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CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 1 APRESENTAÇÃO DO CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL O Curso de Direito Constitucional, que terá início na primeira semana de julho, segue os mesmos critérios do Curso de Direito Administrativo, ressalvadas as peculiaridades de cada uma das disciplinas. O objetivo, nesta apresentação, é somente apresentar as diretrizes gerais que nortearão a elaboração das aulas. A primeira, como não poderia deixar de ser, é que se trata de um Curso voltado para concursos públicos, e não um Curso “genérico”de Direito Constitucional. Assim, todo o material é direcionado para a resolução de questões propostas pelas bancas de concursos e, em vista de eventual divergência em determinado ponto da matéria, após um rápido comentário sobre os diferentes posicionamentos, é trabalhado o entendimento que devemos adotar para as provas. É claro que é possível que tal entendimento altere-se conforme a entidade considerada (CESPE, ESAF e FCC), quando então será especificado a posição de cada banca no tópico em questão. Isto, entretanto, é de difícil ocorrência em Direito Constitucional, disciplina na qual, pela sua relevância, as questões em que há divergência, regra generalíssima, já foram objeto de decisão do Supremo Tribunal Federal. Como para concursos públicos a posição do STF em certa matéria é absoluta, as diferenças entre as diferentes entidades são praticamente inexistentes. Como fonte doutrinária o Curso baseia-se em sete autores, nominadamente, Vicente Paulo, Alexandre de Moraes, Gabriel Dezen Junior, Pedro Lenza, Paulo Bonavides, André Ramos Tavares e José Afonso da Silva. Além do referencial doutrinário, como não poderia deixar de ser, será apresentada a posição do STF em cada matéria. Por fim,como também não poderia deixar de ser, ao final de cada aula constam questões de provas anteriores das principais entidades promotoras de concursos públicos em nosso País, o CESPE, a ESAF e a FCC. Quando necessário, será disponibilizado um comentário junto ao gabarito da questão, a fim de definir com exatidão certo posicionamento específico da banca. No mais, o Curso de Direito Constitucional segue o padrão do de Direito Administrativo. Será disponibilizada uma aula por semana, sempre às sextas-feiras e, salvo quando o número de dúvidas for ínfimo, na semana imediatamente posterior à aula serão respondidas as perguntas formuladas no banco de questões. O curso tem previsão de 20 encontros. Deve-se considerar isto como o número mínimo de aulas, uma vez que a matéria, como a maioria de nós tem conhecimento, é bastante extensa. Assim, partiremos da idéia de um curso em 20 aulas, podendo haver o desdobramento de certas aulas em duas, quando o volume de informações for considerável, o que poderá resultar num número maior de encontros. Por fim, abaixo é informado o conteúdo programático do Curso. Essencialmente, ele consiste na teoria geral de Direito Constitucional, no estudo do controle de constitucionalidade e na análise da dogmática constitucional propriamente dita, ou seja, das normas que compõem nossa Constituição. A fim de evitar possíveis embaraços no futuro, já informo que não serão objeto de análise neste curso as disposições constitucionais transitórias, o sistema tributário nacional e a parte da Constituição referente à disciplina da Administração Pública (esta, vista no Curso de Direito Administrativo). São essas, sumariamente, as linhas gerais do Curso. Obrigado a todos, e até o início do curso. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 2 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DO CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL I) Direito Constitucional e Constituição. II) Classificação das Constituições (Aula Demonstrativa). III) Normas Constitucionais. IV) Interpretação da Constituição. V) Poder Constituinte. VI) Dos Princípios Fundamentais. VII) Dos Direitos e Garantias Fundamentais: Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. VIII) Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos: Primeira Parte. IX) Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos: Segunda Parte. X) Das Garantias Fundamentais: os Remédios Constitucionais. XI) Dos Direitos Sociais. XII) Da Nacionalidade. Dos Direitos Políticos. Dos Partidos Políticos. XIII) Da Organização do Estado: Da Organização Político-administrativa. Da União. Dos Estados. Do Distrito Federal. Dos Municípios. Da Intervenção. XIV) Da Organização dos Poderes: Do Poder Legislativo. XV) Processo Legislativo. XVI) Do Poder Executivo. XVII) Do Poder Judiciário. XVIII) Das Funções Essenciais à Justiça. XIX) Controle de Constitucionalidade: Teoria Geral. XX) Controle Difuso. XXI) Controle Concentrado. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN). Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Ação Declaratória de Constitucionalidade. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Controle concentrado nos Estados, Distrito Federal e Municípios. XXII) Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas: Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio. Das Forças Armadas. Da Segurança Pública. XXIII) Das Finanças Públicas. XXIV) Da Ordem Econômica e Financeira: Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica. Da Política Urbana. Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária. Do Sistema Financeiro Nacional. XXV) Da Ordem Social: Disposição Geral. Da Seguridade Social. Da Educação, da Cultura e do Desporto. Da Ciência e da Tecnologia. Da Comunicação Social. Do Meio Ambiente. Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso. XXVI) Disposições Constitucionais Gerais. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 3 AULA 0: II. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES Na nossa aula demonstrativa, que corresponde à segunda aula do Curso, trataremos de um tema recorrente em concursos públicos: as diversas classificações das Constituições. Ao longo da evolução do Direito Constitucional a doutrina elaborou inúmeras classificações, com base em um sem número de critérios distintivos, tais como forma, conteúdo, estabilidade, origem, extensão, entre tantos outros. Será esta a matéria que abordaremos neste nosso primeiro encontro do Curso de Direito Constitucional. Vamos a ela. 1) QUANTO À FORMA Com relação à forma, as Constituições podem ser escritas ou não-escritas (também denominadas costumeiras ou consuetudinárias). Constituições escritas são aquelas cujas normas estão reunidas de forma sistemática em um único documento, solenemente promulgado, em determinado momento, como a Constituição de certo Estado. Para Canotilho a Constituição escrita é Constituição instrumental, pois confere ao estatuto supremo do Estado os atributos da segurança, publicidade, estabilidade e calculabilidade. Por outro lado, as Constituições não escritas são aquelas cujas normas e princípios localizam-se em diversas fontes, todas de natureza constitucional e situadas em idêntico patamar hierárquico, sem precedência de qualquer uma sobre as demais. Não há, aqui, a reunião dos preceitos constitucionais em um único documento, ao contrário, são eles encontrados em diversas fontes normativas constitucionais, a exemplo das leis, dos costumes, da jurisprudência, das convenções e acordos. O erro mais comum a ser evitado, nesta classificação, é considerar que a Constituição não-escrita é composta somente por normas não escritas, o que é incorreto. O caráter não-escrito de uma Constituição, nesse contexto, significa que seus dispositivos são encontrados de forma esparsa, em diversas fontes constitucionais, algumas das quais não são escritas (usose costumes constitucionais), ao passo que outras o são (leis, jurisprudência, tratados e convenções). Melhor seria, sem dúvida, substituir-se a terminologia até então adotada, nominando- se as Constituições escritas de consolidadas (porque reunidas em um texto único), e as não-escritas de não consolidadas (porque não reunidas em um só texto), já que, como exposto, tanto a Constituição escrita como a não-escrita são compostas de normas escritas, aquela, de forma exclusiva, esta, de forma parcial (quando os costumes são tidos por fonte constitucional, o que é a regra geral) ou mesmo exclusiva (quando os costumes não são considerados fontes constitucionais) Há autores, a exemplo de André Ramos Tavares e Paulo Bonavides, que trabalham em outros termos a presente classificação, apesar de subdividirem as Constituições sob as mesmas expressões: Constituições escritas e Constituições costumeiras (ou não escritas). A Constituição escrita, na visão desses Autores, é aquela que tem suas normas todas positivadas, ou seja, todas prescritas em documento formal (as chamadas leis constitucionais). Todavia, pode tal documento ser único ou não. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 4 Enfim, podemos uma Constituição formada por normas prescritas em um só ou em vários documentos. De qualquer forma, como todas suas normas são positivadas, instituídas em um documento solenemente elaborado já com status constitucional, em ambos os casos estamos perante uma Constituição escrita. No primeiro caso, a Constituição é chamada codificada; no segundo, legal. Ilustrando o ponto, transcrevemos a lição de Paulo Bonavides: Constituições codificadas são aquelas que se acham contidas inteiramente em um só texto, com seus princípios e disposições sistematicamente ordenados e articulados em títulos, capítulos e seções, formando, em geral, um único corpo de lei. (...) As Constituições legais, conforme alguns constitucionalistas, que empregam um tanto impropriamente essa denominação para distingui-las das Constituições codificadas, são aquelas Constituições escritas que se apresentam esparsas ou fragmentadas em vários textos. Haja vista, a título ilustrativo, a Constituição francesa de 1875. Compreendia ela Leis Constitucionais elaboradas em ocasiões distintas de atividade legislativa, como as leis de estabelecimento dos poderes públicos, de organização do Senado e de relações entre os poderes. Tomada em conjunta, passaram a ser designadas como a Constituição da Terceira República. Varia o entendimento dos Autores, também, no que toca à segunda modalidade de Constituição, pois, para eles, Constituições costumeiras ou não escritas são aquelas cujas normas são formadas por normas não positivadas em diplomas legais específicos, aos quais quais foi formalmente reconhecida estatura constitucional. São, assim, Constituições não integradas por normas postas formalmente a vigorar com status constitucional, sendo compostas, principalmente, por normas costumeiras (costumes). Como professa André Ramos Tavares: Normas costumeiras têm como característica fundamental o surgimento informal, desligado de solenidades. Originam-se da sociedade, e não de uma entidade especialmente designada para isso. A Constituição não-escrita ou costumeira é formada por um conjunto e orientações normativas não positivadas, oriundas, basicamente, da jurisprudência e dos costumes. Nessa segunda perspectiva não se nega a possibilidade de existirem fontes escritas constitucionais. Ao contrário, André Ramos Tavares é límpido ao citar, ao lado dos costumes, a jurisprudência. A Constituição costumeira é, aqui, caracterizada pela inexistência de fontes constitucionais positivadas, ou seja, de normas formalmente estabelecidas com peso constitucional. Enfim, as diferenças básicas entre a primeira e a segunda perspectiva podem ser sintetizadas nos seguintes termos. Na primeira perspectiva, a Constituição escrita é formada por normas positivadas reunidas num só documento; na segunda, por normas positivadas reunidas em um ou mais documentos (se reunidas em um só documento, são denominadas codificadas; se encontradas em diversos documentos, legais). Na primeira perspectiva, a Constituição não escrita pode abranger três tipos de fontes: fontes realmente não escritas, que são os costumes; fontes escritas mas não positivadas (não prescritas em um diploma normativo ao qual foi solenemente conferido peso constitucional), a exemplo da jurisprudência, das convenções e dos acordos, e, por fim, fontes escritas e positivadas (normas previstas em textos normativos formalmente considerados de natureza constitucional – as leis constitucionais). Na segunda perspectiva, por sua vez, a Constituição não escrita ou CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 5 costumeira pode abarcar apenas duas espécies de fontes, as não escritas (costumes) e as escritas não positivadas (jurisprudência, convenções, acordos); não, porém, as fontes escritas e positivadas (as leis constitucionais). Para fins de concurso, diferenciando entre Constituições escritas e não escritas, devemos privilegiar o primeiro ponto de vista (será o adotado no restante da aula), com o cuidado de considerar que o segundo, apesar de não corresponder ä forma como a matéria é comumente abordada em concursos, não está errado. Muito pelo contrário. Assim, se uma questão trouxer uma alternativa tratando da matéria como o fazem, entre outros, Paulo Bonavides e André Ramos Tavares (considerando que a Constituição escrita pode estar reunida em um ou mais documentos e excluindo da Constituição não escrita as leis constitucionais), devemos trabalhá-la com cuidado. A princípio, a alternativa está errada, pois a banca baseia-se na primeira lição; contudo, a falta de outra alternativa que pode ser tida por correta, devemos assim considerar aquela que contempla a lição dos referidos Autores (pois é precisamente esta lição que a banca está exigindo). Por fim, se a questão versar sobre as Constituições codificadas e legais, pelos termos utilizados (codificadas e legais), podemos concluir com tranquilidade que ela está contemplando a lição dos Autores. Prosseguindo na matéria, informa Paulo Bonavides que as Constituições costumeiras, fundadas basicamente no costume constitucional, predominaram até o final do século XVIII, e coincidem historicamente, a grosso modo, com a existência dos Estados absolutistas. Já as Constituições escritas representam um dos primeiros e mais importantes passos para a superação do Estado Absolutista pelo Estado Liberal, limitador do poder soberano do Estado (este assunto é objeto da primeira aula deste Curso). Atualmente não se encontram Estados que adotem Constituições absolutamente costumeiras, como foi o caso da França, no período do Antigo Regime. O que existe, hoje, são Constituições parcialmente não escritas, como é ocorre, exemplificativamente, na Inglaterra, cuja Constituição é formada pelo direito estatutário, pelo direito jurisprudencial e pelos costumes e convenções constitucionais. Também existem, na atualidade, Constituições escritas (na primeira perspectiva, ou seja, que tem suas normas reunidas em um único texto) para cuja interpretação e aplicação faz-se largo uso dos costumes tradicionais. Temos no caso, uma Constituição, em si mesma, escrita, mas complementada pelos costumes. É o que se verifica, por exemplo, nos Estados Unidos, onde nos deparamos, ao lado do documento que condensa formalmente os preceitos constitucionais, com normas não escritas de natureza francamente consuetudinária. Para fins ilustrativos, vale trazer a lição de Carl J. Friedrich (citado por Paulo Bonavides)sobre a Constituição americana. Afirma o estudioso: Algumas das principais normas constitucionais dos Estados Unidos, que definem as peculiaridades de sua organização política, não estão escritas na Constituição de 1787 nem nas emendas aprovadas posteriormente – por exemplo, a doutrina da revisão judicial, que permite ao Tribunal decidir da constitucionalidade dos atos realizados pelos outros poderes – assim como os distintos aspectos do funcionamento dos partidos políticos(...). Deve-se mencionar que, embora existam doutrinadores que preferem às Constituições costumeiras às escritas, sob o fundamento da sua maior versatilidade, proximidade com a realidade e capacidade de adaptação às novas necessidades sociais, predomina largamente a preferência doutrinária pelas Constituições escritas, em virtude, essencialmente, dos atributos citados por Canotilho: segurança, publicidade, estabilidade e calculabilidade. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 6 Sinteticamente, podemos dizer que o fato de as normas constitucionais estarem reunidas em um único diploma (a) permite a todos os interessados o conhecimento exato acerca de quais normas integram a Constituição (segurança e publicidade); (b) confere a tais normas uma imutabilidade relativa, em vista da maior dificuldade, como regra, para sua alteração (estabilidade); e, por fim, proporciona a todos uma diretriz segura sobre quais os comportamentos vedados, obrigatórios ou autorizados pela Constituição, enfim, sobre a licitude de tais e quais condutas perante o ordenamento constitucional (calculabilidade). 2) QUANTO AO MODO DE ELABORAÇÃO Tomando por critério distintivo seu modo de elaboração, as Constituições podem ser dogmáticas ou históricas. Constituição dogmática, sempre escrita, porque reunida em um só texto, é aquela elaborada em uma ocasião certa, por determinado órgão legislativo para tal tarefa competente (as Assembléias Constituintes), segundo um processo legislativo especial e solene, trazendo em seu texto a tradução dos valores e princípios dominantes no momento de sua produção, dos institutos e instituições jurídicos, políticos, filosóficos já sedimentados na doutrina, os quais, uma vez prescritos na Constituição, assumem o peso jurídico de dogmas, preceitos de observância obrigatória. Daí o termo, Constituição dogmática. Constituição histórica, necessariamente sempre não-escrita, é aquela que se forma a partir da lenta evolução histórica de uma sociedade, do brando processo de afirmação, alteração e solidificação de suas tradições, de seus valores fundamentais. Na época contemporânea a Constituição Inglesa é citada como exemplo de Constituição histórica. Como na Constituição dogmática ocorre a cristalização dos valores dominantes na sociedade em certo momento, sua tendência à instabilidade é considerável, já que eventuais alterações na estrutura social, trazendo novos pontos de pressão para o Estado, poderá ser incompatível com os atuais preceitos constitucionais, mesmo recorrendo-se aos modernos métodos de hermenêutica, com o risco de ocorrer, em função deste embate, um esvaziamento da eficácia social dos dispositivos constitucionais afetados, quando não da Constituição como um todo, conforme a magnitude do conflito. Tal situação é sobremaneira mais difícil de ocorrer em Estados que adotam o modelo histórico de Constituição, pois aqui temos a Constituição como o resultado de uma lenta, paulatina sedimentação dos valores essenciais à coletividade; temos, em suma, um processo histórico-constitucional no qual os valores sociais que passam a compor a Constituição sofrem um processo de maturação muito mais longo e profundo que o observado nas Constituições dogmáticas, o que assegura um estabilidade política e social muito superior às Constituições históricas. Há uma estreita relação entre as duas classificações até este ponto apreciadas, porque se conectam diretamente, num sentido, as Constituições dogmáticas e as Constituições escritas, e, em outro, as Constituições históricas e as Constituições não- escritas, apresentando-se tais classificações, na verdade, como duas formas diversas de se observar o mesmo fenômeno. Como pondera José Afonso da Silva, “o conceito de constituição dogmática é conexo com o de constituição escrita, como o de constituição histórica com o de constituição não-escrita”. Isto porque uma Constituição dogmática, ou seja, solenemente estabelecida em momento determinado, necessariamente será escrita, ou seja, estará contida em um único documento; fruto do ato solene que lhe deu vida. Da mesma forma, um CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 7 documento só poderá conter todas as normas constitucionais se ele for estabelecimento solenemente como documento constitucional, por um órgão para tanto competente em um momento específico. Por sua vez, uma Constituição histórica, que se forma e se reforma com o lento evoluir dos princípios fundamentais de determinada sociedade, dos valores considerados por ela essenciais em dado período, não sendo estabelecida num ato solene, terá que possuir suas normas esparsas ao longo de diversas fontes constitucionais, pois, se forem elas reunidas num documento único, este necessariamente será estabelecido de forma solene, e a Constituição, então, será dogmática. Tal espécie de Constituição será, portanto, necessariamente não-escrita. De idêntico modo, uma Constituição não-escrita (cujas normas encontram-se localizadas em diversas fontes) será irremediavelmente histórica, porque, se um documento for solenemente declarado como Constituição, passaria a ser o único documento constitucional, cessando a partir daí a validade das anteriores fontes constitucionais, até então em vigor, e tal Constituição passaria a ser dogmática. 3) QUANTO À ORIGEM Tomando por base a origem, podemos ter Constituições democráticas (populares, promulgadas) ou outorgadas. Numa acepção ampla, diz-se que uma Constituição é popular quando foi elaborada e posta a vigorar com a participação do povo, titular do poder constituinte, seja elegendo os seus representantes no processo de formação da Constituição, seja aprovando o texto final, antes (plebiscito) ou depois (referendo) de sua votação pelo órgão legislativo, podendo haver a participação do povo em apenas um desses momentos: elegendo seus representantes na Assembléia Nacional Constituinte (o que é o mais comum) ou aprovando o texto final, antes ou após sua apreciação pelo órgão constitucional. Numa acepção restrita, considera-se popular somente as Constituições que foram elaboradas por um órgão legislativo composto por representantes do povo, ou seja, por um órgão colegiado formado integralmente por membros eleitos pelo povo para elaborar o documento constitucional e que, portanto, estão legitimados para tanto. Afasta-se, nesta acepção, as Constituições não elaborados por este órgão legislativo especial – as Assembléias Constituintes -, mesmo que o texto final esteja sujeito à aprovação popular. Seria o caso, por exemplo, de uma Constituição elaborada pelo ditador de um País, mas sujeita à aprovação do povo. Tal Constituição, nessa segunda perspectiva, não é tida por popular. André Ramos Tavares, por exemplo, inclina-se por esta segunda posição,como podemos concluir pelas suas palavras: As Constituições promulgadas são fruto de uma Assembléia Constituinte eleita para tanto. São, por isso, também conhecidas como Constituições populares ou democráticas. Sua origem encontra-se em uma Assembléia Geral Constituinte, eleita pelo povo para fazer-se representar na feitura de seu futuro Documento fundamental. Embora haja méritos para osdois entendimentos, para fins de concurso devemos adotar o segundo, reputando promulgadas somente as Constituições cujo texto foi elaborado por um órgão legislativo integrado por legítimos representantes do povo, em vista de ser este o posicionamento da maioria de nossos constitucionalistas, podendo-se citar, entre outros, Pedro Lenza, José Afonso da Silva e Paulo Bonavides. Apenas para reforçar o posicionamento que devemos adotar, é válido transcrever a lição de Paulo Bonavides, o qual afirma que “as Constituições populares ou CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 8 democrática são aquelas que exprimem em toda a extensão o princípio político e jurídico de que todo governo deve apoiar-se no consentimento dos governados e traduzir a vontade soberana do povo”. Ora, se exprimem o princípio democrático em toda sua amplitude, devemos considerar que elas necessariamente devem ser elaboradas por aqueles a quem o povo expressamente conferiu poderes para tanto, a saber, os membros da Assembléia Nacional Constituinte. A Constituição outorgada, por sua vez, é aquela que foi imposta ao povo pelo detentor do poder político, que foi posta a viger por este sem a participação popular. É, enfim, uma Constituição elaborada e imposta ao povo por quem não recebeu poder e, portanto, não possui legitimidade para tanto, em regra um ditador ou um imperador. Nas palavras de José Afonso da Silva, outorgadas são as Constituições “elaboradas e estabelecidas sem a participação do povo, aquelas que o governante – Rei, Imperador, Presidente, Junta Governativa, Ditador – por si ou por interposta pessoa ou instituição outorga, impõe, concede ao povo (...)”. Podemos compreendê-la como uma auto-limitação do titular do poder político; este, por ato próprio, edita uma Constituição que estabelece regras para o exercício do poder que ele mesmo exerce. É tradicional a designação das Constituições outorgadas como “Cartas”. Como esclarece Paulo Bonavides, A Constituição outorgada representa, na tela do constitucionalismo, um largo esboço de limitação da autoridade do governante, o rei, príncipe ou Chefe de Estado, enfeixa em suas mãos poderes absolutos, mas consente unilateralmente em desfazer-se de uma parcela de suas prerrogativas ilimitadas em proveito do povo, que entra assim no gozo de direitos e garantias, tanto jurídicas como políticas, aparentemente por obra apenas em graça da munificência real. Do ponto de vista jurídico, a Constituição outorgada é ato unilateral de uma vontade política soberana – a do outorgante – mas, do ponto de vista político, representa, quase sempre, uma inelutável concessão feita por aquela vontade ou poder popular ascendente, sendo, pois, o produto de duas forças antagônicas que se medem em termos políticos de conservação ou tomada do poder. Essas duas forças em conflito dialético são princípio monárquico do absolutismo e o princípio democrático do consentimento. Um decadente, o outro emergente. O Chefe de Estado, outorgando a Constituição, a ela se sujeita jurídica e politicamente, embora alguns pretendam possa ele depois, no exercício da vontade soberana, que ficara latente, modificar a seu alvedrio a ordem constitucional outorgada. Na história constitucional brasileira tivemos Constituições democráticas – as de 1891, 1934, 1946 e 1988) e Constituições outorgadas – as de 1824, 1937, e 1967. José Afonso da Silva, analisando a matéria, acrescenta uma outra figura, por ele denominada Constituição Cesarista, um meio-termo a Constituição popular e a Constituição outorgada. Nela o projeto de texto constitucional é elaborado pelo governante, em regra um Ditador ou ou Imperador, ou seja, o próprio detentor do poder político, e aí, então, levado à aprovação do povo, mediante plebiscito. É efetivamente, uma figura intermediária, pois nela há participação popular, já que o projeto é aprovado pelo povo, em plebiscito, mas tal documento não foi elaborado pelos seus representantes, e sim pelo atual detentor do poder. José Afonso da Silva, após declarar que tais Constituições não se enquadram perfeitamente nem como outorgadas nem como promulgadas, afasta o seu caráter democrático, ao declarar que “a participação popular, nesses casos, não é democrática, pois visa apenas a CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 9 ratificar a vontade do detentor do poder”. Fala-se, ainda, nas Constituições Pactuadas, sendo assim denominadas as Constituições que nascem de um compromisso entre o rei ou monarca e o Poder Legislativo, com o que o texto constitucional nasce baseado simultaneamente em dois princípios, o monárquico e o democrático. Como afirma Paulo Bonavides, “na Constituição pactuada, há um pacto instável de duas forças políticas rivais: a realeza absoluta, debilitada, de uma parte, e a nobreza e a burguesia, doutra, surgindo então a Constituição como termo dessa relação de equilíbrio a forma institucional da monarquia limitada”. Apesar de seu caráter formalmente consensual, o Autor salienta que esta Constituição, na verdade, é fruto de uma posição de superioridade da nobreza e/ou da burguesia perante o rei ou monarca, enfim, o detentor do poder político. Nas palavras do próprio Bonavides: Entendem alguns publicistas que as Constituições pactuadas assinalam o momento histórico em que determinadas classes disputam ao rei certo grau de participação política, em nome da comunidade, com o propósito de resguardar direitos e amparar franquias adquiridas. Na Constituição pactuada o equilíbrio é precário. Uma das partes se acha sempre politicamente em posição de força. O pacto selado mal encobre juridicamente essa situação de fato, 'e o contrato de converte por conseguinte numa estipulação unilateral camuflada', conforme se deu com a Carta Magna ou a Constituição francesa de 1791: ali a supremacia dos barões; aqui, a supremacia dos representantes da nação reunidos em assembléia constituinte. 4) QUANTO AO CONTEÚDO Com relação ao seu conteúdo, podemos diferenciar as Constituições em materiais e formais. Na primeira aula deste Curso analisaremos com mais vagar a matéria, trazendo hoje os conceitos necessários para a compreensão desta classificação. Em sentido material, a Constituição é definida a partir do conteúdo, da substância de suas normas, correspondendo ao conjunto de normas que versam sobre os temas fundamentais do Estado, as matérias essenciais à organização política. Nesta perspectiva, são constitucionais as normas referentes à organização do Poder, ao exercício da autoridade, à distribuição de competência entre os entes estatais, à forma e ao regime de Governo e aos direitos fundamentais do homem, entre outras consideradas indispensáveis ao existir da comunidade. José Afonso da Silva amplia o âmbito de análise, diferenciando dois sentidos em que pode ser compreendida a Constituição material, o sentido amplo e o estrito. Segundo o Autor, No primeiro, identifica-se com a organização total do Estado, com regime político. No segundo, designa as normas constitucionais escritas ou costumeiras, inseridas ou não num documento escrito, que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais. Neste caso, constituição só se refere à matéria essencialmente constitucional; as demais, mesmo que integrem uma constituição escrita, não seriam constitucionais. Apreendida a lição do Autor, deve-se alertar para o fato de que a matéria será aqui tratada com base no que ali foi denominado sentido estrito de Constituição, por ser esta a perspectiva usualmente adotada nas questões de concursos. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULARPROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 10 É de se ressaltar que não há consenso doutrinário quanto às normas que correspondem à Constituição em sentido material. Há um rol mínimo aceito por toda a doutrina, que foi o exposto acima. Fora dele, as opiniões divergem, até porque a evolução do Direito Constitucional ao longo da história, ou diferenças culturais e geográficas, causam profunda alteração nos posicionamentos doutrinários. Assim, um tema que na atualidade é considerado materialmente constitucional no Brasil, pode não vir a sê-lo na Alemanha. Do mesmo modo, poderá no futuro tal assunto deixar de ser considerado pela doutrina brasileira materialmente constitucional, e passar a ser assim reputado pela doutrina alemã. Enfim, temos que a Constituição em sentido material refere-se ao conteúdo das normas de uma Constituição, mas somente daquelas reputadas como imprescindíveis à organização política, sem que haja consenso sobre o rol de normas que se enquadram no critério de imprescindibilidade. Pedro Lenza cita a Constituição brasileira de 1824 como exemplo de Constituição material, pelo fato de que o diploma, em seu art. 178, declarava ser constitucional somente o que dissesse respeito aos limites e atribuições dos poderes do Estado, bem como aos direitos políticos e individuais dos cidadãos. Em sentido formal, por sua vez, considera-se Constituição o conjunto de normas inseridas no texto constitucional, pelo só fato de terem sido aí inseridas, mediante um procedimento especial de elaboração, independentemente de tratarem ou não de temas considerados indispensáveis à organização política. Valendo-nos novamente de José Afonso da Silva, ensina o Autor que a “Constituição formal é o peculiar modo de existir do Estado, reduzido, sob forma escrita, a um documento solenemente estabelecido pelo poder constituinte e somente modificável por processos e formalidades especiais nela própria estabelecidas”. Apesar do Autor mencionar o processo especial para a alteração da Constituição como integrante do conceito de Constituição formal, para fins de prova devemos excluí-lo, pois ele é a base da classificação seguinte (quanto à estabilidade). Pelos conceitos expostos, podemos concluir que somente se faz possível a definição de uma Constituição sob a perspectiva formal se esta for escrita, ou seja, codificada em um único documento, pois é justamente este documento que agregará as normas e princípios constitucionais. Enfim, é esta reunião de preceitos, alguns materialmente constitucionais, outros não, mas todos criados por um procedimento peculiar e reunidos no documento constitucional, que corresponde à Constituição em sentido formal. Com base nesses conceitos podemos concluir: 1o) numa Constituição em sentido formal só são constitucionais as normas insertas no documento constitucional, todas as demais, independente de seu conteúdo, têm peso infraconstitucional (são hierarquicamente inferiores às normas da Constituição). Assim sendo, em Estados que apresentem Constituições escritas e apliquem o conceito formal, só há matéria constitucional no texto da Constituição; 2o) ao contrário, em Estados com Constituição não-escrita, se compreendida a Constituição em sentido material (o que é indispensável, já que a perspectiva formal exige Constituições escritas), serão constitucionais somente as normas que disciplinem os temas fundamentais à organização do Estado, onde quer que sejam encontradas (num costume, numa lei, num regulamento); 3o) já nos Estados que possuam Constituição escrita e que adotem o sentido material de Constituição, o documento escrito não delimita as normas constitucionais, pois serão assim consideradas todas aquelas que regulem os temais indispensáveis à existência da coletividade, onde quer se encontrem. Nessa situação, poderemos ter CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 11 normas constitucionais fora do texto denominado “Constituição”, como em um costume que verse sobre o exercício do poder; e normas não constitucionais dentro da “Constituição”, como seria o caso de uma norma, inserida no texto solene, que tratasse da ordem econômica; 4º) no atual estágio de evolução do Direito Constitucional, o critério relevante é o formal, segundo o qual compõe a Constituição somente as normas constantes no seu texto, ali postas por um procedimento especial. Assim sendo, se uma norma não materialmente constitucional, mas inserida no corpo da Constituição, em algum de seus pontos colidir com uma norma materialmente constitucional, mas prevista na legislação ordinária, aquela prevalecerá sobre esta, em vista de sua previsão no documento fundamental; 5º) na perspectiva formal todas as normas constantes no documento constitucional gozam de mesma dignidade. Desse modo, não é possível declarar-se a invalidade de qualquer delas por incompatibilidade com qualquer uma das demais, não importa o assunto por elas disciplinado. Com isto, pressupondo-se duas normas insertas na Constituição, se uma tratar de direitos fundamentais e a outra de ordem econômica, não poderá esta ser declarada nula se eventualmente colidir com aquela em determinada situação. Necessariamente o intérprete terá que analisá-las de forma sistemática, sem pretender negar aplicação à norma sobre a ordem econômica. Aqui, vale ser mencionada a lição de Pedro Lenza, o qual afirma que, com a inserção do § 3o ao art. 5o, da Constituição Federal pela EC 45/2004, atualmente passamos a ter uma hipótese de conceito misto, abrangendo concomitantemente o conceito formal e material de Constituição, uma vez que o referido dispositivo assevera que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Não queremos neste ponto trabalhar com a devida atenção a matéria, limitando-nos, no momento, a transcrever a lição do Autor para considerações posteriores. Assim, afirma ele que “(...) com a introdução do art. 5O,, § 3o, pela EC n. 45/04, passamos a ter uma espécie de conceito misto já que a nova regra só confere a natureza de emenda constitucional (norma formalmente constitucional) aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos (matéria), desde que observadas as formalidades de aprovação (forma)”. Por fim, para conhecimento, trazemos o entendimento na matéria esposado por André Ramos Tavares, segundo o qual podemos subdividir as Constituições em formais, materiais e substanciais. O conceito de Constituição formal adotado pelo Autor identifica-se com o antes apresentado, considerando-se como tal o “conjunto de normas jurídicas elaboradas de maneira especial e solene”. Já o conceito substancial de Constituição por ele proposto identifica-se com o de Constituição material antes apresentado, qual seja, o conjunto de normas reputadas essenciais à organização política da sociedade. Nas palavras do Autor, substancialmente, “a Constituição é o conjunto de normas organizacionais de determinada sociedade política”. Por sua vez, para André Ramos Tavares, Constituição material é o conjunto juridicizado de forças sociais, políticas, econômicas, religiosas e ideológicas que regem certa sociedade. Trata-se de um conceito sociológico de Constituição, construído por Ferdinand Lassale, que analisaremos também na primeira aula do Curso, o qual é tratado pelo Professor como o conceito de Constituição material. Para fins de prova, devemos conhecer a sua posição, pois pode ser eventualmente exigida nas questões, mas atentando para o fato de que as modalidades de Constituição adotadas majoritariamente nesta classificação são as apresentadas acimaCURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 12 (Constituições materiais e formais, apenas), segundo os critérios de diferenciação ali expostos (conteúdo da norma/processo de elaboração e inserção no documento constitucional). Podemos considerar que a questão versará sobre a lição peculiar do Professor somente quando apresentar a tríplice divisão por ele elaborada. 5) QUANTO À ESTABILIDADE Quanto à estabilidade, uma Constituição pode ser imutável, rígida, flexível ou semi- rígida. A Constituição é dita imutável quando simplesmente não admite alteração em qualquer de seus dispositivos. O interesse nessa modalidade de Constituição é meramente teórico, uma vez que o requisito indispensável para a permanência da eficácia de uma Constituição é precisamente sua capacidade de constante adaptação às transformações ocorridas na sociedade, o que se torna impossível nesse modelo de Constituição. Podemos, todavia, conferir a ele alguma utilidade, se adotarmos a lição de Alexandre de Moraes, que admite a imutabilidade relativa, quando o constituinte veda as alterações apenas por determinado prazo, que foi o que ocorreu na Constituição brasileira de 1824, cujo artigo 174 vedava alterações pelo período de 04 anos, a partir do que elas eram admitidas. Predomina, entretanto, o entendimento de que as Constituições imutáveis são aquelas que não admitem modificação, em termos absolutos, posição que devemos adotar. A Constituição rígida é aquela que estabelece um procedimento diferenciado para a alteração dos seus dispositivos, de maior solenidade e complexidade que aquele fixado para a alteração da legislação ordinária. Só pode se analisar a rigidez ou não de uma Carta Constitucional se a mesma for escrita (codificada num único documento), pois o procedimento especial, acaso existente, tem que abranger todas as normas constitucionais, o que não é exeqüível se elas estiverem disseminadas por várias fontes (leis, decretos, costumes etc.). Constituição flexível, por sua vez, é aquela que pode ser modificada pelo mesmo processo legislativo instituído para a reforma da legislação infraconstitucional. De regra são flexíveis as constituições não-escritas (cujas normas não estão fixadas num documento único), embora existam exemplos de constituições escritas flexíveis, como a Constituição Francesa de 1830. A Constituição semi-rígida (ou semi-flexível), por fim, é aquela que possui parte de seus preceitos alteráveis via processo legislativo ordinário, estando a alteração dos demais sujeita a um regramento processual específico, que apresenta maiores dificuldades e formalidades para ser exercitado. É, portanto, parcialmente flexível e parcialmente rígida. Como exemplo de Constituição semi-rígida podemos citar a Constituição brasileira de 1824, a qual, em seu art. 178, prescrevia: É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinarias. As demais Constituições brasileiras foram rígidas, o que também se aplica à atual Constituição Federal. A rigidez constitucional é pressuposto de uma série de conceitos de essencial importância no constitucionalismo moderno: (1) da concepção da Constituição, segundo uma perspectiva formal; (2) da supremacia formal das Constituições; (3) da CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 13 hierarquia das normas jurídicas, diferenciando-se normas constitucionais e infraconstitucionais; (4) do controle de constitucionalidade da legislação ordinária e das emendas à Constituição. Já analisamos anteriormente a Constituição sob as perspectivas formal e material. Em se tratando de Constituições do tipo rígido, deve–se ressaltar que a perspectiva material perde sua relevância, pois a dignidade constitucional é conferida pelo prisma formal. A norma está prevista no texto constitucional, logo, tem natureza constitucional, seja qual for a matéria por ela regulada. A perspectiva material mantém sua relevância somente nas Constituições flexíveis, principalmente se forem não-escritas (o que constitui a regra geral). Neste ponto, em complemento à matéria, devemos cuidar da supremacia constitucional, a qual pode ser compreendida por dois ângulos: a supremacia formal, existente em sua plenitude nas constituições rígidas, e em menor grau nas semi-rígidas, pelo qual a superioridade dos preceitos constitucionais é assegurada a partir da previsão de um processo legislativo especial para sua alteração; e a supremacia material, calcada exclusivamente no conteúdo de suas normas da Constituição, que assim prevalecem não em virtude de um procedimento específico para sua modificação, mas porque tratam dos temas considerados fundamentais para o desenvolvimento social e a estabilidade e aprimoramento das instituições estatais. O procedimento especial de alteração, típico das Constituições rígidas e presente parcialmente nas semi-rígidas, também é o ponto de partida para a diferenciação entre as normas constitucionais e as normas infraconstitucionais ou ordinárias, pois se aplica exclusivamente àquelas, o que se reforça seu caráter hierarquicamente superior. Este é um entendimento doutrinário pacífico: as normas constitucionais, numa perspectiva formal, prevalecem sobre as ordinárias, inicialmente, porque estão postas no documento constitucional de certo Estado. Uma vez promulgada a Constituição, a superioridade de suas normas passa a ser assegurada pelo processo especial de sua alteração, mais dificultoso e solene do que o previsto para a legislação ordinária. Um comentário também sobre o controle de constitucionalidade, matéria que será objeto de atenção em aulas próximas. Podemos defini-lo, sinteticamente, como o instrumento pelo qual se assegura que a superioridade hierárquica da Constituição será efetivamente respeitada, mediante a exclusão do ordenamento jurídico de todas as leis e atos normativos com ela desconformes, material ou formalmente. A finalidade do controle de constitucionalidade, em termos normativos, é assegurar a preponderância da Constituição sobre as demais normas do ordenamento jurídico de um Estado, que deverão, sob pena de nulidade, conformar seus preceitos aos princípios e normas nela existentes. A atuação dos agentes públicos e a conduta dos cidadãos deverão, igualmente, enquadrar-se em seus parâmetros. Imagine-se um Estado que tenha, em sua Lei Fundamental, um sistema estruturado de controle contra os atos normativos e condutas contrários a seus dispositivos, determinando os órgãos competentes e a forma de sua atuação. Entrando em vigor uma lei violadora das regras constitucionais, existirá todo um aparato processual apto a expurgar tal norma do sistema jurídico deste Estado, de maneira eficiente e definitiva. Pois bem, nessa situação estará assegurado o predomínio das regras constitucionais. Mas, quais regras? Se não foi fixado pelo poder constituinte originário um processo qualificado para a alteração da Constituição (presente integralmente nas Constituições rígidas e parcialmente nas semi-rígidas), qualquer ato normativo declarado inconstitucional pode vir a deixar de sê-lo por uma alteração dos próprios dispositivos CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 14 constitucionais a ele contrários, alteração essa que pode ser levada a cabo sem maiores dificuldades, já que resulta do mesmo procedimento utilizado para a elaboração do ordenamento infraconstitucional, muito mais simples e célere do que o procedimentoinstituído para a modificação dos dispositivos constitucionais naqueles Estados que adotam o modelo de constituição rígida. A estruturação de um controle de constitucionalidade e de um processo legislativo especial para a reforma da Constituição são, portanto, dois institutos que se completam e se reforçam, pois, enquanto o primeiro assegura o respeito às regras e aos princípios constitucionais vigentes, o segundo garante que, se não respeitadas suas rígidas disposições na alteração da constituição, serão estas mesmas regras e princípios que permanecerão vigentes. Pode-se, portanto, concluir assim: (1) a rigidez, ao exigir um procedimento especial para a modificação da constituição, termina por colocá-la no topo do ordenamento jurídico, como informadora de toda a produção legislativa do Estado, consubstanciando o que se chama supremacia da constituição em sentido formal, ou simplesmente, supremacia da Constituição; (2) por isso, diz-se que a decorrência imediata da rigidez é o princípio da supremacia da constituição; (3) daí, sendo a constituição rígida, suprema, as normas do ordenamento que a contrariarem carecerão de validade, devendo ser retiradas do mundo jurídico; (4) para essa retirada, assume relevo o controle de constitucionalidade, estabelecido no próprio texto constitucional como meio eficaz de fiscalizar e salvaguardar a supremacia constitucional, decorrente da rigidez. Pode-se concluir, portanto, que o controle de constitucionalidade baseia-se, modernamente, na supremacia formal das normas constitucionais, tendo lugar apenas nas constituições rígidas e semi-rígidas (estas, no que se refere aos dispositivos sujeitos ao processo especial para sua alteração), não sendo exeqüível, nas constituições flexíveis, já que, nestas, eventual declaração de inconstitucionalidade de uma lei pode ser facilmente superada, mediante a alteração ou revogação do dispositivo constitucional que serviu de base à impugnação. Ainda quanto à estabilidade das Constituições, são válidos os seguintes apontamentos: 1o) rigidez não deve ser confundida com imutabilidade, impossibilidade de alteração de normas constitucionais. Todavia, como é necessário que seja observado um procedimento mais complexo para a mudança das normas das Constituições dessa espécie, entende-se que a rigidez assegura a elas uma imutabilidade relativa (as Constituições semi-rígidas, quanto às suas disposições alteráveis apenas por procedimento especial, também gozam dessa imutabilidade relativa). Como professa José Afonso da Silva: A estabilidade das Constituições não deve ser absoluta, não pode significar imutabilidade. Não há Constituição imutável diante da realidade social cambiante, pois não é ela apenas um instrumento de ordem, mas deverá sê-lo, também, de progresso social. Deve-se assegurar certa estabilidade constitucional, certa permanência e durabilidade das instituições, mas sem prejuízo da constante, sempre que possível, perfeita adaptação das constituições às exigências do progresso, da evolução e do bem-estar social. A rigidez relativa constitui técnica capaz de atender a ambas as exigências, permitindo emendas, reformas e revisões, para adaptar as normas constitucionais às novas necessidades sociais, mas impondo processo especial e mais difícil para essas modificações formais, que o admitido para a alteração da legislação ordinária. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 15 2o) essa imutabilidade relativa deve ser compreendida em termos jurídicos, referindo-se ao procedimento especial para a alteração da Constituição, e não deve ser confundida com a efetiva estabilidade de uma Constituição. Para tanto, basta-nos lembrar o número de emendas que já sofreu nossa Constituição, que é do tipo rígida; 3o) não há vinculação necessária entre rigidez constitucional e a existência de cláusulas pétreas. Na Constituição Federal, o art. 60, § 4º, traz uma série de matérias protegidas contra quaisquer emendas tendentes à sua abolição, as chamadas cláusulas pétreas. Pois bem, podemos perfeitamente ter uma Constituição rígida que não possua cláusulas pétreas, bastando, para tanto, que todas as suas normas sejam modificáveis em qualquer amplitude, desde que observado o procedimento especial; como podemos ter uma Constituição que possua cláusulas pétreas e não seja rígida, o que ocorre quando há um rol de matérias protegido contra alterações tendentes à abolição, sendo os demais preceitos constitucionais passíveis de alteração pelo mesmo procedimento estabelecido para a legislação ordinária; 4º) não devemos confundir Constituição escrita com rígida, e nem flexível com não escrita. Embora a regra generalíssima seja a de que a Constituição escrita é rígida, e que a flexível é não escrita, estas correspondências nem sempre ocorrem. A doutrina cita a Constituição italiana como exemplo de Constituição escrita e flexível. Escrita, porque corporificada em um único documento; flexível, porque suas normas porque suas normas podem ser alteradas pelo processo legislativo ordinário. Aprofundando a matéria, podemos dizer que toda Constituição rígida é escrita, mas não o contrário, embora seja a regra geral; e que toda Constituição não-escrita é flexível, mas não o contrário, embora seja a regra geral. Ademais, pode-se considerar que as Constituições não-escritas (e, portanto, também históricas) são juridicamente flexíveis, mas, via de regra, social e politicamente rígidas, sofrendo poucas alterações (Paulo Bonavides admite que uma Constituição não escrita possa ser rígida – citando a Constituição francesa anterior a de 1789, que continha vários costumes tidos por rígidos, segundo alguns constitucionalistas, a exemplo de Burdeau e Vedel -, mas tal posição, até onde sabemos, nunca foi adotada pelas bancas de concurso; fica, portanto, a notícia do entendimento); 5º) em continuidade, é de se notar que as Constituições flexíveis podem ser tanto escritas e dogmáticas como não-escritas e históricas, ao passo que as Constituições rígidas e semi-rígidas são necessariamente escritas (e, portanto, dogmáticas), pois apenas a partir da inserção da totalidade das normas constitucionais em um documento único é que será possível a construção de um procedimento legislativo específico para sua alteração, aplique-se ele à totalidade das normas, no caso de Constituições rígidas, ou apenas à parte delas, no caso de Constituições semi-rígidas. A recíproca, todavia, não é verdadeira, pois é possível a existência de Constituições escritas que não sejam rígidas ou semi-rígidas: basta que uma Carta Constitucional, posta num só documento, não estabeleça um procedimento especial para a alteração de suas normas, caso em que ela será flexível. Quanto às Constituições não-escritas, elas são necessariamente flexíveis; 6º) nas Constituições flexíveis não há, em termos formais, uma efetiva hierarquia – supremacia - entre suas normas e as demais normas componentes do ordenamento jurídico, pois inexistente procedimento mais dificultoso para sua alteração. Tal prevalência das normas constitucionais só existe nas Constituições rígidas, aplicando- se à totalidade de seus preceitos, já que o procedimento específico de alteração abarca a Constituição como um todo; e nas Constituições semi-rígidas, neste caso apenas quanto à parcela das suas normas, alterável por um procedimento especial. Nas Constituições flexíveis só se pode impropriamente falar em “hierarquia” no CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 16 sentido material, significando que as normas da Constituição, pela relevância dos temas de que tratam, predominam sobre as normas infraconstitucionais. 6) QUANTO À FINALIDADE Tomando por parâmetro a finalidade,temos a Constituição-garantia, a Constituição- balanço e a Constituição dirigente. A Constituição-garantia volta-se para o passado, pois objetiva precipuamente assegurar os direitos, as garantias e as liberdades fundamentais já conquistados por uma sociedade, para o que estabelece mecanismos de contenção de poder estatal. É essencialmente uma Constituição de defesa ou, no dizer de José Afonso da Silva, uma Constituição negativa, instituidora de liberdade negativa, que busca reduzir o poder estatal a fim de preservar a esfera jurídica individual. A Constituição-balanço vislumbra o presente, avaliando e registrando o estágio atual de desenvolvimento de uma sociedade e suas características essenciais, a fim de preparar sua transição para uma nova etapa de desenvolvimento social. A Constituição dirigente vai além da Constituição-balanço, pois ela busca balizar a evolução de uma sociedade, nortear seu futuro. Para tanto, estabelece metas, diretrizes, programas e planos de ação para os Poderes Públicos, bem como os valores que o ente estatal deve preservar na sua atuação. As Constituições dirigentes são também denominadas programáticas, porque contêm grande número de normas dessa natureza, isto é, normas que fixam programas de ação para o Estado. As normas programáticas serão objeto da próxima aula. 7) QUANTO À EXTENSÃO Temos, nesta classificação, as Constituições sintéticas (também nominadas breves, sumárias, concisas) e as Constituições analíticas (também denominadas extensas, prolixas, largas, amplas). Segundo Alexandre de Moraes As constituições sintéticas prevêem somente os princípios e as normas gerais de regência do Estado, organizando-o e limitando seu poder, por meio da estipulação de direitos e garantias fundamentais (por exemplo: Constituição Norte-americana); diferentemente das constituições analíticas que examinam e regulamentam todos os assuntos que entendam relevantes à formação, destinação e funcionamento do Estado (por exemplo: Constituição brasileira de 1988). A diferença, portanto, não é difícil de ser percebida: a Constituição sintética, da qual é exemplo a Constituição norte-americana, é aquela que só trata de temas materialmente constitucionais, pertinentes à organização fundamental do Estado; já a Constituição analítica cuida de temas materialmente constitucionais e de temas apenas formalmente constitucional, sendo caracterizadas, também, pela presença das normas programáticas (que fixam planos de ação e metas para o Estado). São, desse modo, Constituições que descem a detalhes em termos de regramento jurídico, contemplando grande número de normas. Nos Estados que adotam Constituições do modelo sintético, é muito mais amplo o leque de atuação do legislador ordinário, uma vez que o texto constitucional limita-se ao regramento básico do Estado. Nos Estados que adotam Constituições do tipo analítico ocorre justamente o oposto, pois a amplitude dos temas tratados no documento constitucional limita a atuação do legislador ordinário, o qual ao exercer CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 17 sua função de editar a legislação complementar à Constituição, forçosamente terá que acatar os mandamentos constantes de seu texto, sob pena de nulidade do diploma legislativo elaborado. Assim, como salienta André Ramos Tavares, quanto às Constituições sintéticas, Nesses modelos jurídicos há ampla potencialidade de manutenção das Constituições que, em geral se perpetuam por longos períodos, como é de desejar. Isso ocorre porque, ao se dedicar aos princípios mais amplos, a Constituição sintética é mais facilmente adaptável à realidade concreta e suas constantes mudanças, sem necessidade de promover-se uma alteração formal em seu texto escrito. Atualmente, a preferência dos Estados é pela adoção de Constituições analíticas, embora, como apontado, a extensão de seu conteúdo implique a necessidade de contínuas alterações em seu texto. A doutrina aponta alguns motivos para tal preferência, dentre os quais podemos citar, como o principal, a necessidade de segurança jurídica quanto a certos direitos, deveres, proibições, responsabilidades, institutos e instituições, mesmo que não relativos à organização fundamental do Estado (seria o caso, por exemplo, das regras de proteção ao meio-ambiente, as quais, apesar de não integrarem o conceito material de constituição, são consideradas de especial relevância pela generalidade dos membros da maioria das sociedades contemporâneas). A previsão de tais matérias no documento constitucional confere- lhes uma proteção jurídica singular, dotada de maior eficácia que aquela proporcionada pela legislação ordinária, justamente por ter estatura constitucional. Em posição divergente (mas plenamente aceitável), Gabriel Dezen Junior trabalha a classificação nos seguintes termos: Importante, também, é citar a classificação de Constituição como sintética, em que o texto constitucional é predominantemente composto por princípios constitucionais, mais subjetivos, menos precisos, mais genéricos, e que, por não se preocupar com detalhamentos e explicações, garante um tempo de vida útil bem maior ao dispositivo constitucional, já que a atividade de interpretação vai se encarregar de adaptar aquele conceito impreciso à realidade histórica de cada momento; a outra forma de Constituição, nessa chave, é a analítica, a qual, contrariamente, tem predominância de normas constitucionais, e não de princípios, as quais buscam os detalhes menores, as explicações precisas e que contém comandos concretos e claros sobre as situações que regem, impossibilitando, por isso, maior desenvoltura no trabalho do intérprete, que ficará preso aos termos do dispositivo, razão pela qual a vida útil desses comandos é bem menor. (sem destaques no original). Na primeira perspectiva, o caráter analítico ou sintético da Constituição é definido pelo tipo de tema tratado – se materialmente constitucional ou não -, sendo irrelevante (ou secundário) o tipo de preceito – norma ou princípio – predominantemente utilizado na Constituição. Aqui, serão analíticas as Constituições que versem sobre assuntos diversos, sejam eles ou não materialmente constitucionais; e sintéticas as Constituições que se limitem ao disciplinamento somente de assuntos materialmente constitucionais. Na segunda perspectiva é justamente o oposto, pois a base da distinção é o tipo de preceito predominantemente utilizado na Constituição, se norma (mais específico) ou princípio (mais genérico), sejam quais forem as matérias neles regulada. Aqui, analítica será a Constituição composta preponderantemente por normas; e sintética aquela formada preponderantemente por princípios. De se ressaltar que também se aplicam aqui as considerações acima apresentadas sobre a maior perenidade das CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 18 Constituições sintéticas e a maior amplitude de atuação do legislador ordinário nos Estados que adotam essas Constituições. Embora a segunda perspectiva seja plenamente aceitável, sendo adotada por parcela de nossos doutrinadores, devemos privilegiar a primeira. 8) QUANTO À CORRESPONDÊNCIA COM A REALIDADE Karl Loewenstein elaborou uma classificação das Constituições com base em um parâmetro bastante diferenciado daquelas que analisamos até este ponto. Enquanto estas foram construídas a partir de características internas da própria Constituição, à exceção da classificação quanto à origem, a presente classificação parte de um ângulo externo à Constituição, examinando-a com base na sua maior ou menor proximidade com a realidade do processo de poder, critério com base no qual o Autor estruturou três modalidadesde Constituição. Inicialmente, a Constituição normativa, aquela cujas normas efetivamente regulam o processo político do Estado. É uma Constituição realmente eficaz, a que os atores do cenário político subordinam suas ações. Em segundo, temos a Constituição nominal, aquela que, apesar de instituída para dominar o processo político, é por este, na prática, ignorada, transcorrendo à revelia das normas postas na Constituição. Por fim, temos a Constituição semântica, concebida não para limitar o exercício do poder pelos governantes, mas, ao contrário, para possibilitar que eles se valham de seus dispositivos para se manter eternamente em posição de comando, em detrimento dos interesses legítimos da coletividade. Unindo as três modalidades, temos, então, que a Constituição normativa é elaborada para limitar o exercício do poder político, disciplinando-o, e efetivamente o faz; a nominal, também é instituída com tal intuito, mas não atinge seus objetivos; e a semântica, por sua vez, é estabelecida para apenas aparentemente limitar o exercício do poder, visando na realidade possibilitar que seus atuais detentores permaneçam em suas posições de comando, e efetivamente cumpre a contento sua finalidade. 09) QUANTO À IDEOLOGIA Quanto à ideologia, as Constituição podem ser ortodoxas ou heterodoxas. As Constituições ortodoxas são as elaboradas com base em elementos fornecidos por uma única corrente ideológica, mantendo-se em todo seu texto fiel à esta orientação. As Constituições heterodoxas, por sua vez, são formadas partindo de elementos fornecidos por diversas correntes ideológicas, buscando, ao longo de seu texto, normatizar suas diferenças num todo unitário, sistemático, de modo a obter-se um sentido harmônico da Constituição, 10) CONSTITUIÇÕES NOMINALISTAS E SEMÂNTICAS O Professor Alexandre de Moraes apresenta mais uma classificação das Constituições, dividindo-as em nominalistas e semânticas. Devemos atentar para o fato de que, apesar da similitude dos termos aqui utilizados com os da penúltima classificação, o critério distintivo é bastante diverso, como veremos a seguir. Nesse contexto, Constituição nominalista é aquela cujas normas são redigidas com elevado nível de clareza e precisão, de modo que o jurista, para aplicá-la aos casos CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 19 em concreto, precisa apenas utilizar-se do método de interpretação literal (que se limita à análise da própria redação da norma), sem valer-se dos outros métodos hermenêuticos, a exemplo do sistemático, do lógico, do histórico ou do teleológico. A Constituição semântica, por sua vez, é aquela cujas normas, em função de sua redação mais imprecisa, equívoca, não podem ter seu significado corretamente apreendido com tão só o uso do método literal, sendo ao intérprete, então, indispensável recorrer aos demais métodos de interpretação jurídica, alguns deles citados acima. 11) QUANTO À SISTEMATICIDADE De forma bem simples, trazemos a lição de Pinto Ferreira, que, trabalhando a partir do critério sistemático, classifica as Constituições em reduzidas e variadas. Reduzidas são as Constituições cujas normas estão reunidas em um só texto, de forma harmônica e organizada, que forma, por assim dizer, um “Código Constitucional”. É o caso da Constituição Federal de 1988. Variadas, por seu turno, são as Constituições cujas normas estão espraiadas por diversos diplomas legislativos. São, assim, Constituições que não possuem suas normas prescritas de forma sistematizada, em um só documento, ao contrário das Constituições reduzidas. Na verdade, os conceitos desta classificação correspondem exatamente aos conceitos de Constituição codificada e legal, na forma como apresentamos na primeira classificação desta aula. Apenas tratamos da matéria em separado para não apresentar um volume exagerado de informações naquela classificação. 12) CONSTITUIÇÕES LIBERAIS (NEGATIVAS) E SOCIAIS (DIRIGENTES) André Ramos Tavares propõe uma segunda classificação que toma por base o conteúdo ideológico das Constituições. Segundo o Professor, duas modalidades de Constituição podem ser percebidas, segundo o referido critério: as Constituições liberais ou negativas e as Constituições sociais ou dirigentes. As Constituições liberais são o resultado do sucesso do movimento liberal-burguês, que culminou no triunfo do Estado Liberal sobre o Estado Absolutista. Tais Constituições se propunham, basicamente, a conter o poder até então absoluto do Estado, encarnado na figura do monarca, assegurando uma esfera jurídica de liberdade individual, protegida contra a ingerência estatal. O objetivo destes diplomas constitucionais era, portanto, assegurar à sociedade, ou, melhor dizendo, aos seus membros, certos direitos e garantias mínimos, destinados a conferir-lhes um espaço de liberdade perante o gigante estatal. Consagram, assim, os direitos à liberdade de locomoção, de reunião, de manifestação do pensamento, o direito à vida e à propriedade, entre outros, bem como as correlatas garantias, a exemplo do habeas-corpus, remédio constitucional destinado a assegurar o direito à liberdade de locomoção. Tais direitos e garantias correspondem, em seu conjunto, aos direitos fundamentais de primeira geração e exigem, essencialmente, uma não-ação do Estado, no sentido de respeitar as esferas jurídicas por eles protegidas. Daí, o outro nome que designa tais Constituições – negativas -, que salienta seu intento: construir um espaço de liberdade individual liberto da intervenção estatal. No decorrer da evolução política das sociedades, vem à lume um segundo tipo de Constituição, a social ou dirigente, que, ao contrário da anterior, exige uma atuação CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 20 positiva do Estado. Tal modelo de Constituição parte da constatação de que o paradigma anterior não assegurava plenas condições de desenvolvimento para os membros economicamente mais fracos do corpo social, o que impedia a plena fruição das liberdades asseguradas pela Constituição liberal. Cabia então ao Estado pôr em prática uma série de políticas públicas que visassem justamente a conferir tais condições materiais, de modo a assegurar um mínimo de igualdade entre os membros da sociedade. Tais Constituições são, assim, caracterizadas por prever os chamados direitos sociais, encartados entre os direitos fundamentais de segunda geração, a exemplo dos direitos ao trabalho, à saúde, à educação, entre outros. Enfim, direitos que voltam-se a obter uma igualdade real entre os indivíduos, em complemento à igualdade formal assegurada pelo modelo anterior de Constituição. Porque essas Constituições prescrevem políticas a serem implantadas pelo Estado, são denominadas também dirigentes. Dirigem, orientam, norteiam e conduzem as ações a serem promovidas pelo Estado a busca da igualdade real. Em síntese, temos que as Constituições liberais ou negativas prescrevem os direitos fundamentais de primeira geração, que em conjunto buscam um não-agir estatal, no sentido de respeitar um espaço de liberdade próprio e exclusivo dos membros da sociedade; ao passo que as Constituições sociais ou dirigentes intentam consagrar um conjunto de direitos, os direitos sociais, integrantes dos direitos fundamentais de segunda geração, que impõem ao Estado ações, condutas positivas, no sentido de implementar as políticas públicas necessárias à obtenção de condições mínimas de igualdade real para a totalidade dos membros da sociedade. 13) CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Nossa vigente Constituição, levando-se em conta todas as classificações apresentadas, na ordem de apresentação,é escrita, dogmática, democrática, formal, rígida (super-rígida, para Alexandre de Moraes), dirigente, analítica, normativa, semântica, heterodoxa, semântica (na segunda classificação que usa o termo), reduzida e dirigente. Acima anotamos a posição peculiar de Alexandre de Moraes, para o qual nossa Constituição é super-rígida. Apenas desejamos, aqui, esclarecer que o Autor fundamenta seu entendimento nas cláusulas pétreas de nossa Constituição, um rol de matérias protegido contra qualquer tentativa de alteração que pretenda sua abolição. Tais matérias, a exemplo dos direitos e garantias individuais, são protegidas contra emendas constitucionais que intentem sua supressão, admitindo-se apenas aquelas que promovam alterações tidas por não substanciais. Logo, ensina o Autor, só podem sofrer alteração quando observado o processo especial previsto na Constituição e desde que tal alteração não implique sua abolição ou significativa alteração, ao passo que as demais normas da Constituição Federal, que tratem de matérias não elencadas entre as cláusulas pétreas, podem sofrer modificações substanciais, ou mesmo ser objeto de supressão (revogação), via emenda à Constituição, desde que observado o processo legislativo especial. Assim, em face desta especial proteção instituída para as cláusulas pétreas, entende o Autor que a Constituição Federal de 1988 é mais adequadamente designada como super-rígida. Encerrando a aula, vale mencionar a lição de Raul Machado Horta (trazida por Pedro Lenza), que insere a Constituição brasileira entre as Constituições que denomina expansivas, em função da diversidade de novos temas por ela tratados, comparativamente à Constituição brasileira anterior, e da ampliação do tratamento CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 21 jurídico de diversos temas já presentes nos documentos constitucionais anteriores, a exemplo dos direitos e garantias fundamentais. QUESTÕES DE CONCURSOS ANTERIORES * As questões envolvem assuntos não abordados nesta aula, que serão objeto de análise em encontros posteriores 1 (ESAF/AFRF/2002) - Assinale a opção correta. a) É típico de uma Constituição dirigente apresentar em seu corpo normas programáticas. b) Uma lei ordinária que destoa de uma norma programática da Constituição não pode ser considerada inconstitucional. c) Uma norma constitucional programática, por representar um programa de ação política, não possui eficácia jurídica. d) Uma Constituição rígida não pode abrigar normas programáticas em seu texto. e) Toda Constituição semi-rígida, por decorrência da sua própria natureza, será uma Constituição histórica. 2 (ESAF/Assistente de Chancelaria – MRE/2002) - A Constituição que é votada por uma Assembléia composta de representantes do povo e que admite ser modificada, exigindo porém um processo legislativo mais solene e dificultoso do que aquele seguido para a edição de leis ordinárias é chamada de: a) Constituição promulgada e rígida. b) Constituição flexível e dogmática. c) Constituição dogmática e semi-rígida. d) Constituição promulgada e semi-rígida. e) Constituição outorgada e rígida. 3 (ESAF/AFC/STN – 2002) - Em torno da Constituição, é correto dizer: a) Segundo entendimento pacificado na doutrina e na jurisprudência do STF, a antiga Constituição não perde vigência quando do advento de uma nova Constituição, quanto às cláusulas que não conflitarem com o novo Texto. b) As constituições ditas históricas são invariavelmente constituições escritas. CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 22 c) As constituições dirigentes caracterizam-se por conterem princípios básicos de limitação de poder, direitos fundamentais e garantias institucionais, não contendo, porém, normas programáticas. d) Chama-se parte dogmática da Constituição aquela em que são enunciadas normas que definem a forma de Estado adotada pelo constituinte e a forma de governo consagradas. e) Numa constituição flexível não há efetiva hierarquia entre as normas constitucionais e normas de lei ordinária, apta para ser fiscalizada em sede de jurisdição constitucional. 4 (ESAF/AFRF/2003) - a) A norma constitucional programática, porque somente delineia programa de ação para os poderes públicos, não é considerada norma jurídica. b) Chama-se norma constitucional de eficácia limitada aquela emenda à Constituição que já foi votada e aprovada no Congresso Nacional, mas ainda não entrou em vigor, por não ter sido promulgada. c) Somente o Supremo Tribunal Federal – STF está juridicamente autorizado para interpretar a Constituição. d) Da Constituição em vigor pode ser dito que corresponde ao modelo de Constituição escrita, dogmática, promulgada e rígida. e) Os princípios da Constituição que se classificam como cláusulas pétreas são hierarquicamente superiores às demais normas concebidas pelo poder constituinte originário. 5 (ESAF/AFT/2003) - Analise as assertivas a seguir, relativas à eficácia das normas constitucionais e às concepções de constituição, e marque com V as verdadeiras e com F as falsas; em seguida, marque a opção correta. ( ) Segundo a melhor doutrina, as normas de eficácia contida são de aplicabilidade direta e imediata, no entanto, podem ter seu âmbito de aplicação restringido por uma legislação futura, por outras normas constitucionais ou por conceitos ético-jurídicos. ( ) Segundo a melhor doutrina, as normas constitucionais de eficácia limitada são do tipo normas declaratórias de princípios institutivos quando: determinam ao legislador, em termos peremptórios, a emissão de uma legislação integrativa; ou facultam ao legislador a possibilidade de elaborar uma lei, na forma, condições e para os fins previstos; ou possuem esquemas gerais, que dão a estrutura básica da instituição, órgão ou entidade a que se referem, deixando para o legislador ordinário a tarefa de estruturá-los, em definitivo, mediante lei. ( ) A concepção de constituição, defendida por Konrad Hesse, não tem pontos em comum com a concepção de constituição defendida por Ferdinand Lassale, uma vez que, para Konrad Hesse, os fatores históricos, políticos e sociais presentes na sociedade não concorrem para a força normativa da constituição. ( ) Para Hans Kelsen, a norma fundamental, fato imaterial instaurador do processo de criação das normas positivas, seria a constituição em seu sentido lógico-jurídico. ( ) A constituição, na sua concepção formal, seria um conjunto de CURSOS ON-LINE – DIREITO CONSTITUCIONAL – CURSO REGULAR PROFESSOR GUSTAVO BARCHET www.pontodosconcursos.com.br 23 normas legislativas que se distinguem das não constitucionais em razão de serem produzidas por processo legislativo mais dificultoso, o qual pode se materializar sob a forma da necessidade de um órgão legislativo especial para elaborar a Constituição – Assembléia Constituinte – ou sob a forma de um quorum superior ao exigido para a aprovação, no Congresso Nacional das leis ordinárias. a) V, F, V, F, V b) V, F, F, V, V c) F, V, V, V, F d) F, F, F, V, V e) V, V, F, V, V 6 (ESAF/AFC/CGU – 2003/2004) - Analise as assertivas a seguir, relativas à Teoria Geral do Estado, aos poderes do Estado e suas respectivas funções e à Teoria Geral da Constituição, e marque com V as verdadeiras e com F as falsas; em seguida, marque a opção correta. ( ) Segundo a melhor doutrina, a soberania, em sua concepção contemporânea, constitui um atributo do Estado, manifestando-se, no campo interno, como o poder supremo de que dispõe o Estado para subordinar as demais vontades e excluir a competição de qualquer outro poder similar. ( ) Em um Estado Parlamentarista,
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