedagogia Social. Também é con sultor da União Européia e do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas/Pnud e do Centro de Assesso‐ ramento a Programas de Educação para a Cidadania / Capec com atu‐ ação em 25 Estados da Federação. Tem co‐autoria em “Arquitetura Institucional do Sistema Único de Segurança Pública – SUSP” – Se‐ nasp/MJ/PNUD, 2003; “Matriz Curricular Nacional – para a formação dos operadores de segurança pública e justiça criminal” – Senasp/MJ, 2004. Foi indicado para o Prêmio Nacional de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo (USP), em 2007. SUMÁRIO 1 A EDUCAÇÃO NAS CIVILIZAÇÕES ANTIGAS ...................................................... 13 1.1 Educação no Egito ................................................................................... 13 1.2 Educação na Grécia ................................................................................ 14 1.3 Educação em Roma .................................................................................17 Atividades .................................................................................................... 20 2 A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA ....................................................................... 21 Atividades .................................................................................................... 26 3 A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA ................................................................. 27 3.1 Absolutismo ............................................................................................ 27 3.2 A Revolução Industrial ............................................................................. 31 Atividades .................................................................................................... 33 4 A EDUCAÇÃO NO BRASIL COLÔNIA .................................................................. 34 Atividades .................................................................................................... 39 5 A EDUCAÇÃO NO BRASIL IMPÉRIO .................................................................. 40 5.1 A Proclamação da Independência do Brasil .............................................. 41 5.2 A Abolição da Escravatura ....................................................................... 41 5.3 A cultura no Brasil Império ...................................................................... 42 5.4 O ensino superior no Brasil Império .......................................................... 42 5.5 O ensino primário, secundário e técnico-profissional ................................ 43 5.6 A formação dos professores e as Escolas Normais ..................................... 45 12 5.7 Rui Barbosa e a reforma de ensino no Brasil ............................................. 46 Atividades .................................................................................................... 47 6 A EDUCAÇÃO NO PERÍODO REPUBLICANO ....................................................... 49 Ponto final .................................................................................................... 54 Atividades .................................................................................................... 55 7 A EDUCAÇÃO NA ERA VARGAS ........................................................................ 56 Atividades .................................................................................................... 66 8 A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DESENVOLVIMENTISTA .......................................... 67 8.1 O governo de Juscelino Kubitschek ........................................................... 67 8.2 O governo de Jânio Quadros ..................................................................... 68 8.3 Contramarcha ......................................................................................... 69 8.4 A educação nos anos desenvolvimentistas ................................................ 70 Atividades .................................................................................................... 72 9 A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR ........................................... 73 9.1 Aspectos econômicos .............................................................................. 73 9.2 Aspectos políticos e (i)legais no período da Ditadura Militar ..................... 75 9.3 Educação x Ditadura Militar..................................................................... 77 Atividades .................................................................................................... 81 10 A EDUCAÇÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO .................................... 83 Atividades .................................................................................................... 91 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 92 1 A EDUCAÇÃO NAS CIVILIZAÇÕES ANTIGAS Julio Alejandro Quezada Jélvez O presente capítulo apresenta uma síntese sobre como era a educação nas civilizações antigas. O objetivo é trazer os aspectos mais importan‐ tes dos diferentes contextos históricos para possibilitar uma melhor compreensão dos métodos de ensino e dos conteúdos enfocados em cada período. A partir desse entendimento, é possível pensar sobre as transformações do mundo da educação e sobre o desenvolvimento do conceito de ensino. Além disso, o texto traz, de modo discreto, uma reflexão sobre o surgimento do pedagogo como profissional. 1.1 Educação no Egito Os registros históricos significativos mais remotos acerca da educação são da civilização egípcia, por volta de 2200 a.C. Esses registros consis‐ tem em ensinamentos que nos trazem uma idéia geral de como se davam as relações de instrução naquele período e espaço histórico. É importante saber que o Estado controlava a economia em quase todas as escalas e tinha como propriedade todos os templos, minas, pedrei‐ ras e obras públicas. O sustento do Faraó e de sua corte era o objetivo central da organização estatal no Egito. A civilização egípcia era muito desenvolvida no que se refere às ciên‐ cias em geral. A matemática, a astronomia e a medicina eram expoen‐ tes dessa cultura, porém todo esse avanço era explicado pela religião e pela magia, além de ser monopolizado pelos pequenos grupos da elite política e religiosa. A educação no Egito era dirigida à classe dominante; os mestres ou escribas ensinavam aos filhos dos dirigentes e escolhidos as artes da política e da administração pública. A capacidade da fala, ou seja, a oratória, era um valor central naquela educação, pois o bom dirigente deveria ser capaz de se comunicar com facilidade sem o uso da escrita. 14 A transmissão de ensinamentos de geração para geração era rigorosa‐ mente respeitada, e a autoridade dos adultos era característica marcan‐ te no Egito. Em seus aspectos metodológicos, a educação era embasada na repetição de normas morais, e os alunos recitavam juntos os textos trabalhados. No Médio Império, começou a aparecer a necessidade de sistematizar essa formação do homem político. Os primeiros modelos de escola que surgiram seguiam o modelo tradi‐ cional, com os mestres sentados em destaque e rodeados por seus discípulos, formando a base. Nesse período, o escriba, que é o respon‐ sável pelos trabalhos administrativos do Estado por ser perito na escri‐ ta, passa a exercer o papel de responsável pela educação dos jovens. Esses ensinamentos não tinham como intenção desenvolver a literatura artística nos alunos, mas, sim, prepará‐los para administrar a socieda‐ de. As letras serviam para o exercício do poder, até porque a classe que recebia essas instruções era a dominante. Outra característica pedagó‐ gica importante é a prática da educação física; os egípcios tinham ati‐ vidades relacionadas principalmente à natação. Já no Novo Império, existiu a educação relacionada com o preparo físico‐militar e a educação das grandes literaturas, ensinadas por meio ainda de repetição e de fortes castigos físicos, outro aspecto como co‐ mum nessa época. O viés da prática como repetição de procedimentos matemáticos também ganhou importância nesse tempo. O conceito de educação desenvolvido no Egito tinha como base a idéia de que a instrução diferenciava os indivíduos, pois aqueles que domi‐ nam as letras e as ciências não praticavam os trabalhos pesados, que deveriam ser feitos por quem não tinha acesso à educação. A escrita, como era dominada por poucos, não teve um papel central na educa‐ ção egípcia, mas, no que tange à religiosidade, ela foi fundamental para a conservação da história desse povo. 1.2 Educação na Grécia A Grécia é tida, quase unanimemente,como a mãe da civilização oci‐ dental por ter sido onde se desenvolveram os valores e os conceitos básicos da nossa cultura. As idéias de liberdade política, de cidadania, de desenvolvimento intelectual da individualidade, da filosofia, da poesia, da racionalidade, os conceitos de arte e de lei são temáticas que, embrionariamente, se manifestaram nas sociedades gregas. Estas eram sustentadas por um sistema escravocrata, contendo, na maioria 15 de sua população, escravos, os quais, nesse período, eram pessoas de outros povos, vencidos em guerras e colonizados, ou ainda, devedores de relações comerciais. As principais cidades‐Estado da Grécia foram Esparta e Atenas. No decorrer da história, cada uma teve seu período de hegemonia, dei‐ xando seus legados culturais. No que se refere à educação, existem diferenças essenciais entre elas. Costuma‐se dividir a história da Grécia clássica em três períodos: Ar‐ caico, Clássico e Helenístico. Essa divisão permite uma abordagem mais didática a respeito da educação. Com Homero (século VIII a.C.), autor de Ilíada e Odisséia, temos a primeira contribuição significativa para a educação, que, nesse perío‐ do, era essencialmente prática. O autor trata, em seus poemas, de um duplo ideal de homem, o do fazer e o do saber, e essa idéia se estendeu por toda a história da educação grega. Tornar‐se esse homem ”comple‐ to” deveria ser o objetivo de todos os homens livres. O Período Arcaico (de 700 a.C até 500 a.C.) caracteriza‐se pelas guerras provocadas por invasões persas, justificando, portanto, que a educação (principalmente em Esparta) fosse estritamente vinculada à preparação física dos indivíduos e tornando a questão militar central na vida da‐ queles povos. Mesmo que durante esse período já existissem a literatu‐ ra, a filosofia e a cunhagem de moedas, a prioridade da educação era o desenvolvimento de aspectos disciplinares de obediência às leis e dos valores relacionados à coragem nos indivíduos. A música e a ginástica são elementos encontrados na educação desse tempo, sendo que a música figurava como elemento de aculturação, obtida por meio de cantos religiosos e de guerra, e a ginástica consistia no modo de treinamento do guerreiro. Os aspectos democráticos, ain‐ da não muito vivos na sociedade, também não estão presentes no pro‐ cesso educativo nessa época, porém isso muda nos períodos seguintes. Até os sete anos, a criança ficava com a família, que a iniciava nos exercícios físicos e disciplinares, para que depois pudesse ser encami‐ nhada a uma espécie de escola mantida pelo Estado, onde, no decorrer de sua adolescência, daria início aos estudos de estratégias de guerra e treinamentos militares. Somente com trinta anos se atingia a maiorida‐ de, mas isso não desvinculava o homem do Estado, pelo contrário, este seguia trabalhando em tempo integral em funções estatais. Surgem, nesse período, os sofistas, uma classe de professores ambulantes que 16 viajavam pelas grandes cidades, oferecendo uma instrução que, inici‐ almente, era superficial, em troca de finanças. É no Período Clássico (500 até 336 a.C.) que os sofistas ganham mais espaço, revolucionando a maneira de pensar dos gregos, problemati‐ zando os valores maniqueístas, como bem e mal, verdade e mentira, justiça e injustiça. Eram avançados para a sua época, criticavam a escravidão, a discrimi‐ nação racial perante outros povos e defendiam a liberdade e os direitos individuais, o que causou uma resistência nas parcelas conservadoras da sociedade grega. Acrescentemos que os sofistas transferiram o caráter inicial da educa‐ ção, que era de certa estima mútua entre mestre e discípulo, para uma relação econômica. Em Atenas, por exemplo, começam a aparecer as primeiras leis sobre a educação e a escola, nas quais já eram tratados temas como os deveres educativos dos pais, a necessidade do ensinamento de um ofício para os pobres e da educação completa para os ricos, a quantidade de alu‐ nos por turma e a formação que deveriam ter os professores. É em meio a essas questões que nasce a escola da escrita, ou seja, uma escola que, além de ensinar a música e a ginástica, passa a ensinar o alfabeto, a leitura e a escrita. Os registros mais precisos sobre a existência dessa escola datam do século V a.C. Surge então um meio democrático de comunicação, já que os homens livres passaram a ter acesso a esse tipo de escola. Os conservadores não apoiaram a criação dessas instituições educacionais, pois acreditavam ser perigoso difundir a escrita ilimitadamente. Entre‐ tanto, o que mudou foram os meios da educação e não seu conteúdo. Mesmo assim, podemos afirmar que essa escola do alfabeto é a primei‐ ra a existir com as características da escola formal que temos em nossos dias. Com a evolução dessa escola, que, primeiramente, era mantida com contribuições de soberanos, doações de particulares e, mais tarde, foi assumindo um caráter de instituição de Estado, formou‐se um quadro educacional bem desenvolvido. A maioria das crianças (filhos de ho‐ mens livres) freqüentava a escola, e os líderes políticos já davam uma atenção diferente aos meios de instrução da população. 17 Confirma‐se então a estatização das escolas, e o ginásio é o modelo educacional da época, uma espécie de centro de cultura física e intelec‐ tual para os adultos e os adolescentes. Outro aspecto importante é o ensino profissional, que também aparece nesse período, embora ainda não tenha uma grande sistematização por ser essencialmente prático. A área que mais relacionou teoria e prática foi, sem dúvida, a medicina, seguida da arquitetura, mas, na evolução da cultura, a investigação teórica se sobressaiu à aplicação técnica. A democratização da escola intelectual e da escrita fez com que o exer‐ cício de educar se transformasse em uma profissão pública e conquis‐ tasse uma aceitabilidade social maior. Não podemos falar de educação sem mencionar os principais filósofos da civilização grega. Heráclito de Éfeso, Sócrates, Platão e Aristóteles são as grandes referências do pensamento ocidental. Eles consubstan‐ ciaram em suas obras, além de abordagens acerca da realidade e de categorias políticas e ontológicas, questões educacionais extremamente importantes ainda em nossos dias. 1.3 Educação em Roma A sociedade romana se caracteriza por ter experimentado vários mo‐ delos de administração política e por ter sido constituída, já no seu período imperial, pela união cultural de vários povos. A monarquia, a república e o império são as etapas que servem como referência para contextualizar o processo de construção de Roma como centro econô‐ mico, social e político. A monarquia romana (753 a.C. a 509 a.C.) coincidiu com um notável progresso econômico e cultural, porém as relações com outras culturas ainda não eram muito desenvolvidas. Antes mesmo do estabelecimen‐ to do império romano (período que serviu de cenário para as grandes conquistas romanas, ocasionando a assimilação da cultura do povo vencido – helenística – pelo povo vencedor), os etruscos já haviam adotado o alfabeto grego, modificando‐o até criar o latino. A educação, nesse período, era um tanto quanto primitiva, e a aprendizagem de valores morais e disciplinares era essencial. O método de ensino era o da imitação, ou seja, a educação era centralizada na formação do cará‐ ter do indivíduo e quem desempenhava essa função pedagógica era a família, sendo o pai o maior exemplo. 18 A criança era posta sob tutela do pai a partir dos sete anos para prati‐ car exercícios físicos e, caso a mãe – que, diferente da mãe grega, tinha um papel fundamentalna educação prática do filho – não lhe tivesse ensinado os costumes utilitários básicos, o pai o faria. Era fundamental que o jovem romano observasse seu pai e os outros homens agindo de acordo com as normas morais, pois os meninos deveriam, ao longo de seu aprendizado, desenvolver em suas personalidades valores como a piedade, a honestidade e a prudência. No início, a escola do lar era a única. Um pouco mais tarde, mas antes da fusão cultural greco‐romana, já era possível verificar uma escola elementar em Roma, que era chamada de ludi, do latim ludus (diver‐ são), visto que, quando estudavam as artes e a escrita, os alunos senti‐ am prazer, como se fosse um jogo, ao contrário do ensino disciplinar e rígido da educação do lar, proporcionado pela família. Quando incorporada a Roma, a Grécia passou a influenciar decisiva‐ mente a cultura da província conquistadora. As relações comerciais fizeram com que se tornasse vital para a eco‐ nomia romana o estudo da nova língua – a grega (essa prática é atribu‐ ída às escolas do gramático, em que se ensinavam o grego e o latim). O ensino nessas escolas era ministrado por escravos pedagogos gregos, que podiam falar ou não o latim e que tinham a função de transmitir a cultura grega e ensinar a própria língua. Vários historiadores afirmam que, naquele tempo, algumas famílias se negavam a entregar a educa‐ ção dos filhos a esses escravos gregos, preferindo retroceder aos tem‐ pos da escola do lar. No ensino romano aparece a idéia de educador como sujeito histórico, com sua origem ligada a um trabalho discriminado e servil. Os profes‐ sores das escolas consolidadas eram, primeiramente, escravos e, de‐ pois, homens que recebiam quantias miseráveis para ensinar. Todavia, os mestres estrangeiros que se tornavam escravos gozavam de certo prestígio juntamente com os médicos por representarem ferramentas culturais importantes para o desenvolvimento. Com as reorganizações do império, os mestres tornaram‐se assalariados (mal pagos), a insti‐ tuição escolar se generalizou,e se consolidou como órgão do Estado, carregando todas as influências helenísticas. Portanto, podemos afirmar que o sistema educacional romano foi o primeiro a ter uma organização comum que funcionava nas várias cidades do império. O caráter oficial das escolas e a sua estrita depen‐ dência ao Estado constituem não apenas uma diferença relevante em 19 relação ao modelo de ensino da Grécia, como também uma novidade fundamental para a educação. Nesse tempo, encontramos na oratória a grande virtude intelectual, razão pela qual se fazia necessário priorizar essa temática, o que era feito nas escolas do tipo grega de retórica e gramática. Assim como a escola dos sofistas, a escola do retórico, em Roma, valia‐ se de um treino unicamente em oratória. Essa escola só estava ao alcance daqueles que seguiriam carreiras públicas, ou seja, a classe dominante. A oratória passou a ser tão im‐ portante na vida romana que a um guerreiro só era atribuída a quali‐ dade de bom líder se ele fosse bom orador. Com a invasão dos povos bárbaros, o império enfrenta problemas graves e vai se diluindo por partes. O sistema educacional romano acompanha esse desmantelamento do império, desorganiza‐se em seu aspecto formal, e a educação se torna, paulatinamente, um privilégio de poucos. Assim, o que faz com que a educação romana entre em declínio é o fato de o ensino ser cada vez mais direcionado somente à classe mais elevada da sociedade, deixando de ser vinculada aos pro‐ blemas práticos da população. Ponto final Existem características comuns entre os períodos que aqui estudamos e inovações pedagógicas. A educação egípcia se deteve na oratória e nas ciências exatas, a Grécia desenvolveu a filosofia, e os romanos beberam da cultura grega, mas desenvolveram o papel profissional do educador e o estudo da jurisprudência. As três civilizações enfocadas recorreram à educação como recurso de formação dos seus filhos e cidadãos, considerando a família e o Estado como os responsáveis pelo desempenho da instrução e as tradições, as crenças, os valores e as atividades domésticas e produtivas como fon‐ tes dos conteúdos para essa atividade. Indicação cultural Sugerimos a leitura dos capítulos “A educação no Egito”, ”na Grécia” e “em Roma” do livro: MONROE, P. História da Educação. 6. ed. São Paulo: Nacional, 1976. e incluir essas informações e abordagens na elaboração do texto da atividade 3. 20 Atividades 1) Selecione todas as informações sobre a educação nas sociedades Egípcia, Grega e Romana contidas neste capítulo e organize‐as em três colunas, sendo uma coluna para cada sociedade. 2) A seguir, estabeleça uma comparação desses conceitos de educa‐ ção estabelecendo uma comparação objetivando responder quais as diferenças e quais as semelhanças entre elas. 3) Elabore um texto sobre: “A educação nas civilizações Egípcia, Grega e Romana e a presença delas na atual educação”, conside‐ rando as duas atividades anteriores e as informações e as aborda‐ gens que se encontram na obra de Monroe. 2 A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA Julio Alejandro Quezada Jélvez A idade média compreende o período entre o fim do império romano, no século V, e a invasão de Constantinopla, no século XV. O longo período medieval é marcado pela forte influência da Igreja Católica na cultura ocidental, dos valores hebraico‐cristãos que se difundiram entre os bárbaros, os quais invadiram e dominaram o império romano do Ocidente, formando vários reinos. Para tratar da Idade Média, os historiadores costumam dividi‐la em Alta Idade Média (séculos V ao XII) e Baixa Idade Média (séculos XII ao XV). No decorrer do capítulo, não vamos nos utilizar dessa divisão, mas é importante constar aqui essa abordagem, para ficar clara a cro‐ nologia histórica. Os principais impérios da Idade Média foram o caro‐ língio, o bizantino e o muçulmano, cada um com suas particularidades e contribuições que não poderemos esmiuçar detalhadamente. O feudalismo na Idade Média caracteriza‐se por ser um modelo essen‐ cialmente agrário, ou seja, dependente da agricultura voltada para a subsistência, pois havia grandes latifúndios dominados pelos senhores feudais (estes recebiam terras doadas pelos reis ou por nobres mais ricos), onde os servos (camponeses que pagavam tributos pelo uso da terra) sofriam intensa exploração, sendo obrigados a prestar serviços à nobreza em troca de proteção. O controle político era todo dos senho‐ res feudais, que exerciam, muitas vezes, o papel de Estado, tendo em vista a fragmentação e a desestruturação do poder institucionalizado nesse tempo. No início da era medieval, houve uma aguda diminuição da densidade populacional dos grandes centros urbanos da Europa, o que se deu pelas inúmeras guerras (invasões bárbaras) que provocaram mortes ilimitadas, pela disseminação de várias epidemias que assolaram, principalmente, as camadas pobres da população e pela mudança gradativa da matriz produtiva da sociedade, que deixa de ser centrali‐ 22 zada nas cidades e no comércio para se tornar agrária e de pouca circu‐ lação monetária. Com esse quadro de retrocesso cultural, social e econômico, começa a moldar‐se o pensamento medieval de mundo e de ser humano. Segundo o autor Florival Cáceres, O grande sentimento que dominou o homem medieval foi o da insegurança, o do medo. Acossado pela fome, epidemias, guerras e pela morte sempre próxima, o homem medieval tinha uma preocupação fundamental com a salvação da alma, com o pecado, com o inferno, o Purgatórioe o Paraíso. Ele temia a noite, que imaginava ser um símbolo das trevas, onde se encontravam todos os seres demoníacos, que podiam tentar levá‐lo à perdição da alma.a Santo Agostinho (354‐430), um dos mais destacados padres da Igreja, tem em Platão sua base teórica para escrever sua obra denominada De magistro, uma interessante contribuição pedagógica. Por longo tempo, temos os mosteiros como quase os únicos espaços educativos da época. Os homens que optavam por seguir uma vida religiosa iam para essas instituições, onde ficavam sujeitos a regras rígidas de conduta. Leigos também freqüentavam os mosteiros e recebiam a mesma edu‐ cação dos futuros padres, mas, aos dezoito anos, poderiam optar entre o sacerdócio e o matrimônio. Esses mosteiros tiveram um papel impor‐ tante no que tange à cópia e à conservação de manuscritos e livros antigos. Nesse período, a Igreja também se ocupava da educação das crianças em geral, já que a diminuição do preconceito contra a instrução do povo era uma marca do cristianismo. Havia, nas paróquias ou nos mosteiros, um tratamento diferenciado para crianças; as regras, inclu‐ sive, previam uma abordagem afetuosa com elas. No entanto, o sadis‐ mo pedagógico era o método mais comum, isto é, a aplicação de casti‐ gos físicos perante os erros dos pequenos, como nos mostra Manacor‐ da, ao interpretar os relatos históricos: “Perante a idade adulta, que é a intelligibilis aetas (44),a idade infantil apresenta‐se como incapacidade de entender; portanto, o castigo é mais eficaz do que a persuasão.”b Chega o momento em que a cultura escolástica confirma‐se como do‐ minante no Ocidente europeu, podendo‐se afirmar que o conteúdo da a PEDRO; CÁCERES, 1996. b MANACORDA, 1989. 23 educação já estava significativamente transformado por essa nova cultura. Sobre a escolástica, partilhamos do conceito de Nelson e Clau‐ dino Piletti de que “é um movimento intelectual oriundo da Idade Média preocupado em demonstrar e ensinar as concordâncias da razão com a fé pelo método de analise lógica.”c São Tomás de Aquino (1225‐1274) é o representante mais importante do pensamento escolástico. Ele escreveu sobre a educação como for‐ mação física e espiritual e refletiu sobre o papel do mestre como pro‐ pulsor dos conhecimentos já existentes em potencial nos alunos. Com o aparecimento de um número maior de escolas paroquiais urba‐ nas, houve uma certa universalização da educação, e as classes subal‐ ternas, historicamente excluídas, passaram a ter acesso a essas escolas. Essa foi a nova ação da Igreja para fortalecer um processo muito mais de aculturação do que de instrução, porém isso representa um salto relevante, se comparado à situação de não haver nenhum tipo de sis‐ tematização da cultura e nenhum meio formal de convívio e participa‐ ção nas vivências nas escolas,. Essas eram escolas canônicas do clero secular das cidades, regidas por regras administrativas bem organiza‐ das e que marcaram a entrada da época carolíngia. Foi no século VIII, na dinastia carolíngia, que houve uma espécie de mescla, no que se refere à educação, entre o clero e o Estado. A respon‐ sabilidade pela instrução, embora confiada à Igreja, foi absorvida como sua pelo poder político institucionalizado. Essa medida é atribuída, principalmente, a Carlos Magno, quando a cultura clássica começou a ser revalorizada, desde que seu uso fosse para aprimorar os conheci‐ mentos do cristianismo. Mais tarde, houve divergências entre o Estado e a Igreja sobre quem seria o responsável pela instrução do povo. Então, nesse momento, a educação cristã, embora atendendo a toda a população, direcionou seus ensinamentos à formação dos clérigos, deixando de lado a dos leigos. Isso fez com que surgissem algumas instituições de ensino diferentes, escolas que eram do Estado, nas grandes cidades e para leigos. As paróquias eclesiásticas continuaram recebendo leigos, mas se concen‐ traram na formação religiosa dos clérigos. c PILETTI; PILETTI, 1997. 24 No início, quem dava as aulas nessas escolas eram os bispos, mas logo esse papel foi passado a um professor chamado scholasticus, cargo que foi ganhando credibilidade. Esse educador passou a dar aulas particulares, cobrando certa quantia para fazê‐lo, o que provocou revolta em alguns setores da Igreja que afirmavam ser a ciência um dom divino que não poderia ser vendido. Com o passar do ano 1000, os conflitos com os bárbaros já eram meno‐ res, ocorreu uma gradativa abertura do tráfego no Mediterrâneo, e houve, também, o aparecimento de novos centros urbanos, que fize‐ ram diminuir o poder político feudal. Assistiu‐se então a uma grande retomada das atividades culturais e pedagógicas. No âmbito educacional, essas mudanças se fizeram presentes com uma nova abertura das escolas cristãs para a população leiga e pobre. Outra novidade foi a introdução das artes liberais como conteúdo a ser traba‐ lhado nessas escolas. Em 1179, o papa Alexandre III, em uma surpre‐ endente decisão, fez com que todas as igrejas e mosteiros estendessem a educação para as camadas populares e, ainda, criou uma espécie de benefício financeiro para os mestres ensinarem a todos. Tendo em vista que a economia de mercado havia surgido nas grandes cidades, agora com populações bem maiores, com uma organização em comunas, isto é, formando grandes povoados que se emancipavam, de certa forma, do feudalismo e que tinham um governo autônomo, o desenho da sociedade modificou‐se significativamente. E foi nesse cenário que apareceram os primeiros mestres livres, religiosos ou lei‐ gos assalariados, que ensinavam as artes liberais (gramática, dialética, retórica, aritmética, geometria, música e astronomia). O desenvolvimento do trabalho desses professores livres, somado às novas conjunturas da ciência e da política, deu origem às universida‐ des medievais. As primeiras grandes universidades foram as de Bolo‐ nha (1088), Paris (1150) e Oxford (1167). Os conteúdos contemplados eram as artes liberais, a medicina e o direito. Inicialmente, a Igreja ainda exercia um poder de supervisão sobre as universidades dos professores livres, pois era ela quem dava a liberação para ensinar e examinava os títulos de todo estudo. Em torno de 1230, havia poucas universidades ainda, mas já se podia notar um reconhecimento para com essas instituições, que, com o pas‐ sar do tempo, foram se tornado cada vez mais complexas em seus regimentos organizacionais e em suas sistematizações científicas. Nes‐ sa época de consolidação das academias, surgiram duas novas ordens 25 religiosas importantes na renovação de várias escolas, os dominicanos e os franciscanos. Os primeiros priorizaram o estudo da teologia, en‐ quanto os outros se dedicaram particularmente às artes liberais, tendo como expoente uma das mais lidas gramáticas da Idade Média, escrita pelo franciscano Alexandre de Villadei. Com o surgimento de novas universidades, o Estado, que sempre as apoiara, começou a interessar‐se mais pelo controle delas, pois, cada vez mais, era necessária a formação de intelectuais capacitados para gerenciar as grandes cidades e as organizações públicas. Em alguns casos, o poder político chegou a sufocar a autonomia das instituições, como em Paris, onde a universidade resistia a intervenções mais agu‐ das. Já em várias outras experiências, em troca de apoio político e financeiro, as novas universidades adotavam as medidas determinadas dos principadose formavam as elites para se manterem no poder. Desses movimentos advém, aos poucos, o Estado moderno. A fim de contextualizar esse período, observemos que foi a partir do século XI que começaram a ocorrer as Cruzadas – diversos movimen‐ tos militares e religiosos contra os povos da Europa oriental ou para expulsar os muçulmanos da Península Ibérica e de Jerusalém –, as quais contribuíram enormemente para o gradativo renascimento mer‐ cantil e a generalização de uma cultura de comércio. Isso atingiu uma maturidade maior com o desenvolvimento urbano e do artesanato do início do século XIV, período em que estamos nos iniciando em nossos estudos. Aí nasce a burguesia urbana, protagonizando as atividades das novas relações de trabalho da sociedade. A abordagem de Manacorda sobre esse período que reproduzimos a seguir facilita a compreensão acerca de como essas mudanças da conjuntura histórica se entrelaçam com os processos educativos e seus meios. Tanto nos ofícios mais CALLAGE NETO, R. A cidadania sempre adiada: da crise de Vargas em 54 à era Fernando Henrique Cardoso. Ijuí: Unijuí, 2002. p. 13. manuais, quanto naqueles mais intelectuais, é exigida uma formação que pode parecer mais próxima da escola, embora continue a se distinguir da escola pelo fato de não se realizar em um ‘lugar destinado a adolescentes’, mas no trabalho, pela convivência de adultos e adolescentes. [...] Aqui, não há separação, o trabalho e o aprender; uma coisa é também a outra, de acordo com as características imutáveis de toda formação através da aprendizagem, própria, em todos os tempos e lugares, a quaisquer atividades imediatamente produtivas.d d MANACORDA, op cit. 26 Como podemos ver, com a aprendizagem do trabalho, as relações pedagógicas se modificam, e os aspectos práticos das profissões são o grande conteúdo aí enfocado. Sobre esse método estritamente didático adeja um problema relacionado à sistematização da esfera científica da aprendizagem, ou seja, os processos instrumentais, o conhecimento das matérias‐primas, resumidos à praticidade da arte, não foram ela‐ borados e registrados como ciência e muito menos relacionados com um saber mais geral. Portanto, esses ofícios nunca se tornaram passí‐ veis de estudos teóricos, e muitas dessas profissões se desvalorizaram devido a esse fenômeno. Ponto final Um dos aspectos centrais da educação na Idade Média refere‐se ao conteúdo essencialmente religioso que ela adquiriu por tratar‐se de uma atividade que ficou sob a responsabilidade da Igreja. Entretanto, foi um período em que se procurou um conteúdo de cunho simbólico, uma estruturação da educação em seus aspectos metodológicos, a ampliação do alcance da educação para as crianças e os jovens e o surgimento das universidades como centros de acúmulo e manutenção dos saberes e de estudo superiores. Indicação cultural Sugerimos a leitura dos capítulos: “A educação na Alta Idade Média”, “A educação na Baixa Idade Média” e “A educação no Trezentos e no Quatrocentos”, do livro: MANACORDA, M. História da educação: da Antigüidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. Atividades 1) Caracterize a sociedade medieval nos seus aspectos políticos, econômicos, sociais e religiosos, objetivando identificar os elemen‐ tos constitutivos da sociedade medieval. 2) Estabeleça as diferenças socioeconômicas e políticas entre a Alta Idade Média e a Baixa Idade Média e identifique as respectivas mudanças e avanços da educação nesses períodos. 3) Explicite os conteúdos religiosos da educação na sociedade medi‐ eval. 3 A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA Julio Alejandro Quezada Jélvez O processo de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna ocorre nos séculos XV e XVI e tem como características fundamentais o sur‐ gimento do Movimento Renascentista, a Reforma religiosa e a consoli‐ dação da economia burguesa. A Europa passa por um período de organização política dos Estados e dá início à época das Grandes Na‐ vegações, que buscam novas relações comerciais e terras a serem con‐ quistadas e exploradas. A preparação do Renascimento, feita pelos humanistas italianos, estu‐ diosos dos modelos da Antigüidade, propagou idéias que modificaram o modo de pensar de sua época e desenvolveram o espírito crítico da sociedade. Apontam‐se como causas desse movimento a descoberta de manuscri‐ tos antigos esquecidos, a invenção da imprensa, que auxiliou na divul‐ gação dessas novas idéias, o desenvolvimento das riquezas provenien‐ tes das descobertas marítimas e a influência dos sábios gregos que fugiam de Constantinopla, tomada pelos turcos. 3.1 Absolutismo Regime político no qual o poder de decisão sobre todas as esferas da sociedade é centralizado nas mãos dos reis e de seus ministros, o abso‐ lutismo predominou nos Estados europeus do século XIII ao XVIII e marcou a passagem do feudalismo ao capitalismo, pois a burguesia teve sustentação do Estado absolutista para acumular capital, aprimo‐ rar a sociedade mercantil e logo desenvolver a capitalista. O Estado moderno absolutista era legitimado por um pretenso direito divino da realeza de exercer total poder sobre a população, sendo o rei 28 um escolhido de Deus. A nobreza, como classe dominante, tinha, por‐ tanto, forte ligação com o clero. Porém, a abordagem religiosa não era a única que sustentava o Estado moderno, pois vários pensadores, como Maquiavel e Thomas Hobbes, também justificavam a existência desse Estado e defendiam a permanência dele em suas obras sobre política. As monarquias nacionais intervinham constantemente na economia a fim de fortalecer o Estado, sendo que a disputa pelo controle do co‐ mércio mundial e por colônias é uma das características dessa etapa mercantilista da história. Outro aspecto relevante é que o mercantilis‐ mo significava uma união entre os reis e a burguesia, que tinha como objetivo básico desenvolver o poderio nacional. Não podemos chamar o mercantilismo de sistema econômico ou de modo de produção por‐ que ele representou uma organização econômica de transição do feu‐ dalismo para o capitalismo. No que se refere a questões religiosas, para entender melhor o que significou a Reforma protestante, podemos dizer que, em oposição à moral católica, o protestantismo pregava o trabalho, a competitividade e a busca pelo lucro, o que aproximou a filosofia protestante dos ideais burgueses. A demanda de uma ética religiosa que sustentasse a bur‐ guesia em ascensão, portanto, é uma razão do surgimento da Reforma religiosa, já que os católicos condenavam valores como a cobiça e a avareza. Com a Reforma protestante, a Igreja Católica viu‐se obrigada a tam‐ bém se reformar, e esse movimento ficou conhecido como Contra‐ Reforma, que, basicamente, foi a promoção de algumas mudanças na tentativa de manter fiéis que estariam convertendo‐se ao protestantis‐ mo. Entre essas mudanças, destaca‐se a fundação da Companhia de Jesus por Inácio de Loyola, uma ordem religiosa que trabalhava a pregação religiosa aos jovens por meio da educação. Ordens religiosas como esta controlaram a educação nos países católicos até o começo do século XIX. Analisando esse contexto mais detidamente no que se refere à educa‐ ção, identificamos aqui um ensino tradicional muito enraizado ainda, em que a relação professor‐aluno é extremamente hierarquizada, o que provoca, em muitos casos, total passividade dos educandos. Os conte‐ údos são transmitidos a fim de que os alunos adquiram noçõesgerais sobre o conhecimento intelectual, por meio de aulas basicamente expo‐ sitivas e exercícios de repetição e fixação. A rigidez em termos de horá‐ 29 rios e disciplina é muito grande, e a avaliação está centrada nos aspec‐ tos da memória e da assimilação quantitativa dos conteúdos. É nesse cenário educativo que se deu o Renascimento. Como vimos no capítulo anterior, a educação formal na Idade Média foi basicamente controlada pela Igreja Católica; já na Modernidade, a Reforma protes‐ tante trouxe novas idéias e valores, que orientaram a organização de alguns sistemas de ensino, como, por exemplo, o dos Estados alemães. Com isso, a escola, de um modo geral, institucionalizou‐se de forma mais elaborada, visto que, nessa época, surgiram os currículos, as gra‐ duações em séries e a separação dos alunos por idade. A superação da escola medieval também pode ser observada quando o ensino deixa de ser ligado a temáticas contemplativas e passa a ter um teor mais realis‐ ta, vinculado à sociedade moderna em desenvolvimento. A burguesia em ascensão, com seu novo sentido de família,de infância, com outros padrões econômicos e sociais, exigiu essa nova educação mais voltada para a vida. É importante destacar que a ciência como um todo tem na Modernida‐ de um período riquíssimo, pois com todo o desenvolvimento urbano e tecnológico, acompanhado pelas mudanças religiosas, ocorre uma transformação dos instrumentos de pesquisa nas ciências naturais e das temáticas abordadas nas ciências humanas. Os intelectuais que mais se destacam nesse período são Francis Bacon, Galileu Galilei e René Descartes. Um dos valores da cultura renascentista que influenciaram ativamente a ciência, a filosofia e a educação é o racionalismo, que podemos en‐ tender, em linhas gerais, como pensamento que rejeitava as explicações mistificadas e religiosas da realidade e tinha a razão com fonte de todo conhecimento, sendo Descartes seu maior expoente. O primeiro pensador moderno a sistematizar, de forma rigorosa, a questão educacional foi João Amós Comênio (1592‐1670), que, em seus tratados e livros, começou a elaborar o que podemos chamar de méto‐ do moderno. Suas principais idéias estão na Didactica Magna, sua maior obra, que trata sobre diversos aspectos educacionais, como a finalidade da educação, a organização escolar, os conteúdos e o méto‐ do de ensino. Influenciado por Bacon, Comênio transpôs as idéias científicas desse pensador para o âmbito educacional e criou um méto‐ do que chamou de ”arte de ensinar tudo a todos”. 30 A grande contribuição de Comênio, para muitos revolucionária, foi a de defender a democratização do ensino, isto é, era uma proposta que dava acesso a jovens e velhos, ricos e pobres, nobres e plebeus, homens e mulheres a um ensino organizado. Seu método estava embasado na observação da natureza, na racionalidade e tinha como pré‐requisito o respeito aos conhecimentos do educando e a aceitação de sua constante participação no processo de ensino. Outro autor da época que refletiu acerca dos problemas e do significa‐ do da educação foi John Locke (1632‐1704), um empirista (acreditava que o conhecimento humano advinha das percepções sensoriais) que, em coincidência com as mudanças de mentalidade do período moder‐ no, considerava a educação como o fator que estabelece a diferença entre os homens. Com a sua concepção fundamentada na percepção concreta das condições humanas, desmistificou a visão de mundo segundo a qual o destino humano é decidido em um plano superior. Esse pensador propôs que nossa consciência nasce como uma tábula rasa ou uma folha em branco e que é por meio da experiência que a preenchemos com o que compõe nossas idéias. Por ser representante do pensamento burguês, Locke defendia o estudo de contabilidade e de escrituração comercial para a preparação dos sujeitos para a vida prática, perspectiva que influenciou toda a pedagogia que viria a partir de então. Ainda sob o regime absolutista, a Europa foi palco de diferentes con‐ textos, como já mencionamos: de um lado, os Estados alemães desen‐ volveram um sistema educacional bem organizado e plural já no sécu‐ lo XVII; de outro, a França – que viveu o apogeu absolutista com Luís XIV ‐ , por ser um Estado católico, teve a educação controlada por jesuítas, os quais a direcionavam aos nobres e aos burgueses ricos. As classes populares francesas viviam, em sua maioria, na zona rural e não tinham acesso à escola. Percebemos que, apesar dos avanços teóricos sobre a educação, ainda se via um ensino elementar bastante precário em muitas monarquias nacionais e que os métodos de ensino também não acompanhavam tais avanços. Chegamos ao século XVIII, que é conhecido como Século das Luzes por ter ocorrido nesse período o apogeu do Iluminismo – movimento cultural e intelectual de oposição ao absolutismo e que tinha na razão e na ciência suas formas de explicar a realidade. Portanto, essa época foi marcada por um grande progresso intelectual, por aperfeiçoamentos 31 da filosofia e pela revitalização da educação como formação cultural e científica do ser humano. Foi na conjugação do empirismo científico com o racionalismo cartesi‐ ano que se fundou a filosofia iluminista, a qual, com suas múltiplas dimensões, influenciou a formulação dos currículos de disciplinas, tanto na área das humanas como na das ciências naturais. O iluminis‐ mo foi essencial, como concepção política e artística de mundo, para o declínio do absolutismo e do mercantilismo, principalmente na França. Foi nesse século que se testemunhou a consagração do poder de uma nova classe social, a burguesia, que, com a queda da nobreza, passou a controlar também a sociedade política, pois a economia já estava sob seu domínio anteriormente. A teoria política e econômica do capita‐ lismo nascente é o liberalismo, doutrina que defende a sociedade da livre iniciativa e a liberdade individual como princípios fundamentais, que prevê o direito à propriedade, um grande respeito às leis e a livre concorrência econômica. Jean‐Jacques Rousseau (1712‐1778) pertenceu ao movimento iluminis‐ ta, embora tenha sido crítico do puro racionalismo, e produziu, além de obras importantes acerca das relações entre natureza, cultura e sociedade, uma importante contribuição para as idéias educacionais. Em O Emílio, Rousseau traz uma descrição de como seria a educação ideal desde a infância até a idade adulta, sendo que suas idéias afirma‐ vam o quanto era importante a infância no processo de formação do ser humano e que a educação deveria seguir o livre desenvolvimento natural dos sujeitos. Foi a partir das idéias de uma educação voltada para o desenvolvimen‐ to da autonomia individual, com a qual esse sujeito conseguisse viver em uma sociedade degenerada sem se corromper, que se intensifica‐ ram as abordagens psicológicas na educação, em que se procurava respeitar os instintos e as capacidades das crianças, ao invés de se imporem padrões existentes na sociedade. Essa passagem nos mostra que as idéias de Rousseau foram importan‐ tes para uma mudança de paradigma no campo educacional. 3.2 A Revolução Industrial A transformação social e técnica marcada pela transição da manufatu‐ ra, produzida pela energia humana, para a máquino‐fatura, movida por energia a vapor, mecânica, eletricidade ou motor à explosão, bem como o fim do absolutismo afirmam o capitalismo como modo de 32 produção vigente, que se caracteriza tanto por mudanças das relações de trabalho, substituindo a servidão pela mão‐de‐obra assalariada, quantopela implantação de uma economia de mercado, em que o direito à propriedade privada dos meios de produção e a mínima in‐ tervenção do Estado são condição necessária para o bom desenvolvi‐ mento da sociedade. Com a Revolução Industrial, os complexos escolares aumentaram, já que o operariado, diferentemente do campesinato, precisava minima‐ mente saber contar, ler e escrever. Com esse aumento, já se percebia, na legislação de vários países, a vontade de tornar a educação, cada vez mais, leiga, gratuita e oferecida estritamente pelo Estado. E isso ocorreu à medida que a educação foi se tornando cada vez mais uma reivindicação primeira de quem a ela não tinha acesso, que, em geral, eram os próprios operários e os membros das classes populares. Então, antes de se construir um sistema educacional público unificado, houve um quadro de ensino em que uma escola era feita para as elites e outra para os segmentos mais pobres, o que, logicamente, determinava a adoção de conteúdos diferentes. No entanto, logo se constituiu um só sistema. O êxito do processo de industrialização e o desenvolvimento acelerado das ciências afloraram a necessidade de que a escola deixas‐ se de trabalhar somente com temas morais e humanistas e acrescentas‐ se os aspectos científicos ao conteúdo do ensino. Nesse contexto, o positivismo teve papel importante, pois seus repre‐ sentantes preconizavam a formação do espírito científico nos estudan‐ tes. Auguste Comte (1798‐1857), fundador dessa corrente de pensa‐ mento, entendia que o ser humano tem uma ética própria e que a ciên‐ cia deveria chegar a ela de maneira neutra. Ele nega as causas dos fatos, pretendendo estudar apenas suas leis isoladas e observáveis. A tendência positivista é o conteúdo base do cientificismo que marcou, por muito tempo, a escolha dos currículos escolares em todo o Ociden‐ te, e seus resquícios podem ainda ser notados em nossos dias, se não objetivamente, de maneira suave ou disfarçada. Ao negar a teologia e interpretações místicas da realidade, o positivismo tornou‐se um mar‐ co científico da Modernidade. O sistema de ensino era freqüentado por classes sociais diferentes, entretanto, para seguir para a próxima etapa da sua instrução, os alu‐ nos deveriam passar por testes em que os melhores eram escolhidos para continuar seus estudos, e estes, majoritariamente, eram filhos da burguesia, que podia pagar estudo particular. 33 Os historiadores apontam as revoluções burguesas do final do século XVIII como marco de passagem da Idade Moderna para a Idade Con‐ temporânea. No entanto, sabemos que os movimentos culturais, econômicos e sociais que as tornaram possíveis constituem‐se na Mo‐ dernidade. O século XIX chega repleto de estudos cada vez mais espe‐ cializados sobre a educação e cheio de conflitos políticos de classe, entre trabalhadores e a burguesia. Isso faz com que surjam produções científicas e filosóficas muito influentes até nossos dias, como podere‐ mos compreender no capítulo sobre a Idade Contemporânea. Ponto final Destacamos as principais correntes de pensamento que marcaram a Idade Moderna e suas influências sobre o conceito de educação, tanto no que se refere ao seu conteúdo quanto no que diz respeito às suas formas e metodologias daí decorrentes. Dessa maneira, visitamos o Renascimento, o Iluminismo, o industrialismo e o positivismo, apon‐ tando para a incidência que esses movimentos tiveram nas mudanças políticas e econômicas e os desafios que colocaram à educação. Indicação cultural Sugerimos a leitura dos capítulos “A educação no século XVII” e “A educação no século XVIII” do livro: ROSA, Maria da Glória de. A história da educação através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2004. Atividades 1) Aponte as características principais do Renascimento, do Ilumi‐ nismo e da Revolução Industrial, especificando as mudanças ocor‐ ridas na concepção de educação nesses três momentos relevantes da Idade Moderna. 2) Destaque as idéias sobre educação em Comênio, Descartes, Locke e Rousseau, considerando a atividade 1. 3) Retome as idéias sobre o positivismo e faça uma relação entre essas idéias, as práticas práticas pedagógicas e as práticas da ad‐ ministração escolar na atualidade brasileira. 4 A EDUCAÇÃO NO BRASIL COLÔNIA Julio Alejandro Quezada Jélvez Uma grande esquadra, de 13 embarcações e, aproximadamente, 1.500 homens, comandada por Pedro Álvares Cabral, parte de Portugal, em 9 de março de 1500, com o objetivo de conquistar poder político e eco‐ nômico no Oriente. Hoje, acredita‐se que Cabral desviou‐se da rota original por ordem direta do rei português, pois já se sabia da existên‐ cia de terras à Oeste, e o Tratado de Tordesilhas (acordo entre Espanha e Portugal que dividia as terras recém‐descobertas, em 1494), estabele‐ cia o direito dessas terras a Portugal. O papel estratégico dessas expe‐ dições é extremamente relevante à medida que o econhecimento dos territórios, assim como do relevo das possíveis riquezas, permite que Portugal organize melhor seu processo colonizador. Esse planejamento se refere à delimitação das etapas a serem seguidas e dos espaços a serem priorizados para que se desse, aos poucos, a total ocupação da região. Portugal encontra‐se em grandes dificuldades financeiras, incapaci‐ tando a coroa de investir na colonização do Brasil. A solução para não perder o poder nos territórios tupiniquins, já que os franceses estavam perigosamente ocupando o litoral brasileiro, foi aplicar o sistema de “donatários”. Implementa‐se, portanto, o conhecido sistema de Capi‐ tanias Hereditárias, que se resume em uma distribuição de vastas faixas de terra para membros da corte lusa,que têm todo o poder polí‐ tico de determinado espaço e podem usufruir de todos os benefícios econômicos advindos dessa terra. Esses donatários, para virem investir e administrar terras brasileiras, são agraciados com várias vantagens, tais como: a doação de sesmarias (lotes de terra que os donatários recebem como propriedade particular e que, historicamente, represen‐ tam o início do latifúndio tão marcante no Brasil), privilégios fiscais da coroa, comando militar, entre outras. O engenho determina o compor‐ 35 tamento da vila e da sociedade e desponta, então, como classe domi‐ nante da colônia, o senhor de engenho. A sociedade desse período é patriarcal, visto que o senhor do engenho possui um considerável poder social, e as mulheres se ocupam apenas com a criação dos filhos e os afazeres do lar, sem contar com nenhuma participação política. Sobre essas múltiplas relações sociais que se dão em torno do engenho, Aquino nos diz que: A montagem do engenho permitiu que os portugueses e seus descendentes ocupassem militarmente a maior parte do litoral brasileiro, sobretudo o nordestino, pois os senhores de engenho eram obrigados a construir fortificações e a fornecer armas para a defesa das colônias. Some‐se a isso o papel religioso, na medida em que a capela do engenho tendia a se tornar um pólo de atração para os fiéis da região, ao mesmo tempo em que o senhor de engenho se encarregava da sustentação econômica do pároco.a É no governo Tomé de Souza que chegam os primeiros jesuítas, chefi‐ ados por Manoel de Nóbrega. Seis padres jesuítas marcam o início da história da educação no Brasil (nos moldes europeus). É preciso ressal‐ tar que os portugueses trouxeram um padrão de educação próprio da Europa, o que não quer dizer que as populações que por aqui viviam já não possuíam características próprias de se fazer educação. E convém ressaltar que a educação que se praticava entre aspopulações indígenas não tinha as marcas repressivas do modelo educacional europeu.b Quinze dias após a chegada do grupo jesuíta, é fundada, na cidade de Salvador, a primeira escola elementar. Em 1554, são fundadas as esco‐ las jesuítas de São Paulo de Piratininga, tendo como seu primeiro pro‐ fessor o padre José de Anchieta, e a da Bahia. Dois anos depois, fun‐ dam o Colégio Jesuíta de Todos os Santos e começam a vigorar as “Constituições da Companhia de Jesus”, incluindo a aprendizagem do canto, da música instrumental e o estudo profissional agrícola. No ano de 1567, é criado o Colégio Jesuíta do Rio de Janeiro e, um ano mais tarde, o Colégio Jesuíta de Olinda.c Os jesuítas se dedicam, a fim de aculturação, ao trabalho educacional e à pregação da fé, nesse exercício, os padres nem sempre são recebidos com total cordialidade pelos nativos, que resistem em certos pontos localizados, resistência essa que não dura muito. Nos primeiros conta‐ a AQUINO, 2000b. b BELLO, 2001. c LIMA, 1969. 36 tos, os jesuítas já percebem que não seria possível converter os índios à fé católica sem que antes os ensinassem a ler e a escrever. Durante o governo Duarte da Costa, os conflitos entre colonos e jesuí‐ tas, frente ao problema da escravidão indígena, acentuam‐se. Os ín‐ dios, durante todo esse período, ficaram à mercê dos europeus. Portu‐ gal desejava integrálos ao processo de colonização; os colonos estavam interes‐ sados em usá‐los como escravos, e os jesuítas desejavam con‐ vertê‐los ao cristianismo e aos valores europeus. Para alcançarem seus objetivos, os jesuítas afastam os índios dos interesses dos colonizado‐ res e criam as reduções, ou missões, no interior do território brasileiro.d O objetivo inicial dessas organizações é o de criar comunidades que carregassem as qualidades da sociedade cristã européia, mas que fos‐ sem imunes dos vícios e valores maldosos. Nessas missões, os índios, além de serem catequizados (educação da alma), também praticavam o trabalho agrícola que garante a fonte de renda dos jesuítas. Uma curio‐ sidade sobre esse processo é que, até em momentos de descontração, os padres praticavam a catequese, principalmente com a música, que é um elemento fundamental da pedagogia jesuítica. Os cantos gregoria‐ nos e os instrumentos de sopro são introduzidos pelos religiosos do antigo continente na cultura de percussão dos índios. As missões acabam por converter os índios de nômades em sedentá‐ rios, o que contribui, decisivamente, para facilitar a captura deles pelos colonos. Sobre o que significou para o povo indígena a construção das missões, Xavier, Ribeiro e Noronha, afirmam, na passagem a seguir, que as relações sociais desses espaços representam uma revisão subs‐ tancial da cultura e da vida dos nativos. Os indígenas não aprendiam apenas uma nova língua, uma nova interpretação da vida e da morte; não ganhavam apenas um novo deus, trazido de longe para reinar com a pompa típica do mundo de onde vinha. Pelo sacramento do batismo, operava‐se um renascer que alterava pela base a vida cotidiana daquela população e a sua própria compreensão do significado da existência. Era quando descobriram o “mal” em que haviam estado mergulhados antes da salvação providencial por aqueles que, em troca dessa redenção, ocupavam todos os seus espaços materiais e espirituais.e d Id. e XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994. 37 Em 1570, vinte e um anos após a chegada dos jesuítas, o Brasil já conta com cinco escolas de instrução elementar (Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga) e três colégios (Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia). O ensino elementar que tem a dura‐ bilidade de seis anos fornece ensinamentos de Retórica, Gramática Portuguesa, Latim e Grego. Mais tarde, a duração passou a ser de três anos, e as disciplinas administradas eram Matemática, Física, Filosofia (lógica, moral, metafísica), Gramática, Latim e Grego.f Em 1575, no colégio da Bahia, já se colava grau de Bacharel em Artes e, em 1599, todas as escolas jesuítas estavam sujeitas à regulamentação de um documento, escrito por Inácio de Loiola – fundador da Companhia de Jesus em Paris, em 1534 – o Ratio atque Instituto Studiorum, cha‐ mado, abreviadamente, de Ratio Studiorum, que, em síntese, é o mé‐ todo administrativo, pedagógico e curricular dos jesuítas. O teor ins‐ trumental desse método é embasado na disciplina rigorosa e na incan‐ sável repetição dos conteúdos.g Com o aumento da população urbana, das relações comerciais internas e da organização administrativa da colônia, o anseio da classe proprie‐ tária pela educação dos seus filhos também cresce. Isso faz com que as escolas elementares das missões já não dêem conta da demanda de ensino posta naquela realidade, então, as elites passam a freqüentar esses colégios seminários. É nesse momento que se concretiza no Brasil Colônia, de forma efetiva e marcada culturalmente, a educação dos jesuítas, porque a partir daí os padres passam a instruir e formar as elites e as lideranças do País. Portanto, universaliza‐se o sistema de ensino do Ratio Studiorum, que abrange disciplinas de Filosofia, Humanidades e Teologia e que abarca desde a educação inicial, a secundária, chegando até ao ensino superi‐ or. Essa instrução dura, em geral, dez anos, mas não oferece diploma porque isso é privilégio da metrópole. Não se pode esquecer que essa universalização é do sistema de ensino e não do acesso, pois os alunos são filhos de proprietários e não trabalhadores braçais. A influência dessa concepção de educação segue até mesmo depois do desmante‐ lamento do sistema jesuítico. Esse método jesuíta‐europeu perdura absoluto durante 210 anos (de 1549 a 1759) até que um novo rompimento ocorre: a expulsão dos je‐ suítas por Marquês de Pombal (primeiro‐ministro de Portugal de 1751 a 1777). Essa retirada dos jesuítas dos territórios portugueses marca f BELLO, 2001. g LIMA, 1969. 38 um dos momentos violentos da história, pois, principalmente na região Sul do Brasil, os jesuítas resistem, com massivo apoio dos índios, e por isso foi necessário um contingente militar significativo para concretizar as ordens vindas da metrópole. Kenneth Maxwell insiste que “Foi o conflito com Pombal que deu início ao processo que levaria ao fim dos jesuítas. Eles encontraram uma pessoa capaz de lhes fazer frente em um ministro poderoso e implacável, que não tolerava dissidências [...] e que não hesitou em agir quando foi desafiado.”h A preocupação de Pombal é reerguer Portugal da decadência em que se encontrava diante de outras potências européias da época. “A edu‐ cação jesuítica não convinha aos interesses comerciais emanados por Pombal. Ou seja, se as escolas da Companhia de Jesus tinham por objetivo servir aos interesses da fé, Pombal pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado.”i Portugal, quando percebe que a educação no Brasil está paralisada, oferece uma solução: institui o subsídio literário para manutenção dos ensinos primário e médio. Criado em 1772, é uma espécie de imposto que incide sobre a carne verde, o vinho, o vinagre e a aguardente e que seria revertido para as instituições educativas. Além de insuficiente, essa taxação nunca foi cobrada com regularidade, e os professores ficam longos períodos sem receber vencimentos. Esses educadores são, geralmente, mal preparados para a função (jáque eram improvisados e mal pagos) e nomeados por indicação ou sob concordância de bispos, tornando‐se “proprietários” vitalícios de suas aulas‐régias. Sobre esse quadro, Chagas aponta que: Pior é que para substituir a monolítica organização da Companhia de Jesus, algo tão fluido se concebeu que, em última análise, nenhum sistema passou a existir. [...] Não havia currículo, no sentido de um conjunto de estudos ordenados e alterados, nem a duração prefixada se condicionava ao desenvolvimento de qualquer matéria.j Ainda em 1772, Marquês de Pombal implanta o ensino público oficial através das aulas‐régias de Latim, Grego e Retórica. Cria, também, a Diretoria de Estudos, que só passa a funcionar após o seu afastamento. Cada aula‐régia é autônoma e isolada, com professor único e uma não se articulava com as outras. Essas aulas deveriam dar conta das disci‐ plinas oferecidas nos já extintos colégios jesuítas, e os educandos, me‐ nos numerosos que antes, são um pequeno grupo que se prepara para estudar na Europa. h MAXWELL, 1996. i BELLO, 2001. j SECO; AMARAL, 2007 39 De todo esse período colonial, sobressae‐se a criação, no Rio de Janeiro, de um curso de estudos literários e teológicos – destinado à formação de sacerdotes – em julho de 1776, e do Seminário de Olinda, em 1798, por Dom Azeredo Coutinho, governador e bispo de Pernambuco. É só com a criação desse seminário que se pode observar uma estrutura escolar propriamente dita, em que há uma seqüência lógica na apre‐ sentação das matérias, uma duração precisa dos cursos e a organização dos estudantes em classe, trabalhando de acordo com um plano de ensino previamente estabelecido. Além do Seminário de Olinda, Dom Azeredo Coutinho funda, em 1802 (cinco anos antes de a família real refugiar‐se no Brasil), o Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, só para meninas da nascente nobreza e fidalguia brasileira, em Pernam‐ buco.k Ponto final Durante os primeiros séculos de colonização, a atividade educativa esteve atrelada à atividade catequética, especialmente dos índios, cuja importância da leitura foi utilizada como recurso de aculturação e de pacificação. Indicação cultural Sugerimos a leitura do capítulo “Os jesuítas e a Educação da Alma”, que consta no livro: PILETTI, N; PILETTI, C. História da educação. São Paulo: Ática, 1997. Atividades 1) Destaque os principais aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais que constituíram a sociedade colonial no Brasil. 2) Aponte as finalidades da educação no processo de colonização portuguesa no Brasil. 3) Estabeleça as diferenças conceituais e estratégicas da educação dos padres Jesuítas e a educação proposta pelo Marquês do Pombal. k LIMA, 1969. 5 A EDUCAÇÃO NO BRASIL IMPÉRIO Julio Alejandro Quezada Jélvez Coagida pela Inglaterra, principal parceria comercial, e ameaçada de invasão pelas tropas napoleônicas que queriam varrê‐la do mapa polí‐ tico da Europa, a Corte dos Bragança dá início à sua retirada de terras portuguesas rumo às terras além‐mar, o Brasil, sua colônia, sua propri‐ edade havia mais de 300 anos. Com uma esquadra de 50 navios, a Corte inicia sua viagem em 27 de novembro de 1807, auxiliados pela Inglaterra que colocaram a disposição 15 mil funcionários para auxilia‐ rem na mudança da Família Real de Portugal para o Brasil. A Inglaterra liderava a Revolução Industrial e necessitava de matérias‐ primas baratas para transformá‐las em produtos industrializados e precisava, também, de mercados consumidores para onde pudessem ser escoados e vendidos objetivando a obtenção de lucros. Por essa razão, interessava‐se nas colônias portuguesas e espanholas, pois elas poderiam vir a responder a essas duas necessidades. De fato, dois anos após a chegada ao Brasil (1810), ambos assinaram um tratado, no qual ficou estabelecido que os produtos vindos da Inglaterra pagassem 15% de taxas alfandegárias, quando os produtos fossem para Portugal as taxas seriam de 16% e para os demais países atingiriam um patamar de 24%, instituindo‐se uma diferença de 9% em favor da Inglaterra. Muitos acontecimentos políticos, culturais, administrativos, sociais e econômicos caracterizaram o período imperial, considerado como tal a partir da proclamação da Independência do Brasil de Portugal em 1822 e juridicamente institucionalizado com a promulgação da Constituição, outorgada pelo imperador em 1824 até a proclamação da República em 1889. Destacaremos alguns acontecimentos mais marcantes daquele período para atermo‐nos de maneira detalhada à questão educacional. 41 5.1 A Proclamação da Independência do Brasil A posição política de Portugal consistia na rearticulação e fortaleci‐ mento da monarquia e na recolonização do Brasil. Ambas as posições apontavam para a necessidade estratégica do retorno do príncipe re‐ gente, Dom Pedro (I), a Portugal. Os grupos políticos organizados no Brasil fizeram um grande abaixo‐assinado, no qual solicitavam ao Dom Pedro que não abandonasse o Brasil. O príncipe sensibilizado com o pedido decidiu: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto: diga ao povo que eu fico.” A partir desse dia, conhecido como o “Dia do Fico”, estabeleceu‐se a ruptura das relações do Brasil com Portugal. A ameaça de Portugal de enviar tropas ao Brasil, se houvesse adiamento ou recusa de Dom Pedro de retornar a Portugal, desde que seu governo tinha sido declarado ilegal pela Co‐ roa Portuguesa, precipitou a decisão de Dom Pedro, que se encontran‐ do às margens do riacho do Ipiranga, no dia 7 de setembro de 1822, diante de uma pequena comitiva, erguendo sua espada, gritou: “Inde‐ pendência ou morte.” Declarava‐se com essa sentença a Independência do Brasil, estabelecendo o fim de uma relação colonial de trezentos anos. À diferença dos países latino‐americanos, que, ao declararem independência da Coroa da Espanha, passaram para o sistema político republicano, no Brasil, passamos de Colônia para Império. A Repúbli‐ ca será adiada por mais de sessenta anos. 5.2 A Abolição da Escravatura Com a recusa do exército de continuar prendendo os escravos que fugiam das fazendas por todo o País; com a divulgação de manifestos públicos na capital do governo central e nas demais capitais das pro‐ víncias; com as manifestações públicas realizadas nas ruas da capital e nas grandes cidades do País, exigindo o fim da escravidão; com a pres‐ são internacional de interditar os navios negreiros que transportavam os negros pilhados na África para realimentarem o comércio de vender e comprar gente para submetê‐los à escravidão, em 1888, promulgou‐ se a Lei Áurea, declarando o fim da escravidão em território nacional. O sistema escravocrata que consistia na utilização de mão‐de‐obra escrava para a produção monocultural e agro‐exportadora e constituía o suporte laboral do sistema monárquico, entre outros fatores nacio‐ nais e internacionais, ao ser abolido acabou contribuindo para o fim do Império. 42 5.3 A cultura no Brasil Império A chegada da Família Real ao Brasil incrementou e expandiu as ativi‐ dades culturais no Brasil. Dom João VI tomou muitas iniciativas que acabaram estimulando o desenvolvimento da cultura, notadamente erudita e direcionada aos membros da corte e às elites locais. Surge a Imprensa Régia, criada em 1808. Com proteção oficial, surgem ainda a Gazeta do Rio de Janeiro em 1808 e na Bahia a Idade de Ouro
Compartilhar