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A PASSAGEM DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO

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A PASSAGEM DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO
Nesta parte, trata- se de expor que nossa concepção atual do que seja o "eu" não era possível na Idade Média.
No humanismo moderno. De acordo com a tese de Luis Cláudio Figueiredo, seria neste, período que passaria a se afirmar uma concepção de subjetividade privada-aí incluído a ideia de liberdade do homem e de sua posição como centro do mundo. Voltemos alguns passos: o que significa dizer que a noção de 'subjetividade privada' passa a existir? Por que tal concepção não seria possível anteriormente, no mundo medieval?
Pode provocar alguma estranheza a ideia de que a noção de privacidade não existisse em um num determinado momento. Nossa intimidade, nossa existência enquanto sujeitos isolados -ou, até mais, solitários- parecem-nos clara, certa. "Ter um tempo para si", s em estar trabalhando ou estudando (produzindo, de um modo geral), possui um grande valor em nossas vidas. Certamente, essa é uma das poucas coisas pelas quais lutamos hoje-é preciso garantir nossa privacidade, diante da alta exigência atual para que dediquemos toda a nossa energia e tempo às atividades consideradas "úteis". Há até quem diga, e não são poucos, que nosso excessivo individual ismo é um dos grandes problemas da convivência social atual. Dentre os problemas que derivariam disso, poderíamos enumerar: a imposição dos interesses pessoais sobre os coletivos, a insensibilidade ao que não nos diz respeito imediatamente, a solidão, a falta de um sentido para a vida, o desrespeito generalizado às leis, o crescimento -como reação a tudo isso- de movimentos ideológicos ou religiosos dogmáticos e violentos, caracterizados pela intolerância para com aquilo que é diferente de si ou do grupo, etc.
Existem as nações, grupos religiosos, familiares, etc., mas a menor unidade seria a pessoa. O termo 'indivíduo/ remete a isto, somos o "átomo" indiviso do mundo humano- Este sentimento de individualidade se mostra, em outro exemplo caricato, quando estamos profundamente infelizes e nos sentimos incompreendidos, passando por uma dor que provavelmente ninguém jamais passou antes. Se um amigo a quem confidenciamos nossa dor diz nos compreender e já ter passado pela mesma experiência, enchemo-nos de orgulho e reagimos dizendo que ele não entendeu nada, nosso sofrimento é incomparavelmente maior que o dele!
Assim, quer pelos valores positivos, quer pelos negativos que lhe atribuamos, parece-nos certo que o sujeito isolado é a unidade básica de valor e referência de Judô. Ainda assim, se dermos uma olhada na história dos costumes ou da filosofia, veremos que nem sempre foi assim. Esta afirmação do "eu" parece ter-se construído radiativamente, através de séculos. O "eu" nem sempre foi soberano.
Se nos dirigíssemos à filosofia da Grécia clássica (século V A.C.), certamente já. 
Encontraríamos algo que poderíamos chamar de humanismo, como uma valorização do ser humano já não submetido ao poder dos deuses, (como na filosofia de Sócrates ou no teatro de Eurípedes), a criação do direito e da democracia, etc. Mas o humanismo, entendido como a colocação do homem como medida de todas as coisas e centro do mundo, parece ter tom ado à forma que tem hoje no Renascimento, surgindo de dentro da Idade Média. Ainda que não entremos em detalhe na discussão do pensamento medieval ou grego, vale a pena destacarmos alguns momentos privilegiados na direção da tese que desenvolvemos. Em uma obra recente, chamada, As fontes do Self, Charl es Taylor realiza uma análise profunda do nascimento do sentimento característico da Modernidade; o de que possuímos uma interioridade.
O ponto de partida da análise d e Taylor é Platão. Trata-se de mostrar como, para ele, a razão é a percepção de uma ordem absoluta. Ser racional significa ver a ordem como ela é. Não há como ser; racional e estar enganado sobre a natureza ao mesmo tempo. Podemos já reconhecer aqui o nível de certeza pelo qual aspira a Modernidade, representada, sobretudo pela figura de Descartes. No entanto, enquanto para Descartes a ordem está 'dentro' de nós, para Platão ela reside no absolutamente Bom.
É em Santo Agostinho que Taylor encontra a grande passagem para a interioridade, Santo Agostinho é assustadoramente moderno, considerando que viveu entre os séculosJV_e3Lde nossa era. Todo o seu pensamento seria permeado pelas noções de 'interno-externo': espírito/matéria, alto/baixo, eterno/temporal, imutável/ mutante, etc. Aqui aparece um movimento inédito: com a desvalorização do corpo e de tudo o que é mundano, com a correspondente valorização da alma como algo interno, a busca por Deus passa a ser feita dentro de nós. Deus não deve ser procurado no que vemos, mas no próprio olhar, Ele seria a própria luz interior. Santo Agostinho estaria, com isto, inaugurando uma experiência radical experiência passa a ser altamente subjetivada e dependente de nós. A tradição moderna teria levado esta concepção ao extremo, passando a referir-se a objetos internos e, ao mesmo tempo, a um 'eu penso' totalmente separado do 'externo'. Mas isto já é adiantar demais nossa discussão.
Em uma imagem que reconhecemos como caricatural e bastante insuficiente da concepção de mundo medieval no Ocidente-apenas como pano de fundo para introduzirmos as ideias do Renascimento poderia dizer que ela se caracteriza por considerar o mundo organizado em torno de um centro. Haveria uma ordem absoluta, representada por Deus e Seus legítimos representantes na terra: a Bíblia e a Igreja. Cada coisa existente estaria relacionada necessariamente a esta ordem superior. Em última instância, cada ser formaria parte de uma grande engrenagem que seria a criação divina. Aí se encontraria o sentido de tudo
A possibilidade da crença na liberdade humana é muito restrita, já que tudo faz parte de um plano maior, de um todo perfeito disposto por Deus. A noção de justiça na Idade Média, por exemplo, é a da colocação de cada ser no lugar que lhe é próprio. Tampouco haveria lugar para a privacidade. Na medida em que a onipresença e a onisciência são atributos de Deus, nada poderia ser mantido em segredo e nunca estaríamos sozinhos: pecar em pensamento já é pecar.

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