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contra a redução da maioridade penal

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CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo promover a discussão da maioridade penal. É cada vez mais comum falar da participação de menores de 18 anos na prática de condutas contrárias a lei. Essa crescente participação vem gerando várias discussões nos meios jurídicos e nas diversas camadas da sociedade. Tal controvérsia gira em torno da tentativa de redução da maioridade do Código Penal Brasileiro de 18 (dezoito) anos para 16 (dezesseis) anos de idade.
INTRODUÇÃO
            A maioridade penal ou maioridade criminal define a partir de qual idade o indivíduo responde pela violação da lei penal na condição de adulto, sem qualquer garantia diferenciada reservada para indivíduos menores de idade.
            A Constituição federal de 1988 define em seu artigo 228, que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos. No Brasil, esta idade coincide com a maioridade penal e menores de dezoito anos respondem por infrações de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. A maioridade penal, por sua vez, não coincide, necessariamente, com a maioridade civil, nem com as idades mínimas necessárias para votar, para trabalhar, para casar e emancipação. A menoridade civil cessa em qualquer um destes casos.
  O regime jurídico brasileiro não reconhece a imputabilidade penal dos menores de dezoito anos e atribui medidas socioeducativas de caráter protetivo a todos os infratores menores de dezoito anos, não apenas àqueles abaixo da idade mínima de doze anos. Os menores de doze anos estão fora do alcance das medidas socioeducativas do Estatuto da Criança e do Adolescente.
         Conforme o artigo 228 da Constituição Federal de 1988 "São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial". A afirmação é reforçada pelo artigo 27 do Código Penal, e pelos artigos 102 e 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei nº 8.069/90).
Os crimes praticados por menores de dezoito anos são legalmente chamados de “atos infracionais” e seus praticantes de “adolescentes em conflito com a lei” ou de "menores infratores". Aos praticantes são aplicadas “medidas socioeducativas” e se restringem apenas a adolescentes (pessoas com idade compreendida entre doze anos de idade completos e dezoito anos de idade incompletos. Todavia, a medida socioeducativa de internação poderá ser excepcionalmente aplicada ao jovem de até 21 anos, caso tenha cometido o ato aos quatorze anos). O ECA estabelece, em seu artigo 121, § 3º, quanto ao adolescente em conflito com a lei, que “em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos”, por cada ato infracional grave. Após esse período, ele passará ao sistema de liberdade assistida ou semiliberdade, podendo retornar ao regime fechado no caso de mau-comportamento.
         Há uma discussão sobre o uso das expressões "menores infratores" e "adolescentes em conflito com a lei", alguns preferindo a primeira e outros a segunda. Para esses últimos, o uso da terminologia tem efeito emancipador e o uso da expressão "menores" acaba por discriminar o adolescente. Já os primeiros pensam diversamente e consideram que o uso da expressão "adolescente em conflito com a lei" (que não consta no ECA) serve na verdade como instrumento a serviço de um Estado inoperante, que se serviria da mudança de nomenclatura sem necessidade de promover mudança da realidade, acrescentando, ainda, que a expressão "menores" faz parte do texto legal (artigo 22 do ECA).
         Um dos temas mais discutidos atualmente na política brasileira, as regras da maioridade penal estão em debate permanente. Uma PEC que diminui a idade mínima com que uma pessoa pode ir para a prisão em caso de crimes hediondos – ou seja, uma redução da maioridade penal – chegou a ser aprovada pela Câmara em 2015 e hoje aguarda apreciação pelo Senado Federal.
         Os argumentos contra a redução da maioridade penal, é a desigualdade social, uma das causas principais da violência. A redução da maioridade em nada resolverá o problema da desigualdade social que assola nosso país. De certo modo, será mais uma forma de colocar jovens negros e pardos das comunidades carentes e das periferias atrás das grades. Na prática, voltaríamos aos tempos da escravidão. Só que dessa vez, ao invés de correntes nos pés, nosso povo receberia grades para colocar as mãos; no Brasil, a violência está profundamente ligada a questões como: desigualdade social, exclusão social, impunidade, falhas na educação familiar, desestruturação da família, deterioração dos valores ou do comportamento ético, e, finalmente, individualismo, consumismo e cultura do prazer. A redução da maioridade em nada reduzirá as mazelas produzidas por todos os fatores apontados acima. A única coisa que a redução provocará é a punição de jovens afetados por uma realidade social da qual eles não tiveram a menor culpa de serem inseridos, aqueles que querem a redução dizem que são contrários à impunidade, mas o Brasil é dos países mais ingratos com sua juventude. No ano de 2010, mais de 8.600 crianças foram assassinadas em 2012, mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas de maus tratos e agressões. Deste total de casos, mais de 80 mil sofreram negligência, 60 mil sofreram violência psicológica, 56 mil sofreram violência física, 35 mil sofreram violência sexual e 10.000 sofreram exploração do trabalho infantil. Será que todos esses crimes já não mostram que nossos menores já não sofrem o suficiente com a impunidade? A redução da maioridade penal tem um obstáculo jurídico-constitucional. É que a inimputabilidade dos menores de 18 (dezoito) anos possui previsão constitucional no artigo 228, ou seja, a impossibilidade de receber sanções iguais a de adultos é uma garantia individual da criança e do adolescente, portanto, parte do núcleo constitucional intangível; temos no Brasil mais de 527 mil presos e um faltam vagas nas prisões para pelo menos 181 mil presos. Ninguém precisar ser um gênio para perceber que a superlotação e as condições desumanas das cadeias brasileiras, deixam esse sistema é incapaz de cumprir sua finalidade de recuperar alguém. A inclusão de adolescentes infratores nesse sistema não só tornaria mais caótico o sistema carcerário como tenderia a aumentar o número de reincidentes. Ora, se as cadeias têm por objetivo recuperar pessoas, não é colocando menores de idade lá que esse objetivo será cumprido; pois a cadeia comum não é um lugar apropriado para um jovem infrator. Um menor de idade não pode dividir cela com presos condenados por crimes hediondos. Os menores de idade, ao entrar em contatos com os outros presos mais velhos, teriam contato com uma realidade ainda mais nefasta, retirando qualquer chance de reabilitação. Além disso, estariam expostos a situações constrangedoras para um adolescente, podendo eles serem vítimas de ataques a sua sexualidade e ao seu psicológico; estatisticamente, a quantidade de atos infracionais, diferentemente do que nos mostra a mídia, é muito pequena nos menores de idade, se compararmos com os crimes cometidos por adultos. A título de comparação, em 2006, o sistema prisional contava com 401,236 pessoas adultas e apenas havia 15,426 jovens internados no meio fechado. Isto representa que, dos crimes praticados e apurados 96,3% são cometidos por adultos e 3,7% são cometidos por adolescentes; não se tem notícia ou dado estatístico que a redução da maioridade penal de fato diminuiria a violência no Brasil. Muito pelo contrário, a redução seria apenas mais um ato de violência para com a nossa juventude. O que ela faria seria a legitimação do desrespeito aos direitos da criança e do adolescente. Desta forma, os jovens seriam atraídos para as cadeias, onde teriam seus futuros ceifados com penas elevadíssimas, perdendo toda a chance de reinserção na legalidade; porque ainda são poucas as iniciativas do Poder Público, das Instituições e da Sociedade na proposição e execução das Políticas Públicas para a juventude. Antes de pensarmos emcolocarmos nossos jovens na cadeia, deveríamos antes pensar em como poderíamos tirá-los do crime e inseri-los no mercado de trabalho. Todo esse esforço que a sociedade está usando para colocar menores de idade na cadeia deveria ser reservado a medidas que impedissem que ele primeiro entrasse nela; porque a diminuição pode acarretar em desastres estruturais para as futuras gerações.
         Em 19 de agosto de 2015, a Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nº 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondo (estupro ou latrocínio), homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
         A proposta, entretanto, sofreu alterações em seu texto original. A emenda que foi apresentada originalmente ao Plenário e é de autoria dos deputados Rogério Rosso e André Moura, e incluía outros crimes como o tráfico de drogas, terrorismo, tortura, roubo qualificado, entre outros, mas foi rejeitada.
         De acordo com as disposições da PEC aprovada, os jovens de 16 e 17 anos que praticarem os crimes mencionados deverão cumprir suas penas em local separado dos outros adolescentes que cumprem penas da ordem socioeducativas e dos maiores de 18 anos.
         A redução da maioridade penal não é nem de longe a melhor alternativa para lidar com o problema da criminalidade na adolescência. Em lugar de encarcerar, o melhor é trabalhar o potencial de cada jovem por meio de arte, cultura e educação. Encaminhar adolescentes de 16 e 17 anos para o sistema penitenciário não ataca os reais problemas da violência brasileira, além de aumentar a criminalização dos/as jovens, em especial negros/as, pobres e moradores/as de periferias.
         A cadeia como um local de reintegração social é um conceito historicamente recente, adotado pelos países entre o final do século 19 e o início do século 20. O Estado assume a custódia do criminoso e não está lá para aplicar uma vingança pessoal: independentemente da gravidade ou dos horrores dos crimes cometidos por alguém, a punição ao encarcerado deve respeitar as leis e a dignidade humana.
         Apesar de a Constituição brasileira estabelecer o respeito à integridade física e moral dos detentos, não é essa a realidade observada nas mais de 1,4 mil unidades prisionais do país. Apesar da negação de direitos básicos aos detentos não causar comoção popular, os problemas do sistema prisional geram consequências também para as pessoas que estão fora das celas. A superlotação carcerária e a organização de facções dentro dos presídios apenas potencializam o aumento dos crimes.
         A partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, têm o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional.
         Por isso, não devemos confundir impunidade com imputabilidade. A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade de a pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica.
         O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.
         Muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. E mais: o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade.
         Não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe as(os) adolescentes a mecanismos/comportamentos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, uma vez que as taxas nas penitenciárias são de 70% enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%.
         A violência não será solucionada com a culpabilização e punição, mas pela ação da sociedade e governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que as reproduzem. Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais motivos que reproduzem e mantém a violência, só gera mais violência.
         
         A redução da maioridade penal não visa a resolver o problema da violência. Apenas fingir que há “justiça”. Um autoengano coletivo quando, na verdade, é apenas uma forma de massacrar quem já é massacrado.
         Medidas como essa têm caráter de vingança, não de solução dos graves problemas do Brasil que são de fundo econômico, social, político. O debate sobre o aumento das punições a criminosos juvenis envolve um grave problema: a lei do menor esforço. Esta seduz políticos prontos para oferecer soluções fáceis e rápidas diante do clamor popular.
         Em nosso país qualquer adolescente, a partir dos 12 anos, pode ser responsabilizado pelo cometimento de um ato contra a lei.
         O tratamento é diferenciado não porque o adolescente não sabe o que está fazendo. Mas pela sua condição especial de pessoa em desenvolvimento e, neste sentido, o objetivo da medida socioeducativa não é fazê-lo sofrer pelos erros que cometeu, e sim prepará-lo para uma vida adulta e ajuda-lo a recomeçar.
REFERÊNCIAS:
CAPEZ, Fernando. A Questão da Diminuição da Maioridade Penal. Revista Jurídica Consulex, Brasília, ano XI, n. 245, março de 2007.
CARVALHO, Francisco Pereira de Bulhões. Direito do menor. Rio de Janeiro: Forense, 1977.
COUTINHO, Luiz Augusto. Retrocesso da redução da imputabilidade penal para 16 anos. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 94, 5 out. 2003.
LOCHE, Adriana Alves; LEITE, António J. Maffezoli. Sociologia Jurídica. Redução da Imputabilidade Penal: ineficácia social e impossibilidade constitucional. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 10, n. 37, jan./mar. 2012.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
REALE, Miguel. Nova fase do Direito moderno. 2. Ed. São Paulo: Saraiva 2001.
SILVA, José Luiz Mônaco da Silva. Estatuto da Criança e do Adolescente: comentários. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 1994.
SPOSATO, Karina Batista. Porque dizer não a redução da idade penal. UNICEF, 2007. Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/index.html. Acesso em: 17/10/2013.
GOMIDE, Paula Inez Cunha. Menor infrator: a caminho de um novo tempo. Curitiba: Juruá, 2000.
GOMES, Luiz Flávio. A Maioria e a maioridade penal. Revista Consulex, Brasília-DF, ano XI, n. 245, 31março. 2007.

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