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Região e História Agrária

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Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.8, n.15, 1995, p.17-26.
REGIÃO E HISTÓRIA AGRÁRIA
Francisco Carlos Teixeira da Silva
Maria Yedda L. Linhares
Quando se iniciaram os primeiros estudos modernos de história agrária no Brasil, entre
1976 e 1977, primeiramente na Fundação Getulio Vargas e depois na UFF,1 duas questões
básicas foram, desde logo, colocadas: de um lado, a necessidade do perfeito conhecimento
das fontes disponíveis e, de outro, as definiçoões de um recorte geográfico para a pesquisa. A
questão da identificação das fontes e a conseqüente produção de uma metodologia adequada
ao seu uso foram enfrentadas, e, devemos dizer, coroada de grande êxito (Linhares e Silva,
1981). Em pouco tempo, conseguimos identificar um vastíssimo corpo documental capaz de
sustentar uma vigorosa história agrária, como ainda estabelecemos sua validade em caráter
nacional: são fontes disponíveis tanto em Goiás Velho (GO) quanto em Belém (PA), Campos
(RJ) ou Porto da Folha (SE), portanto comparáveis e sensíveis a uma articulação de
proporções continentais. Pudemos, ainda, e mais importante talvez, elaborar uma
metodologia, em grande parte devedora do encontro da história proposta pelos Annales, com
um forte viés marxista, capaz de extrair dos documentos uma visão impressionante da
estrutura fundiária, dos grupos sociais, das formas de organização do trabalho, da mobilidade
social e, enfim, da família, da herança e das fortunas. Neste campo, acreditamos ter avançado
e promovido uma mudança qualitativa sem dúvida importante.
No segundo ponto, o recorte geográfico, a situação foi e, acreditamos, permanece
diferente. Logo em 1977, quando da elaboração de um primeiro trabalho, sentimos a extrema
 
1. Para conhecimento da história agrária no Brasil, ver o prefácio de Maria Yedda Linhares a Castro e Schnoor
(1995).
2
necessidade da definição das relações entre história agrária e região. Por suas próprias
características, e bem ao contrário da história econômica tradicional, a história agrária não
poderia ser uma história “nacional”. Isso nos era ensinado pela história agrária francesa, que
fora sempre regional (e mais tarde, isso seria confirmado pela escola alemã de W. Abel e
Slicher van Bath). A extrema necessidade de levantamento de dados, o caráter maciço e serial
das fontes, o aspecto de arquipélago da ocupação e do desenvolvimento da sociedade no país,
a sucessão de áreas ocupadas e abandonadas, tudo indicava que uma generalização apressada
de resultados culminaria, ainda uma vez, naquilo que Francisco Iglésias denominara com
extrema felicidade de “vaguidão” da história do Brasil.2 Desta feita, a experiência francesa
era de pouca valia para nós, além, é claro, do axioma geral acima colocado. O passado
extremamente regionalizado da França e a fantástica autonomia econômica, jurídica e
consuetudinária dos diversos pays fizeram com que a noção de região usada pelos
historiadores franceses não fosse um modelo automaticamente transportável para a realidade
histórica brasileira.3
No campo da teoria marxista, que nos servira imensamente para corrigir alguns dos
excessos particularistas e setorizantes do método inspirado nos Annales, a possibilidade de
contribuição era ainda menor. Não só não existiam (ainda) bons trabalhos sobre o conceito de
região, como também os debates eram por demais centrados sobre a questão urbana —
“espaço privilegiado de desdobramento da questão social” —, dominada por elementos do
debate sobre especulação imobiliária e reprodução ampliada.4
Alguns elementos, entretanto, eram evidentes para nós. Desde então nos afigurava
impossível abarcar a “nação” como campo de trabalho. Como conceito construído e
 
2. Ver prefácio de Francisco Iglésias a Linhares e Silva (1981).
3. Para uma visão do tratamento regional em história agrária francesa ver, por exemplo, Bloch (1952), Ladurie
(1964) e Goubert (1968).
4. Participavam fundamentalmente deste debate Castells (1977) e Lipietz (1974).
3
historicamente datado, não era possível justificar como limites de trabalho as fronteiras atuais
do país, e, ademais, o esforço para tal seria necessariamente fadado ao fracasso. Ao mesmo
tempo, não queríamos produzir uma história desenraizada, desvairada e solta, que a cada
momento exemplificasse seu objeto com uma citação geográfica (Silva, 1977).
Neste sentido, procuramos auxílio junto à geografia. Nossas expectativas voltavam-se para
uma disciplina que, ao longo dos anos 50, recebera um forte impulso derivado da escola
francesa (com a presença de professores e pesquisadores franceses na universidade e nas
instituições de pesquisa) e havia produzido um bom número de excelentes trabalhos.5
Particularmente no IBGE, uma geração de pesquisadores havia “redescoberto” o grande
Brasil agrário e sertanejo, com viagens de trabalho, relatórios e artigos, transformando o
Anuário Geográfico num grande núcleo de estudos.
Algumas decepções, entretanto, nos aguardavam. De um lado, a larga exposição desses
estudiosos ao marxismo — ou a uma das vertentes possíveis do marxismo no Brasil nos anos
60 — havia desviado a rota dos trabalhos iniciados nos fins dos anos 40. A geografia evoluíra
para uma discussão centrada sobre o econômico, muitas vezes com a perda do seu próprio
objeto. Muitos dos trabalhos escritos então pouco se definiam entre análises de economia e
tentativas de história econômica. Em ambos os casos, com sérias deficiências: nem possuíam
a sofisticação teórica que aos poucos começava a marcar os economistas brasileiros, nem
acompanhavam os novos métodos e abordagens da história. A maioria dos estudos dava como
comprovadas afirmações generalizantes de trabalhos de Caio Prado, Nélson Werneck Sodré
ou Celso Furtado, realimentando o aspecto generalista da história do Brasil e exatamente na
contramão das pesquisas que se iniciavam. A discussão sobre região era reduzida e voltava-se
largamente para a instrumentalização dos conceitos de pólo, periferia, rede, irradiação, etc.,
 
5. Nos referimos aos trabalhos de Nilo e Lísia Bernardes, Orlando Valverde e, muito especialmente, ao de
Renato da Silveira Mendes (1950).
4
marcadamente direcionados para a espantosa expansão urbana por que o país passava no
período entre 1950 e 1970.
As teorias desenvolvimentistas e os conceitos de dependência e de colonialismo interno
eram as preocupações básicas dos geógrafos. Aos poucos, a própria expressão “região” foi
sendo expulsa das discussões para ser substituída pela vaguíssima noção de “espaço”. Esta,
desprovida da carga histórica que necessariamente acompanharia o conceito de região, passou
a ser comprendida como algo novo, ou seja, como uma aglomeração estruturada, lugar
específico da produção, determinado pelos imperativos da economia espacial.6 Mais
importante ainda, para a nova escola de geógrafos, é que o espaço definir-se-ia, enquanto
quadro construído, como o centro, noyan, que permitiria a explicitação dos conflitos e
rivalidades sociais.7 Assim, o espaço tornar-se-ia o cenário, por excelência, da luta de classes.
Tal abordagem do conceito de região/espaço, considerada “marxista” pela nova geografia,
deveria claramente contrapor-se a dois outros conceitos. De um lado, a abordagem dita
“positivista”: o espaço é considerado como o suporte de uma série de fenômenos sobre os
quais se construiria a reflexão da geografia como ciência, ou seja, um dado externo ao
processo social como um fenômeno em si. De outro lado, a abordagem estruturalista: o
espaço é, aqui, uma relação orgânica do físico-natural com os fenômenos que nele se
desenrolam, constituindo, assim, um processo de determinações mútuase contínuas,
determinante e determinado simultaneamente, cabendo ao geógrafo “desvendar” esta rede de
determinações.8 A postura marxista em geografia opor-se-ia a estas concepções a partir de um
ponto de vista diferenciado, onde o espaço é produto direto da ação do homem e “...tal
intervenção constrói e reconstrói, organiza, desorganiza e reorganiza em função de interesses
determinados, orientadores dessa ação” (Rodrigues, 1983: 29). Tais determinações teriam um
 
6. Ver, por exemplo, Lipietz (1974:28).
7. Ver, por exemplo, Oliveira (1981).
8. Ver, como um bom exemplo desta posição, Rodrigues (1983:27 e segs.).
5
caráter histórico, portanto dinâmico, interligadas diretamente à forma pela qual os homens
organizam o modo de produção em que vivem. Neste sentido, o espaço é expressão do modo
de produção historicamente dado e sua função é por ele determinada, participando dos
movimentos de reprodução mais gerais da formação econômico-social.
Evidentemente, do ponto de vista do historiador, tais afirmações colocavam mais
problemas do que aqueles que pretendiam resolver. Os conceitos de modo de produção e
formação social caracterizavam-se por um grau extremamente elevado de complexidade
conceitual e dificil instrumentalização, gerando, no seio do próprio marxismo, as mais
diferentes concepções possíveis. Assim, ao atrelar espaço ao conceito de modo de produção e
formação econômico-social — principalmente quando se abandonava o quadro das
sociedades modernas e indiscutivelmente capitalistas —, o historiador caía num atoleiro
teórico de proporções muito maiores que seus esforços. Particularmente grave era a questão
durante os anos 70 e início dos 80, quando o debate entre posturas teóricas diferentes sobre o
caráter geral da colônia ( “escravismo colonial” versus “capitalismo comercial/sistema
colonial”) e a possibilidade de uso de conceitos como modo de produção historicamente novo
(Ciro Cardoso e Jacob Gorender) dividia, algumas vezes de forma agressiva, a comunidade
acadêmica.
Um segunda dificuldade para o historiador que recorria à geografia decorria do seu caráter
extremamente atual. Os geógrafos, através dos trabalhos produzidos pelo IBGE, forneciam
uma clara possibilidade de regionalização, inclusive agregando os dados já produzidos. O
conceito de microrregião homogênea deveria, assim, facilitar os trabalhos de todos aqueles
que buscavam um quadro espacial suficiente para suas pesquisas. A partir de 1966, num
fantástico esforço metodológico, o IBGE dividiu o país em 361 microrregiões, definidas
segundo a forma de organização do espaço em torno das características da produção. Os
critérios buscados pelos geógrafos do IBGE procuravam ser os mais amplos possíveis:
“Foram individualizadas áreas que se identificam por certa forma de combinação dos
elementos geográficos, sempre dentro de determinado nível de generalização e maior
6
número de elementos geográficos considerados(...). Naturalmente, quanto menor o grau de
generalização e maior o número de elementos geográficos considerados, menores e mais
numerosos foram os espaços diferenciados.”9
Os próprios geógrafos apontaram, desde logo, um elemento altamente perturbador no
conceito de microrregião homogênea: sendo um conceito centrado sobre os elementos da
produção (agricultura, indústria, população, ecologia, etc.), o conceito é, necessariamente,
dinâmico e deveria, portanto, ser revisto periodicamente para uma reavaliação e possível
reagrupamento. Entretanto, os governos estaduais, bem como a União, apressaram-se em dar
forma legal à divisão regional do país, principalmente em função de suas atividades de
planejamento. Ora, em um país de fronteira (agrícola e demográfica) ainda aberta, com
intensos movimentos internos de população e um rápido processo de urbanização e
industrialização, o caráter fixo das microrregiões pode se constituir num obstáculo a uma boa
visão do regional. Assim, suas próprias premissas fundadoras — as formas de organização da
produção — tendem a ser superadas, transformando as microrregiões homogêneas em um
quadro rígido e com tendência a não mais dar conta de seu objetivo inicial.
Mais grave, ainda, para o historiador é o fato de os critérios utilizados serem
essencialmente atuais. As formas de organização da produção buscadas como indicadores
foram formas claramente atuais — quer dizer, atuais nos anos 60 — desconhecendo todo um
enraizamento histórico. Assim, por exemplo, a microregião homogênea de Cantagalo
(Cantagalo, Itaocara, Carmo, Sumidouro e Duas Barras) é vista autonomente em relação à
microrregião de Cordeiro, onde está incluído o município de Santa Maria Madalena. Ora, no
final do século XIX, quando se dá a ampla valorização desta região serrana, as relações entre
Madalena e Cantagalo, inclusive a estreita complementaridade, são intensas. Um jovem
pesquisador poderia ser levado a equívocos ao considerar diferenças ou particularidades entre
ambos os municípios. Da mesma forma, a a microrregião serrana (Friburgo e Teresópolis)
 
9. Ver IBGE (1968); para sua aplicabilidade ao Rio de Janeiro, ver Cunha (1975).
7
não abarca o município de Petrópolis, apesar de o povoamento e as atividades de tipo
pequena produção artesanal doméstica e agrícola serem bastante semelhantes. Petrópolis foi
localizada na microrregião metropolitana, junto com Rio de Janeiro, Niterói e Nova Iguaçu!
Assim, não só os critérios fornecidos pelo IBGE parecem precários, como ainda o
agrupamento estatístico daí decorrente não é de grande valor para o historiador. Da mesma
forma, a metodologia proposta parece não fornecer subsídios capazes de um emprego útil
para a história, não podendo ser de base para uma reconstrução das regiões históricas.
Os elementos acima expostos compreendem largamente os motivos da “decepção”
decorrente do encontro, nos anos 70, entre a geografia e a história. O modelo básico de
análise proposto pela historiografia francesa — buscar na geografia os quadros da história
agrária — afigurava-se para nós como uma realização impossível.
Tal constatação levou os pesquisadores da história agrária a buscar sua própria percepção
de região. Tratava-se, agora já com uma consciência crítica do fenômeno, de reconstruir a
região histórica, independente dos critérios da moderna geografia.
Em primeiro lugar, cabia claramente determinar os limites da documentação: sendo a
história agrária, tal qual nós a ela nos dedicávamos, um imenso esforço de identificação de
novas fontes, homogêneas e, sempre que possível, seriais, a definição do recorte espacial do
nosso objeto deveria claramente acompanhar a produção dessa documentação. Assim, cabia
um procedimento prévio por parte do historiador, visando estabelecer as origens e os limites
da área em questão durante o período escolhido. Caminhávamos já, claramente, no campo da
história agrária por nós desenvolvida, optando pelo procedimento proposto por Pierre
Goubert (1969:54) e que poderíamos resumir como sendo uma história ao microscópio:
realizar a pesquisa num quadro de uma pequena região e numa duração grosseiramente
secular, efetuada com a ajuda dos arquivos os mais esquecidos dessa região e do século em
questão. Desta forma, deveríamos estabelecer dois pontos: em que núcleo de povoamento
estavam os arquivos locais, principalmente os cartorários, de tanta importância para a história
agrária; qual o raio de ação coberto pelas agências produtoras da documentação.
8
Muito comumente, percebíamos que o raio de ação dos principais núcleos político-
administrativos — o cartório e a igreja local — tendiam a convergir, identificando a freguesia
como uma unidade administrativa relativamente homogênea. Surgiam,entretanto, problemas:
de um lado, a freguesia não se identifica imediatamente com o atual município, sendo, na
maioria das vezes, mais ampla, quase como um supermunicípio, matriz de inúmeros
municípios atuais. Por outro lado, a unidade de medição e controle mudara, entre 1920 e
1940, de forma acentuada e sem qualquer esforço de clarificação. Um exemplo típico: os
censos de 1872, 1890, 1900 e 1920 apresentam quadros por freguesias; já o censo de 1940
apresenta-se dividido em municípios, sem correlação explicativa. Assim, cabia inicialmente
ao historiador reagrupar as antigas áreas formadoras dos pontos de dispersão e, a partir daí,
optar pelo melhor recorte possível da sua região. De outro lado, mesmo a origem comum de
grandes áreas não garantia de maneira alguma uma proximidade e relevância de agrupamento
de pesquisa; cabia, então, ao pesquisador estabelecer, no interior de uma vasta freguesia, as
áreas realmente organizadas pelas relações sociais aí dominantes (Silva, 1981).
O pesquisador não deveria, entretanto, prender-se a limites fisiogeográficos ou
administrativos, procedendo, sempre que necessário, a reduções e/ou ampliações do raio de
ação. Mais uma vez recorrer-se-ia a Marc Bloch (1952) para buscar o apoio necessário:
“(...) é absurdo aferrar-se a fronteiras administrativas tomadas da vida presente, e não o
é muito menos utilizar fronteiras administrativas do passado (...). É necessário que a zona
escolhida tenha uma unidade real; não sendo necessário que tenha fronteiras naturais
dessas que não existem mais do que na imaginação dos cartógrafos”.10
Assim, se a identificação da freguesia-base é um procedimento prévio necessário, não é,
por sua vez, a resolução da questão da região.
As freguesias, ou paróquias, que cobriam todo o território da Colônia, perduraram até a
República Velha, como unidade administrativa do país. Tal persistência é, sem dúvida,
 
10.Ver a carta a R. Boutruche, 31.10.1930, em Bloch (1952:103).
9
extremamente valiosa para o trabalho do historiador, constituindo um quadro de referências
fundamental. Em sua origem, as freguesias remontam ao processo da Reconquista na
Península Ibérica, já no século XII, quando as instituições religiosas deram provas de melhor
resistência que a administração civil. Oliveira Marques afirma que mesmo durante o período
árabe persistiu a organização eclesiástica, para florescer após o século XII:
“À unidade religiosa mais pequena chamava-se paróquia ou freguesia. A freguesia
surgira como substituta do antigo paço rural, sempre que seu senhor, nos casos em que
sobreviveu, deixara de constituir a fonte de proteção eficaz e o símbolo da riqueza e da
autoridade junto da população de cada villa. Em vez dele foi o padre da paróquia que se
tornou o chefe respeitado de muitas comunidades, aquele cuja influência jamais diminuiu.
A sua área de ação coincidia com a da antiga villa, herdando dela a tradição unificadora”.11
No caso do Brasil, e muito particularmente no período colonial, a administraçào
eclesiástica precedeu em muito as estruturas administrativas civis. Assim, tendo em vista as
necessidades da catequese — pilar da colonização lusa — criar-se-iam, de forma precoce, as
estruturas da paróquia e, somente bem mais tarde, chegariam os forais estruturadores das
câmaras e vilas. Decorria, desta forma, com naturalidade que o poder público recorresse aos
párocos para obter informações e serviços de que necessitava, compondo-se, assim, a
estrutura básica do padroado. Desta forma, a administração pública, de cunho civil,
confundia-se claramente com a estrutura administrativa da Igreja, onde a área de atuação dos
párocos era bastante bem definida, impondo-se que as áreas de administração religiosa
fossem tomadas como unidades básicas da adminstração pública. Os contornos geográficos
de freguesias ou paróquias originam, por este caminho, a maioria dos municípios posteriores
ou, então, os distritos no interior dos municípios. Os movimentos de emancipação municipal
(com desmembramentos do município-mãe), particularmente fortes entre 1890 e 1895 e 1985
e 1994, tomam regularmente como base de suas cartas os antigos distritos municipais, ou
 
11. Ver Mrques (1972). Ver, ainda, Peres (1928-29) e Barros (1945-54).
10
seja, velhas freguesias e paróquias. Desta forma, mesmo face a um constante movimento de
fragmentação dos grandes municípios, permanece uma certa continuidade histórica, no mais
das vezes remontando ao período colonial.
No caso do município do Rio de Janeiro, por exemplo, existiam historicamente 21
freguesias, sendo a primeira criada em 20 de fevereiro de 1569, naturalmente com a
denominação de São Sebastião. O avanço do povoamento implicou um constante movimento
de expansão, surgindo a Candelária, em 1634; Irajá, em 1644; Jacarepaguá, em 1661; Campo
Grande, em 1673; Ilha do Governador, em 1710; Inhaúma, em 1749; São José e Santa Rita,
ambas em 1751; Guaratiba, em 1755; Engenho Velho, em 1762; Ilha de Paquetá, em 1769;
Lagoa, em 1809; Santana, em 1814; Sacramento (ex-São Sebastião), em 1826; Santa Cruz,
em 1833; Glória, em 1834; Santo Antônio, em 1854; São Cristóvão, em 1856; Espírito Santo,
em 1865; e. finalmente, Engenho Novo e Gávea, em 1873.12
Uma análise detalhada do perfil das freguesias antigas, e não só no Rio de Janeiro, e tanto
daquelas urbanas quanto das rurais, mostra claramente que acompanhavam o ritmo do
povoamento e possuíam uma forte homogeneidade econômica e social. Paróquias açucareiras
do Nordeste ou do Rio de Janeiro, paróquias cafeeiras do Rio, São Paulo e Espírito Santo ou
policultoras do Rio de Janeiro ou da Bahia, mantiveram estruturas básicas, como a rede
fundiária, por períodos algumas vezes centenários. Assim, vemos que o avanço da fronteira
agrícola fez com que algumas das freguesias constituíssem perfis específicos. Se
compararmos, por exemplo, as freguesias rurais da Vila de Cayru com as de Sergipe do
Conde, ambas na Bahia, por volta de 1698, veremos que enquanto o conjunto de terras de
Sergipe do Conde se encontra monopolizado por cinco grandes proprietários, com um
megaproprietário, as freguesias de Cayru correspondem a uma estrutura fundiária mais
descentrada com mais de duas centenas de pequenos e médios proprietários, quadro
confirmado pelas listas de habitantes e terras em 1798. Enquanto Sergipe do Conde apresenta
 
12. Ver Santos (1965) e, especialmente, a introdução de Paulo Berger, p.7-9.
11
um perfil monocultor acentuado, baseado na cana-de-açúcar, Cayru aparece com uma
paisagem policultora, centrada na mandioca/milho/feijão. Na virada do século, Cayru começa
um amplo processo de substituição da mandioca pelo fumo, mantendo, entretanto, o caráter
de pequena produção familiar e escravista, enquanto Sergipe do Conde mantém um perfil
açucareiro. Vemos, assim, que ambas as regiões conservam, num período mais que secular,
um perfil básico capaz de identificá-las. A estrutura administrativa também persiste, com a
documentação paroquial dando conta das novas mudanças e/ou continuidades (Silva, 1990 e
Schwartz, 1985).
Um grande avanço para o historiador, na percepção da recorrência das estruturas sócio-
econômicas como elemento delimitador de uma região, foi o trabalho de Antônio Barros
Castro (1971). Inovador e instigante em vários aspectos, no tocante à noção de região e sua
aplicabilidade ao trabalho do historiador, Castro apresentava, para o que nos importa, duas
contribuições fundamentais: de um lado, a superação do obsoleto e arraigado conceito de
ciclo e sua substituição por uma análise regionalizada; e, por outro, uma proposição concreta
de análise regional.No primeiro caso, para Castro (1971) era absolutamente insatisfatório
considerar a história do Brasil como uma justaposição de etapas ou “ciclos” que se sucediam
“saltando” de um local e produto para outro. Visando superar tal tipo de análise (baseada
largamente em Lúcio de Azevedo e desenvolvida entre nós por Roberto Simonsen), o autor
propõe o exame detalhado das diferentes formas com as quais a produção procurou enfrentar
as crises de que padecia. Assim, esvaziamento, introversão, substituição e superação
apareciam como processos envolvendo as atividades de uma determinada região face à crise
de suas principais atividades. Ao mesmo tempo, o “arquipélago colonial” — feliz expressão
de Castro para dar conta do insulamento da colonização lusa no Brasil — não se constituía
em pontos isolados e entregues a si mesmos:
“(...) a tão difundida imagem da descontinuidade espacial da nossa economia em épocas
passadas também tende a ser revista pelo estudo das crises. As regiões em dificuldades
tendiam a alterar profundamente suas relações com o resto da economia, importando
12
menos, exportando mais e, em certos casos, transladando mão-de-obra e capital para
outras regiões” (Castro, 1971:11).
Desta forma, chegava-se a uma nova dinâmica na história do Brasil, superando, ao menos
no ambiente acadêmico mais avançado, a noção de “ciclo” e, simultaneamente, o velho
conceito arraigado de “decadência”, tal qual fora proposto por Celso Furtado ao tratar Minas
Gerais pós-mineração.
Foi exatamente refletindo sobre o uso abusivo do conceito de “decadência” (compreendido
como crise da produção exportadora) que Castro voltou-se mais detalhadamente para a
explicitação de região. Até então região era, no trabalho de Castro, um conceito macro,
definindo grandes complexos regionais, como o Nordeste, as Minas, o hinterland ou o
Extremo Sul. Visando a uma melhor compreensão de sua proposta, e ao trabalhar com a área
cafeeira, Castro (1971:50) propõe a análise do conjunto da área cafeeira a partir três
características básicas: “...uma faixa ou zona pioneira, onde o café está penetrando; uma
região em que ele se encontra consolidado e plenamente produtivo e uma região decadente,
onde a cultura se encontra em regressão”. Passávamos, assim, de um uso macro do conceito
para uma utilização mais funcional e dinâmica, desvelando, na prática, os mecanismos de
constituição do caráter regional de um espaço geográfico. Evidentemente, para Castro, o
caráter expansivo ou regressivo de uma região implicava claras características para o regime
de trabalho, os níveis locais de riqueza, a estrutura fundiária, etc.
Uma contribuição de vulto foi dada ao debate por Ciro Cardoso ao apresentar, em 1977, na
Fundação Getulio Vargas, um ensaio longo e extremamente erudito, intitulado História
agrária e história regional: perspectivas metodológicas e linhas de pesquisa, sobre as
diversas perspectivas da história agrária e suas relações com o conceito de região. Ciro
Cardoso historiava o uso do conceito, particularmente na historiografia francesa, com perfeito
controle da literatura existente, e finalizava com uma série de advertências e proposiões.
Antes mesmo de sua edição, em 1982, o ensaio já circulava sob a forma de cópias, nos
diversos centros de estudos, influenciando fortemente as novas abordagens. Particularmente,
13
eram ricas as sugestões metodológicas de Cardoso no sentido da região se constituir num
quadro bastante adequado de análise, face aos limites do trabalho artesanal do historiador e,
ao mesmo tempo, à facilidade para abarcar inúmeras variáveis (1982:75).
Um passo de boas proporções à frente foi dado por João Luís Fragoso (1983), no seu
trabalho de dissertação sobre Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro, durante o século XIX. Ao
analisar os mecanismos de crise do sistema escravista, Fragoso, partindo do instrumental
teórico fornecido por Ester Boserup, em especial a noção de fronteira móvel (já antevisto por
Castro) e de continuum agrário, procurava combinar formas de organização e uso do trabalho,
com níveis de investimento/endividamento e a estrutura de uso e posse da terra (com uma
forte presença teórica de Leo Waibel). João Luís propunha, através de uma análise
combinatória, a noção de sistema agrário como definidor de uma área, abrangendo seus
aspectos mais gerais, tanto sociais quanto econômicos.
Inúmeros trabalhos procuraram seguir as indicações agora disponíveis, reconstruindo a
região a partir de uma análise sistêmica da sociedade agrária.13 Angelo Carrara (1993), por
exemplo, trabalhando com a Zona da Mata mineira, no século XIX, pôde, assim, apresentar
uma clara diferenciação regional no interior da macrorregião Zona da Mata. Para ele, essa
região não apresentaria, no período que medeia o Império e a República, o caráter homogêneo
que normalmente lhe é atribuído. Na verdade, a região apresentaria um perfil intra-regional
diferenciado: o Sul, com Juiz de Fora, Mar de Espanha e Leopoldina, seria a área de
dominância da grande propriedade, do trabalho maciçamente escravo e das vinculações
estreitas com o Rio de Janeiro; o Centro, com Rio Pomba, Ubá, Viçosa e Muriaé, teria um
perfil pequeno produtor, com a escravidão mesclada ao trabalho familiar e a diversificação
agrícola, e, finalmente, o Norte, com Ponte Nova e Manhuaçu, constituiria uma fronteira
aberta, onde as características de ambas as regiões anteriores apareceriam bastante mescladas.
 
13. Alguns dos melhores exemplos são os trabalhos de Castro (1994) e Faria (1993).
14
Assim, trabalhos de teses e dissertações passaram a dar maior cuidado à identificação de
tais sistemas, buscando, através da própria pesquisa, estabelecer os recortes de sua região.
Dávamos contas, então, de uma inovação básica para o trabalho do historiador: a região não
se impunha previamente como um recorte que delimitasse e definisse o campo de ação do
pesquisador. Na verdade, o recorte da região constituía-se agora em um dos objetivos da
pesquisa. Ao fim e ao cabo do seu trabalho, o historiador deveria ser capaz de revelar a
dimensão regional de sua pesquisa, corrigir ou reafirmar pretensões iniciais e desvendar
conexões até então não pensadas.
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(Recebido para publicação em junho de 1995)
Francisco Carlos Teixeira da Silva é professor titular de história moderna e contemporânea
e coordenador do Programa de Estudos do Tempo Presente no IFCS-UFRJ.
Maria Yedda L. Linhares é professora emérita na UFRJ.1415

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