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Matéria de Filosofia

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Filosofia 
Natureza e Cultura
Uma das maiores questões que afligem a humanidade é a busca de sua origem, dos princípios fundadores da concepção propriamente humana. Por mais que se investigue, as dúvidas sempre surgem nesse âmbito, e as discussões resvalam em problemas filosóficos, religiosos e científicos.
Assim, a questão “O que é o homem?” perpassa a história do conhecimento, da Antiguidade aos dias atuais. E muitos, a sua maneira, procuram desenvolver ideias capazes de justificar a complexidade da existência e dos procedimentos humanos.
Além disso, inúmeras diferenças entre os seres vivos podem ser percebidas, especialmente entre homens e animais. Por exemplo, a adaptação do homem ao espaço físico e temporal difere bastante da adequação dos animais à natureza, e nem sempre o comportamento humano pode ser comparado às ações dos animais, até pela previsibilidade comportamental característica das espécies comumente chamadas irracionais.
Os atos dos animais são instintivos e determinados biologicamente; assim, eles possuem características rígidas, próprias de cada espécie, e não costumam sofrer mudanças significativas, visto que são geneticamente programados para seguir as leis naturais, integrando-se harmonicamente a seu espaço físico. Já o homem, desde os primeiros momentos de vida, transforma e adapta a natureza de acordo com suas necessidades.
Observamos, então, que somente o homem é capaz de agir e modificar conscientemente a realidade, pois seu contato com o mundo está vinculado à cultura, a qual resulta especificamente das transformações realizadas por sua capacidade de criar e tornar comuns as coisas a seu redor.
Por exemplo: cansado, um homem primitivo senta-se em uma pedra; mesmo sem sofrer transformação em sua forma, aquela pedra, ao lhe servir de descanso, adquire um sentido utilitário e passa a ser um objeto cultural.
Por outro lado, a expressão “o homem é um ser cultural”, constantemente utilizada, confunde mais do que explica, pois não é raro que se vincule o conceito de cultura à instrução, à formação intelectual, à erudição, privilégios de poucos. Porém, quando tratamos do termo em seu sentido antropológico, vemos que cultura é toda transformação exercida pelo homem sobre a natureza.
Verificamos assim que, independentemente do espaço geográfico em que está inserido, todo homem é um ser cultural – o que significa que não existe uma cultura superior e outra inferior, mas culturas diversificadas, e devemos entender que ser diferente não é ser melhor nem pior, é simplesmente ser diferente.
Ou seja, a cultura engloba o que pensamos, fazemos e temos enquanto membros de um grupo social. Nesse sentido, o termo cultura é aplicável tanto a uma civilização tecnicamente evoluída [...] quanto às formas de vida social mais rústicas [...]. Todas as sociedades humanas, da pré-história aos dias atuais, possuem uma cultura. E cada cultura tem seus próprios valores e sua própria verdade. Podemos acrescentar, por fim, e numa abordagem mais filosófica, que cultura é a resposta oferecida pelos grupos humanos ao desafio da existência. (COTRIM, 1999, p. 15)
Ao se instalar no mundo, o homem consegue agir e modificar conscientemente a realidade que o cerca, vinculando esses procedimentos ao desenvolvimento de seu psiquismo, a sua capacidade de abstração. A necessidade de viver em contato com seus semelhantes, interagindo com eles, possibilita a criação de símbolos, de palavras, da linguagem, enfim, permite o afastamento do concreto e o “domínio” do tempo (lembrar-se do passado, pensar o presente, projetar o futuro).
Quer dizer, o homem representa, por meio de palavras, ideias e objetos ausentes. Por exemplo, podemos falar de um elefante sem que ele esteja presente, pois todos os membros de um grupo já sabem a que se refere a palavra elefante.
A linguagem se manifesta, assim, como fenômeno coletivo, capaz de expressar tudo aquilo que diz respeito à civilização, dando ao homem a possibilidade de expor discursivamente seu pensamento, de ordenar, refletir, divulgar e transmitir os costumes e tradições da sociedade em que vive. A linguagem é, portanto, a capacidade que permite ao homem a comunicação por meio de um código, o qual é reflexo de seu modo de ser e de agir e, consequentemente, de sua própria humanização.
Como ser de cultura, o homem cria formas de representação que se disseminam através do tempo e do espaço, levando ao desenvolvimento dinâmico e contínuo de seu modo de “estar no mundo”. Para isso, a plena adaptação ao mundo humano requer o entendimento dos símbolos linguísticos.
O homem descobriu, por assim dizer, um novo método para adaptar-se ao seu ambiente. Entre o sistema receptor e o efetuador [emissor], que são encontrados em todas as espécies animais, observamos no homem um terceiro elo que podemos descrever como sistema simbólico. Essa nova aquisição transforma o conjunto da vida humana. Comparado aos outros animais, o homem não vive apenas em uma realidade mais ampla; vive, pode-se dizer, em uma nova dimensão da realidade. 
(CASSIRER, 2001, p. 47-48)
Esta ação do homem sobre a natureza, modificando o ambiente, seu espaço físico, por interesses próprios, é denominada trabalho, conjunto de atos humanos realizados de modo consciente e intencional. Nesse sentido, o trabalho é considerado de modo positivo, visto que, ao modificar a natureza, o ser humano trabalha e se realiza, e essa atividade implica a satisfação de suas necessidades primeiras: alimentação, moradia, defesa, entre outras.
Quando pensamos sobre o papel do trabalho em seu aspecto individual, verificamos que ele permite ao homem expandir suas energias, desenvolver sua criatividade e realizar suas potencialidades. Pelo trabalho, o homem é capaz de moldar a natureza e, ao mesmo tempo, alterar a si próprio. Ou seja, trabalhando, o homem pode modificar o mundo e a si mesmo, produzir cultura e se autoproduzir. Em seu aspecto social, isto é, como esforço conjunto dos membros de uma comunidade, o trabalho tem como objetivo último a manutenção da vida e o desenvolvimento da sociedade. (COTRIM, 1999, p. 28)
Os homens, de fato, começaram a produzir cultura quando fizeram, da pedra bruta, facas e pontas de lança para cortar, ferir e matar; quando fabricaram utensílios de uso cotidiano a partir do barro; quando aprenderam a usar como vestimenta as peles dos animais abatidos; quando começaram a plantar, a colher e a armazenar mantimentos; quando, mais tarde, descobriram os métodos necessários à construção de casas sólidas e confortáveis; e assim por diante.
Vemos, pois, que existe na concepção do existir humano uma relação profunda e indissociável entre cultura, linguagem e trabalho, já que estes elementos fundamentais moldam a vida do homem desde o nascimento. Ao contrário dos animais, que se adaptam perfeitamente à natureza, nós – não só pela necessidade de sobrevivência, mas também pelo desejo de conforto – somos capazes de transformar o meio em que vivemos, a partir de nosso próprio esforço e ousadia.
A modificação da natureza por seu agir leva o homem a desenvolver técnicas e instrumentos, transmitidos e aperfeiçoados de geração em geração, possibilitando, sempre, a instauração de novas tecnologias.
AULA 2 
Relações entre técnica e sociedade
Se, de início, o trabalho e o uso das técnicas contribuem para facilitar a vida do ser humano, ambos passam a exercer, posteriormente, uma forma de controle e exploração de poucos sobre muitos. Isso porque, especialmente nas sociedades antigas mais complexas e hierarquizadas, houve grande depreciação a respeito do valor do trabalho e da técnica.
No alvorecer da humanidade, o trabalho era coletivo, e todos participavam dos mesmos afazeres; porém, as mudanças resultantes do desenvolvimento das sociedades alteraram esta visão positiva, de participação solidária, desvirtuando sua função inicial.
Para as classes dominantes daquele tempo, tudo que se relacionasse com a realidade prática seria indigno de seus interesses, devendo ser executado por aqueles desprovidos de habilidadesintelectuais. Assim, enquanto a elite se dedicava a questões mais “nobres” – tais como política, filosofia, ciência –, o fazer técnico (a techné) vinculava-se a classes sociais menos favorecidas.
Na Grécia Clássica, por exemplo, os cidadãos participavam ativamente da vida pública, das guerras e das decisões do governo, mas, de modo geral, desconsideravam o trabalho manual ou material dos artesãos, marceneiros e outros. Numa sociedade como a grega, não caberia aos atenienses – aqueles que tinham direito à cidadania – o desenvolvimento de técnicas “braçais”, visto que apenas o trabalho intelectual daria plenitude à vida humana.
Esta visão preconceituosa leva o homem a “separar” o pensamento da ação, valorizando a intelectualidade em detrimento do trabalho braçal; isto é, o trabalho intelectual, ou mental, seria superior ao trabalho manual, ou material – como se fosse possível essa distinção entre o pensar e o agir.
Contudo, devemos enfatizar que é o processo de aprimoramento das técnicas na criação de ferramentas de trabalho que vai possibilitar a intervenção na natureza, quando o homem sentir a necessidade de modificar o meio ambiente. Assim, em vez de usar as mãos, o ser humano recorre a instrumentos por ele criados e que facilitem sua tarefa de agir sobre o mundo. Estes instrumentos, cada vez mais aperfeiçoados, serão transmitidos de geração em geração, proporcionando a criação de novas fontes de desenvolvimento.
Considerando as transformações históricas, podemos observar que, ao fim da época medieval, a relação entre trabalho e técnica há de se modificar, e as mudanças daí decorrentes, como a ascensão da classe burguesa, vão determinar novos rumos para a vida em sociedade. A partir de então, aliada às ciências emergentes, a técnica passa a ser valorizada e incorporada ao progresso.
Entretanto, as grandes transformações ocasionadas pela união da ciência com a técnica passam a assumir contornos dúbios, já que, ao mesmo tempo em que se desenvolve, a ciência, quando mal aplicada, pode provocar sérios danos aos recursos naturais e ao próprio homem, causando um desequilíbrio ecológico, que pode significar o fim da própria civilização.
Outro ponto de considerável relevância, além do domínio da natureza (para o bem ou para o mal), é a ascendência que poucos homens passam a exercer sobre muitos. O filósofo Jean-Jacques Rousseau já denunciava, no século XVIII, os problemas resultantes do avanço técnico, o qual, segundo ele, aumentaria a desigualdade entre as classes.
A partir do desenvolvimento e da consolidação das indústrias da Modernidade, a condição de vida dos trabalhadores foi visivelmente alterada. Enquanto os artesãos, por exemplo, antes dominavam todas as etapas de seu trabalho, posteriormente, com o advento das máquinas, este mesmo artesão não tinha como competir com os produtos industrializados, transformando-se, então, em operário da fábrica, sem condições de domínio sobre seu fazer, realizando mecanicamente suas funções, de modo alienado.
O processo de alienação afeta milhões de trabalhadores nas sociedades capitalistas modernas, onde a produção econômica transformou-se no objetivo do homem, em vez de o homem ser objetivo da produção. Esse processo iniciou-se no século XIX, quando o trabalho na maioria das indústrias começou a tornar-se cada vez mais rotineiro, automatizado e especializado ao ser dividido em múltiplas operações. Visava-se com isso economizar tempo e aumentar a produtividade. [...] tudo transcorre sem que o operário tenha controle sobre o produto final do seu trabalho, nem governo sobre a finalidade do que fabrica. Sempre repetindo as mesmas operações mecânicas, o trabalhador produz bens estranhos à sua pessoa, aos seus desejos e às suas necessidades. (COTRIM, 1999, p. 30)
Com efeito, o processo de alienação provoca uma ruptura entre o trabalhador e o bem produzido, separando homem e objeto; porque, na maioria das vezes, o operário perde sua autonomia e não tem condições de adquirir aquilo que ele próprio produz.
O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) criticava as condições alienantes em que viviam os operários. Por não poder usufruir daquilo que produzem, estes trabalhadores são “despossuídos” do fruto de seu próprio trabalho. Marx associa a alienação a uma “despossessão”, sustentando a inexistência de acesso do operário ao bem produzido.
Em nossos dias, o conceito de alienação aplica-se a vários aspectos da realidade, interferindo tanto na política quanto na vida social, o que leva o homem a perder sua autonomia e a consciência crítica de seu fazer. Podemos também perceber a alienação quando o indivíduo é compelido a adquirir produtos que, muitas vezes, não passam da mera criação de “necessidades” inúteis por parte das grandes corporações que alicerçam o capitalismo.
A falta de acesso aos bens produzidos, a precariedade dos serviços públicos e a dificuldade de emprego provocam o surgimento de um número cada vez maior de excluídos, incapazes de aproveitar os benefícios da cidadania. Estes fatores perpetuam as diferenças entre as classes, descambando para o etnocentrismo (a sociedade dominante como modelo único) e para a xenofobia(aversão ao estrangeiro).
Não podemos esquecer que essas ações, ou normas sociais, são sustentadas pela ideologia dominante. De fato, a ideologia, como “ciência das ideias”, naturaliza a divisão de classes das sociedades, fazendo com que exista uma aparente harmonia entre os membros do grupo, mascarando, porém, as diferenças e as desigualdades sociais. Assim, o indivíduo passa a agir de acordo com as normas estabelecidas e, sem a devida percepção, assimila essas regras passivamente, sem contradizê-las. A ideologia apresenta, então, um mundo idealizado, onde a realidade – mesmo com a divisão entre ricos e pobres – é naturalizada.
Entretanto, embora o processo de divisão e de exploração do trabalho possa provocar a alienação do indivíduo, é importante destacarmos que o ser humano é capaz de transpor os obstáculos com os quais se depara, por força de sua inata capacidade de pensar e de agir; e é justamente este vínculo indissociável do pensamento e da ação que possibilita o entendimento e a reflexão sobre a realidade e sobre o próprio conceito de homem.
Aula 3
O homem: uma perspectiva filosófica 
Dependendo de cada sociedade em seu processo civilizatório, a compreensão sobre a existência do ser humano assume aspectos diversos e algumas vezes contraditórios, já que, além da influência espontânea do grupo, outros fatores, tais como a educação e a herança cultural, interferem na formação dos indivíduos.
Nos primórdios da civilização, os seres humanos se inquietavam com tudo o que acontecia a sua volta, e os fenômenos da natureza eram grandes mistérios. O dia, a noite, a chuva, a tempestade, o vento, o frio, a seca, todas estas manifestações naturais causavam um medo além da compreensão humana.
Foi por isso que, na tentativa de entender estes fenômenos, os homens acabaram por vinculá-los às divindades. Engendraram, então, histórias fantásticas – as narrativas míticas – a respeito do que lhes causava estranhamento.
Na Antiguidade grega, na época arcaica, por exemplo, especialmente quando a sociedade ainda era ágrafa (não se expressava através de sinais gráficos), os homens estabeleceram diversos cultos aos deuses, reverenciando-os sem qualquer questionamento ou crítica, pois os fenômenos da natureza, comandados pela vontade divina, independeriam dos indivíduos do grupo, simples e impotentes mortais.
Aos poucos, porém, as explicações míticas sobre a origem do universo, relacionadas à cosmogonia – gênese do cosmos – passam a ser insatisfatórias. Daí o surgimento da cosmologia – descrição racional do cosmos –, pela qual se procura esclarecer o princípio originário (a arché) do universo.
Desse modo, diferentemente das narrativas míticas, de aceitação passiva, os primeiros pensadores gregos buscam a compreensão do princípio fundante do universo, por intermédio de investigações cosmológicas. Para eles, tal origem resultaria dos quatroelementos da natureza – água, terra, fogo e ar –, que, juntos ou isolados, teriam dado início à formação do mundo.
Conhecidos como Filósofos da Natureza, ou Pré-socráticos, poucos textos destes pensadores chegaram até nossos dias, mas seus fragmentos (pequenos trechos do que escreveram) servem sempre de motivo para reflexão. Conheça alguns desses fragmentos, clicando no nome de cada pensador.
Tales de Mileto - Para Tales de Mileto (640-548 a.C.), a água é o elemento primordial de todas as coisas.
Anaxímenes - Anaxímenes (588-524 a.C.) afirma que o princípio de tudo o que existe é o ar.
Xenófanes- Em Xenófanes (séc. IV a.C.), o elemento originante é a terra.
Heráclito - Heráclito (séc. VI-V a.C.) diz que o fogo é o gerador do processo cósmico; para ele tudo está num movimento infinito, em constante devir (ninguém se banha duas vezes no mesmo rio).
Pitágoras - Pitágoras assegura que o número é a arché que possibilita a harmonia de todas as coisas.
Parmênides - Parmênides, ‘antagonista de Heráclito’, dizia que a mudança é ilusão, pois a essência seria imutável.
Empédocles - Já em Empédocles, os quatro elementos compõem a formação de tudo.
Leucipo e Demócrito - Por fim, Leucipo e Demócrito sustentam que o universo é composto por átomos.
Gradativamente, então, a reflexão filosófica se volta, de modo mais específico, para a condição humana, analisando antropologicamente o papel do homem no mundo. Pouco a pouco, como já destacamos no início desta aula, a indagação sobre “O que é o homem?” passa a constituir a base do conhecimento filosófico. Veja o que pensavam os principais filósofos da época, clicando na imagem de cada um deles.
Protágoras e Górgias
Os pensadores sofistas, tais como Protágoras (séc. V a.C.) e Górgias ( 485-380 a.C.) vinculam o conhecimento à contextualidade, enfatizando o ensino da retórica – instrumento político da época –, das matemáticas e da cultura geral. Estes filósofos ressaltavam, também, a primazia do homem com relação aos saberes. Segundo Protágoras, o homem é a medida de todas as coisas.
Sócrates
Sócrates (470-399 a.C.) não deixou nada escrito, mas suas ideias, transmitidas por discípulos, apresentam a força e o rigor da reflexão filosófica. O método maiêutico – de construção do saber por meio de perguntas e respostas –, por ele criado, é utilizado contemporaneamente no processo de aprendizagem. Além disso, sua expressão “só sei que nada sei” sintetiza a infinitude do conhecimento e a busca sem fim da filosofia.
Platão
Platão (428-347 a.C.), discípulo de Sócrates, louva o mestre em várias de suas obras, colocando-o como interlocutor principal em seus famosos Diálogos. Seu pensamento repousa na Teoria das Ideias, ou Teoria das Formas, na qual destaca o dualismo entre o intelecto e o sensível. Para ele, a busca do conhecimento consiste na superação do sensível para alcançar as essências perfeitas e imutáveis.
Aristóteles
Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, acredita que o processo do conhecimento deveria chegar à essência universal do objeto. Mas, ao contrário de seu mestre, ele não despreza o mundo sensível, da empeiria (experiência), nem tampouco a mutabilidade dos seres. Segundo Aristóteles, é impossível considerar verdadeiramente o ser concreto e individual como fundamento da investigação científica.
Dentre as teorias filosóficas clássicas que se destacam em sua forma de buscar a compreensão do que é o homem, a concepção metafísica da natureza humana é uma das mais representativas, pois surgiu na Antiguidade grega – especialmente com Sócrates, Platão e Aristóteles –, atravessou séculos, e até hoje continua válida quando se pensa a natureza humana em seu sentido amplo, igualando todos os homens, sem distinção de classe ou riqueza.
A concepção metafísica valoriza, em especial, a essência humana, eterna, única e imutável; não atrelada, portanto, à dinâmica social. O homem, no sentido amplo, é compreendido de modo abrangente, independentemente de suas particularidades, do tempo e do espaço em que se encontra. Para a visão metafísica, não importam as características específicas de cada indivíduo (quanto ao sexo ou idade, por exemplo), pois o que conta é a essência comum a todos eles. Desse modo, a essência é única e idêntica em todos os seres humanos.
Podemos também pensar, de modo metafísico, os conceitos. Por exemplo: a ideia de cadeira é abstrata, logo metafísica, pois não estamos nos referindo a um objeto específico, mas a um conceito amplo, que abarca qualquer modelo de cadeira.
Mas, ao considerar apenas um modelo abstrato e universal, os problemas concretos do homem em suas relações sociais e históricas não são levados em conta, provocando muitas críticas de pensadores que se dedicaram a conceber a existência humana de modo mais concreto e específico.
Dentre os pensadores mais críticos a tal corrente abstrata e universal podemos destacar Friedrich Nietzsche e, posteriormente, Jean-Paul Sartre, que constituem exemplos clássicos de oposição à corrente metafísica.
O pensamento de Nietzsche revoluciona os modelos clássicos da filosofia, desde sua exacerbada crítica à metafísica e a Sócrates até a tentativa de “implosão” aos valores vigentes de sua época. Para ele, existiriam dois elementos distintos: o espírito apolíneo (da forma, da ordem da razão) e o espírito dionisíaco (do deus Dioniso, representando a paixão, o delírio, a emoção), os quais deveriam se manifestar igualitariamente, mas que a sociedade procurava sufocar no que tange aos apelos dionisíacos.
Outra crítica à metafísica, das mais representativas, é a corrente existencialista, característica da época contemporânea, que desenvolve uma oposição contundente ao modelo único de uma essência abstrata. Um dos principais pensadores do existencialismo é o francês Jean-Paul Sartre, que defende o valor autônomo da consciência e da liberdade humana. De acordo com ele, a liberdade é a característica primordial do ser humano (“nós somos aquilo que fazemos do que fazem de nós”), que, dotado de consciência, é responsável por seu próprio destino e por suas escolhas (“a não escolha também é uma escolha”). Portanto, e seguindo o pensamento de Sartre, o homem é um ser condenado à liberdade, que constrói seu próprio destino e é responsável por ele.
Com relação ao que o homem representa e deseja em determinado espaço temporal, muitos são os modelos ideais forjados, mas existem entre eles, como pudemos observar, concepções bem contraditórias. Assim, as duas correntes já mencionadas apresentam possibilidades divergentes de como pensar o homem no mundo.
Na elaboração de suas teses, os filósofos que brevemente examinamos buscaram desenvolver seus sistemas e ideias de modo claro e preciso, a fim de que seus argumentos fossem bem compreendidos e não dessem margem a contradições ou dubiedades. Isso porque, em Filosofia, não temos a garantia antecipada própria das ciências exatas e naturais. Ou seja, não se pode dizer que um sistema filosófico é superior a outro, assim como não podemos afirmar que Aristóteles suplantava Platão, ou vice-versa.
Por isso, sempre foi e será necessário que as ideias expostas pelos filósofos tenham por base uma organização lógica e coerente que possibilite o pleno entendimento dos raciocínios expostos.
Encerramento 
Por que se considera que o homem é um ser cultural?
Porque, ao se instalar na natureza, o ser humano modifica o meio de acordo com suas necessidades e interesses, num processo constante de transformação, cujo resultado é a criação da cultura, pois, diferentemente dos animais, adaptados e integrados ao meio em que vivem, a relação do homem com o mundo é de permanente enfrentamento.
De que modo as transformações da técnica contribuem para o desenvolvimento humano?
Com o aperfeiçoamento das técnicas, o homem ampliou sua visão de mundo, modificando seu modo de vida. Assim, ao aprimorar seus instrumentos de trabalho, o ser humano aperfeiçoou também suas ações sobre o mundo, o que lhe possibilitou, gradativamente, seu desenvolvimento.
Por que oquestionamento filosófico se afasta das narrativas míticas?
Porque pelo questionamento filosófico o homem deixa de aceitar passivamente as normas predeterminadas e as explicações sobrenaturais que lhes são transmitidas, procurando alcançar um entendimento racional sobre a origem do universo, livre da recorrência ao sagrado.
Resumo da Unidade
Como vimos, o ser humano se destaca dos animais irracionais devido a sua inata capacidade de adequar o ambiente a suas necessidades, elaborando técnicas cujo resultado é o desenvolvimento ininterrupto da cultura.
Em sua ação sobre a natureza, o homem estabelece costumes e valores sociais que lhe permitem diversificar sua visão de mundo, na busca de um entendimento capaz de levá-lo a refletir sobre a realidade que o cerca e sobre si mesmo.
Vamos observar que é por meio do pensamento lógico que o ser humano tem condições de elaborar corretamente seu raciocínio.
Unidade 2 – A propedêutica filosófica 
Qual a importância da lógica para um bom entendimento dos discursos?
Qual a diferença entre raciocínio dedutivo e raciocínio indutivo?
De que modo podemos estabelecer a relação entre conhecimento concreto e conhecimento abstrato?
Aula 1
Organização formal do pensamento
O desenvolvimento das ciências e do conhecimento visa à organização correta do pensamento, possibilitando a construção de raciocínios claros e rigorosos em sua fundamentação. Isso significa que toda disciplina requer um princípio, uma introdução que explicite o rumo a ser seguido na elaboração de seus conceitos.
Esse processo é considerado uma propedêutica: um estudo introdutório que possibilita a compreensão inicial de uma ciência; um estudo preliminar que antecede o ensino mais amplo de um conhecimento.
É nesse sentido que Aristóteles sustenta que as investigações da Lógica sejam a propedêutica da Filosofia, já que devem ser a base dos discursos filosóficos, os quais não podem prescindir de uma ordenação rigorosa, especialmente por não possuírem a garantia comprobatória das ciências exatas e naturais. E, embora seja apenas um dos ramos da filosofia, a Lógica tem um papel muito amplo, sendo aplicada às mais diversas áreas do conhecimento, quando se torna necessário o uso de argumentos ou provas demonstrativas.
Por conseguinte, o objetivo da Lógica é promover a organização correta do pensamento, distribuindo convenientemente as proposições, a fim de bem ordenar o raciocínio. A Lógica, portanto, é um instrumento de auxílio na construção formal do raciocínio, que independe de conteúdos específicos e examina os princípios gerais que fundamentam as regras do pensamento válido. Podemos dizer, ainda, que a Lógica é a reflexão sobre o ato formal de pensar, estando ligada à razão, ao discurso.
A principal função da Lógica é, assim, auxiliar a ordenação dos pensamentos, proporcionando correção e clareza na elaboração do raciocínio, pois o pensamento é uma atividade intelectual, um processo de cognição da realidade, no qual se formam os conceitos e juízos que possibilitam o raciocínio e a comunicação entre os homens.
Historicamente, não se pode precisar a origem dos estudos lógicos; no entanto, muito embora não tenha sido o iniciador dessas investigações, Aristóteles (384-322 a.C.) foi quem primeiro sistematizou a Lógica, elevando-a ao grau de disciplina científica; por isso ele é considerado o fundador da Lógica, o “pai” da Lógica Clássica.
A lógica aristotélica é definida como a ciência demonstrativa das formas de pensamento correto. Isso significa que a Lógica se ocupa da demonstração normativa e das leis formais do pensamento, considerado em si mesmo, independentemente de conteúdos específicos.
Aristóteles percebeu a necessidade da observação de certos parâmetros para a ratificação de umconhecimento rigoroso, chamado de princípios da demonstração (também conhecidos como princípios lógicos, verdades lógicas, princípios básicos da razão). Clique em cada um dos princípios para conhecer mais detalhes.
Princípio da identidade - Cada coisa é idêntica a si mesma. Exemplos: “A = A”. / “O triângulo tem três ângulos.”
Princípio da não contradição - Uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Não é correto afirmar que “Sócrates é filósofo e não filósofo.” As duas afirmações não podem ser ambas verdadeiras, já que os dois atributos são conflitantes.
Princípio terço- excluso - Ou do terceiro excluído: uma coisa ou um objeto é ou não é, não havendo uma terceira possibilidade: dada uma determinada proposição, dela se pode dizer que é ou que não é, pois ela não pode ser simultaneamente verdadeira e falsa.
Para Aristóteles, o princípio fundamental da demonstração é o princípio da não contradição, que contém os demais; por sua natureza, ele é o princípio de todos os axiomas. Um axioma é uma verdade que não precisa ser demonstrada, é uma proposição evidente por si mesma. Ex.: “Todo homem é mortal.”
Outro ponto de interesse das investigações aristotélicas vem a ser o estudo estrutural do pensamento, o modo pelo qual o pensamento é formado, estabelecendo regras e condições que tornam possível a clareza do discurso. Na formulação do pensamento são utilizadas palavras, que formam frases, expressando o que se pretende demonstrar. Com efeito, Aristóteles procede a uma espécie de “dissecação” do ato de pensar, explicitando as operações intelectuais da mente: o conceito, o juízo e o raciocínio (também chamados respectivamente: termo, proposição e argumento).
Conceito - É a ideia mental que nos faz reconhecer o objeto; é a representação intelectual de algo. O pensamento é inseparável da linguagem e será sempre constituído por palavras, por signos linguísticos. Dessa forma, o conceito não deve se remeter à imagem, a qual capta apenas os aspectos particulares e concretos de um determinado objeto. Por exemplo: o conceito de cadeira é abrangente e se refere a qualquer cadeira, de um modo amplo e geral, não importando seu modelo.
Juízo- É o ato pelo qual se faz um julgamento a respeito de alguma coisa, tendo por característica básica a afirmação ou negação acerca de algo. Exemplos: “Sócrates é mortal.” / “Pedro é alto.” / “João não é estudante.” / “O mercúrio é um metal.”
Raciocínio - Também chamado de inferência, é o encadeamento lógico de juízos a partir dos quais se chega a uma conclusão – constituindo a síntese das operações anteriores (conceito e juízo), conforme examinaremos, em detalhes, na próxima aula.
Vamos conhecer um pouco mais sobre os juízos. Os juízos podem ser afirmativos ou negativos, apresentando-se também sob a forma de necessidade (quando algo é, necessariamente) ou de contingência (quando um dado pode ser ou não ser).
O juízo é a forma completa mais simples do pensamento, pois se apresenta a partir de uma determinada conexão, que lhe empresta unidade; e é uma reunião de conceitos, os quais constituem suas partes elementares.
Ainda sobre os juízos: eles podem também ser simples (atômicos) ou compostos (moleculares). São simples, ou atômicos, quando o juízo (ou proposição) é formado com um só atributo para o sujeito. Exemplo: “Sócrates é grego.” A proposição será composta, ou molecular, se o sujeito tiver mais de um atributo, isto é, mais de um predicado a ser incorporado a ele.
Exemplos: “Sócrates é grego e filósofo.” / “João é um aluno inteligente.”
Devemos ressaltar que embora para a construção do juízo geralmente sejam necessários dois termos – o sujeito e o predicado – unidos por um verbo, existem casos especiais. Por exemplo: “Chove.” / “Anoitece.” / “Faz frio.”
De modo bem sucinto, pode-se dizer que de acordo com a quantidade os juízos podem ser universais ou singulares. Dessa maneira, um juízo universal refere-se a sua amplitude, quando são usados os ‘quantificadores’ todo, nenhum... Exemplos: “Todo homem é mortal.” / “Nenhum metal dilata sem calor.” Já o juízo singular está relacionado com algo específico, próprio de um só objeto. Exemplos: “Esta aluna é inteligente.” / “Joaquim é advogado.”
Aula 2 
O raciocínio lógico
De um ou mais juízosligados entre si pode-se derivar outro, que é consequência dos anteriores; passa-se de algo que se conhece (os juízos precedentes) para algo que ainda não é conhecido (o juízo consequente, a conclusão). Exemplo: “Se A = B e se B = C, conclui-se que A = C.”
Os raciocínios lógicos podem ser dedutivos ou indutivos.
São dedutivos quando se parte de um juízo universal e se conclui por um juízo individual; de uma situação geral, chega-se a uma conclusão singular. Parte-se de um princípio geral, já conhecido, para inferir uma consequência individual ou singular. Trata-se do que, em Lógica, é chamado de silogismo.
"Todo estudante sabe ler."
"José é estudante."
(Logo) "José sabe ler" 
Segundo Aristóteles, o silogismo é a mais perfeita forma de raciocínio dedutivo: “é um argumento em que, dadas certas proposições, algo distinto delas resulta necessariamente.” O silogismo é formado por três proposições – premissa maior, premissa menor e conclusão –, nas quais existem três termos correspondentes.
Todo homem é mortal."
"Sócrates é homem."
(Logo) "Sócrates é mortal."
Nesse caso, homem é o termo médio; Sócrates é o termo menor, individual; e mortal é o termo maior, pois abarca os anteriores. Note-se que, seguindo a regra básica do silogismo clássico, este tipo de raciocínio só pode ter três termos, agrupados convenientemente.
O raciocínio lógico é indutivo quando construído a partir da enumeração de juízos particulares para chegar a um juízo universal. Ou seja: após a observação de situações empíricas, pode ser possível formular uma lei geral.
"O ouro, a prata, o bronze, o ferro, o cobre... são metais."
"O ouro, a prata, o bronze, o ferro, o cobre... dilatam com o calor."
(Logo) "Todo metal dilata com o calor." 
O raciocínio indutivo, embora quase sempre legítimo, comporta um grau de probabilidade, pois, caso não se verifique o exame completo dos dados, esse raciocínio pode ser invalidado. Por isso, Aristóteles afirmava que o processo indutivo deve constituir uma enumeração perfeita, abrangendo todas as propriedades dos fatos.
É importante, agora, considerar algumas construções errôneas que podem ser confundidas com raciocínios válidos, pois, muitas vezes, a formulação incorreta dos silogismos e de seus termos pode resultar em falácias, raciocínios que contêm erros ou falhas na formulação argumentativa; a intenção do uso desses argumentos falaciosos é confundir e enganar um determinado público por meio de raciocínios ilusórios. A formulação destes argumentos, aparentemente verdadeiros, produz apenas simulacros.
Devemos ressaltar, no entanto, que, tecnicamente, um raciocínio só é considerado falacioso quando construído com a intenção de enganar, caso contrário será chamado de paralogismo.
Ao explicar a constituição do raciocínio vicioso, Aristóteles problematiza a utilização dos argumentos capciosos, criticando com veemência estas construções: “[...] para certa gente é mais proveitoso parecer que são sábios do que sê-lo realmente sem o parecer [...].” (ARISTÓTELES, 1978, p. 155). Daí sua preocupação em ocupar-se com o esclarecimento das falácias, enumerando-as e apontando os equívocos de cada uma.
Talvez possam nos parecer distantes e abstratas estas explicações, mas a cada momento somos bombardeados com discursos dúbios e enganadores transmitidos pela mídia, vindos da publicidade, dos governos, dos políticos, de todos, enfim, que pretendam enquadrar nossas ideias e pensamentos a partir de simulacros da realidade.
Além de suas pesquisas no campo da Lógica, Aristóteles investigou também a retórica – a arte da formulação de discursos persuasivos, que busca a adesão do outro (do ouvinte, de um auditório). Note-se que, na Grécia Clássica, o estudo da retórica constituía um importante instrumento de participação política. O uso das técnicas retóricas ultrapassa o modelo formal da Lógica, pois valoriza o apelo à emoção, aos sentimentos. Ou seja, o discurso retórico se apoia em três elementos fundamentais: o ethos, o pathos e o logos, que se referem respectivamente ao comportamento, à paixão e à razão.
Do ponto de vista histórico, a herança aristotélica permaneceu inalterada até o período medieval. No entanto, com o intenso desenvolvimento das ciências modernas, a Lógica passa a assumir um novo papel, com uma função mais instrumental e ligada a cálculos matemáticos
Se, em Aristóteles, o que importava era a estrutura formal, sem colocar em relevo o conteúdo propriamente linguístico, a Lógica Moderna (ou Simbólica, ou Logística) vai abolir totalmente os termos da linguagem natural, a fim de formular raciocínios artificiais e libertos de qualquer recurso às ambiguidades da linguagem corrente.
A Lógica Simbólica procura, então, chegar a um grau inquestionável de abstração, a noções de verdade ou falsidade, com a intenção de logicizar matematicamente o pensamento, a fim de possibilitar o pleno desenvolvimento da razão.
Resumindo, na formulação do pensamento existe toda uma estrutura organizadora dando forma e coerência ao ato de pensar, num processo que envolve a construção do conhecimento e, consequentemente, dos mais variados saberes.
Aula 3 
Condições de conhecimento
A busca pelo conhecimento é intrínseca ao ser humano. Já em sua Metafísica (Livro I), Aristóteles afirmava que “todos os homens, por natureza, desejam conhecer”, e o conhecimento se desenvolve, gradativamente, em vários níveis. Os sentidos, que podem ser análogos aos dos animais irracionais, seriam o grau de conhecimento mais básico; em seguida, na escala ascendente, viria a memória, depois a experiência, a arte (entendida como techné), a ciência(investigação dos princípios e causas) e, por último, “a sabedoria das causas primeiras”, que é a filosofia.
O conhecimento consiste na apreensão intelectual de um objeto e pode ser considerado a partir de três etapas fundamentais, cada uma delas com suas variações, mostradas no gráfico abaixo. Clique em cada uma das etapas e nas variações para conhecer mais detalhes sobre cada uma delas.
Ato de conhecer
O ato de conhecer é subjetivo e pertence a um sujeito. De modo geral, é possível analisar o ato de conhecer do ponto de vista de sua ligação com as coisas. Com relação à apreensão da realidade, o conhecimento pode ser concreto ou abstrato.
Concreto
Podemos dizer que o conhecimento é concreto quando existe uma relação direta e particular entre o sujeito e o objeto; isso significa que há um vínculo específico entre ambos: uma determinada mesa, uma pessoa única e singular (João/Maria).
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Abstrato
Por outro lado, no caso do conhecimento abstrato, a situação é diferente, pois vai se referir a um conhecimento mais amplo e conceitual, com base em conceitos universais: “ser humano” refere-se a todos os indivíduos da espécie humana, independentemente de suas características particulares (se homem ou mulher, jovem ou velho etc.).
Fato de conhecer
O fato de conhecer envolve a relação do sujeito com o objeto a ser conhecido. A apreensão do conhecimento decorre, portanto, do elo entre sujeito e objeto. Essa apreensão pode dar-se por meio da extensão ou da compreensão do conceito.
Extensão
Quando considerado do ponto de vista de sua extensão, observamos que o objeto do conhecimento é mais amplo e geral, abarcando uma série de complementos: a espécie humana engloba todos os homens e mulheres da face da Terra, sem qualquer distinção.
Compreensão
Por outro lado, a compreensão do conceito diz respeito às particularidades individuais do objeto em questão, as quais definem essencialmente, por assim dizer, o objeto apresentado. No caso, a compreensão está ligada às propriedades individuais e únicas de um determinado objeto, tais como esta cadeira, este lápis.
Resultado do conhecimento
O resultado do conhecimento é relativo à ideia representativa das etapas anteriores. Conforme seja mais individual ou mais amplo, o conhecimento vai ser entendido de forma mais imediata ou mais teórica.
Individual
Se o ato de conhecer for mais individual, o resultado ficará restrito à compreensãode objetos concretos e específicos e não haverá possibilidade de ampliação do conhecimento.
Amplo
Se o ato de conhecer for mais amplo, o conhecimento será considerado apenas em sua extensão, abstratamente e de forma teórica, perdendo-se a clareza do objeto de conhecimento.
Para que exista conhecimento, sempre será necessária a relação entre dois elementos básicos: um sujeito conhecedor (nossa consciência, nossa mente) e um objeto conhecido (a realidade, o mundo, os inúmeros fenômenos). Só haverá conhecimento se o sujeito conseguir apreender o objeto, isto é, conseguir representá-lo mentalmente. (COTRIM, 1999, p. 70)
Por conseguinte, o ato de conhecer pressupõe a existência destas duas partes inseparáveis, pois sem o vínculo entre sujeito e objeto não há possibilidade de conhecimento.
A extensão dá a ideia de espaço, de externalidade, e a compreensão dá a ideia de intensidade, de internalidade. Segundo a extensão, a ideia específica está dentro da ideia geral; segundo a compreensão, a ideia geral é que está dentro da específica. (ALVES, 2002, p. 84)
Devemos ainda destacar que o conhecimento pode realizar-se de diferentes modos, que variam conforme a atitude do sujeito em sua relação com o mundo. Assim, a capacidade de conhecer do ser humano pode dar-se desde a maneira mais simples e irrefletida até um modo mais racional e complexo.
Podemos citar alguns destes modos de conhecimento, iniciando com a primeira forma de perceber o mundo, decorrente de nossa herança cultural: o senso comum, também chamado de conhecimento vulgar ou conhecimento empírico, baseado muitas vezes em superstições, quando aceitamos a primeira impressão que nos é transmitida, sem nenhum senso crítico, de forma ametódica e sem rigor.
Também o mito é uma forma de conhecimento, ainda passivo e inquestionável como o senso comum, estando vinculado às crenças religiosas que nos são repassadas como verdades únicas e absolutas, já que não se pode questionar o sagrado.
Já no conhecimento teológico, busca-se um conjunto de verdades reveladas pela fé, estabelecido a partir da aceitação de dogmas ligados às divindades.
Estes modelos que tomamos de exemplo situam-se na esfera das relações cotidianas e costumeiras que fazem parte da cultura de cada sociedade, em que a aceitação das normas tradicionais não costuma ser questionada, por estar diretamente vinculada aos modelos ancestrais, que determinam o comportamento ideal de cada indivíduo, bem como seus valores e suas crenças religiosas ou supersticiosas.
Ao contrário, quando buscamos o conhecimento de forma mais rigorosa, como no caso do conhecimento pela ciência e pela filosofia, as condições de conhecer assumem características elaboradas, pois procuram o conhecimento das causas que originaram os fatos ou fenômenos.
O conhecimento da ciência visa a conhecer o objeto de maneira objetiva e lógica, com a intenção de comprovar as causas, as reações e os efeitos possíveis do ato de conhecer, analisando rigorosamente seu objeto de pesquisa.
Já o ato de conhecer pela filosofia procura um entendimento mais amplo e consistente da realidade como um todo; não há, portanto, um recorte do problema – investigado em toda sua abrangência, numa relação que envolve os aspectos que possibilitaram sua existência. A filosofia, diferentemente das ciências, não tem um objeto único de estudo, pois qualquer problema pode ser examinado à luz da reflexão filosófica.
Encerramento 
Qual a importância da Lógica para um bom entendimento dos discursos?
A Lógica possibilita a elaboração de argumentos estruturados de modo correto, permitindo que se possa perceber a veracidade, ou não, dos raciocínios apresentados e, consequentemente, dos discursos válidos.
Qual a diferença entre raciocínio dedutivo e raciocínio indutivo?
No raciocínio dedutivo, partimos de uma proposição geral (um conhecimento amplo) para chegarmos a uma proposição específica. Exemplo: Todo peixe nada. / O badejo é um peixe. / (Logo) O badejo nada.
O raciocínio indutivo nos leva por um caminho inverso: depois de enumerarmos várias situações particulares, construímos uma proposição geral. Exemplo: O pardal, o beija-flor, a andorinha... são pássaros. / O pardal, o beija-flor, a andorinha... voam. / (Logo) Todo pássaro voa.
De que modo podemos estabelecer a relação entre o conhecimento concreto e conhecimento abstrato?
O conhecimento concreto deriva da observação de um objeto específico (prático), enquanto o conhecimento abstrato procura atingir a essência fundamental do objeto (teórico); por isso, a relação entre eles resulta do vínculo indissociável que deve existir entre prática e teoria para a apreensão do conhecimento verdadeiro.
Resumo da Unidade
Vimos que, para Aristóteles, a Lógica é um instrumento que permite separar os discursos válidos dos discursos falaciosos. Em seguida, vimos também que os estudos lógicos procuram identificar a coerência das formulações discursivas, sendo, portanto, primordiais para dar sentido às investigações filosóficas, na busca do conhecimento.
Unidade 3 – Elaboração do pensamento filosófico 
O que diferencia o pensamento pré-reflexivo do pensamento reflexivo? 
De que modo o cogito cartesiano possibilita alcançar o conhecimento verdadeiro?
Em que consiste a noção de interdisciplinalidade?
Aula 1
Filosofia e realidade
A Filosofia ocidental nasceu na Grécia (século VI a.C.), contrapondo-se, como já mencionamos, à concepção arcaica dos mitos e do poder dos aristoi (nobres); e, embora não tenha havido, de imediato, um total rompimento com as narrativas míticas, o fato é que já os primeiros pensadores – os filósofos pré-socráticos – procuraram um modo racional para a descrição do nosso cosmos, longe das histórias dos deuses. Foi a separação do sagrado que fez surgir um pensamento laico (dessacralizado) vinculado ao questionamento e às indagações constantes sobre o universo e o homem.
Por isso, costuma-se associar a fase mítica ao pensamento pré-reflexivo, ligado ao senso comum, aos fatos do cotidiano, quando a aceitação das normas é incondicional, sem questionamento ou elaboração crítica, preso a crenças e preconceitos.
Contrapondo-se a essa passividade de regras, surge o pensamento reflexivo, que se relaciona com a busca de entendimento coerente e racional das situações naturais e humanas. Ao buscar uma compreensão mais elaborada da realidade, desenvolvendo uma reflexão consistente e transformadora, o pensamento reflexivo vai tornar-se a base do pensar filosófico, pois reformula as opiniões assistemáticas da tradição arcaica, possibilitando uma visão mais ampla e geral a respeito da realidade.
É essa admiração e espanto – o thauma – que fundamenta e desenvolve o pensar filosófico, visto que nenhum pensador consciente aceita explicações definitivas de quaisquer fatos ou fenômenos. A atitude filosófica implica, pois, a necessidade sempre premente de se dedicar ao entendimento da realidade, para que seja possível estimular a atividade crítica e consciente na compreensão e no conhecimento de modo geral.
Assim, desde a Antiguidade, muitos foram os pensadores que se voltaram para investigações mais abrangentes sobre a realidade, pesquisando racionalmente as questões ligadas ao cosmos e ao ser humano; e essas investigações, mesmo depois de 2.500 anos, continuam a instigar os pensadores contemporâneos.
Dentre os filósofos que se destacaram na busca do conhecimento, não podemos deixar de mencionar primeiramente os pensadores sofistas – em especial Protágoras (século V a. C.) e Górgias (c. 485-380 a. C.) –, que teriam sido os primeiros a elaborar uma concepção antropológica do conhecimento. Anteriores e, também, contemporâneos de Sócrates, Platão e Aristóteles, o papel dos sofistas foi fundamental na solidificação da democracia grega. Embora muitos de seus escritos não tenham chegado até nós, sabemos hoje que os filósofos sofistas, educadores por excelência, foram responsáveis por um novo modelo de conhecimento, laico e contextualizado, que reunia não apenas o ensino das técnicasda argumentação persuasiva (retórica), mas ainda o estudo da dialética, da gramática, da matemática e da cultura geral.
Considerado como “pai da Filosofia”, Sócrates (c. 470-399 a. C.) é também um marco que sinaliza para uma compreensão abrangente da realidade; embora não tenha deixado nenhum registro escrito de suas ideias, como já observamos, o pensamento socrático, conhecido pelas obras de seus discípulos (principalmente Platão e Xenofonte), priorizou questões referentes à ética e à política. Além do método maiêutico – de trazer à luz as ideias –, Sócrates desenvolveu ainda o processo da ironia, cuja função primeira era colocar em dúvida a afirmação de seu opositor. Vale ressaltar que a maiêutica é, até nossos dias, um importante componente pedagógico, ao estimular o estudante a construir o seu próprio conhecimento por meio do uso e direcionamento de perguntas e respostas formuladas pelo mestre.
A Teoria das Ideias, ou das Formas, elaborada por Platão (428-347 a. C.), está centrada na separação dos dois mundos: o mundo sensível é o mundo das sombras, das cópias imperfeitas, das aparências, do simulacro e da doxa (opinião); e, por isso, ligado ao pensamento pré-reflexivo e às situações cotidianas. Diferentemente, o mundo inteligível é o mundo da episteme (sabedoria científica), das ideias verdadeiras, das essências imutáveis e absolutas. Assim, para chegar ao conhecimento pleno, é necessário ultrapassar as sombras e as aparências.
Ou seja, para aqueles homens que só haviam contemplado as sombras, elas seriam a própria realidade. Contudo, um prisioneiro se liberta e sai da caverna. Num primeiro momento, ele tem grande dificuldade de adaptação à claridade, mas não desiste e pode, enfim, contemplar a verdadeira realidade. A saída da caverna constitui uma metáfora da busca do conhecimento, quando o mundo sensível é superado. É por isso que, contemporaneamente, ainda podemos recorrer a Platão, principalmente quando nos apresentam simulacros como sendo realidade concreta.
Aristóteles (384-322 a.C.) – profundo investigador dos mais diversos ramos do conhecimento: gramática, biologia, matemática, física, astronomia, lógica, retórica, política, metafísica, jurisprudência, psicologia, ética – desenvolve suas pesquisas buscando uma ampla visão da realidade. Para ele, ao contrário de seu mestre Platão, não se deve considerar a distinção dos dois mundos, pois a essência se encontra na própria coisa, no próprio objeto.
Podemos observar a posição desses pensadores na famosa obra do pintor renascentista Rafael (Raffaello Sanzio, 1483-1520), em que aparece Platão apontando para o alto, ao lado de Aristóteles, que estende a mão sobre o plano terreno.
O pensamento aristotélico ressalta a distinção entre ato e potência. Clique nas imagens do quadro abaixo para saber mais a respeito.
ATO - Ato é o que já existe e está plenamente realizado. O ato diz respeito à concretização da potência, no momento em que a potencialidade se manifesta de fato. Seguindo o exemplo de Aristóteles, podemos dizer que uma planta é o ato de uma semente.
POTÊNCIA - Potência diz respeito à possibilidade de existir, de vir a ser. A concretização da potência resulta no ato. Assim, seguindo o exemplo de Aristóteles, podemos dizer que a semente é o vir a ser da planta.
Aristóteles apresenta também a distinção entre matéria e forma. Clique nas imagens do quadro abaixo para conhecer mais detalhes.
MATÉRIA - A matéria é o substrato passivo, substância da qual a coisa é feita. Por exemplo, matéria é o mármore que forma o bloco.
FORMA - A forma determina o que é inteligível no objeto. A matéria e a forma só podem ser separadas pelo pensamento. Por exemplo, a forma é a estátua feita com o bloco de mármore.
Aristóteles diferencia, ainda, essência de acidente: enquanto a essência é condição primordial para a substância ser o que é, o acidente refere-se a um atributo contingente, que não interfere na essência do objeto; isto é, a essência designa propriamente aquilo que a coisa é e o acidente constitui um atributo acidental da coisa. Por exemplo, a racionalidade é a essência do homem; suas qualidades (ser gordo, careca, baixo) são puramente acidentais.
Depois de uma série de acontecimentos que levaram ao declínio a participação dos cidadãos nos destinos da cidade, a filosofia grega passa a assumir uma nova feição, voltada para a interioridade do indivíduo. Posteriormente, e após o período romano, influenciado pelos gregos, o conhecimento da Europa Ocidental toma um novo rumo, subordinado aos interesses determinantes da religião e da fé.
Aula 2
A questão do método e os fundamentos da razão
Desde suas raízes, o conhecimento filosófico englobava os diversos saberes, sem compartimentá-los. Conforme observamos, os filósofos gregos eram matemáticos, físicos, astrônomos, metafísicos, gramáticos e tinham, portanto, visão abrangente e universalizante. Porém, o início da Modernidade trouxe inúmeras transformações nos mais variados campos.
No âmbito do conhecimento, muitos são os fatores que provocam mudanças consideráveis, decorrentes dos novos tempos: as invenções, as grandes navegações e a consequente descoberta de novas terras, por exemplo, foram influências decisivas. É nessa época que Galileu (1564-1642) estabelece e aperfeiçoa, em bases matemáticas, um novo método para a busca científica. A partir de então, as ciências começam a se desenvolver isoladamente e a se afastar, pouco a pouco, da reflexão filosófica.
No entanto, a Filosofia não deixa de manter seu olhar cuidadoso e abrangente sobre a realidade, sem desconsiderar esta nova etapa do conhecimento, até porque, como vimos, o filósofo não pode desenvolver seu pensamento aleatoriamente, sem uma base coerente e sem um caminho (em grego, methodos) lógico.
O filósofo René Descartes (1596-1650) é considerado, não sem razão, o Pai da Filosofia Moderna. Podemos mesmo dizer que a filosofia cartesiana inaugura o pensamento moderno a partir de uma radical mudança de perspectiva no conhecimento tradicional de sua época, de tendência escolástica. Influenciado pelas novas ciências e com base no modelo matemático, de conformidade com o critério de clareza e distinção, o método de Descartes tem por ponto de partida a busca de uma verdade primeira que não possa ser posta em dúvida.
A dúvida está sintonizada com o projeto cartesiano de fundamentar as ciências. Trata-se de uma dúvida metódica que coloca em xeque todas as opiniões e crenças. É a dúvida que constitui o ponto fixo procurado – o ponto arquimediano – sobre o qual será possível, como afirma Descartes, reerguer todo o edifício do conhecimento.
O processo da dúvida metódica permite, então, segundo Descartes, chegar à verdade clara e evidente, pois; quando eu duvido, eu penso; e, se eu penso, eu existo (em Latim: Cogito ergo sum). Assim, em Descartes, o cogito vem a ser a ideia axial que inspira toda a sua empreitada, pois vai possibilitar ao espírito o caminho certo e evidente que conduzirá à verdade. É nesse sentido que ele, como bom racionalista, assegura que a essência precede a existência.
A busca de entendimento sobre o conceito de razão perpassa várias épocas da história da Filosofia, da Antiguidade aos dias atuais, por ser a origem primeira da indagação e do questionamento, quando são discutidos modelos de racionalidade que interferem na relação do conhecimento com a realidade.
Esta discussão sobre os princípios racionais opõe os racionalistas aos empiristas. 
RACIONALISTAS - Os racionalistas seguem a tese da razão inata, considerando que o homem já nasce com a capacidade racional. Os empiristas afirmam que a racionalidade resulta das experiências adquiridas pelo homem no decorrer de sua existência.
Nesta vertente inatista, o ser humano já teria, ao nascer, a capacidade racional. Segundo Descartes, a razão é a luz natural inata que nos permite conhecer a verdade.
EMPIRISTAS - Os empiristas afirmam que a racionalidade resulta das experiências adquiridas pelo homem no decorrer de sua existência.
Contrariandoa vertente inatista da razão, os empiristas irão se apoiar nos sentidos e na experiência para sustentar que a razão é adquirida. John Locke (1632-1704) combate firmemente o inatismo da razão, defendendo que, ao nascer, a mente humana é uma tabula rasa, uma folha em branco e uma cera sem forma.
Somente a partir das sensações e das experiências é que vai existir a possibilidade do conhecimento. Portanto, para os empiristas, os nossos sentidos (as nossas experiências sensoriais) seriam a base de todo entendimento.
Locke retomava [...] a tese empirista, segundo a qual nada existe em nossa mente que não tenha sua origem nos sentidos. Todas as ideias que possuímos são adquiridas ao longo da vida mediante o exercício da experiência sensorial e da reflexão. Locke utiliza o termo ideia no sentido de todo conteúdo do processo do conhecimento. Para ele, nossas primeiras ideias, as sensações, nos vêm à mente através dos sentidos (experiência sensorial), sendo moldadas pelas qualidades próprias dos objetos externos. Como exemplos de sensação citam-se: as ideias de amarelo, branco, quente, frio, mole, duro, amargo, doce etc. (COTRIM. 1999, p. 163)
Seguindo um viés histórico, podemos mencionar também o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), cujas obras Crítica da Razão Pura e Crítica da Razão Prática tratam essencialmente da questão racional, da distinção entre o conhecimento puro (a priori) e o conhecimento empírico (a posteriori).
Outro importante pensador alemão, Friedrich Hegel (1770-1831), desenvolve também uma investigação profunda sobre as questões racionais. Para esse filósofo, principal representante da corrente idealista, a razão é histórica, embora antecedendo os momentos históricos contextuais. Ao se referir à busca do conhecimento e às mudanças históricas, Hegel afirmava que esses processos decorriam dos conflitos e contradições entre as formas já existentes e o surgimento de novos modelos, num movimento dialético de tese, antítese e síntese.
A discussão sobre o conceito de razão é uma constante no pensamento filosófico e, como observamos, não foram poucos os filósofos que desenvolveram investigações sobre a questão racional. Vimos também que, dependendo de cada época, o conceito de razão adquire acepções diversas: para alguns pensadores existe uma razão única que ultrapassa e é independente dos períodos históricos, assegurando o conhecimento verdadeiro; para outros, no entanto, a razão se desenvolve de acordo com as mudanças sociais, sendo, por isso, provisória e mutável.
No início do século XX, um grupo de filósofos alemães cria a Teoria Crítica, a chamada Escola de Frankfurt. Considerando as intensas transformações da época, esses pensadores se voltam para a discussão das modalidades racionais. Eles sustentam que existem dois aspectos da racionalidade: a razão instrumental, exclusivamente vinculada ao progresso científico e tecnológico, e a razão crítica, ou razão vital ou filosófica, cuja função é refletir sobre esse progresso. Nos dias de hoje, aliás, podemos constatar a veracidade das críticas dos teóricos de Frankfurt, ao observarmos os desequilíbrios causados pelo desenvolvimento desenfreado da tecnologia.
Para os filósofos frankfurtianos – tais como Theodor Adorno (1903-1969), Herbert Marcuse (1898-1979), Walter Benjamin (1892-1940) e Max Horkheimer (1895-1973) –, a historicidade da razão está subordinada às mudanças sociais.
As questões relativas à racionalidade se multiplicam, conforme a contextualidade e os problemas gerados pelas transformações do conhecimento. Daí, a importância de se refletir sobre os problemas do mundo contemporâneo.
Aula 3
A complexidade do pensamento contemporâneo
Considerando as intensas transformações ocorridas até o momento, podemos observar que grande parte delas resulta de processos políticos, sociais e econômicos, que interferem diretamente na sociedade, modificando comportamentos e valores e determinando novas formas de apreensão da realidade.
Como já afirmamos, desde o seu nascimento a Filosofia busca conhecer amplamente a realidade relacionando os diversos saberes, sem recortes de temas, a fim de integrá-los numa compreensão geral e abrangente. Portanto, o conhecimento filosófico procura desenvolver a capacidade de ampliar a visão do ser humano, estabelecendo um vínculo indissociável entre as mais variadas disciplinas, para que se possa chegar a uma compreensão conjunta dos saberes como um todo unificado.
Diferentemente dos modelos científicos modernos, a filosofia se pauta por uma reflexão integrada da realidade. Na busca de um conhecimento certo e evidente, que possa ser previsto e controlado, as ciências passam a assumir o papel de sistematização e controle dos fenômenos pesquisados, tendo em vista que as pesquisas científicas procuram eleger um objeto único para suas investigações.
Conforme amplamente mencionado, a filosofia não limita sua investigação a um objeto determinado, isolado em si mesmo. Para o filósofo, todo e qualquer tema deve ser analisado levando em conta uma reflexão ampla e de conjunto.
Por conseguinte, considera-se que a ciência faz uso de juízos de realidade – ou juízos de fato – para comprovar suas teses, que têm por função apresentar e descrever, de modo objetivo e evidente, a relação entre fatos e fenômenos, pretendendo mostrar, de modo quantitativo, como funcionam e como podem ser controlados, para demonstrar a veracidade do julgamento. Por exemplo: O quadrado tem quatro lados. / A água ferve a 100 °C, nas condições normais de pressão e temperatura. / Aquela blusa é verde. / 2 + 2 = 4.
A filosofia, ao contrário, se baseia em juízos de valor, os quais procuram compreender os fatos e fenômenos de forma ampla, ultrapassando a pura descrição objetiva dos objetos de estudo, numa interpretação elaborada e qualitativa que investiga todas as possibilidades que podem influenciar os fatos que se apresentam, não tendo então a garantia prévia e comprobatória da ciência. Exemplos: Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio. (Heráclito) / O que não me mata me torna mais forte. (Nietzsche) / Filosofar é aprender a morrer. (Platão) / Aquela blusa é bonita.
E, mesmo com as mudanças ocorridas na Modernidade – como já observado anteriormente –, que possibilitaram o avanço das ciências, a Filosofia não abdica de sua visão de conjunto, de sua função inter e transdisciplinar, que procura relacionar os vários saberes, a fim de compreendê-los de forma ampla, investigando todas as possibilidades que se apresentam.
Além de vincular os vários tipos de conhecimentos, sem fragmentá-los em compartimentos delimitados, a filosofia procura ir mais adiante dos campos disciplinares, para interagir decisivamente com a realidade.
Nessa reflexão sobre o real, e retomando as tendências apresentadas pelos filósofos, no sentido de apreender o conhecimento, é importante mencionar duas correntes (antagônicas, por sinal) que atravessaram diversos períodos da história da filosofia, ligadas às possibilidades do conhecimento. O gráfico abaixo mostra essas correntes. Clique em cada uma das caixas para conhecer mais detalhes.
Correntes 
Ceticismo
O ceticismo é uma corrente fundada na Grécia, cujos membros duvidavam da capacidade humana de chegar à verdade plena; isto é: para os céticos (no sentido filosófico do termo), é impossível, para o homem, alcançar o conhecimento pleno e verdadeiro da realidade. A impossibilidade de chegar à verdade fez com que esses filósofos considerassem duas vertentes para o ceticismo: o ceticismo absoluto (ou radical) e o ceticismo relativo (ou moderado).
Absoluto
O ceticismo absoluto não acredita em qualquer possibilidade de conhecimento do real. Nesse caso, o homem deve abster-se de julgamentos, suspendendo os juízos (epoché).
Relativo
No caso do ceticismo relativo, ou moderado, a impossibilidade de conhecer a realidade é relativa, pois, embora não se possa chegar à verdade absoluta, há condições parciais de se alcançar o conhecimento de verdades provisórias.
Considera-se, por isso, quea filosofia contemporânea esteja vinculada ao ceticismo moderado, já que, mesmo que as certezas absolutas sejam impossíveis, os filósofos persistem em suas investigações, mesmo alcançando apenas conhecimentos provisórios e mutáveis. Desse modo, vale afirmar, podemos alcançar uma verdade provável, mas nunca chegaremos ao conhecimento pleno.
2 ) Dogmatismo
A outra corrente é o dogmatismo, segundo o qual o ser humano tem, sim, condições de chegar à verdade e ao conhecimento pleno. O dogmatismo defende, então, a ideia certa e segura de se conhecer a realidade, a partir de um esforço metódico e do uso da razão.
Retomando as reflexões filosóficas sobre a compreensão da realidade e a busca abrangente de entendimento, podemos afirmar, então, que a filosofia segue uma tendência interdisciplinar e transdisciplinar que ultrapassa os dados disponíveis que nos são apresentados, implicando a apreensão de vínculos plurais e simultâneos, relativos à diversidade de conhecimentos e à ligação com a realidade mesma.
É sob esse aspecto que podemos nos remeter à noção de complexidade (pensamento complexo), como forma de articular e integrar os saberes à vida em seu sentido amplo, considerando, assim, os vários aspectos da realidade e a ligação existente entre eles. Nessa perspectiva, o pensamento complexo – derivado da Filosofia – deve ser compreendido em toda a sua extensão, problematizando a diversidade dos pensamentos sem, no entanto, analisá-los hierarquicamente; ou seja, nenhum saber é superior a outro. Por isso, devemos sempre estimular a dialogicidade do conhecimento (entendendo-se que o prefixo grego dia significa troca, intercâmbio, reciprocidade).
Contemporaneamente, as discussões filosóficas sobre a capacidade de apreensão do conhecimento tomaram um novo rumo na medida em que o papel do homem, como detentor da possibilidade de conhecer individualmente o mundo – numa visão antropocêntrica, característica da Modernidade – passa a ser questionado por alguns filósofos. Para estes, não é mais possível imaginar o sujeito pensante solipsista (isolado em si mesmo), que marcou a época moderna.
O papel da reflexão filosófica é, pois, desempenhar uma atitude de questionamento e crítica com relação aos modelos de conhecimento, teóricos e práticos, e, ainda, buscar a perfeita sintonia com as crescentes transformações da realidade.
Encerramento 
O que diferencia o pensamento pré- reflexivo do pensamento reflexivo?
Enquanto o pensamento pré-reflexivo se relaciona à primeira impressão do mundo, por estar ligado ao senso comum, às crenças e superstições, o pensamento reflexivo corresponde à busca de um entendimento racional sobre a realidade, ampliando a visão crítica do ser humano.
De que modo o cogito cartesiano possibilita alcançar o conhecimento verdadeiro?
O cogito de Descartes constitui a primeira certeza que resulta do desenvolvimento hiperbólico da dúvida metódica, pois, após duvidar de tudo que existe, será possível chegar à certeza da existência do pensamento.
Em que consiste a noção de interdisciplinalidade?
A noção de interdisciplinaridade consiste no vínculo que deve existir entre as várias áreas do saber, a fim de possibilitar um conhecimento abrangente, sem nenhum tipo de fragmentação.
Resumo da Unidade
Nesta unidade, observamos que o pensamento filosófico requer uma atitude questionadora que possa levar o ser humano além do senso comum, para interferir na realidade.
Unidade 4 – Filosofia, ciência e questões epistemológicas
Em que consiste a “fragmentação dos saberes” ocorrida na modernidade?
Do ponto de vista filosófico, qual a diferença entre ética e moral?
Podemos afirmar que todas as descobertas científicas e tecnológicas trouxeram benefícios para a humanidade inteira?
Aula 1
Filosofia e desenvolvimento científico
Num primeiro momento da busca do saber, conforme já mencionamos, todas as áreas do conhecimento eram estudadas de forma abrangente pela filosofia, numa relação dialógica que vinculava todos os aspectos do campo racional, possibilitando uma visão ampla e universal dos saberes. Desse modo, na Antiguidade Clássica, a ciência fazia parte do conhecimento filosófico e, por estar ligada à filosofia, as pesquisas científicas eram qualitativas e não experimentais; o que significa que estavam separadas das técnicas cotidianas. Buscava-se o saber teórico distanciando-se da realidade prática – por isso, é comum afirmar que a ciência antiga era uma ciência contemplativa e desinteressada, pois não visava a aplicação ou o uso do conhecimento para a modificação do real.
No entanto, com as intensas transformações ocorridas na Idade Moderna, tem início o estudo recortado da realidade, ou seja, os objetos de investigação científica passam a ser pesquisados de modo isolado, setorial e autônomo, desprendendo-se de seu conjunto geral.
A ciência moderna se caracteriza também pela união entre teoria (ciência) e prática (técnica), promovendo a ciência ativa, capaz de interferir concretamente na realidade prática. Podemos observar ainda esta fragmentação das ciências sob duas formas: positiva, pois o objeto de estudo é focado e delimitado especificamente; mas também negativa, ao restringir a pesquisa e perder a visão do todo.
A instauração do método científico, de ordenação de dados sistemáticos e passíveis de generalização, vai permitir, assim, uma considerável transformação na realidade, fazendo surgir novas formas de atuação e, também, de controle sobre esta concepção de ciência.
Não devemos nos esquecer de que, especialmente no campo científico, foram muitos os fatores que contribuíram para essas mudanças: a invenção da bússola, da energia a vapor, da imprensa, além de novas teorias – como a teoria heliocêntrica, de Copérnico –, revolucionaram o campo do conhecimento, reformulando e, mesmo, superando antigas teorias.
Portanto, diferentemente da ciência antiga, o saber científico da modernidade modifica as bases do conhecimento e das relações sociais, interferindo diretamente no modo de vida de cada indivíduo. Esse tempo será marcado por um novo homem, capaz de autossuficiência e de domínio sobre o mundo.
Ao se firmar como condição imprescindível para sustentar e comprovar a realidade, a ciência passou a ser considerada como a forma de conhecimento mais precisa e confiável, expandindo sua metodologia a todas as formas de investigação.
O entusiasmo decorrente das transformações científicas atinge vários setores da sociedade, influenciando ainda outras áreas do conhecimento, como no caso do movimento filosófico do Iluminismo, pelo qual se privilegiava um novo saber, secularizado e, portanto, desligado de qualquer recurso aos dogmas, à religiosidade. Com o iluminismo – também conhecido como o Século das Luzes –, o homem consegue se libertar dos entraves do critério de autoridade, a fim de dar vazão à racionalidade plena e laicizada.
As extremas valorizações da ciência moderna e de sua metodologia levaram alguns pensadores à tentativa de priorizar o conhecimento científico, racional e comprovável, eliminando tudo aquilo que pudesse ocasionar qualquer tipo de questionamento. Um desses pensadores foi Augusto Comte (1798-1857), criador do positivismo, que desenvolve suas pesquisas com base, especialmente, em uma organização social fundamentada na mecânica e na biologia.
O pensamento de Comte se caracterizava pela confiança e pelo privilégio total dado à industrialização e ao progresso. Ele elabora uma evolução histórica do conhecimento, a partir de sua teoria dos três estados (ou lei dos três estados). São eles: estado teológico (ou mítico), estado metafísico (ou filosófico) e estado positivo (ou científico), que corresponderiam respectivamente à infância, à juventude e à maturidade do ser humano.
Desse modo, para Augusto Comte, a primeira etapa do desenvolvimento da inteligência do homem, a infância, a fase teológica, estaria ligada a uma pura aceitação de normas e dogmas; a segunda etapa, a juventude, seria uma fase de transição, quando começa a existir umacrítica aos modelos, mas de forma abstrata e não determinada; já a última etapa, a maturidade, constituiria o ponto culminante do espírito humano, quando o homem atinge sua plenitude, graças ao auxílio das ciências. O seu projeto de organização social teria três fundamentos: o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim.
Em consequência do privilégio irrestrito dado à cientificidade, à pretensão de obter cada vez mais resultados rigorosos e eficazes, algumas críticas a esse modelo começam a surgir, pois o ser humano não pode ser totalmente enquadrado em modelos passíveis de matematização. Duas destas críticas, apresentadas no quadro abaixo, merecem destaque. Clique em cada uma delas para conhecer mais detalhes.
Mito do cientificismo - O mito do cientificismo (ou da cientificidade) decorre da crença dada à prioridade do saber científico, desvinculado de outros modos de conhecimento. Ou seja, a ciência, com seus métodos e objetividade, poderia resolver todos os problemas humanos, e seria a única forma racional e evidente de saber: o saber verdadeiro.
Mito da neutralidade científica - O mito da neutralidade científica considera que os cientistas, ao elaborarem suas investigações, estariam isentos de influências pessoais. Isso quer dizer que, na formulação de suas pesquisas, eles não sofreriam pressão externa de qualquer tipo. Contudo, em ambos os casos, esses mitos não se sustentam, já que todo homem, cientista ou não, está imerso em valores de diversas procedências.
Daí, a importância da reflexão filosófica sobre os rumos das investigações científicas, fundadas na racionalidade moderna, a fim de observar se a ciência caminha a favor ou contra o homem.
Aula 2
Concepções éticas
Se observarmos etimologicamente os termos ética e moral, eles, em última análise, poderão ser considerados sinônimos: de fato, ethos (grego) e mores (latim) significam respectivamente hábito, comportamento, costume, conduta. Contudo, para alguns autores, é possível estabelecer uma distinção conceitual entre os dois vocábulos, pois enquanto a moral se relacionaria mais concretamente com as normas de conduta e os códigos de cada sociedade, a ética estaria ligada aos fundamentos da moral, a uma investigação teórica sobre as normas morais.
Para o mundo ocidental, as discussões sobre ética surgem com o nascimento da reflexão filosófica, na Grécia, por volta do século VI a.C., quando os primeiros pensadores se preocuparam, conforme já estudamos, com a descrição racional do universo e, principalmente, elaboraram uma visão antropológica do conhecimento, voltando o foco das pesquisas para a tentativa de compreender o lugar que o homem ocupa em nosso planeta.
Assim, para o entendimento do que é o homem, não basta saber que ele pensa, fala ou sonha, mas, especialmente, por que ele pensa, fala ou sonha. Ou seja, as questões propriamente humanas derivam de indagações que ultrapassam a existência comum e visam encontrar possíveis respostas para a vida integral do ser humano, por meio do convívio harmonioso de cada indivíduo no seu respectivo grupo social.
O movimento da sofística propõe um modelo de moral laica, de acordo com as convenções sociais. Para os pensadores desta corrente, as ações dos homens devem estar ligadas à contextualidade. Por exemplo, o filósofo Górgias (século V a.C.) sustenta uma ética do kairós(da ocasião, do momento oportuno), salientando a relevância do contexto na concepção de uma ação digna e justa.
Sócrates (470-399 a.C.) e Platão (428-347 a.C.), ao contrário, priorizam uma ética universal, que alcance indistintamente a humanidade inteira, independentemente do tempo e da história. Para eles, a busca do bem coincide com a dedicação ao conhecimento da verdade, que implica no desejo de uma vida virtuosa, honesta e digna. Segundo Sócrates e Platão, existem valores intemporais, abstratos e universais que ultrapassam e superam os contextos históricos.
Já para Aristóteles (384-322 a.C.), o ser humano busca sempre a felicidade, como um bem maior. Contudo, esta felicidade despreza as riquezas e os bens materiais, valorizando a capacidade racional do homem, que pode ser feliz a partir do bem pensar. Por isso, para atingir esse objetivo maior, que é a felicidade, todo indivíduo deve desenvolver a virtude, segundo a natureza da justa medida, o justo meio – os excessos ou faltas são incompatíveis com a natureza humana –, sem deixar de considerar a vida em sociedade. Assim, a coragem é o justo meio entre a covardia (falta) e a temeridade (excesso).
Epicuro (341-270 a.C.) considera que o fim último do homem é a busca do prazer (hedoné). Para ele, não deve haver conflito entre a razão e os prazeres, naturais e moderados. Este prazer, no entanto, costuma estar distante dos prazeres corporais, passíveis, muitas vezes, de ocasionar dissabores e sofrimentos. A busca do prazer, para Epicuro, significa a eliminação da dor; os prazeres estão relacionados, principalmente, ao equilíbrio, à vida espiritual e às amizades. Desse modo, a filosofia poderia afastar o ser humano de todos os seus medos (da morte, do destino). Ele enfatiza também que “o homem de caráter verdadeiro será honesto mesmo que ninguém se encontre presente”.
Zenão de Cício (c. 334-262 a.C.), considerado fundador da filosofia estoica, acredita que o ser humano deve se abster das paixões e dos prazeres, privilegiando a atividade intelectual, além de suportar corajosa e resolutamente as dores físicas. Para esta corrente filosófica, o homem precisa se afastar de todas as coisas que produzam inquietude, já que a felicidade é decorrente da prática virtuosa. A ataraxia (imperturbabilidade) é o objetivo maior da vida estoica.
Devemos ressaltar, mais uma vez, que uma das características principais da filosofia grega é a separação existente entre o conhecimento racional – que abarca também o comportamento humano – e os assuntos ligados aos mitos, ao sagrado. A ética, portanto, assim como a política, pertence ao âmbito da filosofia prática.
Na Idade Média, entretanto, os valores éticos estavam intrinsecamente vinculados aos cânones da Igreja, já que é dela que emana o grande poder unificador da Europa Ocidental. Para a Igreja, portanto, o homem ético, temente a Deus, é aquele que se submete aos valores religiosos, sem contestação.
O início da modernidade (século XVI) coincide com as críticas aos procedimentos medievais. O progresso das ciências e do conhecimento, de modo geral, não pode mais aceitar passivamente as normas e regras ditadas pelo critério de autoridade, sem argumentos comprobatórios. Desse modo, passam a ser priorizados os critérios laicizados e racionais, bem como as justificativas baseadas nas evidências, que permeiam, também, as condutas e os valores humanos.
No período do iluminismo (século XVIII), pode-se dizer que o homem atinge a sua maioridade, já que a ele cabe discernir racionalmente sobre a noção de bem e de mal. Para Kant (1724-1804), o próprio homem, como ser autônomo, é capaz de estabelecer e seguir aquilo que está de acordo como a moral – o que remete ao famoso imperativo categórico kantiano: “Age de tal maneira que a tua ação possa servir de exemplo para a humanidade inteira”. Nesse sentido, deve haver conformidade entre a vontade e o dever.
O século XIX é marcado por discussões e críticas acerca das concepções éticas anteriores, insuficientes, a partir de então, para avaliar as ações do novo homem. Friedrich Nietzsche (1844-1900), por exemplo, elabora uma crítica profunda e contundente com relação aos valores e às normas morais existentes. Segundo ele, muitas normas foram criadas a fim de podar a criatividade e os instintos do homem, impedindo a plenitude da vida humana, a qual não poderia ser controlada por uma razão preestabelecida; na superação destas velhas normas, é preciso que o homem privilegie as paixões, as possibilidades de invenção, consideradas como forças vitais de sua humanização.
Nietzsche afirma que o controle dos instintos possibilitou a coação do ser humano às regras ditadas pelas sociedades;

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