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O CONCEITO DE DESEMPENHO APLICADO ÀS EDIFICAÇOES ROBERTO DE SOUZA ˜ São Paulo 2015 O CONCEITO DE DESEMPENHO APLICADO ÀS EDIFICAÇOES ROBERTO DE SOUZA 5 APRESENTAÇÃO O setor da construção civil vive momentos de transformação. Qualidade, gestão, tec-nologia e sustentabilidade são temas que ganharam espaço nos últimos 15 anos e se consolidaram entre as empresas da cadeia produtiva da construção. O período recente de grande expansão e o momento atual de intensa retração de mercado implicam em enormes desafios para o setor. Um forte movimento de inovação, com foco no reposi- cionamento estratégico das empresas e no aumento da produtividade, faz parte da agenda competitiva da construção para enfrentar novos tempos e diferentes conjunturas. O conceito de desempenho e a metodologia de avaliação de desempenho do edifício e suas partes são extremamente valiosos para alimentar este movimento inovador e dar consistência nas buscas por soluções “fora da caixa”, tanto de novos produtos imobiliários como de projeto, novas tecnologias, novos sistemas construtivos, novos componentes e materiais. É também extremamente importante a modernização do aparato normativo e dos sistemas de certificação de produtos. O setor da construção já deu um passo importan- tíssimo para a melhoria da qualidade e inovação da construção com a disposição, desde julho de 2013, da norma NBR 15.575 – Desempenho de Edificações Habitacionais. É preciso, no entanto, ir além da implantação da Norma de Desempenho, ampliando o entendimento do conceito de desempenho e da metodologia de avaliação de desempenho e a discussão sobre a apropriação de ambos para a modernização da construção. Os textos disponíveis nesta publicação – extraídos da Dissertação de Mestrado que apre- sentei em 1983, na Escola Politécnica da USP – resgatam os principais conceitos sobre a natureza do desempenho e detalham, de forma conceitual, os elementos da metodologia de avaliação de desempenho do edifício e suas partes. É importante ressaltar que esses textos estão contextualizados em um período histórico bem determinado: da metade da década de 1970 até o ano de 1983. Embora o setor tenha avançado significativamente dessa época até os dias de hoje, esses estudos são válidos e podem contribuir para a compreensão da verda- deira natureza do conceito de desempenho, da metodologia de avaliação de desempenho e sua aplicação à realidade da construção. Este é, sem dúvida, um mergulho no passado. Ao compartilhar esses textos, espero po- dermos extrair ideias que nos alimentem para a construção do futuro. Boa leitura, boas reflexões e boas práticas inovadoras. ROBERTO DE SOUZA Copyright © Roberto de Souza Este projeto e publicação é uma iniciativa do autor Roberto de Souza. Este texto faz parte da dissertação de mestrado de título “Contribuição do conceito de desempenho para a avaliação do edifício e suas partes: aplicação às janelas de uso habitacional”, que se encon- tra à disposição na biblioteca da Engenharia Civil da Escola Politécnica da USP. Ficha Catalográfica USP/SIBI Souza, Roberto de Contribuição do conceito de desempenho para a avaliação do edifício e suas partes: apli- cação às janelas de uso habitacional. – São Paulo: EPUSP, 1983. 181 p. + anexo – Dissertação (Mestrado) Programa Engenharia Civil: Engenharia de Construção Civil e Urbana Departamento PCC Engenharia de Construção Civil Escola Politécnica da USP Nº. de sistema antigo 1122351 Nº. de sistema atual 000719840 Produção da Publicação: O Nome da Rosa Editora Editora: Tula Melo Revisão: Noemi Zein Telles Editora de Arte: Júlia Melo Design: Bárbara Ligia Julho de 2015 Todos os direitos desta edição reservados pelo autor Roberto de Souza. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida de nenhuma forma, ou por nenhum meio, sem autorização expressa do autor. Rua Álvaro Rodrigues 182, cj. 153 | Brooklin | São Paulo | SP | CEP 04582-000 F. (11) 2149-0300 | rosouza@cte.com.br 7 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ..........................................................................................9 2. O CONCEITO DE DESEMPENHO ............................................................11 2.1. TENDÊNCIAS NA AVALIAÇÃO DE NOVOS PRODUTOS .....................................11 2.2. A NATUREZA DO DESEMPENHO .......................................................................... 13 2.3. HISTÓRICO DO CONCEITO ....................................................................................14 3. METODOLOGIA PARA APLICAÇÃO DO CONCEITO DE DESEMPENHO À AVALIAÇÃO DO EDIFÍCIO E SUAS PARTES .............................................. 19 3.1. O EDIFÍCIO E SUAS PARTES ................................................................................. 20 3.2. EXIGÊNCIAS DO USUÁRIO ...................................................................................23 3.2.1. Exigências de segurança estrutural ........................................................................25 3.2.2. Exigências de segurança ao fogo ...........................................................................25 3.2.3. Exigências de segurança à utilização .....................................................................26 3.2.4. Exigências de estanqueidade ..................................................................................26 3.2.5. Exigências de conforto higrotérmico .....................................................................26 3.2.6. Exigências de pureza do ar ......................................................................................27 3.2.7. Exigências de conforto acústico ..............................................................................27 3.2.8. Exigências de conforto visual .................................................................................28 3.2.9. Exigências de conforto tátil .....................................................................................28 3.2.10. Exigências de conforto antropodinâmico ............................................................28 3.2.11. Exigências de higiene ..............................................................................................29 3.2.12. Exigências de adaptação à utilização ....................................................................29 3.2.13. Exigências de durabilidade .................................................................................... 30 3.2.14. Exigências de economia ........................................................................................ 30 PERFIL Roberto de Souza formou-se Engenheiro Civil pela Escola Politécnica da USP. Pela mesma escola, tornou-se Mestre em Engenharia, apresentando sua dissertação sobre “O Conceito de Desempenho aplicado às Edificações” em 1983, e obteve o grau de Doutor em Engenharia com a tese “Sistemas de Gestão da Qualidade para Pequenas e Médias Construtoras” em 1997. Ingressou como pesquisador do IPT-SP (Instituto de Pesqui- sas Tecnológicas do Estado de São Paulo) e tornou-se Diretor da Divisão de Edificações, cargo que ocupou até 1989. Em seu tra- balho no Instituto contribuiu com o desenvolvimento de pes- quisas e implantação de competências e laboratórios nas seguintes áreas: Eficiência Ener- gética, Conforto Ambiental, Sistemas Prediais, Segurança ao Fogo, Sistemas Construtivos, Materiais de Construção, Controle da Qualidade, Durabilidade e Avaliação de Desempenho. Foi presidente do COBRACON/CB-2 – Comitê Brasileiro de Construção Civil da ABNT de 1987 a 1993, órgão responsável pela revisão e elaboração das normas técnicas no setor da construção, quando contribuiu de forma significativa com a atualização normativa e tecno- lógica da construção brasileira. Foi um dos fundadoresdo CTE – Centro de Tecnologia de Edificações em 1990, e hoje é seu Diretor Presidente. Coordena uma equipe de 200 consultores de diferentes especia- lidades. Em seus 25 anos, o CTE preparou mais de 1.600 empresas para a certificação ISO 9000, ISO 14000, Qualihab e PBQP-H, prestou consultoria para mais de 300 empreendimen- tos sustentáveis e certificação Green Building e gerenciou mais de 400 obras com foco em planejamento e controle de prazos, custos, qualidade e sustentabilidade. É também autor de oito livros focados em Tecnologia e Gestão de Empresas Incorporado- ras, Construtoras e Projetistas. 8 9 1. INTRODUÇÃO A s transformações sociais, econômicas, culturais e políticas, verificadas no Brasil nas últimas décadas, têm se refletido no campo da construção de edifícios, entre outros aspectos, pela busca de alternativas aos produtos e processos tradicionais até então utilizados. Esta busca está marcada pelo desenvolvimento de novos materiais, componentes, sistemas construtivos e novas concepções de projeto, traduzindo um grande esforço de racionalização e industrialização da construção. Uma das questões relevantes, que se coloca neste campo, é a de como avaliar essas soluções inovadoras. Esta questão tem vários contornos e a falta de uma resposta adequada entrava a tomada de decisões dos diversos intervenientes no processo de incorporação, projeto, fabricação de materiais, construção e uso e operação de edifícios. Algumas das dificuldades encontradas são ilustradas pelas indagações seguintes: M Como se posicionam os agentes financeiros quando uma nova solução construtiva ou novos componentes são propostos para suas obras? M Que orientação devem seguir os fabricantes para o desenvolvimento de novos produtos para a construção; a que limites de qualidade estes novos produtos devem atender? M Os projetistas, por sua vez, como se orientam para conceber novas soluções para edifícios e especificar suas partes? M E os códigos de obras municipais e a normalização brasileira, que hoje não abrem espaço para novas soluções, que tipo de modificações têm que sofrer para se coadunarem à nova realidade? M Que resposta devem fornecer os institutos de pesquisa e laboratórios nacionais, quando são chamados a opinar sobre novos produtos; que metodologia adotar para sua avaliação? M Como tratar a questão do controle de qualidade desses novos produtos, especialmente o aspecto relativo a sua durabilidade? 3.3. CONDIÇÕES DE EXPOSIÇÃO ................................................................................ 31 3.4. REQUISITOS E CRITÉRIOS DE DESEMPENHO ................................................. 34 3.5. MÉTODOS DE AVALIAÇÃO.....................................................................................39 3.5.1. Ensaios e medidas ......................................................................................................39 3.5.2. Cálculos e simulações ............................................................................................... 42 3.5.3. Julgamento ................................................................................................................. 43 4. CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES .............................................. 44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 49 10 11 No Brasil, na década de 1970 e 1980, presenciamos, principalmente na construção de ha- bitações populares financiadas pelo Banco Nacional da Habitação (BNH), uma utilização indiscriminada de soluções inovadoras, em que componentes e sistemas construtivos eram introduzidos no mercado sem que, previamente, fossem submetidos a uma avaliação téc- nica rigorosa, que possibilitasse prever seu comportamento durante os 30/40 anos de vida útil que se espera do edifício. Nestes casos, a avaliação das soluções inovadoras acontecia após os conjuntos habitacio- nais estarem concluídos e habitados, servindo os usuários como espécies de cobaias das inovações tecnológicas, sendo a eles transferidos problemas patológicos e custos excessi- vos de manutenção e reposição, que podem advir do uso de novos produtos não avaliados previamente. Um outro aspecto, a ser considerado na resposta da questão de como avaliar soluções inovadoras, diz respeito à adequação das tecnologias de produção do edifício e suas partes à realidade brasileira. Estão envolvidos, neste aspecto, além das variáveis téc- nicas, questões econômicas e sociais de ordem geral e também variáveis regionais: clima, cultura local, disponibilidade de materiais e mão de obra, equilíbrio ecológico, etc. Um instrumental valioso para a abordagem desse aspecto é o conceito de tecnologia apropriada e sustentável, entendida com aquela que produz o tipo de produto necessário e adequado aos mercados regionais, utilizando-se de maneira ótima do capital, da mão de obra e dos recursos disponíveis localmente, gerando inclusão social via emprego e renda e promovendo, ainda, o respeito ao meio ambiente (1). No presente texto, objetiva-se discutir os aspectos relativos à avaliação de desempe- nho de novos produtos e sistemas construtivos propostos para a construção de edifícios, considerando-se a qualidade final dos mesmos. Essa qualidade pode ser traduzida pela ne- cessidade dos produtos e sistemas construtivos terem um comportamento satisfatório em utilização (desempenho) e pela capacidade desses produtos e sistemas manterem tal comportamento ao longo da vida útil, em condições normais de uso, operação e manutenção. Nos dois capítulos seguintes, esta discussão é conduzida de forma ampla, englobando o edifício e suas várias partes e enfocando os aspectos conceituais e metodoló- gicos, fazendo-se uso do conceito de desempenho, instrumento valioso que objetiva for- necer uma base racional ao processo de avaliação. No capítulo final são apresentadas considerações e recomendações sobre como aplicar o conceito de desempenho para a promoção da inovação e aumento da competitividade da construção civil brasileira. 2. O CONCEITO DE DESEMPENHO 2.1. TENDÊNCIAS NA AVALIAÇÃO DE NOVOS PRODUTOS Uma tendência verificada nas tentativas de avaliação de novos produtos e sistemas cons- trutivos destinados aos edifícios é a de tomar o tradicional como referência e, por compara- ção, julgar se são aceitáveis ou não as novas soluções propostas. As poucas regras normativas atualmente disponíveis no país – normas brasileiras, nor- mas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e códigos de obras municipais – de certa forma contribuem para que esta tendência seja adotada e difundida. As normas nacionais disponíveis são, na sua quase totalidade, normas prescritivas, voltadas para a especificação de componentes já há muito em uso ou para procedi- mentos que descrevem aspectos do sistema construtivo tradicional, não encontrando os novos produtos e sistemas referenciais especificando os limites mínimos de qua- lidade a serem alcançados. Os códigos de obras padecem da mesma limitação, descrevendo procedimentos e regras a obedecer e não fixando quais as exigências mínimas a serem satisfeitas pelo edifício e suas partes. Um exemplo elucidativo da tendência de fixar o tradicional como referência é o das pare- des externas das edificações. A parede de tijolos maciços de 25 cm, revestida com argamassa de cal e areia, foi durante muito tempo aquela tomada como padrão. O Código de Edifica- ções de São Paulo, na década de 1980, dizia: “As paredes externas, bem como todas que separem unidades autônomas de uma edificação, ain- da que não acompanhem sua estrutura, deverão obrigatoriamente observar, no mínimo, as normas técnicas oficiaisrelativas à resistência ao fogo, isolamento térmico, isolamento e condicionamento acústico, resistência e impermeabilidade, correspondentes a uma parede de alvenaria comum de bar- ro maciço, revestida com argamassa de cal e areia, com espessura acabada de 0,25 m”. (2) Assim, qualquer alternativa proposta para paredes externas deveria ser comparada em sua resistência mecânica, resistência ao fogo, propriedades acústicas, isolamento térmico e impermeabilidade à tradicional parede de tijolos maciços de barro cozido. É pertinente uma indagação: 12 13 M E se as características da nova parede não forem todas correspondentes às da parede tradicional; se, por acaso, a resistência ao fogo da nova parede for inferior? Aceita-se ou não a nova solução proposta? Pergunta de difícil resposta. Uma das dificuldades está em que não sabemos realmente por que a parede tradicio- nal é considerada boa e se suas propriedades são necessárias e se são satisfatórias. O ar- gumento que se tem é que tal parede “já funcionou na prática” e portanto é boa solução. Um argumento válido, pois fruto da tradição construtiva de muitos anos, porém não suficiente, pois não podemos aceitar o empirismo impregnado nessa assertiva e adotá- la como regra normativa. Para um determinado uso da parede externa, por exemplo, em habitações térreas, a parede tradicional de 25 cm pode estar superdimensionada quanto aos aspectos de re- sistência ao fogo, pois o tempo de fuga é pequeno em caso de incêndio. Mas essa mesma parede pode estar subdimensionada quanto ao desempenho mecânico, quando utiliza- da em edificações de múltiplos pavimentos em alvenaria estrutural. São considerações feitas para as paredes externas, mas que valem para outras partes do edifício. Se quisermos emitir um juízo correto sobre um novo produto, é necessário que definamos precisamente a sua função e estabeleçamos métodos que permitam ve- rificar se ele a cumpre. Essa função vai depender, por sua vez, do tipo de edifício onde será aplicado o novo produto, das exigências a serem satisfeitas por esse edifício, das suas condições de uso, da região climática onde será construído e do tempo durante o qual se deseja que o novo produto ou sistema cumpra a sua função. Observa-se, assim, que muitas variáveis estão envolvidas na aceitação ou não de no- vos produtos e novos sistemas construtivos. Avaliar soluções inovadoras para o edifício e suas partes, comparando-as com o tradicio- nal, carece de uma base científica e metodológica. É uma tendência que, no estágio atual dos conhecimentos no campo das ciências da construção, pode e deve ser superada. Uma abordagem menos empírica e que não seja empecilho às novas soluções, carac- terizando de forma mais precisa a que deve atender o edifício e quais os métodos a serem utilizados em sua avaliação, é a questão relevante. O conceito de desempenho apresenta-se como instrumento valioso neste sentido. Em linhas gerais, procura caracterizar o edifício como um produto definido cuja função é a de satisfazer as exigências do usuário quando submetido a determinadas condições de exposição. A utilização do conceito implica em definir quais as condições a serem satisfeitas pelo produto, tanto a nível qualitativo como quantitativo, quando submetido a condições normais de uso, e quais os métodos para que se possa avaliar se o produto satisfaz às condições estabelecidas. Não se tente, pelo conceito de desempenho, descrever ou dar indicações de materiais ou concepções específicas de projeto que podem ser aplicados para se obter o produto final. A ideia presente é abrir espaço para novas possibilidades no campo dos materiais, dos sistemas construtivos e das concepções de projeto, ou não existentes anteriormen- te ou, se existentes, não utilizadas. 2.2. A NATUREZA DO DESEMPENHO A palavra desempenho, que em última instância significa comportamento em utilização, foi escolhida para caracterizar o fato de que um produto deve apresentar certas proprieda- des que o capacitem para cumprir sua função quando sujeito a certas ações (3). Os produtos que compõem os edifícios estão sujeitos a uma grande variedade de ações, no sentido amplo do termo, ações estas devidas aos fenômenos de origem natural, devidas à utilização do edifício e mesmo decorrentes de sua própria concepção. Nas ações de origem natural, estão incluídas as ações do vento, da radiação solar, da chu- va, da umidade do ar, do calor, do frio, enfim, as ações relacionadas ao clima da região onde é construído o edifício. Relacionadas à utilização e concepção do edifício, estão as ações do fogo, das cargas permanentes, dos esforços de manuseio, dos ruídos gerados interna e externamente, de impactos de uso, de ataques químicos por produtos de limpeza e todas aquelas outras ações decorrentes da concepção do edifício e de seu uso. A este conjunto de ações, atuantes no edifício durante sua vida útil, chamaremos de con- dições de exposição. O produto, por sua vez, dependendo da sua natureza, possuirá certas propriedades que podem ou não influenciar a forma como ele reage às condições de exposição. O resultado do equilíbrio dinâmico, que se estabelece entre o produto e seu meio, é chamado de desempenho do produto (3). Este equilíbrio dinâmico se estabelece na prática quando o edifício, em utiliza- ção durante sua vida útil, é submetido às condições de exposição. Porém, é possível 14 15 obter uma estimativa do provável comportamento do produto, ou seja, estimar seu desempenho potencial. Tal estimativa pode ser obtida através da utilização de mode- los matemáticos e físicos, que simulem o comportamento do produto, e da realização de ensaios e medidas em amostras do produto. Os resultados das observações e medidas, feitas ao longo dessas investigações, per- mitirão uma avaliação do desempenho provável do produto. Esta avaliação frequen- temente inclui um elemento de interpretação ou julgamento baseado, entre outras coisas, na validade dos métodos de ensaio e cálculo empregados e na apreciação do desempenho observado e medido em modelos ou protótipos, acrescentadas de outras informações complementares úteis, da experiência de utilização do produto ou ou- tros fatores que se julguem determinantes (3). A avaliação de desempenho consiste, pois, em prever o comportamento poten- cial do edifício e suas partes quando em utilização normal. 2.3. HISTÓRICO DO CONCEITO Embora não formulado nos termos em que hoje o é, o conceito de desempenho é há al- gum tempo utilizado, particularmente nas áreas da engenharia onde a segurança estrutural é relevante. Em outros campos, onde a industrialização hoje é avançada, como a indústria aeroespacial, por exemplo, já se faz uso do conceito com sucesso. O uso da expressão inglesa performance requirements data de 1930, mas é a partir do início dos anos 60 que o conceito foi tomando forma. Em 1962, no segundo congresso do International Council for Building Research Studies and Documentation (CIB), o pesquisa- dor inglês Lea formula as primeiras questões sobre o conceito aplicado ao edifício (4). Nos demais congressos do CIB, o tema é novamente desenvolvido por Sneck (5) e Blach (6) em 1965, e por Mathey e Reichard (7) em 1968. Em 1972, foi possível a realização de um grande simpósio internacional sobre o assunto em Philadelphia, USA (8), reunindo as experiências conduzidas nos vários países que vi- nham se utilizando do conceito de desempenho aplicado ao edifício. A partir daí, muito tem sido escrito sobre o assunto e muitas utilizações práticas têm sido feitas. Alguns grupos veem, na aplicação do conceito de desempenho, um meio de encorajar e orientar inovações no campo das edificações e no desenvolvimento de novos produtos.Outros veem, no conceito, uma forma de fixar claramente o que se espera em termos de desempenho de um produto manufaturado, possibilitando benefí- cios econômicos e incrementos de qualidade quando da tomada de decisões (9). Outros grupos ainda veem, no conceito, uma boa base para elaboração de normas funcionais e de códigos de obras (10). Alguns institutos de pesquisa têm se utilizado também do conceito de desempenho para implantar sistemáticas de controle da qualidade de novos componentes e sistemas cons- trutivos (11, 12). É o caso do Centre Scientifique et Technique du Bâtiment (CSTB) na França e de outros institutos europeus e americanos. Ressaltam-se, como exemplos recentes de aplicação do conceito de desempenho, o caso da Operação Breaktrough nos EUA, coordenada pelo National Bureau of Standards (NBS), onde foram avaliados, à luz do conceito, inúmeros sistemas construtivos inovadores volta- dos para construção de habitações (13), e a edição da série de documentos técnicos Guide de Performance du Bâtiment pelo Centre Scientifique Technique de La Construcion (CSTC) da Bélgica, fixando as condições mínimas exigíveis para o edifício e suas partes (14). Em 1977, em Otaniemi, Finlândia, um segundo simpósio internacional sobre o assun- to foi realizado, versando sobre a avaliação de desempenho de vedações verticais externas utilizadas em edifícios. Em abril de 1982, em Lisboa, Portugal, teve lugar o terceiro simpósio internacional sobre o conceito de desempenho, visando, desta vez, discutir os progressos havidos na conceituação e sua aplicação à recuperação de edifícios deteriorados física e fun- cionalmente (15). Dentro do CIB foi criada, em 1970, a comissão de trabalho CIB/W60 – The Performan- ce Concept in Building, com a tarefa inicial de estabelecer uma estrutura conceitual e uma terminologia sobre o desempenho dos edifícios, que pudesse ser adotada a nível internacional, bem como promover a troca de experiências entre os vários organismos que estudam o assunto. A comissão CIB/W60 publicou, desde sua criação, seis documentos sobre o conceito de desempenho aplicado aos edifícios (3, 16, 17, 18, 19, 20) e hoje a atenção está voltada, princi- palmente, para os seguintes aspectos: 16 17 a. Como estabelecer, para os produtos utilizados no edifício, um processo racional e objetivo para definição das condições qualitativas e quantitativas a serem atendidas; b. Como trabalhar com desempenho ao longo do tempo – durabilidade – dentro da estrutura proposta pelo conceito; c. Qual a relação dos ensaios e medidas realizadas sobre o produto visando prever seu desempenho potencial, com as reais condições de exposição a que o produto estará submetido ao longo de sua vida útil e como devem ser interpretados os resultados destes ensaios e medidas para efeito de avaliação; d. Como tornar viável a aplicação prática do conceito de desempenho, sem que resultem documentos excessivamente extensos e sem que a sistemática de avaliação de desempenho seja proibitiva em termos dos custos envolvidos. Ainda a nível internacional, na área de normalização de desempenho do edifí- cio e de suas partes, importante trabalho vem sendo conduzido, desde 1979, pela In- ternational Organization for Standadization (ISO) através de seu comitê ISO/TC59. Destacam-se, do trabalho já efetuado pelo comitê, a norma ISO 6240 (21) e o projeto de norma ISO/DP 6241 (22) que tratam, respectivamente, do conteúdo e apresentação das normas de desempenho voltadas para os edifícios, e dos princípios e fatores que devem ser considerados na preparação de tais normas. O comitê está atualmente aplicando esses documentos a partes específicas do edi- fício de forma a uniformizar a abordagem dos vários países membros da ISO, que es- tão desenvolvendo sua normalização calcada no conceito de desempenho. Ressaltam- se, neste sentido, os projetos de norma destinados a fachadas, coberturas e divisórias internas de edifícios (23, 24, 25). No Brasil, embora as questões relativas ao conceito de desempenho tenham sido abordadas a nível geral por Rosso (10, 11) na década de 70, a aplicação prática do con- ceito foi feita pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) no desenvolvimento da normalização de componentes utilizados na construção de habitações e no estabelecimento de diretrizes para a avaliação de desempenho de soluções inovadoras para habitações térreas unifamiliares, trabalhos estes elaborados para o BNH e que resultaram em textos normativos e documentos técnicos contidos nas séries: “Normalização de Interesse da Construção de Habitação” (26) e “Avalia- ção de Desempenho de Habitações Térreas Unifamiliares” (27). A conceituação e a metodologia básica, adotadas para o desenvolvimento dos tra- balhos do IPT, assim como algumas considerações sobre os resultados obtidos nestas pesquisas, encontram-se discutidos em dois artigos técnicos elaborados pelo autor do presente trabalho (28, 29). 19 3. METODOLOGIA PARA APLICAÇÃO DO CONCEITO DE DESEMPENHO À AVALIAÇÃO DO EDIFÍCIO E SUAS PARTES A metodologia básica para aplicação do conceito de desempenho à avaliação do edifício e suas partes implica, inicialmente, em definir condições qualitativas e quantitativas a serem atendidas. Tais condições, denominadas requisitos de desempenho e critérios de desempenho, respectivamente, são fixadas em função das exigências do usuário a serem satisfeitas pelo edifício, e das condições de exposição a que ele está submetido. Em um segundo momento, faz-se necessário estabelecer os métodos de avaliação que permitam verificar se os produtos em estudo atendem àquelas condições estabe- lecidas inicialmente. Esquematicamente, esta metodologia é ilustrada no quadro abaixo: EDIFÍCIO E SUAS PARTES CRITÉRIOS DE DESEMPENHO MÉTODOS DE AVALIAÇÃO REQUISITOS DE DESEMPENHO EXIGÊNCIAS DO USUÁRIO CONDIÇÕES DE EXPOSIÇÃO Figura 1 – Metodologia de avaliação de desempenho 20 21 3.1. O EDIFÍCIO E SUAS PARTES Na aplicação do conceito de desempenho, a primeira caracterização a ser feita diz respeito ao uso do edifício em estudo, o que orienta a definição das exigências espe- cíficas do usuário a serem satisfeitas e das condições particulares de exposição. A tal uso estão associados determinados espaços nos quais se desenvolvem as ati- vidades previstas e partes do edifício destinadas a cumprir funções específicas. A título de ilustração, é apresentada, na Tabela 1, uma classificação relacionando usos e espaços do edifício, elaborada a partir da norma ISO/DP 6241. TABELA 1 – USOS E ESPAÇOS DE EDIFÍCIOS Uso EXEMPLOS DE ESPAÇOS Exemplos de edifícios Transporte (de pessoas, defluidos, etc.) Poço do elevador, garagem Estação rodoviária, Posto de gasolina Indústria (trabalho manual, produção, etc.) Oficina, hall de produção, laboratório Fábrica, Edifício de laboratório Escritório, comércio Escritório, loja Edifício de escritórios, Supermercado Cuidados médicos Sala de operação, de consulta, de raio x Hospital, Posto de saúde Esportes Hall de ginástica, piscina, sala de jogos Ginásio esportivo, Atelier de dança Cultura Sala de encontros, de shows, de exibições, de documentação, auditório Escola, Igreja, Teatro Habitação Quarto, sala Casa, Edifício de apartamentos Circulação Corredor, escada Passagem coberta Abastecimento Cozinha, refeitório Restaurante Higiene Banheiro, WC Lavatórios públicos Limpeza, manutenção Lavanderia, quarto de manutenção Lavanderia pública Armazenagem Salas de armazenagem Silos No que se refere às partes do edifício, utilizando-se de um critério funcional,pode-se obter urna classificação para as mesmas. O edifício, como já visto anteriormente, caracteriza-se como um produto cuja fun- ção é a de satisfazer as exigências do usuário. Este grande produto pode ser dividido em elementos e instalações, caracterizados por produtos que correspondem a partes do edifício e são destinados a cumprir um conjunto amplo de funções, atendendo a uma ou mais exigências do usuário (27). Incluem-se, neste caso, a estrutura, a cobertura, a instalação elétrica, a instalação hidráulica, etc. Tais elementos e instalações, por sua vez, são formados por componentes, caracteriza- dos por produtos que correspondem a partes dos elementos e instalações do edifício, sendo eles destinados a cumprir, individualmente, funções específicas (janelas, portas, pilares, torneiras, disjuntores, etc.); e por materiais, que são produtos formados por ligas, por com- postos ou por complexos químicos, cuja correspondência com funções específicas é deter- minada apenas na ocasião de sua aplicação (cola, aço, concreto, madeira, tinta, etc.) (27). Ressalta-se que as classificações quanto às partes do edifício apresentam ligeiras variações na documentação técnica internacional sobre o assunto. As Masters Lists do CIB (30) arrastam consigo uma classificação semelhante à adotada anteriormente: edifícios, elementos, componentes, materiais e instalações. A norma ISO/DP 6241 (22) aplica o termo componente de forma idêntica ao aqui adotado e não define os termos material e edifício, mas introduz o termo subsiste- ma para designar um conjunto de partes do edifício, que preenche uma ou várias fun- ções, e utiliza o termo elemento para designar um agregado de componentes usados em conjunto independentemente da sua função. O mesmo critério é adotado pela comissão de trabalho CIB/W24 Modular Cordi- nation quanto aos termos subsistema, elemento e componente, sendo que tal co- missão trabalha também com os termos edifício e material e introduz ainda o termo produto básico para designar componentes que servem a várias finalidades (tubos, perfis, barras de aço, etc.). Na Tabela 2, é apresentada uma síntese dos termos adotados pelos vários documen- tos citados e aqueles propostos neste trabalho. Quanto aos elementos e instalações do edifício, é apresentada, na Tabela 3, uma lis- tagem que auxilia na identificação das várias partes do edifício, para fins de aplicação do conceito de desempenho. 22 23 TABELA 2 – CLASSIFICAÇÃO PROPOSTA PARA O EDIFÍCIO E SUAS PARTES PROPOSTAS DA DOCUMENTAÇÃO INTERNACIONAL PROPOSTAS DO PRESENTE TRABALHOCIB/MASTER LISTS CIB/W24 ISSO DP/6241 Edifício Edifício Sub-Sistemas Edifício Elementos Sub-Sistemas Elementos Elementos/Instalações Instalações Elementos Componentes Componentes Componentes Componentes Materiais Materiais Produtos Básicos Materiais TABELA 3 – ELEMENTOS E INSTALAÇÕES DO EDIFÍCIO 1. ESTRUTURA 1.1 Fundações 1.2 Estrutura portante 2. VEDAÇÕES VERTICAIS 2.1 Vedações verticais externas (Fachadas) 2.2 Vedações verticais internas 3. VEDAÇÕES HORIZONTAIS 3.1. Vedações horizontais externas (Coberturas, Pisos externos) 3.2 Vedações horizontais internas (Forros, Pisos internos) 4. ESCADAS E RAMPAS DE ACESSO 4.1 Escadas e rampas de acesso externas 4.2 Escadas e rampas de acesso internas 5. INSTALAÇÕES 5.1 Instalações de distribuição e evacuação de águas 5.2 Instalações elétricas 5.3 Instalações térmicas e de ventilação 5.4 Instalação de distribuição de gás 5.5 Instalação de telecomunicações 5.6 Instalação de transporte eletromecânico 5.7 Instalação de segurança (para-raios, contra incêndios, contra intrusões) 3.2. EXIGÊNCIAS DO USUÁRIO As exigências do usuário são entendidas como o conjunto de necessidades a se- rem satisfeitas pelo edifício a fim de que este cumpra sua função (29). Essas exigências dependem da finalidade para a qual o edifício é construído – seu uso – e para cada família de edifícios – escolas, hospitais, habitações, etc. – haverá um conjunto de necessidades comuns a serem satisfeitas. Na definição destas exigências, além das necessidades dos ocupantes do edifício, outras podem entrar em jogo: dos órgãos de financiamento, das companhias de segu- ro, dos proprietários, da vizinhança e outros segmentos que podem ser afetados pelo planejamento, projeto, execução e utilização do edifício. Para os edifícios cuja finalidade é abrigar e possibilitar o exercício de atividades específicas do ser humano, as exigências do usuário podem ser expressas como exi- gências humanas a serem satisfeitas. Várias são as abordagens das exigências humanas na edificação, sendo objeto de um maior detalhamento, no atual estágio dos conhecimentos, as exigências relativas à habitação. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) (32), as exigências humanas consi- deradas são aquelas relacionadas à salubridade do edifício; entendidas no seu sen- tido amplo: não apenas as exigências que previnem o usuário de enfermidades ou acidentes, mas também aquelas relacionadas à saúde mental e ao bem estar social do usuário. A contribuição da OMS para a definição das exigências humanas na habitação tem sido dada via publicações de especialistas sobre o assunto, dos quais podemos destacar o trabalho de Goromosov (33), que discute as questões do ar ambiente, micro- clima, iluminação e conforto das habitações; e o trabalho do Comitê de Especialistas em Higiene da Habitação, (34) que fixa os critérios fundamentais de salubridade aplicáveis ao meio residencial. Uma abordagem das exigências humanas que nos parece objetiva e abrangente é aquela utilizada por Blachêre (35, 36, 37), também utilizada pelo CIB através da sua comissão de estudos CIB/W45, formada por especialistas de várias partes do mundo e que têm se preo- cupado com a definição qualitativa e quantitativa das exigências humanas (38, 39). Segundo tal abordagem, as exigências podem ser agrupadas em fisiológicas, psi- cológicas, sociológicas e econômicas. Merece destaque, dentro dessa abordagem, a “Liste de Exigences Humaines em Matiere de Logement”, publicada pela comissão W45 do CIB (38), e a lista de exigências do usuário contida na norma ISO/DP 6241 (22). 24 25 Ressalta-se que a correta identificação das exigências do usuário é uma das bases funda- mentais para aplicação do conceito de desempenho. Para tal, dependendo da especificidade do caso em estudo, os seguintes aspectos devem ser considerados: a. As limitações e peculiaridades de cada região e população às quais se destina o edifício; b. Os recursos disponíveis para a execução do edifício, sejam eles financeiros ou tecnológicos; c. Dentre as exigências humanas, há aquelas de caráter absoluto e que devem ser satisfeitas integralmente, a partir de mínimos aceitáveis, e aquelas de caráter relativo, para as quais é possível estabelecer uma correlação entre os níveis de satisfação e os custos associados. Na Tabela 4, é apresentada uma lista de 14 exigências do usuário julgadas aplicáveis aos edifícios e que serve como orientação em aplicações do conceito de desempenho. A lista- gem foi elaborada a partir da norma ISO/DP 6241. Em seguida, cada exigência é comentada qualitativamente. TABELA 4 – EXIGÊNCIAS DO USUÁRIO 1. Exigências de segurança estrutural. 2. Exigências de segurança ao fogo. 3. Exigências de segurança à utilização. 4. Exigências de estanqueidade. 5. Exigências de conforto higrotérmico. 6. Exigências de pureza do ar. 7. Exigências de conforto visual. 8. Exigências de conforto acústico. 9. Exigências de conforto tátil. 10. Exigências de conforto antropodinâmico. 11. Exigências de higiene. 12. Exigências de adaptação à utilização.13. Exigências de durabilidade. 14. Exigências de economia. 3.2.1. Exigências de segurança estrutural Estão associadas à necessidade da estrutura e demais elementos do edifício não atingirem o estado limite último, correspondente à ruína do elemento ou parte dele, seja por ruptura, deformação excessiva ou perda de estabilidade, e o estado limite de utilização, em que o elemento ou parte dele deixa de satisfazer as condições previstas para sua utilização ou tem sua durabilidade comprometida, seja por fissuração excessiva ou por deformações que ultra- passem os limites aceitáveis para utilização do elemento. Estes estados não devem ser atingidos quando o edifício estiver sujeito a solicitações es- táticas e dinâmicas de serviço, agindo tanto isolada como combinadamente e a solicitações cíclicas que possam levar à fadiga. 3.2.2. Exigências de segurança ao fogo Podem ser traduzidas pelas necessidades de: • Limitação do risco de início de incêndio dentro do próprio edifício, o que é função do nível de risco dos equipamentos existentes, que podem ser fontes acidentais de fogo, e das características de reação ao fogo dos materiais constituintes do edifício; • Limitação do risco de propagação do fogo, da fumaça e de gases tóxicos gerados, caso ocorra o incêndio. Quando se trata de propagação entre ambientes do edifício, tal exi- gência implica em fixar para os seus componentes e elementos características especiais quanto à resistência ao fogo, visando compartimentar o foco de incêndio no recinto onde foi gerado; e, para os materiais constituintes, em fixar características especiais quanto à reação ao fogo. Quando se trata de propagação entre edifícios, há implicações quanto à implantação dos mesmos e quanto às características de suas vedações externas ou pare- des que separam edifícios; • Garantia de alerta e fuga dos ocupantes do edifício em caso de incêndio, seja por seus próprios meios ou graças a auxílio exterior, implicando na existência de sistemas de de- tecção e alarme e de rotas de escape dos usuários para compartimentos seguros no inte- rior do edifício ou para o exterior; • Disponibilidade de sistemas de extinção de incêndio internos e externos ao edifício, vi- sando, o mais rapidamente possível e com segurança, o combate ao fogo. 26 27 3.2.3. Exigências de segurança à utilização Estão relacionadas à necessidade de: • Segurança na circulação e movimentação no edifício, implicando em limitações da inclinação e atrito dos pisos, na inexistência de ressaltos em pisos, tetos e paredes, em níveis de luminância mínimos em áreas de circulação e na existência de dispositivos que impeçam quedas acidentais de andares elevados e permitam que as operações de limpeza sejam feitas de forma segura; • Segurança para evitar que os equipamentos e instalações provoquem explosões, asfixias, queimaduras, cortes, choques, radioatividade e infecções e que, em contato com eles, inale-se substâncias venenosas. • Segurança contra intrusões de animais ou homens. 3.2.4. Exigências de estanqueidade Três exigências estão envolvidas: • Estanqueidade ao ar, implicando em limitar a permeabilidade ao ar da envoltória externa do edifício, de forma a não permitir a ocorrência de correntes de ar frio que prejudiquem o conforto do usuário, e a limitar as perdas de calor do interior para o exterior devido às frestas, especialmente em situações críticas de inverno; • Estanqueidade à água proveniente da chuva, à água existente no solo, às águas de abasteci- mento e de lavagem e às águas servidas. Esta exigência aplica-se à envoltória externa do edi- fício (fachadas, coberturas e pisos), às áreas internas molháveis e as instalações hidráulicas; • Estanqueidade às poeiras e aos materiais sólidos, aos insetos e aos animais nocivos de peque- no porte. Esta exigência aplica-se às fachadas, coberturas, pisos e às instalações do edifício. 3.2.5. Exigências de conforto higrotérmico As exigências de conforto higrotérmico visam limitar as sensações desagradáveis provo- cadas pela perda excessiva de calor pelo corpo, pela desigualdade de temperatura entre as diversas partes do corpo, pela dificuldade de eliminar o calor produzido pelo organismo e pela presença de superfícies frias e/ou molhadas. Estas exigências são fixadas para duas situações: inverno e verão. No que se refere ao edi- fício, são traduzidas pela limitação da temperatura do ar interior; da temperatura radiante orientada; da diferença entre a temperatura radiante média dos ambientes e a temperatura do ar; da diferença entre as temperaturas superficiais dos componentes e a temperatura do ar e pelo controle de ventilação, da condensação superficial e da condensação no interior dos componentes do edifício. 3.2.6. Exigências de pureza do ar Estão associadas, basicamente, à necessidade de garantir a pureza do ar no interior do edifício e de controlar os odores provenientes da construção ou das atividades conduzidas pelos seus ocupantes. Para o edifício, tal exigência é traduzida por taxas de ventilação mínimas a serem fixa- das, objetivando: a limitação da concentração de gás carbônico; a garantia de uma taxa de oxigênio mínima à respiração; a garantia de dissipação dos odores produzidos e a garantia de remoção do monóxido de carbono gerado internamente. Neste último caso, em que o gás é gerado pela queima de combustíveis, além da taxa de ventilação, devem ser previstos dispositivos especiais (chaminés) para evacuar os subprodutos da queima. 3.2.7. Exigências de conforto acústico As seguintes exigências devem ser consideradas: • Exigências relativas ao nível sonoro aceitável para as várias atividades desenvolvidas no interior do edifício (trabalho intelectual, trabalho braçal, repouso diurno, sono, etc.); • Exigências relativas aos ruídos de impactos provenientes de paredes laterais ou lajes do edifício, em particular os atos de caminhar; • Exigências relativas aos ruídos de equipamentos exteriores ao edifício e mesmo aos equi- pamentos coletivos (canalizações de água, elevadores, caldeira, ar condicionado, etc.); • Exigências relativas aos ruídos de tráfego terrestre e aéreo; • Exigência de sonoridade, que se exprime em tempo de reverberação dos compartimentos, relevante em edifícios destinados a finalidades específicas (teatro, cinema, música, etc.); 28 29 • Exigências de intimidade, traduzindo uma exigência de natureza psicossociológica, onde objetiva-se evitar a inteligibilidade da conversa de um edifício para outro. Pode ser traduzida por uma necessidade de isolação. 3.2.8. Exigências de conforto visual Estão associadas às necessidades de: • Usufruir de luz para ver o que se faz sem fadiga ou se deslocar sem perigo. Esta neces- sidade é traduzida por: níveis de luminância mínimos para as várias atividades condu- zidas no interior do edifício; limitação da luminância máxima nos planos de trabalho e dos contrastes de luminância para se evitar o ofuscamento; garantia de estabilidade da luminância, limitando-se, para tal, a relação entre a luminância máxima instantânea e a luminância média, e garantia de estabilidade do espectro de luz da fonte luminosa. Estas exigências devem ser consideradas para a iluminação natural e artificial, tanto isolada- mente quanto para sistemas que envolvam ambos os tipos de iluminação; • Obscuridade para o sono, limitando-se a iluminância que deve incidir sobre as pálpebras; • Qualidade do que se vê no edifício. Embora pouco conhecida, esta exigência está associada ao fato do homem ser sensível ao espaço interior do edifício do ponto de vista dimensio- nal – dimensão mínima do pé direito, relação máxima entre comprimento e largura de compartimentos – e também à qualidadedas superfícies dos compartimentos: cor, textura, regularidade, verticalidade, horizontalidade, etc. Nesta exigência, está englobada também a necessidade do homem travar contato visual com o mundo exterior ao edifício. 3.2.9. Exigências de conforto tátil São exigências de ordem bastante geral e visam evitar o contato da pele com superfícies demasiado rugosas, cortantes ou viscosas e com superfícies quentes, úmidas ou molhadas. 3.2.10. Exigências de conforto antropodinâmico Podem ser traduzidas pelas necessidades de: • Limitação de acelerações e vibrações – transientes e contínuas – provocadas pela ação do vento ou de equipamentos, abrigados ou não pelo edifício, e às quais o corpo humano é sensível; • Conforto nas operações de manobra dos vários componentes do edifício – portas, jane- las, registros, torneiras, equipamentos elétricos, etc. –, conforto no caminhar, deslocan- do-se horizontal e verticalmente, implicando em limitações na inclinação de rampas e nas dimensões de degraus de escadas. 3.2.11. Exigências de higiene As exigências de higiene visam garantir que o edifício seja construído e equipado de forma que a saúde do usuário não fique prejudicada por efeitos provenientes do uso normal do edifí- cio. Nesse sentido, as exigências de estanqueidade, conforto higrotérmico, pureza do ar, confor- to visual e conforto acústico podem ser parcialmente consideradas como exigências de higiene. Especificamente nesse grupo, podem ser consideradas as necessidades de: • Abastecimento de água potável, para consumo humano, em quantidade necessária a atender a demanda dos usuários e com condução e armazenamento tal que a água não seja contaminada por micro-organismos patogênicos ou substâncias tóxicas; • Evacuação das águas servidas, esgotos e lixos provenientes das atividades conduzidas no in- terior do edifício, a fim de se eliminar o risco de disseminação de agentes patogênicos, acu- mulação e fermentação de materiais e desprendimento de gases nocivos ou mal cheirosos; • Existência de instalações apropriadas que possibilitem a satisfação das necessidades fi- siológicas e de higiene pessoal do usuário; • Existência, no caso de edifícios destinados à habitação, de recintos e equipamentos ade- quados para lavagem de roupas e louças e para estocar, preparar e consumir os alimentos. No caso de outros edifícios – hospitais, escolas, fábricas, escritórios, etc. – recintos e equipamentos específicos devem ser previstos; • Limpeza e desinfecção do edifício, especialmente de seus revestimentos interiores, a um pequeno custo e sem que haja danos para a construção. 3.2.12. Exigências de adaptação à utilização Têm um caráter psicossociológico acentuado e, embora formuladas de forma genérica, são bastante relevantes quando se trata do desempenho de edifícios. Dois aspectos são destacados: 30 31 • A adequação dos recintos do edifício quanto ao seu número, tamanho, geometria, subdi- visão e inter-relação, tendo em vista as necessidades dos usuários; • A possibilidade de instalação e uso dos equipamentos necessários às atividades conduzi- das no edifício (eletricidade com potência suficiente, pontos de telefone em número sufi- ciente, recintos com dimensões adequadas à colocação de móveis e equipamentos, etc.). 3.2.13. Exigências de durabilidade A exigência básica do usuário quanto à durabilidade é a conservação do desempenho do edifício ao longo de sua vida útil, de forma que todas as exigências, inicialmente fixadas, con- tinuem sendo satisfeitas durante o período previsto para sua utilização, estando o edifício em condições normais de uso e submetido aos serviços normais de manutenção e reposição. De uma forma mais específica, a exigência de durabilidade pode ser traduzida, quanto às partes do edifício, considerando as necessidades de: • Limitação do nível de degradação de materiais e componentes quando submetidos à ação acelerada dos agentes agressivos, atuantes e provenientes da atmosfera, do solo e da própria utilização do edifício; • Impedir a utilização conjunta de materiais físico-quimicamente incompatíveis e de de- talhes construtivos que possam contribuir para a deterioração e consequente diminui- ção da vida útil dos componentes e elementos do edifício. 3.2.14. Exigências de economia Dada a diversidade de situações socioeconômicas e as especificidades dos programas de construção, as exigências de economia são formuladas de maneira genérica e envol- vem, fundamentalmente, a adequação do custo global do edifício à disponibilidade de recursos financeiros de seus proprietários/locatários/usuários. O custo global é entendido como o custo inicial da obra, somado aos custos de manu- tenção e reposição, acrescidos, ainda, dos custos de operação do edifício – custos relativos ao consumo de água, de energia elétrica, etc. Nesse sentido, além da acessibilidade ao custo inicial, ressalta-se que os custos de manutenção e reposição devem ser pouco onerosos e con- venientemente espaçados no tempo, assim como os custos de operação devem ser os meno- res possíveis, obviamente estando garantida a satisfação das demais exigências do usuário. 3.3. CONDIÇÕES DE EXPOSIÇÃO Conforme já mencionado anteriormente, as condições de exposição, a que está sub- metido um produto, serão entendidas como o conjunto de ações atuantes sobre este durante sua vida útil. Ressalta-se que, para cada uma das exigências do usuário a serem satisfeitas, correspon- derá um conjunto de condições de exposição a se considerar, sendo as ações atuantes de origem natural ou devidas à própria utilização e concepção do edifício. Assim, no caso da exigência de conforto higrotérmico, as condições de exposição serão ca- racterizadas pelo conjunto de variáveis climáticas que ocorrem no período de verão e inverno numa dada região. Esse conjunto de variáveis é composto por: temperatura do ar, umidade relativa, insolação, radiação solar, ventos e precipitações. Ao se partir dos valores que tais vari- áveis assumem, no período mais frio e no período mais quente do ano, pode-se identificar as zonas climáticas de verão e inverno, ou seja, regiões que, para efeito de avaliação do desempe- nho higrotérmico de uma edificação, apresentam características climáticas semelhantes (39). Já no caso da exigência de segurança estrutural, as condições de exposição serão caracte- rizadas pelas sobrecargas normais e acidentais de utilização do edifício, pela ação do vento, pelos recalques da fundação, pelas vibrações e pelas variações de temperatura e umidade, que originam movimentações da própria estrutura ou de elementos a ela justapostos (28). Ressalta-se, como fundamental para aplicação do conceito de desempenho, a correta ca- racterização das condições de exposição a que está submetido o edifício, pois muitos dos limites quantitativos a serem fixados para o comportamento do produto – assim como os métodos de avaliação, notadamente aqueles que simulam tais condições através de ensaios – serão definidos a partir desta caracterização. A complexidade para a caracterização das condições de exposição varia em função da exigência do usuário em abordagem. Quanto à segurança estrutural, muitas destas condições já estão normalizadas (sobrecargas de utilização, ação do vento, etc.), sendo que, para outras exigências, necessita-se de um cui- dado mais apurado nesta caracterização. Em certos casos, como de durabilidade, por exemplo, onde estão envolvidas correlações entre envelhecimento natural e artificial para definição de ensaios acelerados, são necessários estudos mais aprofundados sobre a questão. A título de orientação, é apresentada na Tabela 5 uma listagem qualitativa dos principais agentes que atuam sobre o edifício, classificando-os quantoa sua natureza e origem. A ta- bela foi construída a partir da norma ISO/DP 6241. 32 33 TABELA 5 – AGENTES ATUANTES NO EDIFÍCIO EXTERIOR À EDIFICAÇÃO INTERIOR À EDIFICAÇÃO NATUREZA/ ORIGEM ATMOSFERA SOLO IMPOSTOS PELA OCUPAÇÃO CONSEQUÊNCIAS DA CONCEPÇÃO 1. AGENTES MECÂNICOS 1.1 Gravidade • Cargas de neve, água e chuva • Pressão do solo, de água • Sobrecarga de utilização • Cargas permanentes 1.2 Forças e deformações impostas • Pressão de gelo, dilatações térmica e higroscópica • Escorregamentos, recalques • Esforços de manobra • Retrações, fluência, forças e deformações impostas 1.3 Energia cinética • Vento, granizo, choques exteriores • Choques interiores, abrasão • Impactos de corpo mole 1.4 Vibrações e ruídos • Ruídos exteriores • Sismos • Vibrações exteriores • Ruídos interiores • Vibrações interiores • Ruídos da edificação Vibrações da edificação 2. AGENTES ELETROMAGNÉTICOS 2.1 Radiação • Radiação solar • Lâmpada, radiação nuclear • Painel radiante 2.2 Eletricidade • Raios • Correntes parasitárias • Correntes de distribuição 2.3 Magnetismo • Campos magnéticos • Campos magnéticos 3. AGENTES TÉRMICOS • Reaquecimento, congelamento Choque térmico • Reaquecimento, congelamento • Calor emitido, cigarro • Aquecimento, fogo 4. AGENTES QUÍMICOS 4.1 Água e solventes • Umidade do ar, condensação, precipitação • Água de superfície • Água subterrânea • Ações de lavagem com água, condensações, detergentes, álcool • Águas de distribuição, águas servidas, infiltrações 4.2 Oxidantes • Oxigênio, ozônio, óxidos de nitrogênio • Hipoclorito de sódio (água de lavadeira) • Água oxigenada • Potenciais eletroquímicos positivos 4.3 Redutores • Sulfetos • Agentes combustíveis • Amônia • Agentes combustíveis • Potenciais eletroquímicos positivos 4.4 Ácidos • Ácido carbônico, • Excrementos de pássaros, Ácido sulfúrico • Ácido carbônico • Ácidos húmicos • Vinagre, ácido cítrico • Ácido carbônico • Ácido sulfúrico • Ácido carbônico 4.5 Bases • Cales • Soda cáustica, hidróxido de potássio, hidróxido de amônio • Soda cáustica, cimentos 4.6 Sais • Névoa salina • Nitratos, fosfatos, cloretos, sulfatos • Cloreto de sódio • Cloreto de cálcio, sulfatos, gesso 4.7 Matérias inertes • Poeira • Calcário, sílica • Gorduras, óleos, tintas, poeira • Gorduras, óleos, poeira, sujeira 5. AGENTES BIOLÓGICOS 5.1 Vegetais • Bactérias, grãos • Bactérias, fungos, cogumelos, raízes • Bactérias, plantas domésticas 5.2 Animais • Insetos, pássaros • Roedores, vermes • Animais domésticos 34 35 A seguir, para cada uma das exigências selecionadas e considerando os correspondentes grupos de agentes atuantes, pode-se derivar os requisitos pertinentes, listando-os e enun- ciando-os qualitativamente. Exemplificando para o caso de divisórias internas não portantes, para utilização em edifícios de escritórios, as exigências do usuário aplicáveis seriam: EXIGÊNCIAS DO USUÁRIO M segurança estrutural; M segurança ao fogo; M conforto acústico; M conforto tátil; M adaptação à utilização; M durabilidade; M economia. Os agentes atuantes, por sua vez, seriam: AGENTES MECÂNICOS M peso próprio; M cargas suspensas; M vento; M impactos; M ruídos provenientes dos locais vizinhos; M vibrações do edifício; M estrutura e demais elementos. AGENTES TÉRMICOS M focos acidentais de fogo; M variações de temperatura e umidade relativa. AGENTES QUÍMICOS M potenciais eletroquímicos positivos ou negativos; M água e umidade; M produtos de limpeza. AGENTES BIOLÓGICOS M insetos e bactérias. Nessa tabela, os agentes são listados de acordo com sua natureza e não de acordo com a natureza das suas ações sobre o edifício e suas partes. Assim, são englobados: M Agentes mecânicos; M Agentes térmicos; M Agentes eletromagnéticos; M Agentes químicos; M Agentes biológicos. A origem dos agentes pode estar no exterior do edifício, ser proveniente da atmos- fera ou do solo e ser provocada por fenômenos naturais ou pelo próprio homem. Pode estar também no interior do edifício e ser consequência da utilização de seus espaços ou decorrente de sua própria concepção. 3.4. REQUISITOS E CRITÉRIOS DE DESEMPENHO Caracterizado o uso do edifício e as partes deste que serão objeto da avaliação e identi- ficadas, as exigências do usuário a serem satisfeitas e as condições de exposição atuantes, a etapa seguinte da metodologia de aplicação do conceito de desempenho é o estabeleci- mento dos requisitos e critérios de desempenho a serem atendidos pelo produto, seja ele o próprio edifício, ou um de seus elementos ou componentes. Os requisitos de desempenho serão entendidos como as condições qualitativas às quais um produto deve atender quando submetido às condições de exposição, a fim de que sejam satisfeitas as exigências do usuário (29). Os critérios de desempenho, por sua vez, serão entendidos como as condições quanti- tativas às quais um produto deve atender quando submetido às condições de exposição, a fim de que sejam satisfeitas as exigências do usuário (29). Os critérios traduzem-se, na verdade, pela quantificação dos requisitos antes expressos qualitativamente. A listagem e a enunciação qualitativa dos requisitos de desempenho são as primeiras tarefas nesta etapa da metodologia. Para tal, são inicialmente selecionadas, a partir das listagens indicadas nas Tabelas 4 e 5, as exigências do usuário e os agentes que são aplicáveis ao produto em análise, tendo em conta a função específica que este produto ocupa no edifício e seu uso. 36 37 A listagem dos requisitos seria, então, expressa pelos seguintes pontos: SEGURANÇA ESTRUTURAL 1. Resistência às cargas impostas pela estrutura e demais elementos; 2. Resistência aos impactos de corpo mole; 3. Resistência aos impactos de corpo duro; 4. Resistência aos impactos de porta; SEGURANÇA AO FOGO 5. Reação ao fogo; 6. Resistência ao fogo; CONFORTO ACÚSTICO 7. Isolação aos ruídos aéreos; 8. Comportamento aos ruídos de impacto; 9. Absorção acústica; CONFORTO TÁTIL 10. Planitude da superfície; 11. Aspereza da superfície; ADAPTAÇÃO À UTILIZAÇÃO 12. Aptidão para receber fixação de cargas suspensas; 13. Aptidão para receber componentes de instalações em seu corpo; 14. Aptidão para receber acabamentos diferenciados; DURABILIDADE 15. Variações dimensionais sob efeito de temperatura; 16. Variações dimensionais sob efeito da umidade; 17. Comportamento do acabamento a agentes de limpeza; 18. Compatibilidade físico-química de materiais utilizados conjuntamente; 19. Comportamento sob ação biológica acelerada (quando aplicável); ECONOMIA 20. Limitação e espaçamento, ao longo do tempo, dos custos de manutenção e reposição. Cada um destes requisitos seriam, a seguir, enunciados qualitativamente, estabelecen- do-se as condições a serem atendidas pelo produto. Como exemplo, para dois dos vinte e um requisitos listados para a divisória: RESISTÊNCIA AOS IMPACTOS DE CORPO MOLE M A divisória deve resistir a impactos de corpo mole, provenientes da utilização do edifício, sem apresentar colapso total ou parcial, deflexões máximas e residuais excessivas, nem deteriorações localizadas de difícil reparo. ISOLAÇÃO ACÚSTICA M A divisória deve apresentar uma isolação acústica aos ruídos aéreos, tal que contribua para manter os níveis de ruído dos ambientes dentro de limites de conforto aceitáveis para as atividades conduzidas em seu interior. É fundamental a condução deste exercício da forma mais ampla possível, visando-se ob-ter uma listagem exaustiva de requisitos que, depois, possa ser priorizada em função da significância de cada um deles, ou de especificidades próprias da aplicação do conceito de desempenho que está sendo feita (19). Enunciadas as condições qualitativas a serem atendidas pelo produto, a tarefa seguinte é a de quantificação destas condições, estabelecendo-se, assim, os critérios de desempenho. Tal tarefa pressupõe que as exigências do usuário e as condições de exposição já estejam corretamente caracterizadas, inclusive quantitativamente, pois os critérios serão produto do cruzamento entre as exigências e as condições de exposição. Exemplificando para o caso do elemento cobertura, sendo a isolação térmica em uma situação de inverno o requisito a ser atendido. A exigência do usuário seria expressa em termos de uma temperatura mínima, que deve ser atendida no interior do edifício (ex.: 18 ºC); a condição de exposição seria expressa como a mé- dia das temperaturas mínimas no período de inverno, característica da região climática onde se encontra o edifício (ex.: 8 ºC); o critério de desempenho nasceria do cruzamento dessas duas situações e seria expresso em termos da resistência térmica a ser exigida da cobertura (28). O exemplo dado contém uma particularidade, que pode ser generalizada para outros ca- sos, qual seja a regionalização dos critérios, aspecto fundamental da aplicação do conceito de desempenho. 38 39 Ressalta-se que, embora os critérios de desempenho, na sua maioria, sejam expressos quanti- tativamente por níveis de comportamento do produto quando submetido às condições reais de utilização, ou a ensaios que reproduzem tais condições, alguns deles têm um caráter prescritivo, sendo expressos como recomendações que visam fazer com que o produto obedeça a certas regras de concepção e construção, aceitas como de bom funcionamento, algumas inclusive já normaliza- das. Referem-se a estas recomendações, por exemplo: diâmetros e declividades mínimas de tubu- lações em instalações hidráulicas; existência de dispositivos de proteção com certas característi- cas em instalações elétricas; compatibilidade físico-química de materiais usados conjuntamente. A seleção dos critérios de desempenho, a serem atendidos por um determinado produto, pode ser feita por vários métodos e processos, que guardam estreita relação entre si (20). A primeira forma de seleção tem caráter subjetivo e se assenta sobre o conhecimento e julgamento de um especialista ou na discussão e consenso de um grupo. É aplicável àqueles critérios que têm caráter prescritivo e são expressos através de recomendações, principal- mente aos critérios que abordam aspectos sobre os quais não se tem informações acumula- das, mas precisam ser definidos a curto prazo. Uma segunda forma de seleção dos critérios é aquela baseada na disponibilidade de mé- todos de ensaio já em utilização no campo da construção, que são analisados e selecionados por grupos de especialistas, fixando-se níveis de desempenho do produto quando subme- tido ao ensaio. Esse é o caso, por exemplo, do critério relativo à resistência à abrasão de revestimentos de piso, em que são disponíveis vários métodos de ensaio que dependem do tipo de material constituinte do revestimento, podendo-se selecionar um deles e fixar o ní- vel de desempenho desejado para o revestimento, considerando-se o uso previsto para este. A seleção, baseada na análise funcional do produto, é um terceiro método utilizado. Con- siste em definir as principais funções do produto e estabelecer uma lista ampla de critérios associados a tais funções, selecionando-os, em seguida, dentre esta gama de opções. O quarto método utilizado é aquele cuja seleção dos critérios é baseada no conhecimento do comportamento de produtos em uso. Esse conhecimento pode se dar através de: cata- logação de problemas patológicos ocorridos em edifícios durante a fase de uso; pesquisas junto aos fabricantes a fim de verificar os tipos de reclamações dos clientes sobre o produto; exposição do produto a condições naturais e análise do seu comportamento sob tais condi- ções (exposição ao envelhecimento natural de materiais plásticos, por exemplo); medidas das ações introduzidas no edifício pelo usuário e observação do comportamento do produ- to sob tais ações; análise estatística de resultados de ensaios efetuados em laboratórios, ve- rificando-se o perfil de comportamento de produtos em períodos de tempo determinados. O quinto método de seleção é baseado em estudos sistemáticos das exigências do usuário, em campo e em laboratório, transformando-os em critérios de desempenho, quando as conclusões destes estudos forem sendo obtidas. É um método aplicável quando não há informações acumuladas sobre determinada área e apoia-se em um pro- grama de pesquisa extenso e contínuo. Todos os cinco métodos descritos têm o objetivo fundamental de selecionar critérios que propiciem a satisfação das exigências do usuário e podem ser utilizados de forma diferenciada e combinada de acordo com o estado do conhecimento nos vários campos da ciência da construção (20). 3.5. MÉTODOS DE AVALIAÇÃO Os métodos de avaliação serão entendidos como técnicas uniformizadas que permitem ve- rificar se um determinado produto atende aos critérios de desempenho para ele fixados (29). 3.5.1. Ensaios e medidas Ressaltam-se dois tipos de ensaios e medidas: a. Ensaios e medidas para determinação de propriedades físicas e químicas de produtos São os ensaios e medidas já consagrados pelo uso no campo dos materiais de constru- ção e componentes das edificações. Caracterizam-se por permitir a determinação de pro- priedades definidas do produto em condições padronizadas de laboratório, não havendo correspondência entre os ensaios e as condições reais de exposição a que está submetido o produto durante sua vida útil. São conhecidos também como ensaios de caracterização. Os resultados desses ensaios, muitas vezes, não permitem uma verificação direta do atendimento ao critério de desempenho, mas fornecem dados para a operação de modelos de comportamento do produto, permitindo a condução de cálculos através dos quais aquela verificação é possível (vide item 3.5.2). Exemplos desses ensaios são: determinação da condutibilidade térmica de mate- riais, da absorção de água de revestimentos de piso, da resistência à compressão do concreto e da vazão de água da torneira. 40 41 b. Ensaios e medidas de desempenho São ensaios e medidas onde se tenta reproduzir as condições de exposição a que está submetido o produto de uma maneira simplificada e padronizada, permitindo a verifica- ção direta do atendimento ao critério de desempenho. A Figura 2, extraída do documento Working with the Performance Approach in Building (20), permite visualizar algumas condições de exposição que podem ser reproduzidas através de ensaios. Pela própria figura, observa-se que tais ensaios podem ser conduzidos em campo, ou seja, no próprio edifício, ou em laboratório, onde protótipos e amostras do produto são sub- metidos às verificações. Uma questão fundamental a ser ressaltada é relativa à validade do ensaio, ou seja, se existe relação entre o desempenho do produto nos ensaios e seu desempenho na prática. Neste as- pecto, é fundamental correlacionar cientificamente as condições de exposição reais e aquelas estabelecidas no ensaio, embora à custa de certo grau de simplificação e padronização. Para tal, faz-se necessário, quanto às condições de uso do edifício, investigações de cam- po visando quantificar as ações introduzidas pelo usuário. Já quanto às condições naturais de exposição, trabalhar com maior número de dados possíveis, tratando-os estatisticamen- te, a fim de estabeleceros valores significativos para as ações que se quer simular no ensaio. Para os ensaios de desempenho, assim como para os de caracterização, é de grande im- portância o atendimento às regras de repetitividade (*) e reprodutividade (**), aspecto fun- damental quando se trata de fins de aprovação de produtos (18, 20). M (*) REPETITIVIDADE (r) - Valor máximo esperado para a diferença entre pelo menos dois resultados, obtidos com a mesma amostra e o mesmo método sob as mesmas condições, tais como: mesmo operador, mesmo equipamento, mesma data para as replicações, mas que poderá ser diferente para as repetições (41). M (**) REPRODUTIVIDADE (R) - Valor máximo esperado para a diferença entre pelo menos dois resultados, obtidos com a mesma amostra e o mesmo método, sob condições diferentes, em laboratórios e datas diferentes, mas que poderá ser a mesma (41). Chuva e vento Fogo Impactos (corpo mole) Impactos (corpo duro) Carga estática Abrasão Ruídos Carga dinâmica Figura 2 – Exemplos de condições de exposições que podem ser reproduzidas por ensaios 42 43 Quanto à amostragem estatística, embora seja importante estabelecer uma relação entre a amostra, cujo desempenho é verificado pelo ensaio, e a população do produto, existem algumas limitações. O alto custo de alguns ensaios, a pouca disponibilidade de certos equipamentos mais sofisticados, as diferenças de montagem e acabamento entre os produtos veri- ficados em laboratório e os colocados em obra, muitas vezes impedem a condução de um número suficiente de ensaios, que permita estabelecer correlações significativas entre a amostra e a população. Devido à complexidade e ao alto custo dos ensaios de desempenho, não se recomenda usá-los para o controle de qualidade na produção, para o qual se necessitam ensaios sim- ples e de rápida execução. Abre-se a possibilidade, nesse caso, de estabelecerem-se, para produtos específicos, alguns ensaios simplificados para o controle de produção, derivados dos ensaios de desempenho e com os quais exista uma correlação direta (18). Um último aspecto a ressaltar diz respeito à relação entre o ensaio de desempenho e a natureza dos materiais utilizados nos componentes e elementos, existindo alguns ensaios que são específicos para determinados materiais, não se aplicando aos demais. A avaliação de materiais polímeros quanto à durabilidade é um exemplo: dispõe-se de uma série de mé- todos de ensaios acelerados para se proceder ao envelhecimento artificial, porém, a escolha do método apropriado vai depender do tipo de polímero, pois os mecanismos de degrada- ção do material são diferenciados para cada um destes tipos (18). 3.5.2. Cálculos e simulações Neste caso, um modelo teórico de comportamento do edifício ou de suas partes é adota- do e por via analítica, a partir de certas propriedades dos materiais e componentes consti- tuintes, assim como das condições de exposição. Estima-se tal comportamento e verifica-se se este satisfaz aos critérios de desempenho estabelecidos. Alguns exemplos: M O cálculo da temperatura do ar interior de uma habitação, feito a partir de um modelo de transmissão de calor que leva em conta as propriedades térmicas dos seus componentes e as condições climáticas da região onde será implantado no edifício; M O cálculo do tempo de evasão dos usuários de um edifício de escritórios em caso de incêndio, feito a partir do conhecimento das condições de ocupação de suas salas e dos tamanhos e disposições das rotas de escape previstas no projeto (22); M O cálculo da carga para a qual o estado limite de utilização é atingido em uma parede, baseado na resistência de seus materiais constituintes e na distribuição de tensões na parede. Da mesma forma que nos ensaios de desempenho, a validade do modelo teórico de com- portamento adotado, ou seja, sua relação com o real é o aspecto fundamental a se considerar. Para se definir o modelo, é necessário, primeiro, uma correta caracterização dos fenômenos físicos em questão e a utilização das técnicas adequadas de modelagem matemática. Antes de utilizá-lo como método de avaliação, ele deve ser aferido, devendo, para tal, realizar-se uma série de ensaios no produto em condições reais de exposição e operar-se o modelo para as mesmas condições. A consistência dos dados que vão alimentar o modelo – as propriedades do produto e as condições de exposição para as quais se quer verificar o seu comportamento – são também elementos indispensáveis para a utilização de tal método de avaliação. 3.5.3. Julgamento A verificação do atendimento aos critérios de desempenho é também possível por um julgamento de especialistas, com base na experiência de casos e condições simi- lares já conhecidos e consagrados pelo uso. Este método de avaliação é aplicável primeiro aos critérios que são formulados de uma forma prescritiva. O julgamento, nesses casos, é baseado na análise do projeto ou na inspeção de protótipos do produto, os quais têm como objetivo verificar se as prescrições e recomendações constantes do critério de desempenho são atendidas. O julgamento aplica-se também quando se trata de avaliação de inovações tecnológicas, para as quais não há antecedentes de utilização e os resultados dos ensaios e dos cálculos não permitem conclusões diretas sobre o atendimento a um determinado critério. O julga- mento, nesse caso, se assenta na opinião de especialistas, baseada em seus conhecimentos científicos sobre o assunto em questão e em casos similares por eles já abordados. 44 45 4. CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES A contribuição do conceito de desempenho à avaliação do edifício, seus elementos e componentes mostra-se bastante significativa.Primeiro, por propiciar uma base racional e objetiva para a avaliação de desempenho, calcada em condições qualitativas e quantitativas, a serem atendidas pelo produto, e em mé- todos de avaliação padronizados. Esta base é proporcionada não só para a avaliação do edifício e seus elementos, mas tam- bém dos componentes do edifício, conforme vem demonstrando a experiência internacio- nal e os trabalhos conduzidos no Brasil pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) no campo dos edifícios habitacionais (26, 27, 28, 29). Decorrente desse aspecto, está a contribuição do conceito de desempenho para a norma- lização do edifício, seus elementos e componentes. Ressalta-se que, neste campo da normalização do edifício, seus elementos e componen- tes, a aplicação do conceito permite a elaboração das normas de desempenho, que pro- curam fixar os requisitos e critérios de desempenho aos quais o produto deve atender, de acordo com sua utilização, diferenciando-se das normas prescritivas hoje utilizadas, cujo caráter é o da descrição do produto ou do procedimento construtivo para se chegar a produ- tos com qualidade mínima (28). Tais normas de desempenho, por não se aterem a produtos constituídos por materiais específicos e de concepções determinadas, mas por possuírem um caráter funcional, abrem espaço às inovações tecnológicas no campo da construção civil. Um espaço não existente no quadro normativo brasileiro atual. Não se conclui por uma substituição de normas prescritivas por normas de desempenho, mas sim por uma complementação do corpo normativo nacional, pela introdução destas últimas e por uma compatibilização entre elas, caminhando-se para a inclusão nas espe- cificações voltadas aos componentes e aos sistemas construtivos tradicionais, já normali- zados, dos níveis de desempenho atingidos por tais produtos quando executados segundo a boa técnica. Neste aspecto, ressalta-se uma particularidade quanto às normas prescritivas nacionais, que é a de não cobrirem integralmente os vários
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