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Relatório Cabra marcado para morrer Eduardo Coutinho (1984)

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Relatório – Cabra marcado para morrer – Eduardo Coutinho (1984)
Cabra marcado para morrer (1984), de Eduardo Coutinho é mais uma obra-prima documental, anexada a nossa história cinematográfica. De forma simples, mas ao mesmo tempo, detalhista, o diretor descobre as facetas da injustiça, onde os ricos latifundiários detêm o poder e os mais pobres e miseráveis ficam à mercê da exploração e do sofrimento (realidade vista até hoje por consequência do nosso sistema político). A história começa em 1962, quando Eduardo Coutinho vai até a pequena cidade de Sapé, na Paraíba, para gravar uma obra ficcional baseada na vida de João Pedro Teixeira, presidente e fundador do Sindicato dos Agricultores de Sapé. O filme, que tinha como roteiro inicial contar a vida política do sindicalista João Pedro Teixeira, foi interrompido pelo Golpe Civil-Militar de 1964. É aí que este filme toma outro rumo.
Dezessete anos após a interrupção do filme, Eduardo Coutinho retoma as gravações, mas agora com uma outra perspectiva. Ele agora mostra como é a vida daqueles trabalhadores que fizeram parte das primeiras filmagens do projeto. Infelizmente, poucos restaram para contar história, mas de forma primorosa, Eduardo Coutinho extrai informações ricas para a construção da obra, expondo a dura realidade da época e quais foram os efeitos do filme e do golpe de 64 para a vida daqueles personagens da vida real. Coutinho não poderia construir essa obra documental sem falar de Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro Teixeira e de seus 11 filhos, que sofreram uma trágica separação devido ao golpe e a perseguição de sua família.
Em meio a um emaranhado de filmagens e relatos da época, Eduardo nos mostra a realidade antidemocrática da época. As consequências do Golpe foram duras para a vida de Elizabeth e principalmente para a vida de João Pedro Teixeira, morto de forma brutal, apenas porque lutava para dar uma vida mais digna para sua família e para a sua comunidade. O filme sem dúvida é mais que uma obra documental é o relato de uma época passada que nunca deve ser esquecida. Neste âmbito, percebe-se a importância de materiais audiovisuais como este para que a história continue viva. E não só isso. A produção é um grande material que mostra, sem rodeios, a vida de uma região esquecida pela “grande história”, sendo uma importante obra para a história regional e local daquela pequena cidade e para os moradores que ali habitam.
Debates de Fórum:
Resgate Historiográfico
Complementando o que o colega destacou sobre o documentário, “Cabra marcado para morrer” é o exemplo de um verdadeiro resgate historiográfico. Baseado inicialmente no assassinato de João Pedro Teixeira, líder de uma Liga Camponesa da Paraíba, o filme faz um recorde social da vida daqueles camponeses que sofreram com os efeitos do Golpe Militar de 1964. Ao longo da sua narrativa, Coutinho utiliza uma pluralidade de fontes, personagens, imagens e locações que relatam o passado e ajudam a construir a narrativa do documentário. Utilizando diversas técnicas e instrumentos para a sua pesquisa, o cineasta apresenta diversas perspectivas sobre a história no qual ele está construindo, mas com pequenas mutações e aspectos incompletos. Sobre isso, NEVES explica que:
“A produção historiográfica sofre permanente mutação porque a análise histórica se faz com instrumental teórico e metodológico do presente, projetado sobre o passado. A escrita da história é provisória e incompleta, porque resulta de objetivos, formas e instrumentos de pesquisa variáveis, conforme o recorte temporal, a definição espacial, as circunstâncias socioculturais, político-econômicas e a qualificação técnica e especialização do historiador”. (NEVES, 2002).
NEVES, Erivaldo Fagundes. História Regional e Local: fragmentação e recomposição da História na crise da modernidade. Feira de Santana: UEFS, Arcadia, 2002.
Ferramentas de construção da historicidade
Falando em historicidade é interessante destacar as ferramentas que o cineasta utiliza para fomentar as memórias daquela região. Como historiador, Coutinho buscava construir a história daquela localidade descobrindo o que aconteceu, costurando a narrativa como uma grande colcha de retalhos e reunindo as sequencias do resgate historiográfico. TUCHMAN (1991) apud NEVES (2002) explica um dos aspectos importantes para a produção da história-narrativa, utilizado por Coutinho para desenvolver o seu documentário: o “detalhe corroborativo”, onde o cineasta utiliza o registro de imagens, fotos, jornais, livros, entrevistas, dentre outros, sempre apresentando os fatos, nunca os inventando. “(...) o detalhe corroborativo - ilustração com fato, foto, mapa - confirmaria e corrigiria o historiador, que se satisfaz com o produto das fontes, diferentemente do romancista, que pode inventar esses detalhes corroborativos”.  (NEVES, 2002).
NEVES, Erivaldo Fagundes. História Regional e Local: fragmentação e recomposição da História na crise da modernidade. Feira de Santana: UEFS, Arcadia, 2002.
Cotidiano
O documentário “Cabra Marcado para morrer” é também um resgate das lutas de classes, exibindo a realidade de uma população muito distante dos centros urbanos e que sofrera com os abusos do Golpe Militar de 1964. Na produção cinematográfica, Coutinho dá voz aos oprimidos e explorados, destacando um cotidiano de lutas, tomada de consciência e expressão dos direitos. BARROS (2007), explica a importância do cotidiano para a construção da história local:
“Vários historiadores perceberam que o cotidiano não era apenas o lugar das pessoas comuns, mas também poderia ser considerado lugar de resistência e mudanças, exercendo papel central no acontecer histórico. O cotidiano estabelece articulações com as grandes estruturas de poder, políticas e econômicas. Seu estudo possibilita que as tensões e lutas do dia a dia possam emergir, dando voz a atores tradicionalmente excluídos e marginalizados, o que permitiria uma maior compreensão das estruturas sociais e suas transformações”. (BARROS, 2007, p.10).
BARROS, Carlos Henrique Farias de. Ensino de História, Memória e Historia Local. UNIVERSO-RECIFE: 2007
Memória
Sobre a produção cinematográfica é interessante destacar o uso da memória como grande premissa para fomentar a história da região. Utilizando personagens que vivenciaram o fato histórico, Coutinho evidencia a noção de identidade, ajudando na construção de seres mais conscientes de sua realidade local, levando um sentimento de continuidade e reconstrução da história. Sobre memória, BARROS (2007), destaca que:
“A ‘Memória’, no se sentido primeiro da expressão, é a presença do passado. A memória é uma construção que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, que nunca é somente aquela do indivíduo, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar, social e nacional”.  (BARROS, 2007, p.13).
BARROS, Carlos Henrique Farias de. ENSINO DE HISTÓRIA, MEMÓRIA E HISTÓRIA LOCAL. UNIVERSO-RECIFE: 2007

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