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Alvin Goldman - O QUE É A CRENÇA JUSTIFICADA

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1 
 
O QUE É A CRENÇA JUSTIFICADA? 
Alvin I. Goldman 
O objetivo deste artigo é esboçar uma teoria da crença justificada. O que tenho em mente é uma 
teoria explicativa, uma teoria que explique de modo geral por que se considera que certas crenças 
são justificadas e outras injustificadas. Diferentemente de algumas das abordagens tradicionais, 
não tento prescrever padrões para a justificação que diferem ou aperfeiçoam os nossos padrões 
comuns. Tento explicar apenas os padrões comuns que, creio, são bem diferentes dos padrões de 
muitas explicações clássicas, e.g., “cartesianas.” 
Muitos epistemólogos têm-se interessado pela justificação por causa da sua presumida 
relação íntima com o conhecimento. Pretendo preservar esta relação na concepção de crença 
justificada que aqui apresento. Em artigos anteriores neguei que a justificação fosse necessária 
para o conhecimento, embora neles eu tivesse em mente as explicações “cartesianas” da 
justificação.
1
 Na explicação da crença justificada que é aqui sugerida, a justificação é necessária 
para o conhecimento, estando intimamente relacionada com este. 
O termo “justificado,” presumo, é usado para atribuir valor, é um termo apreciativo. Em 
qualquer definição correta ou em qualquer sinônimo seu apareceriam termos avaliativos. 
Presumo que tais definições ou sinônimos poderiam ser oferecidos, mas não estou interessado 
neles. Quero um conjunto de condições substanciais que especifiquem quando uma crença é 
justificada. Compare-se com o termo moral “correto.” Este poderia ser definido por meio de 
outros termos ou expressões éticas, uma tarefa apropriada para a metaética. Em contraste, a 
tarefa de uma ética normativa é estabelecer condições substanciais para a correção das ações. A 
ética normativa tenta especificar as condições não éticas que determinam quando uma ação é 
correta. Um exemplo bem conhecido é o utilitarismo dos atos, que afirma que uma ação é correta 
se, e somente se, produz ou produziria pelo menos o mesmo saldo de felicidade que produziria 
qualquer alternativa aberta ao agente. Estas condições necessárias e suficientes claramente não 
envolvem noções éticas. Analogamente, quero uma teoria da crença justificada que especifique 
em termos não epistêmicos quando uma crença é justificada. Este não é o único tipo de teoria do 
que é estar justificado que se poderia procurar, mas é um tipo importante de teoria e o tipo que 
aqui buscamos. 
2 
 
Para evitar termos epistêmicos na nossa teoria, temos de saber que termos são epistêmicos. 
É óbvio que não se pode oferecer uma lista exaustiva, mas eis alguns exemplos: “justificado,” 
“fundamentado,” “tem (bons) fundamentos,” “tem razão (para acreditar),” “sabe que,” “vê que,” 
“apreende que,” “é provável” (num sentido epistêmico ou indutivo), “mostra que,” “estabelece 
que,” e “determina que.” Por contraste, eis alguns exemplos de expressões não epistêmicas: 
“acredita que,” “é verdade,” “causa,” “é necessário que,” “implica,” “é dedutível de,” “é 
provável” (no sentido de freqüência ou no sentido de propensão). Em geral, expressões 
(puramente) doxásticas, metafísicas, modais, semânticas, ou sintáticas não são epistêmicas. 
Além da exigência de que seja formulada em linguagem não epistêmica, há outra exigência 
que desejaria impor à teoria da crença justificada. Visto que procuro uma teoria explicativa, i.e., 
uma teoria que clarifique a fonte subjacente do estatuto de estar justificado, não basta que uma 
teoria estipule condições necessárias e suficientes. As suas condições também têm de ser 
apropriadamente profundas ou reveladoras. Suponha-se, por exemplo, que se oferece a seguinte 
condição suficiente para a crença justificada: “Se S percepciona o vermelho no tempo t e S crê 
que está percepcionando o vermelho, então a crença de S no tempo t de que ele está 
percepcionando o vermelho está justificada.” Este não é o tipo de princípio que procuro; pois, 
ainda que seja correto, não explica por que uma pessoa que percepciona o vermelho, e crê 
percepcionar o vermelho, crê nisso justificadamente. Nem todo o estado é tal que, se uma pessoa 
nele se encontra e crê nele se encontrar, a sua crença estará justificada. Qual é a marca distintiva 
do estado de percepcionar o vermelho, ou dos estados “fenomênicos” em geral? Uma teoria da 
crença justificada do tipo que procuro tem de responder a esta pergunta, e por isso tem de ser 
formulada num nível apropriadamente profundo, geral, ou abstrato. 
Neste ponto, é apropriado dizer algo introdutório sobre o meu explicandum. Presume-se 
freqüentemente que sempre que uma pessoa tem uma crença justificada, ela sabe que a sua 
crença é justificada e sabe qual é a justificação. Além disso, presume-se que ela pode apresentar 
ou explicar qual é a sua justificação. Nessa perspectiva, uma justificação é um argumento, 
defesa, ou conjunto de razões que se pode oferecer para apoiar uma crença. Assim, estuda-se a 
natureza da crença justificada considerando-se o que uma pessoa diria se lhe fosse pedido que 
defendesse ou justificasse a sua crença. Aqui não aceito este tipo de pressuposto. Deixo em 
aberto se, quando uma crença está justificada, quem crê sabe que é justificada. Deixo também em 
aberto se, quando uma crença está justificada, o crente pode apresentar ou oferecer uma 
3 
 
justificação para ela. Nem mesmo presumo que quando uma crença está justificada há algo que o 
crente “tem” e a que se pode chamar “justificação.” Presumo que uma crença justificada recebe o 
seu estatuto de estar justificada de alguns processos ou propriedades que a tornam justificada. 
Em suma, têm de existir alguns processos ou propriedades que confiram justificação. Mas isso 
não implica que tem de haver um argumento, ou razão, ou qualquer coisa assim, que quem crê 
“tem” quando acredita em algo. 
I 
Uma teoria da crença justificada será um conjunto de princípios que especifiquem as condições 
de verdade para o esquema <A crença de S em p no momentot está justificada>, i.e., condições 
para a satisfação desse esquema em todos os casos possíveis. Será conveniente formular as 
teorias candidatas num formato recursivo ou indutivo, que incluiria a) uma ou mais cláusulas de 
base, b) um conjunto de cláusulas de recursão (possivelmente nulo), e c) uma cláusula de 
oclusão. Neste formato, é admissível que o predicado “é uma crença justificada” apareça em 
cláusulas de recursão. Mas nem este nem qualquer outro predicado epistêmico pode aparecer em 
(na antecedente de) qualquer cláusula de base.
2
 
Antes de me voltar para a minha teoria, quero passar em revista algumas outras abordagens 
à crença justificada. A identificação de problemas associados às outras tentativas fornecerá 
alguma motivação para a teoria que irei oferecer. Obviamente, não posso examiná-las todas, nem 
sequer muitas das tentativas alternativas. Mas algumas amostras serão esclarecedoras. 
Concentremo-nos na tentativa de formular um ou mais princípios adequados da cláusula de 
base.
3
 Eis um candidato clássico: 
1) Se S crê que p no momento t, e p é indubitável para S (em t), então a crença 
de S em p em t está justificada. 
Para avaliar este princípio precisamos de saber o que quer dizer “indubitável.” Pode ser 
entendido pelo menos de duas maneiras. Primeiro, “p é indubitável para S” poderá significar 
“S não tem qualquer fundamento para duvidar de p.” Contudo, dado que “fundamento” é um 
termo epistêmico, o princípio 1 seria inadmissível nesta leitura, pois os termos epistêmicos não 
podem aparecer legitimamente na antecedente de uma cláusula de base. Uma segunda 
4 
 
interpretação evitaria esta dificuldade. Poder-se-ia interpretar “p é indubitável para S” 
psicologicamente, i.e., como querendo dizer “S épsicologicamente incapaz de duvidar de p.” Isto 
tornaria o princípio 1 admissível, mas seria correto? Certamente que não. Um fanático religioso 
pode ser psicologicamente incapaz de duvidar dos princípios da sua fé, mas isso não justifica a 
sua crença neles. De modo semelhante, durante o caso de Watergate, uma pessoa poderia estar 
tão cega com a aura da presidência que, mesmo depois de os mais fortes indícios contra Nixon 
terem vindo à luz, seria incapaz de duvidar da veracidade de Nixon. Não se segue que a sua 
crença na veracidade de Nixon estava justificada. 
Um segundo princípio candidato a cláusula de base é este: 
2) Se S crê que p em t, e p é auto-evidente, então a crença de S em p em t está justificada. 
Para avaliar este princípio, precisamos uma vez mais de uma interpretação do seu termo crucial, 
neste caso “auto-evidente.” Numa leitura comum, “evidente” é sinônimo de “justificado.” “Auto-
evidente” quereria então dizer algo como “diretamente justificado,” “intuitivamente justificado” 
ou “não derivadamente justificado.” Nesta leitura, “auto-evidente” é uma expressão epistêmica, e 
o princípio 2 seria excluído como princípio da cláusula de base. 
Contudo, há outras leituras possíveis de “p é auto-evidente” em que esta não é uma 
expressão epistêmica. Uma delas é: “É impossível compreender p sem crer em p.”4 Segundo esta 
interpretação, as verdades analíticas e lógicas triviais são auto-evidentes. Assim, qualquer crença 
numa dessas verdades seria uma crença justificada, segundo 2. 
O que quer dizer “é impossível compreender p sem crer em p”? Quer dizer 
“humanamente impossível”? Essa leitura tornaria provavelmente 2 um princípio inaceitável. 
Poderá muito bem haver proposições que os seres humanos têm uma disposição inata e 
irresistível para acreditar, e.g., “Alguns acontecimentos têm causas.” Mas parece implausível que 
a incapacidade das pessoas para evitar crer em tal proposição faça toda a crença nela ser 
justificada. 
Devemos então entender “impossível” no sentido de “impossível em princípio,” ou 
“logicamente impossível”? Se essa for a leitura dada, suspeito que 2 é um princípio vácuo. 
Duvido que até mesmo verdades lógicas ou analíticas triviais satisfaçam esta definição de “auto-
evidente.” Qualquer proposição, podemos presumir, tem duas ou mais componentes que se 
organizam ou justapõem de algum modo. Para entender a proposição temos de “apreender” as 
5 
 
componentes e a sua justaposição. Ora, no caso de verdades lógicas complexas, há operações 
psicológicas (humanas) que são suficientes para apreender as componentes e a sua justaposição, 
mas não são suficientes para produzir uma crença de que a proposição é verdadeira. Mas não 
podemos pelo menosconceber um conjunto análogo de operações psicológicas mesmo para 
verdades lógicas simples, operações que talvez não pertençam ao repertório dos agentes 
cognitivos humanos mas que possam pertencer ao repertório de alguns seres concebíveis? Isto é, 
não poderemos conceber operações psicológicas que seriam suficientes para apreender as 
componentes e justaposição de componentes destas proposições simples, mas não seriam 
suficientes para produzircrença nas proposições? Penso que podemos conceber tais operações. 
Logo, para qualquer proposição que escolhamos, será possível que seja entendida sem ser objeto 
de crença. 
Finalmente, mesmo que ponhamos de lado estas duas objeções, temos de fazer notar que a 
auto-evidência pode, na melhor das hipóteses, conferir estatuto justificativo a relativamente 
poucas crenças, e o único grupo plausível são as crenças em verdades necessárias. Assim, serão 
necessários outros princípios da cláusula de base para explicar o estatuto justificativo das crenças 
em proposições contingentes. 
A noção de um princípio da cláusula de base está naturalmente associada à idéia da 
justificabilidade “direta,” e no domínio das proposições contingentes foi muitas vezes atribuído 
este estatuto às proposições de primeira pessoa sobre estados mentais correntes. Na terminologia 
de Chisholm, esta concepção exprime-se na noção de um estado ou proposição que se “auto-
apresenta.” A frase “Estou a pensar,” por exemplo, exprime uma proposição que se auto-
apresenta. (Pelo menos, chamarei “proposição”a este gênero de conteúdo, apesar de só ter um 
valor de verdade dada uma atribuição de um sujeito que profere ou considera o conteúdo e um 
momento no tempo em que o faz.) Quando tal proposição é verdadeira para uma pessoa S num 
momento t, S está justificado em crer nela em t: na terminologia de Chisholm, a proposição é 
“evidente” para S em t. Isto sugere o seguinte princípio da cláusula de base: 
3) Se p for uma proposição que se auto-apresenta, e p for verdadeira para S em t, e S crê 
que p em t, então a crença de S em p em t está justificada. 
O que quer dizer, exatamente, “auto-apresenta”? Na segunda edição de Theory of 
Knowledge, Chisholm oferece esta definição: “h auto-apresenta-se a S em t=df h é verdadeira 
6 
 
em t; e necessariamente, se h for verdadeira em t, então h é evidente para S em t.”5 Infelizmente, 
dado que “evidente” é um termo epistêmico, “auto-apresenta-se” torna-se também um termo 
epistêmico nesta definição, excluindo assim 3 como uma cláusula de base legítima. Tem de se 
oferecer outra definição qualquer de auto-apresentação para que 3 seja adequada como princípio 
da cláusula de base. 
Ocorre-nos imediatamente outra definição de auto-apresentação. “Auto-apresentação” é um 
sinônimo aproximado de “auto-intimação,” e pode-se dizer que uma proposição se auto-intimida 
se, e só se, sempre que é verdadeira para uma pessoa, essa pessoa acredita nela. Mais 
precisamente, podemos dar a seguinte definição: 
SP) Uma proposição p auto-apresenta-se se, e só se: necessariamente, para qualquer S e 
qualquer t, se p é verdadeiro para S em t, então S acredita que p em t. 
Nesta definição, é claro que “auto-apresentação” não é um predicado epistêmico, de modo que 3 
seria um princípio adequado. Além disso, há uma plausibilidade inicial na sugestão de que 
é esta característica das proposições de estados mentais correntes de primeira pessoa — viz., a 
sua verdade garante que sejam objeto de crença — que faz as crenças nelas serem justificadas. 
Usando esta definição de auto-apresentação, é o princípio 3 correto? Isto não se pode 
decidir até definirmos com maior precisão a auto-apresentação. Dado que o operador 
“necessariamente” pode ser lido de diferentes modos, há diferentes formas de auto-apresentação, 
e correspondentemente diferentes versões do princípio 3. Centremo-nos em duas dessas leituras: 
uma leitura “nomológica” e uma “lógica.” Considere-se primeiro a leitura nomológica. Nesta 
definição, uma proposição auto-apresenta-se apenas se for nomologicamente necessário que 
se p for verdadeira para S em t, então S crê em p em t.
6
 
É a versão nomológica do princípio 3 — chamemos-lhe “3N” — correta? De modo nenhum. 
Podemos imaginar casos em que a antecedente de 3N é satisfeita mas não diríamos que a crença 
está justificada. Suponha-se, por exemplo, que p é a proposição expressa pela frase “Estou no 
estado cerebral B” em que “B” é uma abreviatura de uma certa descrição muitíssimo específica 
de um estado neuronal. Suponha-se além disso que é uma verdade nomológica que qualquer 
pessoa num estado cerebral B irá ipso facto acreditar que está no estado cerebral B. Por outras 
palavras, imagine-se que uma crença ocorrente com o conteúdo “Estou no estado cerebral B” se 
realiza sempre que alguém está no estado cerebral B.
7
 Segundo 3N, qualquer crença dessas está 
7 
 
justificada. Mas isto é claramente falso. Podemos facilmente imaginar circunstâncias em que 
uma pessoa fica no estado cerebral B e portantotem a crença em questão, apesar de a sua crença 
não estar de modo algum justificada. Por exemplo, podemos imaginar que um cirurgião faz uma 
operação a S e induz artificialmente o estado cerebral B. Isto resulta, fenomenologicamente, na 
crença súbita de S — vinda do nada — de que está no estado cerebral B, sem quaisquer crenças 
anteriores relevantes. Dificilmente diríamos, em tal caso, que a crença de S de que está no estado 
cerebral B está justificada. 
Voltemo-nos agora para a versão lógica de 3 — chamemos-lhe “3L” — em que uma 
proposição se definida como auto-apresentada apenas no caso de ser logicamente necessário que 
se p for verdadeira para S em t, então S acredita que p em t. Esta versão mais forte do princípio 3 
poderia parecer mais promissora. No entanto, não é, de fato, mais bem-sucedida do que 3N. 
Seja p a proposição “Estou acordado” e pressuponha-se que é logicamente necessário que se esta 
proposição for verdadeira para uma pessoa S num momento t, então S acredita em p em t. Este 
pressuposto é consistente com o pressuposto complementar de que S acredita freqüentemente 
que p quando esta é falsa, e.g., quando está a sonhar. Nestas circunstâncias, dificilmente 
aceitaríamos a asserção de que a crença de S nesta proposição está sempre justificada. Mas não 
devemos também aceitar a asserção de que a crença está justificada quando é verdadeira. A 
verdade da proposição garante logicamente que a crença existe, mas por que haveria de garantir 
que a crença é justificada? 
A discussão anterior sugere que as coisas estão ao contrário. A idéia de auto-apresentação é 
que a verdade garante a crença. Isto não confere justificação porque é compatível com a 
existência de crença sem verdade. Assim, o que parece necessário — ou pelo menos suficiente 
— para a justificação é que a crença deve garantir a verdade. Tal noção tem habitualmente 
recebido a denominação de “infalibilidade” ou “incorrigibilidade.”Pode ser definida como se 
segue: 
INC) A proposição p é incorrigível se e só se: necessariamente, para qualquer S e qualquer t, 
se S acredita em p em t, então p é verdadeira para S em t. 
Usando a noção de incorrigibilidade, podemos propor o princípio 4: 
8 
 
4) Se p for uma proposição incorrigível, e S acredita em p em t, então a crença 
de S em p em t está justificada. 
Como no caso da auto-apresentação, há diferentes tipos de incorrigibilidade, correspondendo a 
diferentes interpretações de “necessariamente.” Temos por isso diferentes versões do princípio 4. 
Uma vez mais, concentremo-nos numa versão nomológica e lógica, 4N e 4L, respectivamente. 
Podemos facilmente construir um contra-exemplo na linha do contra-exemplo do estado 
mental/estado cerebral que refutou 3N. Suponha-se que é nomologicamente necessário que se 
alguém acredita que está no estado cerebral B, então é verdadeiro que está no estado 
cerebral B, pois a única maneira deste estado cerebral se efetivar é por meio do próprio estado 
cerebral B. Segue-se que “Estou no estado cerebral B” é uma proposição nomologicamente 
incorrigível. Logo, segundo 4N¬, sempre que alguém crê nesta proposição em qualquer momento, 
essa crença está justificada. Mas podemos uma vez mais construir um exemplo do cirurgião em 
que alguém passa a ter tal crença mas a crença não é justificada. 
À parte este contra-exemplo, o que está em causa em geral é o seguinte: Por que haveria o 
fato de a crença de S em p garantir a verdade de p implicar que a crença de S está justificada? A 
natureza da garantia poderá ser totalmente fortuita, como o exemplo do estado de crença/estado 
cerebral visa ilustrar. Para ficarmos cientes do que está em causa, considere-se a seguinte 
possibilidade relacionada: A estrutura mental de uma pessoa poderia ser tal que sempre que ela 
acreditasse que p seria verdadeiro (dela) uma fracção de segundo depois, então p é verdadeira 
(dela) uma fracção de segundo depois. Isto porque, suponhamos, a sua crença nisso faz isso 
ocorrer. Mas certamente não nos sentiríamos obrigados em tal circunstância a dizer que uma 
crença deste gênero estaria justificada. Então por que haveria o fato de a crença 
de S em p garantir a verdade de p precisamente no momento da crença implicar que a crença está 
justificada? Não há qualquer plausibilidade intuitiva neste pressuposto. 
A noção de incorrigibilidade lógica tem um lugar de honra mais proeminente na história das 
concepções da justificação. Mas mesmo o princípio 4L, creio, sofre de deficiências similares às 
de 4N. O mero facto de a crença em p garantir logicamente a sua verdade não confere estatuto 
justificativo a tal crença. 
A primeira dificuldade de 4L surge com as verdades lógicas ou matemáticas. Qualquer 
proposição verdadeira da lógica ou da matemática é logicamente necessária. Logo, qualquer 
9 
 
dessas proposições p é logicamente incorrigível, dado ser logicamente necessário que, para 
qualquer S e qualquer t, se S crê que pem t, então p é verdadeira (para S em t). Suponha-se agora 
que Nelson acredita numa certa verdade matemática muito complexa no momento t. Dado que 
tal proposição é logicamente incorrigível, 4L implica que a crença de Nelson nesta verdade 
em t está justificada. Mas podemos facilmente supor que esta crença de Nelson não é de modo 
algum o resultado de raciocínio matemático apropriado, ou mesmo o resultado do apelo a uma 
autoridade de confiança. Talvez Nelson acredite nesta verdade complexa devido a um raciocínio 
totalmente confuso, ou devido a uma conjectura apressada e mal fundamentada. Então, a sua 
crença não está justificada, ao contrário do que 4L implica. 
O caso das verdades lógicas ou matemáticas é admitidamente peculiar, dado que a verdade 
destas proposições é asseguradamente independente de quaisquer crenças. Poderia parecer, 
portanto, que podemos captar melhor a idéia de “crença que garante logicamente a verdade” nos 
casos em que as proposições em questão são contingentes. Com isto em mente, podemos 
restringir 4L a proposições contingentes incorrigíveis. Mas nem mesmo esta adenda pode salvar 
4L, contudo, dado haver contra-exemplos que envolvem proposições puramente contingentes. 
Suponha-se que Humperdinck está estudando lógica — ou, antes, pseudológica — com 
Elmer Fraude, que Humperdinck tem razão para confiar na sua qualidade de lógico. Fraude 
enunciou o princípio de que qualquer proposição disjuntiva consistindo de pelo menos 40 
disjuntos distintos é muito provavelmente verdadeira. Humperdinck encontra agora a 
proposição p, uma proposição contingente com 40 disjuntos, sendo o sétimo “Eu existo.” Apesar 
de Humperdinck apreender completamente a proposição, não se dá conta de que esta é implicada 
por “Eu existo.” Ao invés, fica surpreendido pelo facto de pertencer à regra da disjunção que 
Fraude enunciou (uma regra que suponho Humperdinck não tem justificação para crer). Tendo 
esta regra em mente, Humperdinck forma uma crença em p. Repare-se agora que p é logicamente 
incorrigível. É logicamente necessário que se alguém acredita que p, então p é verdadeira (com 
respeito a essa pessoa, nesse momento). Isto segue-se simplesmente do fato de que, primeiro, 
quando uma pessoa acredita seja no que for, isso implica que ela existe e, segundo, “Eu existo” 
implica p. Dado p ser logicamente incorrigível, 4L implica que a crença de Humperdinck 
em p está justificada. Mas, dado o nosso exemplo, certamente que essa conclusão é falsa. A 
crença de Humperdinck em p não está de modo algum justificada. 
10 
 
Uma coisa que corre mal neste exemplo é que ao passo que a crença de Humperdinck 
em p implica logicamente a sua verdade, Humperdinck nãoreconhece que a sua crença nela 
implica a sua verdade. Isto poderá levar um teorizador a rever 4L, acrescentandoo requisito de 
que S “reconheça” que p é logicamente incorrigível. Mas isto, é claro, não serve. O termo 
“reconhecer” é obviamente epistêmico, de modo que a revisão sugerida de 4L resultaria numa 
cláusula de base inadmissível. 
II 
Procuremos diagnosticar o que correu mal nestas tentativas de fornecer um princípio aceitável da 
cláusula de base. Note-se que cada uma das tentativas anteriores confere o estatuto de 
“justificada” a uma crença sem restrição quanto a por que se tem a crença, i.e., quanto ao que dá 
causalmente início à crença ou a sustém causalmente. As versões lógicas dos princípios 3 e 4, 
por exemplo, não impõem qualquer restrição às causas da crença. O mesmo acontece nas versões 
nomológicas de 3 e 4, dado que as exigências nomológicas podem ser satisfeitas por leis da 
simultaneidade ou transversais, como é ilustrado pelos nossos exemplos do estado 
cerebral/estado de crença. Sugiro que a ausência de exigências causais explica o fracasso dos 
princípios anteriores. Em muitos dos nossos contra-exemplos, a crença é causada de um modo 
estranho ou inaceitável, e.g., pelo movimento acidental da mão de um cirurgião, porque alguém 
se apóia num princípio pseudológico ilícito, ou devido à cegueira provocada pela aura da 
presidência. Em geral, uma estratégia para derrotar um princípio não causal da justificabilidade 
consiste em encontrar um caso em que a antecedente do princípio é satisfeita mas a crença é 
causada por um qualquer processo deficiente de formação de crenças. A deficiência do processo 
de formação de crenças levar-nos-á, intuitivamente, a considerar que a crença está injustificada. 
Assim, os princípios corretos da crença justificada têm de ser princípios que fazem exigências 
causais, em que “causa” é entendida de modo lato, incluindo tanto o que sustém uma crença 
como o que lhe dá início (i.e., processos que determinam, ou ajudam a sobredeterminar, a 
continuidade da adesão a uma crença.)
8
 
A necessidade de exigências causais não se restringe aos princípios das cláusulas de base. 
Os princípios recursivos também precisarão de uma componente causal. Poder-se-ia inicialmente 
supor que este é um bom princípio recursivo: “Se S justificadamente acredita que q em t, 
e q implica p, e Sacredita que p em t, então a crença de S em p no tempo t está justificada.” Mas 
11 
 
este princípio é inaceitável. A crença de S em p não recebe o estatuto de estar justificada 
simplesmente do fato de que p é implicada por q e S acredita justificadamente que q. Se o que 
leva S a acreditar que p no tempo t for algo inteiramente diferente, a crença de S em p pode 
muito bem não ser justificada. E a situação não pode ser remediada se acrescentarmos à 
antecedente a condição de que S acredita justificadamente que q implica p. Ainda que ele 
acredite nisso, bem como acredite que q, ele poderia ainda não relacionar essas crenças. Poderia 
vir a acreditar que p em resultado de algumas outras considerações bem diferentes. Portanto, uma 
vez mais, as condições que não exigem causas apropriadas para uma crença não garantem a 
justificabilidade. 
Admitindo que os princípios da crença justificada têm de fazer referência às causas da 
crença, que tipos de causas conferem justificabilidade? Podemos ver com mais perspicácia este 
problema examinando alguns processos deficientes de formação de crenças, i.e., processos que 
gerariam crenças que seriam classificadas como injustificadas. Eis alguns exemplos: raciocínio 
confuso, sonhar alto, apoio em ligações emocionais, mero pressentimento ou palpite e 
generalização apressada. O que têm estes processos deficientes em comum? Partilham o caráter 
de não serem confiáveis: tendem a produzir o erro grande parte das vezes. Pelo contrário, 
intuitivamente, que espécies de processos de formação (ou preservação) de crenças conferem 
justificação? Incluem os processos perceptivos normais, a recordação, o bom raciocínio e a 
introspecção. O que estes processos parecem ter em comum é a confiabilidade: as crenças que 
produzem são geralmente verdadeiras. Portanto, a minha proposta positiva é a seguinte. O 
estatuto de justificabilidade de uma crença é uma função da confiabilidade do processo ou dos 
processos que a causam, onde (numa primeira aproximação) a confiabilidade consiste na 
tendência de um processo para produzir crenças que são verdadeiras ao invés de falsas. 
Para testar melhor esta tese, note-se que a justificabilidade não é um conceito puramente 
categórico, embora eu o trate aqui como categórico, em nome da simplicidade. Podemos encarar, 
e de fato encaramos, certas crenças como mais justificadas do que outras. Além disso, as nossas 
intuições sobre a justificabilidade comparativa harmonizam-se com as nossas crenças sobre a 
confiabilidade comparativa dos processos formadores de crenças. 
Considere-se as crenças perceptivas. Suponha-se que Jones acredita ter visto à pouco uma 
cabra montês. A nossa avaliação da justificabilidade da crença depende de ele ter tido um breve 
vislumbre da criatura a uma grande distância ou de lhe der dado uma boa olhada a uma distância 
12 
 
de trinta metros. A sua crença no último tipo de caso está (ceteris paribus) mais justificada do 
que no primeiro. E se a sua crença for verdadeira, estamos mais dispostos a dizer, no último 
caso, que sabe, do que no primeiro. A diferença entre os dois casos é aparentemente a seguinte. 
As crenças visuais formadas por uma varredura breve e rápida, ou em situações nas quais o 
objeto se encontra a grande distância, tendem a ser erradas com mais freqüência do que as 
crenças visuais formadas a partir de uma varredura detalhada e lenta, ou em situações nas quais o 
objeto está a uma proximidade razoável. Em suma, os processos visuais da primeira categoria 
são menos confiáveis do que os da última. Algo similar ocorre quanto às crenças de memória. 
Uma crença que resulta de uma impressão de memória vaga e indistinta conta como menos 
justificada do que uma crença com origem numa impressão distinta de memória, e a nossa 
inclinação para classificar essas crenças como “conhecimento” varia do mesmo modo. Uma vez 
mais, a razão está associada à confiabilidade comparativa dos processos. As impressões obscuras 
e indistintas de memória são geralmente indicadores menos confiáveis do que realmente se 
passou; portanto, as crenças formadas a partir dessas impressões têm a probabilidade menor de 
serem verdadeiras do que as crenças formadas a partir de impressões distintas. Considere-se 
ainda as crenças baseadas em inferências a partir de amostras observáveis. Uma crença sobre 
uma população, baseada numa amostragem aleatória, ou numa grande diversidade de amostras, 
está intuitivamente mais justificada do que uma crença baseada numa amostra tendenciosa ou em 
amostras de um setor específico da população. Uma vez mais, o grau de justificabilidade é 
aparentemente uma função da confiabilidade. As inferências baseadas em amostras aleatórias e 
diversificadas tendem a produzir menos erro ou inexatidão do que as inferências baseadas em 
amostras que não são aleatórias nem diversificadas. 
Regressando a um conceito categorial de justificabilidade, poderíamos perguntar como um 
processo confiável de formação de crenças tem de ser para que as crenças que dele resultem 
estejam justificadas. Não é de esperar uma resposta precisa a esta questão. A nossa concepção de 
justificação é vaga neste aspecto. No entanto, parece claro que não se exige uma 
confiabilidade perfeita. Um processo de formação de crenças que algumas vezes produza erro 
ainda confere justificação. Segue-se que pode haver crenças justificadas falsas. 
Caracterizei os processos que conferem justificação como processos que têm a “tendência” 
para produzircrenças que são verdadeiras ao invés de falsas. O termo “tendência” poderia se 
referir ou à freqüência efetiva a longo prazo ou à “propensão,” i.e., a resultados que ocorreriam 
13 
 
em realizações meramentepossíveis dos processos. Qual deles visamos? Infelizmente, penso que 
a nossa concepção comum de justificabilidade é vaga também nesse aspecto. Na maioria das 
vezes, pressupomos simplesmente que a freqüência “observada” da verdade em contraste com o 
erro seria aproximadamente reproduzida no longo prazo efetivo e também em situações 
contrafactuais relevantes, i.e., as que são muitíssimo “realistas” ou que se conformam de perto 
com as circunstâncias do mundo efetivo. Visto que comumente presumimos que essas 
freqüências são aproximadamente as mesmas, não fazemos qualquer esforço concertado para 
distingui-las. Visto que o propósito desta teorização é captar a nossa concepção comum de 
justificabilidade, e visto que a nossa concepção comum é vaga quanto a isso, é apropriado deixar 
a teoria vaga nesse mesmo aspecto. 
Precisamos dizer algo mais sobre a noção de “processo” formador de crenças. Seja um 
“processo” uma operação ou processo funcional, i.e., algo que gera um mapeamento de certos 
estados — “dados de entrada” — noutros estados — “dados de saída.” Os dados de saída, neste 
caso, são estados de crer nesta ou naquela proposição num dado momento. Nesta interpretação, 
um processo é um tipo e não um exemplar. Isto é perfeitamente apropriado, visto que só os tipos 
têm propriedades estatísticas, como a de produzir a verdade 80% das vezes; e são exatamente 
essas propriedades que determinam a confiabilidade do processo. Obviamente, também 
queremos dizer que os processos causam crenças, e parece que os tipos são incapazes de ser 
causas. Mas quando dizemos que uma crença é causada por um dado processo, entendido como 
um processo funcional, podemos considerar que isto quer dizer que essa crença foi causada pelos 
dados de entrada particulares do processo (e pelos eventos intervenientes “por meio dos quais” o 
processo funcional leva dos dados de entrada aos dados de saída) na ocasião em questão. 
Quais são os exemplos de “processos” de formação de crença entendidos como operações 
funcionais? Um exemplo são os processos de raciocínio, nos quais os dados de entrada incluem 
crenças anteriores e hipóteses cogitadas. Outro exemplo são os processos funcionais, cujos dados 
de entrada incluem crenças, expectativas ou estados emocionais de vários tipos (juntamente com 
crenças anteriores). Um terceiro exemplo é o processo de memória, que toma como dados de 
entrada as crenças ou experiências de um tempo anterior e gera como dados de saída crenças, 
num tempo posterior. Por exemplo, um processo de memória poderia tomar como dado de 
entrada a crença em t1 de que Lincoln nasceu em 1809 e gerar como dado de saída a crença em 
tn de que Lincoln nasceu em 1809. Um quarto exemplo são os processos perceptuais. Aqui não é 
14 
 
claro se os dados de entrada deveriam incluir estados do contexto, como a distância entre o 
estímulo e o agente cognitivo, ou apenas eventos no interior ou na superfície do organismo, e.g., 
a estimulação dos receptores. Voltarei em breve a esse ponto. 
Um problema crítico a respeito da nossa análise é o grau de generalidade dos tipos de 
processo em questão. As relações entre dados de entrada e de saída podem ser especificadas de 
maneira muito ampla ou muito restrita, e o grau de generalidade determinará parcialmente o grau 
de confiabilidade. Um tipo de processo poderia ser selecionado de modo tão restrito que só um 
exemplar dele ocorre e, por isso, esse tipo será ou completamente confiável ou completamente 
não confiável. (Isto supõe que a confiabilidade é apenas uma função da freqüência efetiva.) Se 
estes tipos de processos restritos fossem selecionados, crenças que intuitivamente não são 
justificadas poderiam ser entendidas como o resultado de processos perfeitamente confiáveis; e 
crenças que intuitivamente são justificadas poderiam ser entendidas como resultados de 
processos perfeitamente não confiáveis. 
É claro que o nosso pensamento comum sobre tipos de processos os divide de modo amplo, 
mas não posso dar agora uma explicação precisa dos nossos princípios intuitivos. Mas uma 
sugestão plausível é que os processos relevantes são neutros quanto ao conteúdo. Poder-se-ia 
argumentar, por exemplo, que o processo de inferir p sempre que o Papa afirmar p poderia 
colocar problemas para a nossa teoria. Se o Papa for infalível, esse processo será perfeitamente 
confiável; contudo, não consideraríamos justificadas as crenças resultantes desse processo. A 
restrição da neutralidade do conteúdo evitaria essa dificuldade. Se exigirmos dos processos 
relevantes que admitam como dados de entrada crenças (ou outros estados) 
com qualquer conteúdo, o processo mencionado acima não conta, pois os seus dados de entrada 
são crenças que têm um conteúdo proposicional restrito, i.e., “o Papa afirma que p.” 
Além do problema da “generalidade” ou caráter “abstrato” há o problema mencionado sobre 
o “abrangência” dos processos de formação de crenças. Claramente, o ancestral causal das 
crenças inclui geralmente eventos exteriores ao organismo. Devem esses eventos ser incluídos 
entre os “dados de entrada” dos processos de formação de crenças? Ou devemos restringir a 
abrangência dos processos de formação de crenças aos eventos “cognitivos,” i.e., aos eventos no 
interior do sistema nervoso do organismo? Fico com a última opção, embora com alguma 
hesitação. As minhas razões gerais para esta decisão são, grosso modo, as seguintes. A 
justificabilidade parece uma função de como um agente cognitivo lida com os dados de entrada 
15 
 
do seu meio, i.e., com a boa ou má qualidade das operações que registram e transformam os 
estímulos que lhe chegam. (“Lida com,” obviamente, não quer dizer ação intencional; nem se 
restringe à atividade consciente). Uma crença justificada é, grosso modo, a que resulta de 
operações cognitivas que são, em geral, de boa qualidade ou bem-sucedidas. Mas o modo mais 
plausível de entender as operações “cognitivas” é como operações das faculdades cognitivas, i.e., 
dos equipamentos de “processamento de informação” internos ao organismo. 
Com estes aspectos em mente, podemos agora avançar a seguinte cláusula de base como 
princípio para a crença justificada: 
5) Se a crença de S em p no momento t resultar de um processo cognitivo (ou conjunto de 
processos) de formação de crenças que seja confiável, então a crença de Sem p no 
momento t está justificada. 
Visto que “processo confiável de formação de crenças” foi definido em termos das noções de 
crença, verdade, freqüência estatística, etc., não é um termo epistêmico. Por isso, 5 é uma 
cláusula de base admissível. 
Pode parecer que 5 promete ser não só uma cláusula de base bem-sucedida, mas o único 
princípio que precisamos, além de uma cláusula de oclusão. Por outras palavras, pode parecer 
que tanto é uma condição necessária como suficiente da justificabilidade que a crença seja 
produzida por processos cognitivos confiáveis de formação de crenças. Mas isto não é totalmente 
correto, dada a nossa definição provisória de “confiabilidade.” 
A nossa definição provisória implica que um processo de raciocínio é confiável somente se 
geralmente produzir crenças verdadeiras e, similarmente, que um processo de memória é 
confiável somente se produz geralmente crenças verdadeiras. Mas estas exigências são 
demasiado fortes. Não se pode esperar que um processo de raciocínio produza crenças 
verdadeiras se for aplicado a premissas falsas. E não se pode esperar que a memória produza 
crenças verdadeiras se a crença original que tentareter for falsa. O que precisamos para o 
raciocínio e a memória é, portanto, uma noção de “confiabilidade condicional.” Um processo é 
condicionalmente confiável se uma proporção suficiente das crenças que gera como dados de 
saída são verdadeiras caso as crenças que recebe como dados de entrada sejam verdadeiras. 
Com isto em mente, distingamos os processos cognitivos que dependem da crença dos 
processos cognitivos independentes da crença. Os primeiros são processos em que alguns dos 
16 
 
seus dados de entrada são estados de crença.
9
 Os últimos são processos em que nenhum dos seus 
dados de entrada é um estado de crença. Podemos então substituir o princípio 5 pelos dois 
princípios seguintes, sendo o primeiro um princípio de cláusula de base e o segundo um princípio 
de cláusula de recursão: 
6A) Se a crença de S em p no momento t resulta (“imediatamente”) de um processo independente 
de crenças (incondicionalmente) confiável, então a crença de S em pno momento t está 
justificada. 
6B) Se a crença de S em p no momento t resulta (“imediatamente”) de um processo dependente 
de crenças (pelo menos) condicionalmente confiável, e se as crenças sobre as quais esse processo 
opera ao produzir a crença de S em p no momento t (se as houver) estão elas mesmas 
justificadas, então a crença de S em p no momentot está justificada.
10
 
Se acrescentarmos a 6A e 6B a cláusula de oclusão comum, teremos uma teoria completa da 
crença justificada. Com efeito, a teoria afirma que uma crença está justificada se, e somente se, 
for “bem formada,” i.e., se tiver um ancestral de operações cognitivas confiáveis e/ou 
condicionalmente confiáveis. (Visto que uma crença anterior pode estar sobredeterminada, pode 
ter várias de árvores ancestrais diferentes. Estas não precisam de ser todas constituídas por 
processos confiáveis ou condicionalmente confiáveis. Mas pelo menos uma árvore ancestral tem 
de ter processos confiáveis ou condicionalmente confiáveis em todo o seu percurso.) 
Portanto, a teoria da crença justificada aqui proposta é histórica ou genética. Contrasta com 
a abordagem dominante da crença justificada, uma abordagem que gera o que podemos chamar 
(tomando de empréstimo uma expressão de Robert Nozick) teorias “do momento presente do 
tempo.” Uma teoria do momento presente do tempo faz do estatuto justificativo de uma crença 
uma função do que é verdadeiro do agente cognitivo no momento dacrença. Uma teoria histórica 
faz o estatuto justificativo de uma crença depender da sua história prévia. Visto que a minha 
teoria histórica enfatiza a confiabilidade dos processos de formação de crenças, pode ser 
denominada “confiabilismo histórico. 
Os exemplos mais óbvios de teorias do momento presente do tempo são as “cartesianas,” 
que fazem remontar todo o estatuto justificativo (pelo menos das proposições contingentes) a 
estados mentais correntes. Os tipos habituais de teorias da coerência, contudo, são igualmente 
17 
 
perspectivas do momento presente do tempo, dado que também elas tornam o estatuto 
justificativo de uma crença uma função exclusiva de estados correntes de coisas. Para as teorias 
da coerência, contudo, estes estados incluem outras crenças do agente cognitivo, crenças que não 
seriam consideradas relevantes pelo fundacionismo cartesiano. Terão existido outras teorias 
históricas da crença justificada? Entre os escritores contemporâneos, Quine e Popper têm 
epistemologias históricas, apesar de a noção de “justificação” não constituir o 
seu explicandum manifesto. Entre os autores históricos, poderá parecer que Locke e Hume 
tinham algo como teorias genéticas. Mas penso que as suas teorias genéticas eram apenas teorias 
das idéias, e não do conhecimento ou da justificação. A teoria da reminiscência de Platão, 
contudo, é um bom exemplo de uma teoria genética do conhecimento.
11
 E pode-se argumentar 
que Hegel e Dewey tinham epistemologias genéticas (se é que se pode dizer que Hegel tinha, de 
todo, uma epistemologia definida). 
A teoria articulada por 6A e 6B poderá ser vista como um tipo de “fundacionismo,” devido à 
sua estrutura recursiva. Não tenho objeção a essa designação, desde que se considere quão 
diferente esta forma “diacrônica” de fundacionismo é do fundacionismo “cartesiano” ou de 
outros tipos “sincrônicos” de fundacionismo. 
As teorias do momento presente do tempo presumem caracteristicamente que o estatuto 
justificativo de uma crença é algo que o agente cognitivo é capaz de saber ou de determinar no 
momento da sua crença. Isso é explicitado, por exemplo, por Chisholm.
12
 A teoria histórica que 
endosso não presume tal coisa. A respeito do agente cognitivo, há muitos fatos a que ele não tem 
“acesso privilegiado,” e eu encaro o estatuto justificativo das suas crenças como uma dessas 
coisas. Isto não significa que um agente ignora necessariamente, num dado momento, o estatuto 
de justificação das suas crenças correntes. Nega-se apenas que tenha necessariamente, ou que 
possa ter, conhecimento, ou crença verdadeira, desse estatuto. Assim como uma pessoa pode 
saber sem saber que sabe, o agente cognitivo pode ter uma crença justificada sem saber que é 
justificada (ou acreditar justificadamente que é justificada). 
Um caso característico no qual uma crença está justificada sem que o agente o saiba é 
aquele no qual os indícios originais para a sua crença já tenham sido há muito esquecidos. Se os 
indícios originais eram muito fortes, a crença original do agente cognitivo pode ter sido 
justificada; e esse estatuto justificativo pode ter sido preservado pela memória. Mas visto que o 
agente cognitivo não se lembra já como veio a acreditar, ou porquê, pode não saber que a crença 
18 
 
é justificada. Se questionado agora sobre a justificação da sua crença, pode ficar sem saber o que 
dizer. Mas a crença está justificada, embora o agente cognitivo não possa demonstrar ou 
estabelecer isso. 
A teoria histórica da crença justificada que advogo está ligada, em espírito, à teoria causal 
do conhecimento que apresentei alhures.
13
 Tinha isto em mente quando comentei, perto do início 
deste artigo, que a minha teoria da crença justificada faz a justificação algo intimamente 
relacionado com o conhecimento. As crenças justificadas, como os fragmentos de conhecimento, 
têm histórias apropriadas; mas podem não constituir conhecimento quer porque são falsas ou 
porque não contemplam outro requisito do conhecimento, do tipo discutido na indústria do 
conhecimento pós-Gettier. 
Há uma variante da concepção histórica da crença justificada que vale a pena mencionar 
neste contexto. Pode ser introduzida como se segue: suponha-se que S tem um conjunto B de 
crenças no momento t0, e que algumas destas crenças são injustificadas. Entre t0 e t1 ele raciocina 
partindo da totalidade do conjunto B e concluindo p, que aceita então em t1. O processo de 
raciocínio é muito sólido, i.e., é condicionalmente confiável. Há um sentido ou aspecto em que 
temos a tentação de dizer que a crença de S em p em t1 está “justificada.” Em qualquer caso, é 
tentador dizer que a pessoa está justificada ao acreditar que pem t. Relativamente ao seu estado 
cognitivo anterior, fez o melhor que se podia esperar: a transição do seu estado cognitivo 
em t0 para o seu estado cognitivo em t1 foi inteiramente sólida. Apesar de podermos reconhecer 
este gênero de justificabilidade — poderíamos chamar-lhe “Confiabilismo do Estado Terminal” 
— não é um tipo de justificabilidade muito intimamente relacionada com o conhecer. Para que 
uma pessoa conheça uma proposição p, não é suficiente que afase final do processo que conduz à 
sua crença em p seja sólida. É também necessário que exista uma história completa do processoque seja sólida (i.e., confiável ou condicionalmente confiável). 
Regressemos agora à teoria histórica. Na próxima secção deste artigo, aduzirei razões para a 
fortalecer um pouco. Antes de ver essas razões, contudo, quero rever duas objeções muito 
diferentes à teoria. 
Primeiro, um crítico poderia argumentar que algumas crenças justificadas não derivam o 
seu estatuto justificativo da sua ascendência causal. Em particular, poder-se-ia argumentar que as 
crenças sobre os nossos próprios estados fenomênicos correntes e as crenças sobre relações 
lógicas ou conceptuais elementares não derivam o seu estatuto justificativo deste modo. Não 
19 
 
estou persuadido por qualquer destes exemplos. A introspecção, creio bem, deve ser encarada 
como uma forma de retrospecção. Assim, uma crença justificada de que estou “agora” com dores 
obtém o seu estatuto justificativo de uma história causal relevante, ainda que breve.
14
 A 
apreensão de relações lógicas ou conceptuais é também um processo cognitivo que ocupa tempo. 
O processo psicológico de “ver” ou “intuir” uma verdade lógica simples é muito rápido, e não 
podemos introspectivamente dissecá-lo em partes constituintes. Apesar disso, há operações 
mentais em curso, tal como há operações mentais que ocorrem nos idiots savants, que são 
incapazes de descrever os processos computacionais que de fato usam. 
Uma segunda objeção ao confiabilismo histórico centra-se no elemento da confiabilidade, e 
não no elemento causal ou histórico. Dado que a teoria visa abranger todos os casos possíveis, 
parece implicar que para qualquer processo cognitivo C, se C for confiável no mundo 
possível M, então qualquer crença emM que resulte de C está justificada. Mas não permite isto 
contra-exemplos fáceis? Certamente podemos imaginar um mundo possível em que sonhar alto é 
confiável. Podemos imaginar um mundo possível em que um demônio benevolente dispõe as 
coisas de tal modo que as crenças formadas ao sonhar alto se tornam habitualmente verdadeiras. 
Isto tornaria o sonhar alto um processo confiável nesse mundo possível, mas certamente não 
queremos considerar que as crenças que resultam de sonhar alto estão justificadas. 
Há várias maneiras possíveis de responder a este caso e não sei bem qual delas é melhor, em 
parte porque as minhas intuições (e as de outras pessoas com quem me aconselhei) não são 
inteiramente claras. Uma possibilidade é dizer que no mundo possível imaginado, as crenças que 
resultam de sonhar altoestão justificadas. Por outras palavras, rejeitamos a idéia de que sonhar 
alto nunca poderia, intuitivamente, conferir justificabilidade.
15
 
Contudo, quem sente que sonhar alto não poderia conferir justificabilidade, nem mesmo no 
mundo imaginado, há duas saídas. Primeiro, pode-se sugerir que o critério próprio de 
justificabilidade é a propensão de um processo para gerar crenças que são verdadeiras num meio 
não manipulado, i.e., um meio em que não se dispõe propositadamente o mundo quer para se 
conformar quer para entrar em conflito com as crenças que se formam. Por outras palavras, a 
adequabilidade de um processo de formação de crenças é apenas uma função do seu sucesso em 
situações “naturais,” e não em situações do gênero que envolve demônios benevolentes ou 
malévolos, ou quaisquer outras criaturas manipuladoras. Se reformularmos a teoria para incluir 
esta restrição, o contra-exemplo em questão será afastado. 
20 
 
Alternativamente, podemos reformular a nossa teoria, ou reinterpretá-la, como se segue: em 
vez de considerar que a teoria afirma que uma crença num mundo possível M está justificada se, 
e só se, resulta de um processo cognitivo que é confiável em M, podemos considerar que afirma 
que uma crença num mundo possível M está justificada se, e só se, resulta de um processo 
cognitivo que é confiável no nosso mundo. Em suma, a nossa concepção de justificabilidade é 
derivada como se segue: damo-nos conta de certos processos cognitivos no mundo efetivo, e 
formamos crenças sobre quais delas são confiáveis. As que cremos serem confiáveis são então 
encaradas como processos que conferem justificação. Ao refletir sobre crenças hipotéticas, 
consideramo-las justificadas se, e só se, resultam de processos que já consideramos que 
conferem justificação, ou processos muito semelhantes a estes. Dado que sonhar alto não é um 
desses processos, uma crença formada num mundo possível M por meio de sonhar alto não seria 
considerada justificada, ainda que sonhar alto seja confiável em M. Não estou certo de que esta 
seja uma reconstrução correta do nosso esquema conceptual intuitivo, mas acomodaria o caso do 
demônio benevolente, pelo menos se o que for adequado dizer nesse caso é que as crenças 
causadas pelo sonhar alto carecem de justificação. 
Mesmo que adotemos esta estratégia, contudo, persiste um problema. Suponha-se que 
sonhar alto se revela afinal confiável no mundo efetivo!
16
 Isto poderia ocorrer porque, sem que 
presentemente o saibamos, há um demônio benevolente, que até agora tem estado com preguiça, 
mas começará em breve a dispor as coisas de modo a que os nossos desejos se tornem 
verdadeiros. O desempenho a longo prazo do sonhar alto será muito bom, e portanto, mesmo a 
nova interpretação da teoria irá implicar que as crenças que resultam de sonhar alto 
(no nosso mundo) estão justificadas. Contudo, isto viola certamente o nosso juízo intuitivo sobre 
a questão. 
Talvez a moral da história seja que o formato comum de uma “análise conceptual” tem as 
suas limitações. Seja-me permitido afastar-me desse formato, para tentar fornecer uma 
interpretação melhor do que visamos e da teoria que procura alcançá-lo. O que realmente 
queremos é uma explicação da razão pela qual consideramos, ou consideraríamos, que certas 
crenças estão justificadas e outras não. Tal explicação tem de se referir às nossas crenças sobre a 
confiabilidade, e não a fatos efetivos. A razão pela qual consideramos que as crenças estão 
justificadas é que foram formadas pelo que cremos serem processos confiáveis de formação de 
crenças. As nossas crenças sobre que processos de formação de crenças são confiáveis podem ser 
21 
 
errôneas, mas isso não afeta a adequação da explicação. Dado que cremos que sonhar alto é um 
processo não confiável de formação de crenças, consideramos que as crenças formadas ao sonhar 
alto não estão justificadas. O que conta, pois, é o que cremos quanto ao sonhar alto, e não o que 
é verdadeiro (a longo prazo) quanto ao sonhar alto. Não tenho a certeza de como exprimir isto no 
formato normalizado da análise conceptual, mas é algo que identifica um aspecto importante 
para a compreensão da nossa teoria. 
III 
Voltemos, contudo, ao formato normalizado de análise conceitual e consideremos uma nova 
objeção que exigirá algumas revisões na teoria que até agora foi proposta. Segundo a nossa 
teoria, uma crença está justificada se for causada por um processo que é de fato confiável, ou por 
um processo que geralmente cremos ser confiável. Mas suponha-se que, embora a crença 
de S satisfaça essa condição, S não tem razão para acreditar que a satisfaz. Pior ainda, suponha-se 
que S tem razão para acreditar que a sua crença é causada por um processo inconfiável 
(embora de fato o seu ancestral causal seja plenamente confiável). Nessas circunstâncias, não 
negaríamos que a crença de S está justificada? Isso parece mostrar que a nossa análise, tal como 
foi formulada, está errada. 
Suponha-se que, com base numa autoridade plenamente confiável, alguém conta a Jones 
que certa parte das suas crenças de memória é falsa. Os seus pais inventam uma história 
totalmente falsa de que Jones sofreu amnésia quando tinha 7 anos, mas depois 
desenvolveu pseudomemóriasdaquele período. Embora Jones ouça o que os seus pais dizem e 
tenha excelentes razões para acreditar neles, insiste em acreditar nas memórias aparentes do seu 
passado de 7 anos de idade. Essas crenças de memória estão justificadas? Intuitivamente, não 
estão justificadas. Mas visto que resultam de percepções genuínas de memória e de percepções 
originais, que são processos adequadamente confiáveis, a nossa teoria diz que essas crenças estão 
justificadas. 
Pode a teoria ser revisada para enfrentar esta dificuldade? Uma sugestão natural é que a 
confiabilidade efetiva de uma crença ancestral não é suficiente para a justificação; além disso, o 
agente cognitivo tem de estar justificado em acreditar que o ancestral da sua crença é confiável. 
Assim, poder-se-ia substituir 6A, por exemplo, por 7. (Para simplificar, desconsidero alguns 
detalhes da análise anterior). 
22 
 
7) Se a crença de S em p no momento t for causada por um processo cognitivo confiável, 
e S acreditar justificadamente no momento t que a sua crença em p é causada desse modo, então 
a crença de S em p no momento t está justificada. 
É evidente, no entanto, que 7 não serve como cláusula de base, pois contém o termo epistêmico 
“justificadamente” na sua antecedente. 
Uma sugestão levemente mais fraca, sem essa característica problemática, poderia então ser 
sugerida, viz.: 
8) Se a crença de S em p no momento t for causada por um processo cognitivo confiável, 
e S acreditar no momento t que a sua crença em p é causada desse modo, então a crença 
de S em p no momento t está justificada. 
Mas isto não funciona. Suponha-se que Jones acredita que as suas crenças de memória são 
causadas de maneira confiável a despeito de todos os testemunhos contrários (fidedignos) dos 
seus pais. O princípio 8 seria satisfeito, mas não diríamos que essas crenças estão justificadas. 
A seguir, poderíamos tentar 9, que é mais forte do que 8 e, diferentemente de 7, é 
formalmente admissível como cláusula de base. 
9) Se a crença de S em p no momento t for causada por um processo cognitivo confiável, 
e S acreditar no momento t que a sua crença em p é causada desse modo, e essa metacrença for 
causada por um processo cognitivo confiável, então a crença de S em p no momento t está 
justificada. 
Uma primeira objeção a 9 é que impede erradamente criaturas irreflexivas — criaturas como os 
animais ou as crianças muito pequenas, que não têm crenças sobre a gênese das suas crenças — 
de ter crenças justificadas. Quem partilhar a minha perspectiva de que a crença justificada 
é, grosso modo, uma crençabem formada, seguramente aceita que os animais e as crianças muito 
pequenas podem ter crenças justificadas. 
Um segundo problema com 9 diz respeito à sua fundamentação lógica subjacente. Visto que 
9 é proposta como substituta de 6A, sugere que a confiabilidade da própria ancestral cognitiva de 
uma crença não a torna justificada. Mas, ao que parece, a sugestão é que a confiabilidade da 
ancestralidade de uma metacrença confere justificação à crença de primeira ordem. Por que há 
23 
 
de ser assim? Talvez nos sintamos atraídos pela idéia de um efeito de transmissão de cima para 
baixo: e assim, se uma crença de nível n+1 estiver justificada, a sua justificação seria transmitida 
a uma crença de nível n. Mas mesmo que a teoria da transmissão de cima para baixo esteja 
correta, não é aqui de grande ajuda. Não há garantia, partindo da satisfação da antecedente de 9, 
de que a própria metacrença esteja justificada. 
Para obter uma revisão melhor da nossa teoria, reexaminemos o caso de Jones. Este tem 
fortes indícios contra algumas proposições a respeito do seu passado. Não usa estes indícios, 
mas se os usasse de maneira apropriada, deixaria de acreditar naquelas proposições. Ora, o uso 
apropriado de indícios seria um caso de um processo (condicionalmente) confiável. Assim, o que 
podemos dizer de Jones é que ele não usa certos processos (condicionalmente) confiáveis que 
poderia e deveria ter usado. É inegável que se tivesse usado esse processo, teria “piorado” os 
seus estados doxásticos: teria trocado algumas crenças verdadeiras pela suspensão do juízo. Mas 
não poderia saber disso no caso em questão. Portanto, não fez algo que, epistemicamente, 
deveria ter feito. Este diagnóstico sugere uma mudança fundamental na nossa teoria. O estatuto 
justificacional de uma crença não é só uma função dos processos cognitivos queefetivamente são 
empregados na sua produção; é também uma função de processos que poderiam e deveriam ser 
empregados. 
Tendo estes aspectos em mente, podemos, a título experimental, propor a seguinte revisão 
da nossa teoria, centrando-nos novamente num princípio de cláusula de base, mas omitindo 
certos detalhes, no interesse da clareza: 
10) Se a crença de S em p no momento t for o resultado de um processo cognitivo confiável, e 
não houver um processo confiável ou condicionalmente confiável disponível a S que, caso 
tivesse sido usado por S, além do processo realmente usado, levaria S a não acreditar em p em t, 
então a crença de S em p no momento t está justificada. 
Há vários problemas com esta proposta. Primeiramente, há um problema técnico. Não se pode 
usar um processo de formação de crenças (ou de formação de estados doxásticos) adicional bem 
como o processo original se o adicional levar a um estado doxástico diferente. Não se estaria 
usando o processo original de modo algum. Portanto, precisamos de uma formulação um pouco 
diferente da contrafactual relevante. Porém, visto que a idéia básica é razoavelmente clara, não 
tentarei aprimorar a formulação agora. Um segundo problema diz respeito à noção de processos 
24 
 
de formação de crenças (ou de estados doxásticos) “disponíveis.” O que é isso de um processo 
estar “disponível” para o agente cognitivo? Os procedimentos científicos estavam “disponíveis” 
para as pessoas que viviam em eras pré-científicas? Além disso, parece implausível dizer que 
todos os processos “disponíveis” devem ser usados, pelo menos se incluímos processos como a 
coleta de novos indícios. Certamente que uma crença pode por vezes estar justificada ainda que a 
coleta de indícios adicionais produziria uma atitude doxástica diferente. O que penso que 
devemos ter em mente aqui são processos adicionais como trazer à mente indícios adquiridos 
previamente, avaliar as suas implicações, etc. Isso é certamente algo vago, mas aqui novamente a 
nossa noção comum de justificação é vaga, sendo conseqüentemente apropriado que o 
nosso analisans tenha o mesmo tipo de vagueza. 
Isto completa o esboço da minha concepção de crença justificada. Antes de concluir, 
contudo, é essencial fazer notar que há um uso importante de “justificado” que não é captado 
nesta concepção, mas pode ser captado por uma concepção intimamente relacionada com esta. 
Há um uso de “justificado” que não implica ou pressupõe que há uma crença que é 
justificada. Por exemplo, se S está a tentar decidir acreditar ou não emp e pede o nosso conselho, 
podemos dizer-lhe que tem “justificação” para o fazer. Não queremos com isso sugerir que 
ele tem uma crença justificada, dado sabermos que está ainda a suspender o juízo. O que 
queremos dizer, aproximadamente, é que estaria ou poderia estar justificado caso acreditasse 
que p. O estatuto justificacional que atribuímos neste caso não pode ser uma função das causas 
que fazem S acreditar em p, pois não há qualquer crença, da parte deS, em p. Assim, a concepção 
de justificação que demos até agora não pode explicar este uso de “justificado.” (Não se segue 
que este uso de “justificado” não tem conexão com ancestrais causais. O seu uso apropriado pode 
depender do ancestral causal do estado cognitivo do agente,ainda que não do ancestral causal da 
sua crença em p.) 
Distingamos dois usos de “justificado”: um uso ex post e um uso ex ante. O uso ex 
post ocorre quando há uma crença, e dizemos dessa crença que está justificada (ou não). O 
uso ex ante ocorre quando não há tal crença, ou quando queremos ignorar a questão de haver tal 
crença. Neste caso, dizemos, quanto àpessoa, independentemente do seu estado doxástico 
relativo a p, que p é (ou não) adequada para ser objeto da sua crença.
17
 
Dado que oferecemos uma concepção da justificação ex post, será suficiente se analisarmos 
a justificação ex ante nos termos daquela. Tal análise, creio, é fácil de obter. S está justificado ex 
25 
 
ante em crer que p em t apenas no caso de o seu estado cognitivo total em t ser tal que desse 
estado ele poderia vir a crer que p de tal modo que a sua crença estaria justificada ex post. Mais 
precisamente, ele está justificado ex ante em crer que p em t apenas no caso de lhe estar 
disponível uma operação confiável de formação de crenças tal que a aplicação dessa operação ao 
seu estado cognitivo total em t resultaria, mais ou menos imediatamente, na sua crença de 
que p e esta crença estaria justificada ex post. Formulando formalmente, temos o seguinte: 
11) A pessoa S está justificada ex ante em acreditar que p em t se, e só se, há uma operação 
confiável de formação de crenças disponível para S tal que se S a aplicasse ao seu estado 
cognitivo total em t¸S acreditaria em p em t-mais delta (para um pequeno delta adequado) e essa 
crença estaria justificada ex post. 
Para que o analysans de 11 seja satisfeito, o estado cognitivo total em t tem de ter uma ancestral 
causal adequada. Logo, 11 é implicitamente uma concepção histórica da justificação ex ante. 
Como indiquei, a maior parte deste artigo visou a justificação ex post. Este é 
o analysandum apropriado se estivermos interessados na conexão entre a justificação e o 
conhecimento, dado que o que é crucial para que uma pessoa conheça ou não uma proposição é 
se ela tem uma crença efetiva na proposição que é justificada. Contudo, dado o interesse de 
muitos epistemólogos na justificação ex ante, é apropriado que uma teoria geral da justificação 
tente fornecer uma explicação também desse conceito. A nossa teoria fá-lo muito naturalmente, 
pois a explicação da justificação ex ante resulta diretamente da nossa explicação da 
justificação ex post.
18
 
Alvin Goldman 
Retirado de Justification and Knowledge, org. G. S. Pappas (Dordrecht: D. Reidel, 1979), pp. 1-
23. 
Notas 
1. “A causal Theory of Knowing,” The Journal of Philosophy 64, 12 (22 de Junho de 
1967): 357-372; “Innate Knowledge,” In Stich, org. Innate Ideas (Berkeley: University 
of California Press, 1975); e “Discrimination and Perceptual Knowledge,” The Journal 
of Philosophy 73, 20 (18 de Novembro de 1976): 771-791. 
26 
 
2. Note-se que a escolha de um formato recursivo não é tendenciosa, favorecendo esta ou 
aquela teoria. Um formato recursivo é perfeitamente geral. Especificamente, um 
conjunto explícito de condições necessárias e suficientes é apenas um caso especial de 
um formato recursivo, i.e., um caso em que não há cláusula recursiva. 
3. Muita das tentativas que terei em consideração são sugeridas pelo que está presente em 
William P. Alston, “Varieties of Privileged Access,” American Philosophical 
Quarterly 8 (1971), 223-241. 
4. Tal definição (ainda que sem o termo modal) é dada, por exemplo, por W. V. Quine e 
J. S. Ullian em The Web of Belief (Nova Iorque: Random House, 1970), p. 21. Diz-se 
que as afirmações são auto-evidentes apenas no caso em que “entendê-las é acreditar 
nelas.” 
5. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, Inc., 1977, p. 22. 
6. Presumo, é claro, que “nomologicamente necessário” é de re com respeito a “S” e “t” 
nesta interpretação. Não irei deter-me em problemas que possam surgir a este respeito, 
dado que viso principalmente questões diferentes. 
7. Este pressuposto viola a tese a que Davidson chama “o anomalia do mental.” Cf. 
“Mental Events,” in L. Foster e J. W. Swanson, orgs., Experience and 
Theory (Amherst: University of Massachusetts Press, 1970). Mas não é claro que esta 
tese seja uma verdade necessária. Assim, parece correto pressupor a sua falsidade para 
fornecer um contra-exemplo. O exemplo não implica nem impede a teoria da 
identidade mental-físico. 
8. O exemplo de Keith Lehrer do advogado cigano visa mostrar que uma exigência causal 
é inapropriada. (Veja-se Knowledge, Oxford: University Press, 1974, pp. 124-125.) 
Mas considero que o seu exemplo não é convincente. Na medida em que imagino 
claramente que o advogado fixa a sua crença unicamente em resultado das cartas, 
parece-me intuitivamente incorreto dizer que ele sabe — ou que tem uma crença 
justificada — que o seu cliente está inocente. 
9. Esta definição não é exatamente o que precisamos para os propósitos em mãos. Como 
Ernest Sosa faz notar, a introspecção revelar-se-á um processo que depende das 
crenças dado que por vezes os dados de entrada do processo será uma crença (quando 
o conteúdo da introspecção é uma crença). Intuitivamente, contudo, a introspecção não 
27 
 
é o gênero de processo que possa ser apenas condicionalmente confiável. Não sei como 
aprimorar a definição de modo a evitar esta dificuldade, mas trata-se de um aspecto 
menor e isolado. 
10. Pode-se objetar que os princípios 6A e 6B estão conjuntamente abertos a análogos do 
paradoxo da lotaria. Uma série de processos compostos de processos confiáveis mas 
não perfeitamente confiáveis pode ser extremamente não confiável. Contudo, aplicar 
6A e 6B conferiria justificação a uma crença que é causada por tal série. Em resposta a 
esta objeção podemos indicar simplesmente que a teoria visa captar a nossa noção 
comum de justificação, e esta noção comum formou-se sem reconhecer este tipo de 
problema. A teoria não está errada enquanto teoria da concepção corrente (ingênua) de 
justificação. Por outro lado, se queremos que uma teoria faça mais do que captar a 
concepção comum de justificação, poderá ser possível fortalecer os princípios para 
evitar análogos do paradoxo da lotaria. 
11. Devo a Mark Pastin este aspecto. 
12. Cf. Theory of Knowledge (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 1977), segunda 
edição, pp. 17, 114-116. 
13. Cf. “A Causal Theory of Knowing”, op. cit. O aspecto da confiabilidade da minha 
teoria também tem precursores em artigos meus anteriores sobre o conhecimento: 
“Innate Knowledge”, op. cit. e “Discrimination and Perceptual Knowledge,” op. cit. 
14. A perspectiva de que a introspecção é retrospecção foi assumida por Ryle, e antes dele 
(como Charles Hartshorne me fez notar) por Hobbes, Whitehead e possivelmente 
Husserl. 
15. Claro que, se as pessoas no mundo M descobrirem indutivamente que o sonhar alto é 
confiável, e se basearem regularmente as suas crenças nesta inferência indutiva, é 
bastante não problemático e evidente que as suas crenças estão justificadas. O único 
caso interessante é quando as suas crenças são formadas puramente pelo sonhar alto, 
sem usar inferência indutiva. A sugestão contemplada neste parágrafo do texto é que, 
no mundo imaginado, mesmo o sonhar alto puro conferiria justificação. 
16. Estou aqui em dívida para com Mark Kaplan. 
17. A distinção entre justificação ex post e ex ante é similar à distinção de Roderick Firth 
entre garantia doxástica e proposicional. Veja-se o seu “Are Epistemic Concepts 
28 
 
Reducible to Ethical Concepts?”, in Alvin I. Goldman e Jaegwon Kim, orgs., Values 
and Morals, Essays in Honor of William Frankena, Charles Stevenson, and Richard 
Brandt(Dordrecht: D. Reidel, 1978). 
18. A investigaçãopara este artigo começou quando o autor era membro da Fundação de 
Homenagem a John Simon Guggenheim e do Centro de Estudos Avançados em 
Ciências do Comportamento. Estou grato pelo apoio que me foi concedido. Recebi 
críticas e comentários proveitosos de Holly S. Goldman, Mark Kaplan, Fred Schmitt, 
Stephen P. Stich e muitos outros em várias universidades onde apresentei versões 
anteriores deste artigo.

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