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Psicologia da Educação Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Pascoal Ferrari Profa. Dra. Rosana Tosi Costa Revisão Técnica: Prof. Dr. Renan de Almeida Sargiani Revisão Textual: Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas • Desenvolvimento Humano e Educação: o Ciclo Vital • A Epistemologia Genética de Jean Piaget • A Teoria Histórico-Cultural de Lev Vygotsky • A Teoria da Psicogênese da Pessoa Completa, de Henri Wallon • Contribuições de Sigmund Freud, Erik Erikson e Urie Bronfenbrenner · Esta Unidade tem por objetivo apresentar, distinguir e discutir as principais contribuições de teóricos do Desenvolvimento Humano para a Educação, com foco nas teorias de Jean Piaget, Lev Vygotsky e Henri Wallon. OBJETIVO DE APRENDIZADO Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas Desenvolvimento Humano e Educação: o Ciclo Vital Ao longo da História da Humanidade, diferentes culturas tiveram entendimentos distintos sobre as crianças e suas diferenças em relação aos adultos. Mas, sem dúvida, os mais significativos avanços foram feitos com o surgimento da Psicologia Científica e os estudos sobre o desenvolvimento infantil. Para saber mais sobre como a nossa visão a respeito da infância foi se modificando ao longo da História leia: ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2006. Ex pl or Nesta Disciplina de Psicologia da Educação, nós falamos quase sempre em apren- dizagem, e não em desenvolvimento. Contudo, aprendizagem e desenvolvimento são dois conceitos muito importantes para a Psicologia da Educação. Por vezes, são definidos de forma muito semelhante; outras, de forma muito contrastante e, ainda, há vezes em que eles são complementares e se inter-relacionam. Teóricos da abordagem comportamentalista, por exemplo, não usam o conceito de desenvolvimento, mas sim o de aprendizagem, como veremos na Unidade 4, pela ênfase que dão à influência do ambiente e por entenderem o “desenvolvimento” como algo contínuo, e não dividido em etapas. Já teóricos de abordagens cognitivistas e construtivistas se valem de ambos os conceitos. Alguns deles usam a noção de desenvolvimento mais atrelada a questões biológicas, enquanto outros acreditam na interação entre o que é biológico e o que é ambiental. De modo geral, a ideia de desenvolvimento tem a ver com as mudanças, a sequência de etapas qualitativamente diferentes que mudam a nossa forma de pensar, ser, sentir e agir. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2009, p.99-100), o desenvolvimento humano deve ser entendido em sua totalidade, destacando, para isso, quatro aspectos básicos do desenvolvimento humano. Observe a Tabela a seguir: Tabela 1. Aspectos básicos do desenvolvimento humano Aspecto físico-motor Refere-se ao crescimento orgânico, à maturação neurofisiológica, à capacidade de manipulação de objetos e de exercício do próprio corpo, à coordenação motora. Aspecto intelectual-cognitivo É a capacidade de pensamento, memória, lógica e raciocínio. Por exemplo: uma criança brincando e um adolescente planejando os gastos de sua mesada, operações mais complexas. 8 9 Aspecto afetivo-emocional É o modo particular de o indivíduo integrar as suas experiências. É o sentir. Por exemplo: a sexualidade, os medos, as alegrias. Aspectos sociais É a maneira como o indivíduo reage diante das situações que envolvem outras pessoas. Por exemplo: socialização da criança. Fonte: Adaptado de Bock, Furtado e Teixeira (2009, p.99-100) As Teorias do Desenvolvimento Humano normalmente partem do pressuposto de que esses quatro aspectos são indissociados, mas teorias distintas acabam enfatizando mais um ou outro aspecto em diferentes momentos, como veremos mais adiante. Influenciados por esses aspectos, nós crescemos e nos desenvolvemos, e somos potencializados para aprender. A Psicologia Científica construiu diversas Teorias sobre a relação ensino- aprendizagem considerando a influência desses mesmos aspectos. Nesta unidade e na próxima, iremos discutir essas Teorias em mais profundidade. Além disso, uma discussão muito importante sobre o desenvolvimento humano se refere ao papel do inato e do adquirido. É fato que nós herdamos uma genética e que tudo que somos depende dessa Genética, ou seja, do que é inato. Todavia, não basta ter a receita de um bolo para que o bolo saia exatamente igual, ou seja, existem outras variáveis que interferem. Nós nascemos com potencial genético humano, mas somos transformados no/e pelo meio físico e cultural em que vivemos. Nós nascemos com potencial para aprender qualquer língua, mas aprendemos justamente aquela que compartilham as pessoas ao nosso redor; nós temos um potencial genético para a altura, mas só atingiremos esse potencial se tivermos alimentação e atividade física compatíveis, ou seja, nosso desenvolvimento depende sempre da interação entre a genética e o nosso meio físico e cultural. Atualmente, a questão do debate entre inato e adquirido não está solucionada completamente, mas há maior tendência a acreditar que é a interação entre a natureza (inato) e a cultura (adquirido) que possibilitam nosso desenvolvimento como todo. As teorias que se fundamentam nessa premissa são chamadas de Teorias Inte- racionistas ou de Matriz Sociointeracionista e são, atualmente, as Teorias desen- volvimentais mais influentes em Educação. Destacamos entre essas perspectivas as Teorias de Piaget, Vygotksy e Wallon, que serão detalhadas a seguir. Como se tratam de Teorias distintas criadas em lugares e períodos distintos, cada qual tem suas peculiaridades e olhares sobre o desenvolvimento humano, contribuindo de diferentes maneiras para a Psicologia da Educação. Nem toda Teoria do desenvolvimento parte de uma matriz interacionista; por isso, trataremos também de outrasperspectivas no encerramento deste capítulo e na próxima Unidade. Recomendamos a leitura do livro Introdução à Psicologia da Educação: seis abordagens, organizado por Kester Carrara, que apresenta seis abordagens diferentes em Psicologia da Educação, com detalhamento mais amplo das teorias aqui discutidas. Ex pl or 9 UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas Uma última ressalva antes de passar para as Teorias é que todas elas são de meados do século XX. Desde os anos 1980, as grandes Teorias explicativas passaram a ceder lugar para microteorias que explicam fenômenos pontuais, ou seja, ao invés de uma grande teoria sobre o desenvolvimento geral, a maior parte das Teorias se dedica a explicar como as crianças aprendem a ler, a falar, a perceber o mundo, a aprender Matemática etc. São microteorias que são mais focais e, portanto, fornecem explicações mais fáceis de serem testadas. As grandes Teorias, como vamos apresentar a seguir, continuam servindo de pano de fundo para esses microteorias, sendo que muitas coisas dessas propostas antigas já foram revistas e modificadas. É importante que você conheça primeiramente esses grandes modelos e que depois busque mais informações complementares para entender como a Psicologia do Desenvolvimento se apresenta no século XXI (ver PAPALIA; OLDS & FELDMAN, 2006). Nesse sentido, uma mudança radical da Psicologia do Desenvolvimento contemporânea é o entendimento da noção de desenvolvimento ao longo do ciclo vital. Como discutem Papalia, Olds & Feldman (2006), antes, as grandes teorias se ocupavam mais do desenvolvimento da criança até a adolescência. O entendimento geral era de que não havia muitas modificações depois da adolescência e por isso as Teorias só focavam o desenvolvimento até a puberdade. Atualmente, considera-se que há mudanças durante toda a vida e, portanto, estuda-se o desenvolvimento ao longo do ciclo vital. Por isso, pode-se dividir o desenvolvimento humano em duas grandes etapas com suas subdivisões, conforme pontuam Papalia, Olds & Feldman (2006): Tabela 2 Primeira etapa da vida Concepção, gestação, parto; Primeira infância (0 a 2 anos); Segunda infância (2 a 6 anos); Terceira infância (7 a 11 anos); Puberdade e adolescência (12 a 17 anos). Segunda etapa da vida Juventude (18 a 25 anos); Vida adulta jovem (25 a 30 anos); Vida adulta média (30 a 50 anos); Vida adulta tardia (50 a 65 anos); Velhice (65 anos em diante); Morte. 10 11 Importante! Conceber o desenvolvimento ao longo do ciclo vital implica entender que nós nos desenvolvemos e aprendemos por toda a nossa vida. O que você imagina ser possível de ser aprendido em cada uma dessas etapas descritas por Papalia, Olds & Feldman? Como a Psicologia da Educação contribuiria para cada etapa? Trocando ideias... A Epistemologia Genética de Jean Piaget Figura 1 Fonte:Wikimedia Commons Jean Piaget (1896-1980) foi biólogo, psicólogo e epistemólogo suíço. É considerado um dos mais importantes pensadores do século XX. Ainda nos dias atuais, muito do que sabemos sobre como as crianças pensam se deve aos trabalhos de Piaget. Ele é conhecido como o propositor da abordagem denominada Epistemologia Genética, que é, ainda hoje, muito influente na Educação. Etimologicamente, a palavra Epistemologia signifi ca a teoria do conhecimento: epistemo = conhecimento e logia = estudo. Assim, epistemologia genética seria a gênese ou o surgimento do conhecimento. Ex pl or Para Piaget, a maturação biológica estabelece as pré-condições para o desen- volvimento cognitivo. Segundo Papalia, Olds & Feldman (2006), Piaget acreditava que as crianças eram seres ativos em crescimento, com seus próprios impulsos internos e padrões de desenvolvimento. O desenvolvimento cognitivo, para ele, era entendido como o produto dos esforços das crianças para compreender e agir sobre seu mundo. As pesquisas de Piaget eram conduzidas utilizando o que ele denominou “método clínico”, que 11 UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas combinava observações do comportamento das crianças durante a realização de tarefas de lógica com o questionamento flexível do pesquisador para descobrir como as crianças pensam. Dessa forma, e utilizando as famosas provas piagetianas, como ficaram conhecidos os desafios de lógica para as crianças, ele descobriu que crianças típicas de quatro anos, por exemplo, acreditavam que moedas ou flores eram mais numerosas se dispostas em filas do que amontoadas ou empilhadas. Confira uma série de provas e experimentos piagetianos em: https://goo.gl/HMHMYq Ex pl or A teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget foi formulada e revista por ele ao longo de muitas décadas de pesquisas. Ele acreditava que o desenvolvimento cognitivo se inicia com uma capacidade inata dos seres humanos que, assim como outros seres vivos, tem de se adaptar ao ambiente. Assim, desde o nascimento, os bebês tentam se adaptar ao seu ambiente, passando por uma série de estágios qualitativamente diferentes, como veremos mais adiante. Em cada estágio, a mente da criança opera de modo diferente para resolver os problemas com os quais ela se depara, passando desde operações mentais baseadas na simples atividade sensório-motora até o mais refinado pensamento lógico-abstrato. Esse desenvolvimento gradual ocorre e depende de três princípios inter-relacionados: organização, adaptação e equilibração. A organização se refere à tendência inata que temos de criar estruturas cognitivas cada vez mais complexas que abarquem os conhecimentos adquiridos. Essas estruturas são chamadas de esquemas e são padrões organizados de comportamentos que uma pessoa utiliza para pensar e agir em determinadas situações. Quanto mais experiências, mais complexos os esquemas se tornam. A aprendizagem, para Piaget, acontece quando a informação é processada pelas estruturas cognitivas. Dessa forma, o conhecimento construído vai sendo incorporado às estruturas cognitivas anteriores ou a novas que irão se formando. Essas novas estruturas cognitivas serão estimuladas a surgir nos indivíduos, a partir de situações desafiadoras e problematizadas a ele apresentadas. Para que ocorra a aprendizagem é necessário, então, Adaptação. 12 13 Importante! Adaptação é o termo utilizado por Piaget para descrever como uma criança lida com novas informações que parecem confl itar com o que ela já sabe. A Adaptação envolve duas etapas: 1) assimilação, que é receber informações e incorporá-las às estruturas cognitivas existentes, e 2) acomodação, que é mudar nossas estruturas cognitivas para incluir novo conhecimento. A equilibração – um esforço constante para manter um balanço ou equilíbrio estável – determina a mudança da assimilação para a acomodação. Quando as crianças não conseguem lidar com novas experiências dentro de suas estruturas existentes, organizam novos padrões mentais que integram a nova experiência, assim restaurando o equilíbrio. Um bebê que está acostumado a mamar no seio ou na mamadeira e que começa a sugar o bico do canudo de uma caneca para bebês está demonstrando assimilação – utilizando um esquema já existente para lidar com um novo objeto ou com uma nova situação. Quando o bebê descobre que para beber de canudo são necessários movimentos da língua e da boca um pouco diferentes daqueles utilizados para sugar o seio ou a mamadeira, ele se ajusta pela modifi cação do esquema anterior. Ele “acomoda” seu esquema de sugação para lidar com uma nova experiência: a caneca. Assim, assimilação e acomodação operam juntas para produzir equilíbrio e crescimento cognitivo (PAPALIA; OLDS & FELDMAN, 2010; p.76) Importante! Todo esse processo é incessante e constituído do nascimento até a morte, na tentativade adaptar o pensamento e a ação. Podemos constatar que, nessa forma de entender o processo de aprendizagem, veremos que o conhecimento é algo provisório e sempre passível de ampliação. Daí a ideia Construtivista: o conhecimento está sempre em construção. Neste sentido, o papel do professor é ser capaz de criar ambientes de aprendizagem que compreendam o ser humano em sua totalidade, com seus diferentes modos de aprender e diferentes formas de resolver problemas. Sua preocupação central será formar indivíduos autônomos, criativos, críticos, levando em consideração os aspectos físicos, biológicos, cognitivos, afetivos, culturais e sociais dos aprendizes. Outra importante contribuição da Epistemologia Genética para o entendimento do processo de aprendizagem é a defesa dessa abordagem, de que o indivíduo passa por várias etapas de desenvolvimento cognitivo ao longo da sua vida. Piaget propôs a existência de quatro estágios no desenvolvimento cognitivo: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. Segundo ele, cada período é caracterizado por aquilo que de melhor o indivíduo consegue fazer nessas faixas etárias. Demonstrou que existem formas de perceber, compreender e se comportar próprias de cada faixa etária, em uma assimilação progressiva do meio. A seguir, faremos uma síntese do desenvolvimento cognitivo humano, adaptada de Bock, Furtado & Teixeira (2009, p.100-107). 13 UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas Período ou Estágios de Desenvolvimento Sensório-motor (de 0 a 2 anos) Nesse estágio, a criança busca adquirir controle motor e aprender sobre os objetos físicos que a rodeiam. A criança adquire o conhecimento por meio de suas próprias ações, que são controladas por informações sensoriais imediatas. Assim, a criança conquista, por meio da sua percepção e dos seus movimentos, todo o universo que a cerca. No início, a vida mental reduz-se ao exercício dos aparelhos reflexos, de fundo hereditário; um exemplo é a ação de sugar. Com o passar do tempo, esses reflexos se desenvolvem e, ao final desse período, a criança já é capaz de utilizar objetos para alcançar seus objetivos. Como exemplo, usa uma vassoura para pegar um brinquedo que está longe, utilizando a inteligência prática ou sensório-motora. Nesse período, o desenvolvimento fí- sico acelerado é o suporte para o apa- recimento de novas habilidades para o domínio do ambiente, e assim, a criança saberá diferenciar o seu eu e o mundo ex- terior. Essa diferenciação também ocorre no campo da afetividade. Observe que os medos das crianças mudam e ela já faz escolhas de brinquedos ou de pessoas. Nesse curto espaço de tempo, a crian- ça evolui de uma atitude passiva para a ativa, imitando regras e comportamentos dos adultos. A fala surge por meio da imi- tação de sons, ainda sem significados. A criança, nesse estágio é um ser que de- pende muito da estimulação e de cuida- dos das pessoas e do meio em que vive. Figura 2 Fonte: iStock/Getty Images Pré-operatório (de 2 a 7 anos) Nesse estágio, a criança busca adquirir a habilidade da fala, nomeia objetos e raciocina intuitivamente, mas ainda não consegue coordenar operações fundamentais. O aparecimento da linguagem modifica os aspectos intelectual, afetivo e social da criança. A interação e a comunicação entre os indivíduos são consequências da linguagem; com a palavra, conseguimos exteriorizar nossa vida interior. Com a linguagem surge o pensamento que, no princípio, é subjetivo e simbólico, misturando fantasia à realidade. A criança ainda não tem conceitos de números. Durante esse estágio, a criança passa a procurar a razão das coisas; é a fase dos porquês. 14 15 Nas brincadeiras, as regras não são bem aceitas, pois a criança está envolta em um egocentrismo acentuado, ao final desse período, as regras já são entendidas como necessárias. Com o domínio ampliado do mundo, a criança adquire outros interesses, surgindo uma escala de valores internos, que balizarão suas ações. A criança chega ao final desse período com a maturação neurofisiológica completa, permitindo o desenvolvimento de várias habilidades, incluindo coordenação motora fina, conseguindo pegar objetos com a ponta do dedo. Por essa razão, a habilidade da escrita é um exemplo de habilidade que pode ser adquirida nesse momento do desenvolvimento, culminando com a idade escolar. Figura 3 Fonte: iStock/Getty Images Operações concretas (de 7 a 11 ou 12 anos) Com o estágio operatório concreto, pressupõe-se que a criança já tenha superado seu egocentrismo por meio dos relacionamentos que vivenciou. Nesse estágio, a criança começa a lidar com conceitos abstratos como os números e é marcada por uma lógica interna consistente e pela habilidade de solucionar problemas concretos. É o período das construções lógicas, no qual a criança estabelece relações entre as “coisas” e com pontos de vista diferentes. No plano intelectual, surgirá uma nova capacidade: as “Operações”. A criança conseguirá realizar uma ação física ou mental dirigida a um fim (objetivo) e revertê- la ao início. Em nível de pensamento, a criança consegue: · Estabelecer corretamente as relações de causa e efeito e de meio e fim; · Sequenciar ideias ou eventos; · Trabalhar com ideias sob dois pontos de vista, simultaneamente; · Formar conceito de número (inicialmente concreto depois abstrato). No plano afetivo, a criança será capaz de cooperar com os outros, trabalhar em grupo e ter, ao mesmo tempo, autonomia pessoal, criando seus próprios valores. Também surgem a vontade, conflitos entre o dever e o prazer e, no final do período, as necessidades afetivas e de segurança são satisfeitas progressivamente pelo grupo, em detrimento da família. 15 UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas A cooperação irá se desenvolver por todo esse período em relação ao novo grupo. A partir das necessidades, elaboram formas próprias de organização grupal, criando novas regras, que deverão ser aceitas por todos os participantes. Ao final do período, acontece a passagem do pensamento concreto para o pensamento formal ou abstrato. Figura 4 Fonte: iStock/Getty Images Operatório formal (de 11 ou 12 anos em diante) No estágio operatório formal, a criança começa a raciocinar lógica e sistematicamente. Esse estágio é definido pelo despertar do raciocínio abstrato. As deduções lógicas podem ser feitas sem o apoio de objetos concretos. É a transição para o modo adulto de pensar, sendo capaz de pensar sobre ideais abstratas. Nesse período, o adolescente realiza as operações no plano das ideais, sem necessitar de manipulação ou referências concretas, é capaz de lidar com conceitos como liberdade, justiça, democracia e, assim, domina progressivamente a capacidade de abstrair e generalizar. Cria teorias sobre o mundo para reformulá- lo, isto é possível por sua capacidade de reflexão espontânea. O exercício da reflexão permite, inicialmente, ao adolescente submeter o mundo real às teorias que seu pensamento é capaz de criar. Esse processo irá atenuar-se por meio da reconciliação do pensamento com a realidade, até ficar claro que a função da reflexão não é contradizer, mas se adiantar e interpretar a experiência. Suas relações sociais mudam, passando por uma fase de interiorização que se configura aparentemente como antissocial, afastando-se da família e não aceitando conselhos dos adultos, mas o alvo de sua reflexão é a sociedade. Posteriormente, atinge o equilíbrio entre pensamento e realidade; é quando compreende a importância da reflexão para a sua ação sobre o mundo real. No aspecto afetivo, o adolescente vive conflitos, deseja libertar-se do adulto, mas ainda depende dele. Deseja ser aceito pelos adultos e amigos. O grupo de amigos é o mais forte referencial,determinando vocabulário, jeito de vestir e aspectos do comportamento e sua moral. Seus interesses são diversos e mutáveis e vão se estabilizando pela chegada da vida adulta. 16 17 Esse processo culmina em um equilíbrio entre o real e as ideais dos indivíduos, isto é, de revolucionário no plano das ideais, ele torna-se transformador, no plano da ação. Na idade adulta, não surge nenhuma nova estrutura mental, apenas ocorre um aumento gradual do aspecto cognitivo em profundidade e melhor compreensão da realidade, influenciado por conteúdos afetivo-emocionais e definindo sua forma de estar no mundo. Figura 5 Fontes: iStock/Getty Images Cada estágio é um período no qual o pensamento e o comportamento do indivíduo é caracterizado por uma forma específica de conhecimento e raciocínio. Assim, o conhecimento desses estágios pode melhorar a prática educativa. Se conhecermos melhor a maneira que os indivíduos aprendem em cada estágio, podemos desenvolver métodos e práticas de ensino apropriadas. Dessa forma, a teoria piagetiana é muito influente na Educação, desde os anos 1980. Saiba mais sobre a Teoria de Piaget e suas contribuições para a Educação assistindo ao vídeo da Coleção Grandes Educadores em: https://youtu.be/PBVNYRQP7SkEx pl or 17 UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas A Teoria Histórico-Cultural de Lev Vygotsky Figura 6 – Figura 6 – Vygotsky, Leontiev e Luria Fonte: Wikimedia Commons/ sam-sebe-psycholog.ru Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) foi um psicólogo bielorrusso que elaborou uma Teoria do Desenvolvimento Cognitivo, sustentando que todo conhecimento é construído socialmente, no âmbito das relações humanas. Sua obra é, hoje, a fonte de inspiração do socioconstrutivismo, tendência cada vez mais presente nas discussões sobre a Educação. Vygotsky construiu seu pensamento a partir de um aporte teórico marxista, o materialismo histórico-dialético, pois vivia no período da Revolução Russa. Ele buscava criar uma nova forma de entender a Psicologia, superando as Escolas de Psicologia existentes até então, pois, em sua opinião, elas estavam estagnadas. Dois outros pensadores contribuíram muito para o pensamento Vygotskyano. São eles o neuropsicólogo Alexander Luria (1902-1977), e o psicólogo Alexei Leontiev (1903-1979). Juntos, Vygotsky, Leontiev e Luria formavam a Troika (trio em russo), um grupo de psicólogos que avançaram muito na corrente russa da Psicologia da Educação. Essa abordagem recebe algumas denominações: Psicologia Histórico-Cultural, Teoria Interativista Sociocultural, Psicologia Sociointeracionista, Teoria Histórico Social, Psicologia Sócio-Histórica. Nesse texto, fazemos a opção de denominá-la Histórico-Cultural, enfatizando a importância dos aspectos culturais e históricos na formação social da mente. A abordagem proposta por Vygotsky e seus colaboradores buscava uma síntese para a Psicologia; ambicionava integrar, numa mesma perspectiva, o ser humano como corpo e mente, como ser biológico e cultural, como membro de uma espécie animal e participante de um processo histórico. Eles entendiam que o funcionamento psicológico tipicamente humano é cultural e, consequentemente, histórico, e que havia elementos mediadores na relação entre 18 19 o homem e o mundo, que seriam os instrumentos, os signos e todos os elementos do ambiente, carregados de significado cultural e construídos nas relações humanas. Segundo Oliveira (2010), podemos identificar três pilares da abordagem de Vygotsky: · As funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade cerebral; · O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre os indivíduos e o mundo exterior, as quais se desenvolvem num processo histórico; · A relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos. Na teoria de Vygotsky, a linguagem tem grande destaque. Ela é duplamente importante para Vygotsky, pois além de ser o principal instrumento de intermediação do conhecimento entre os seres humanos, tem relação direta com o próprio desenvolvimento psicológico. Nenhum conhecimento é construído pela pessoa sozinha, mas sim, em parceria com as outras, que são os mediadores. Segundo Davis & Oliveira (1994, p.52): [...] a linguagem intervém no processo de desenvolvimento intelectual da criança praticamente desde o nascimento. Quando os adultos nomeiam objetos, indicando para a criança as várias relações que estes mantêm entre si, ela constrói formas mais complexas e sofisticadas de conceber a realidade. Sozinha, não seria capaz de adquirir aquilo que obtém por intermédio de sua interação com os adultos e com outras crianças, num processo em que a linguagem é fundamental. Portanto, a linguagem é a ferramenta com a qual mediamos às relações, e assim, podemos considerar que o aprendizado é contínuo e a evolução intelectual é caracterizada por saltos qualitativos de um nível de conhecimento para outro. Importante! É mais comum utilizar o termo “aprendizado” do que aprendizagem para se referir à psicologia de Vygotsky, pois em russo o termo usado por ele equivale a algo como processo de ensino aprendizagem, isto é, ele inclui sempre aquele que aprende, aquele que ensina e a relação entre essas pessoas. Para Vygotsky, aprendizado é o “processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores etc., a partir de seu contato com a realidade, com o meio ambiente e com as outras pessoas” (OLIVEIRA, 2010, p.59). Importante! Para Vygotsky, a vivência em sociedade é essencial para a transformação do homem de ser biológico em ser humano. É pelo aprendizado nas relações com os outros que construímos os conhecimentos que permitem nosso desenvolvi- mento mental. 19 UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas Ele caracterizou essa evolução intelectual em duas funções: a primeira, com cuja qual já nascemos, é a Função Psicológica Elementar, que são os reflexos e a atenção involuntária, presentes em todas as crianças e nos animais mais desenvolvidos. A partir do aprendizado cultural, parte dessas funções básicas transforma-se em Função Psicológica Superior, como a consciência, o planejamento e a deliberação, características exclusivas do adulto. Segundo Oliveira (1992, p.24): As concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano fundamentam-se em sua ideia de que as funções psicológicas superiores são construídas ao longo da história social do homem. Na sua relação com o mundo, mediada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente [...]. Dessa maneira, vamos construindo conceitos que balizarão nossas ações e pensamentos. Partimos de conceitos construídos espontaneamente, por meio de nossa vivência e experiências, para conceitos científicos e sistematizados, sendo esses frutos do processo de aprendizado dos indivíduos, e claro, função da Escola. Esse processo de transformação se estabelece por meio do aprendizado. É o que Vygotsky chamou de Internalização, que é um processo de reconstrução interna, que envolve uma atividade externa que deve ser modificada, tornando-se uma atividade interna. O desenvolvimento cognitivo é produzido pelo processo de internalização da interação social, com elementos fornecidos pela Cultura. Outro conceito importante na obra de Vygotsky é a mediação. Segundo sua teoria, toda relação do indivíduo com o mundo é feita por meio de instrumentos. Assim, todo aprendizado é necessariamente mediado, tornando o papel do ensino e do professor mais ativo e determinante na Educação, cabendo à Escola, facilitar o processo de aprendizagem, que só pode ser conduzido pelo próprio aluno. Desse modo, o aprendizado não se subordina totalmente ao desenvolvimento das estruturas intelectuais da criança,mas um se alimenta do outro, provocando saltos de nível de conhecimento. O ensino, para Vygotsky, ao contrário de Piaget, deve se antecipar ao que o aluno ainda não sabe, nem é capaz de aprender sozinho, porque na relação entre aprendizado e desenvolvimento, o aprendizado vem antes. Com o intuito de explicar o processo de construção de conhecimento ou desen- volvimento cognitivo, Vygotsky desenvolveu o conceito de Zona de Desenvolvi- mento Proximal, ou potencial, que definiu como: Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1998, p.112). 20 21 Notamos que o desenvolvimento proximal tem por determinante aquilo que a criança ainda não domina, mas é capaz de realizar com o auxílio de alguém mais experiente, como, por exemplo, quando uma criança já sabe somar e é desafiada a fazer uma multiplicação simples. Desenvolvimento proximal é o espaço que separa a pessoa de um desenvolvimento que está próximo a ser alcançado. É a distância entre o desenvolvimento real e o potencial, que está próximo, mas ainda não foi atingido. Outro conceito proposto por Vygotsky é o de Zona de Desenvolvimento Real. O desenvolvimento real é determinado por aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha, porque já tem um conhecimento consolidado. Se tiver a habilidade da adição, por exemplo, esse é um nível de desenvolvimento real. É quando a criança não mais precisa de ajuda para realizar algo. Vygotsky e o Professor Vygotsky atribuiu grande importância ao papel do professor. Na Escola, o professor funciona como o impulsionador do desenvolvimento cognitivo da criança. Ao professor cabe apresentar às crianças novas formas de pensamento e conceitos, mas não sem antes detectar que condições elas têm de apreendê-los. A aprendizagem dos alunos se construirá mediante o processo de relação do indivíduo com seu ambiente sociocultural e com o suporte de outros indivíduos mais experientes. Priorizando as interações entre os próprios alunos e deles com o professor, o objetivo da Escola, então, é fazer com que os Conceitos Espontâneos, que as crianças desenvol- vem na convivência social, evoluam para o nível dos Conceitos Científicos. Assim, o professor assume o papel de mediador na formação do conhecimento. O mediador é quem ajuda a criança a concretizar um desenvolvimento que ela ainda não atinge sozinha. Na Escola, o professor e os colegas mais experientes são os principais mediadores. A abordagem realizada por Vygotsky conclui que o aprendizado é contínuo e o desenvolvimento intelectual se concretiza por saltos qualitativos, de um nível de conhecimento para outro, no qual o ensinar e o aprender formam uma unidade, que delimita o campo de constituição do indivíduo na dimensão sociocultural. São processos indissociáveis que implicam a ideia que o professor participa ativamente do processo de aprendizagem e de desenvolvimento do aluno. Saiba mais sobre a teoria de Vygotsky e suas contribuições para a Educação assistindo ao vídeo da Coleção Grandes Educadores em: https://youtu.be/KwnIKDXeEdIEx pl or 21 UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas A Teoria da Psicogênese da Pessoa Completa, de Henri Wallon Henri Wallon (1879-1962), médico, psicólogo e professor francês. Foi contemporâneo de Piaget e de Vygotsky. Assim, como Vygotsky, Wallon recebeu forte influência do materialismo histórico-dialético, tornando- se um destacado ativista marxista. Em 1931, filiou-se ao partido socialista e, em 1942, filiou-se ao Partido Comunista Francês. Em sua dimensão política, foi nomeado Secretário da Educação Nacional, em 1944, na França. Após esse período, trabalhou para uma reforma educacional francesa e junto ao físico Paul Langevin propôs o importante Plano Langevin-Wallon para o Sistema Educacional francês. Conforme Almeida & Mahoney (2003, p. 75), “a diretriz do projeto era construir uma educação mais justa para uma sociedade mais justa”. Wallon teve vida intensa; na primeira Guerra Mundial, atuou como médico, quando pesquisou as relações entre os fenômenos neurológicos e psicológicos nos feridos de Guerra. Na Segunda Guerra Mundial, foi perseguido pelos nazistas e viveu na clandestinidade por cause de seu ativismo político. A sua Teoria sobre o desenvolvimento está intimamente ligada à dimensão psicogenética e interacionista. Wallon fez inúmeras publicações dirigidas a professores; em sua obra foca a formação do professor e aponta para a importância do papel dele tem dentro da relação ensino aprendizagem. Wallon indica que a relação ensino aprendizagem apenas pode ser analisada como uma unidade, pois são lados de uma mesma moeda, na qual a relação professor aluno é um fator determinante. Ambos (professor e aluno) são sujeitos concretos e historicamente determinados e trazem bagagem cultural, experiências que o meio lhes propiciou. Aluno e professor estão em desenvolvimento durante o processo, que é aberto e inacabado, sempre. Ao ensinar, o professor está promovendo o desenvolvimento do aluno e o seu próprio. O professor deve confiar, incondicionalmente, na disposição do aluno de aprender. Junto aos conhecimentos teóricos, é também relevante para o professor a sensibilidade, a curiosidade e sua habilidade de observação sobre o que acontece na relação ensino aprendizagem. Para o professor, os conceitos e princípios proclamados na teoria de Wallon são instrumentos que auxiliam na compreensão do processo de construção da pessoa humana, inserido em um contexto cultural que Figura 7 Fonte: Wikimedia Commons 22 23 o seu tempo lhe oferece. A ação educativa do professor deve ser fundamentada pelo conhecimento da natureza e do desenvolvimento da criança, observação sistemática da capacidade e das necessidades de seus alunos. E, ainda, ter um olhar para a dimensão afetiva da relação ensino aprendizagem, com base na Psicologia Infantil. Suas ideias e escritos nos levam a pensar que o professor, ao realizar suas funções cotidianas na Escola, demonstra inúmeros saberes que são temporais e plurais. Esses saberes são construídos em um tempo e espaço determinados social e culturalmente, diante de sua formação profissional. Ou seja está em jogo, também, a visão de mundo do professor, suas concepções, crenças e valores. Sobre a formação do professor, além dos conhecimentos relativos à criança, ainda demanda-se o estudo do meio, ou dos meios, em que ela se desenvolve. Das temáticas abordadas por esse pensador, a Afetividade ganha destaque em seus escritos. Wallon defende que, no decorrer de todo o desenvolvimento hu- mano, a afetividade tem papel fundamental. Tem a função de comunicação nos primeiros meses de vida, manifestando-se, basicamente, por meio de impulsos emocionais. É a afetividade que estabelece os primeiros contatos da criança com o mundo externo. Segundo Almeida & Mahoney (2005), a afetividade refere-se à capacidade, à disposição de o ser humano ser afetado pelo mundo exterior/interior, por sensações ligadas às tonalidades agradáveis e desagradáveis. Ser afetado e reagir com atividades (internas ou externas) que a situação desperta. A afetividade é a forma inicial de interação com o meio e a motivação primeira do movimento. À medida que o movimento proporciona experiências à criança, ela vai respondendo por meio de emoções. A afetividade é o elemento mediador das relações sociais. É pela afetividade que a criança irá notar as diferenças dela e do ambiente que a cerca. É primordial para a criança perceber as diferenças entre o meio e ela própria, na etapa inicial de seu desenvolvimento.É importante lembrar que para Wallon não há dicotomia entre a afetividade e a cognição, ou a afetividade e o ato motor. Esses são fatores que estão presentes no desenvolvimento humano, em relação dialética e indissociável entre eles. Essas dimensões atuam em conjunto e se estabelecem nas interações humano- -sociais. Wallon propõe que a afetividade, o ato motor (motricidade), e o co- nhecimento da pessoa (cognição) são os domínios ou campos funcionais que a criança desvendará no decorrer de seu desenvolvimento e que devem ser entendi- dos conjuntamente. Dessa maneira, estabelece-se o eixo principal da teoria de Wallon, que é a visão integradora do desenvolvimento humano, que passa pela dimensão cognitiva- afetiva-motora da criança. Em sua evolução, a afetividade é marcada por três momentos: a emoção, na qual predomina a ativação fisiológica; o sentimento, o predomínio da ativação representacional, e a paixão, a ativação do autocontrole. Percebemos aqui a relação intrínseca entre fatores sociais e orgânicos de desenvolvimento humano. 23 UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas Almeida e Mahoney (2003, p.12) argumentam sobre a questão: A teoria aponta para duas ordens de fatores que irão constituir as condições em que emergem as atividades de cada estágio: fatores orgânicos e fatores sociais. Será no mergulho do organismo em dada cultura, em determinada época, que se desenvolverão as características de cada estágio. A interação entre esses fatores define as possibilidades e os limites dessas características. A existência individual como estrutura orgânica e fisiológica está enquadrada na existência social de sua época. Com essa citação, queremos reafirmar que a emoção, o sentimento e a paixão resultam de fatores orgânicos e sociais e correspondem a diferentes configurações e predomínios de nosso desenvolvimento, e que se realizam em estágios, como veremos, de forma sucinta, a seguir. Os Estágios do Desenvolvimento Humano para Wallon Assim como Piaget, Wallon também descreve o desenvolvimento infantil em momentos ou estágios do desenvolvimento humano. Sua dimensão temporal vai do nascimento até a morte e está distribuída em estágios que expressam características próprias e cuja configuração será determinada histórica e culturalmente. Os estágios não são estanques, não cessam quando o outro estágio surge; apenas há predominância de um sobre o outro, numa relação dialética, ou seja, são contraditórias e complementares entre si. Entretanto, cada estágio é considerado um sistema completo em si, mas se torna visível a presença de todos os componentes na construção da pessoa humana. Wallon caracteriza os estágios da seguinte forma: Estágio impulsivo-emocional (de 0 a 1 ano) – Nesse estágio, aparecem os primeiros movimentos, que são bruscos e desarranjados. Todavia, a criança expressa sua afetividade por meio desses movimentos, respondendo, principalmente, a sensibilidades corporais. O desenvolvimento orgânico predomina; seus gestos e movimentos são caracterizados por notória impulsividade motora. A criança passa por um momento de total dependência do mundo adulto e de sua maturação fisiológica. A passagem para o estágio seguinte caracteriza-se pela mudança das atividades reflexas e afetivas para uma atividade relacional e de exploração do ambiente que a cerca. Estágio sensório-motor e projetivo (de 1 a 3 anos) – Paulatinamente, o interesse da criança volta-se para a exploração do espaço físico, que se expressa no seu movimento de agarrar, manipular os objetos ou se locomover. Relaciona sons que emite com objetos que manipula ou aponta, na intenção de nomeá-los. É quando está prestes a dominar a fala e o andar; a criança se volta para o mundo externo em intenso contato com os objetos e as pessoas do seu convívio. É a fase dos porquês, para melhor compreender o funcionamento, a utilidade e o nome das coisas e dos objetos. 24 25 Estágio do personalismo (de 3 a 6 anos) – Nesse estágio, aparece outro tipo de diferenciação, além da diferenciação entre o Eu e o Mundo, a criança começa a diferenciar o Eu e o Outro. É a fase que desponta singularidade humana, de se descobrir diferente das outras crianças e do adulto Estágio categorial: (de 6 a 11 anos) – Neste estágio, acentua-se a diferenciação entre o eu e o outro. Com ele, aparecem as condições mais estáveis para a exploração abstra- ta do mundo externo e concreto, mediante atividades de agrupamento, classifi cação, categorização em vários níveis de abstração, até chegar ao pensamento categorial. Estágio puberdade e adolescência (de 11 anos em diante) – Nesse estágio, irá aparecer a exploração de si mesmo, na busca de uma identidade autônoma, mediante atividades de autoafi rmação e de questionamentos. A necessidade do apoio dos pares, com a formação de turmas ou grupos de interesse, para se fortalecer e se contrapor aos valores do mundo dos adultos com quem convive. Esses valores que, a princípio, eram contrários à sua forma de pensar e agir, paulatinamente, por meio das determinações históricas e culturais, vão sendo incorporadas ao adolescente, impulsionando-o para a vida adulta, possibilitando escolhas mais assertivas para os diferentes desafi os que a vida nos impõe. Saiba mais sobre a Teoria de Wallon e suas contribuições para a Educação assistindo ao vídeo da Coleção Grandes Educadores em: https://youtu.be/HGTbP5knhRQEx pl or Contribuições de Sigmund Freud, Erik Erikson e Urie Bronfenbrenner Figura 8 – Figura 8 – Freud, Erikson e Bronfenbrenner Fontes: Wikimedia Commons Como dissemos anteriormente, existem várias concepções acerca do desenvol- vimento humano. 25 UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas Embora, atualmente, as mais influentes em Educação sejam as já apresentadas Teorias Interacionistas, outras teorias também são importantes e oferecem contri- buições significativas e, ainda que nem sempre pensadas originalmente com fins educacionais, destacamos aqui três Teorias que serão apresentadas resumidamente, para que você possa continuar seus estudos, se assim desejar. A Teoria do Desenvolvimento Psicossexual, de Sigmund Freud Sigmund Freud (1856-1939) é mundialmente famoso por ter criado a Psicanálise e por seus numerosos trabalhos desenvolvidos entre o final do século XIX e o início do século XX, embora não possa ser considerado um pedagogo ou educador, já que em seus trabalhos não desenvolvem nenhuma reflexão razoavelmente sistemática sobre os fins e meios da Educação. Freud acreditava que a personalidade se formava nos primeiros anos da vida e que nesse período as crianças passavam por conflitos inconscientes entre seus impulsos biológicos inatos e as exigências da sociedade, o que incluía a Educação. Ele propôs que esses conflitos ocorriam em uma sequência invariável de fases do desenvolvimento psicossexual, baseadas na maturação (por isso mais biológicas do que interacionistas), em que o prazer muda de uma zona corporal para outra. Assim, cada zona é responsável pelo nome de cada fase. Os estágios do desenvolvimento psicossexual para Freud são: Fase oral (nascimento aos 12-18 meses), cuja principal fonte de prazer do bebê envolve atividades ligadas à boca (sugar e alimentar-se); Fase anal (12-18 meses aos 3 anos): as crianças obtém gratificação sexual retendo ou expelindo fezes; Fase fálica (3 aos 6 anos): as crianças se tornam apegadas ao genitor do sexo oposto e, posteriormente, identificam-se com o genitor do mesmo sexo. A zona de gratificação transfere-se para a região genital; Período de Latência (6 anos à puberdade): época relativamente calma, comparada às fases anteriores; Fase genital (puberdade à idade adulta): ressurgimento dos impulsos sexuais da fase fálica, dirigidos à sexualidade madura (PAPALIA; OLDS & FELDMAN,2006). A Teoria do Desenvolvimento Psicossocial, de Erik Erikson Enquanto Freud sustentava que as experiências da infância moldavam perma- nentemente a personalidade, Erik Erikson (1902-1994) desenvolveu sua Teoria, que abrange oito estágios do desenvolvimento da personalidade ao longo do ciclo vital. Cada estágio envolve uma “crise” da personalidade, uma questão de desenvol- vimento que é particularmente importante naquele momento e que continuará a ter alguma relevância durante toda a vida. As crises surgem de acordo com um cronograma de maturação e devem ser satisfatoriamente resolvidas para um de- senvolvimento saudável. 26 27 A teoria de Eriskon sustentou-se melhor do que a de Freud, principalmente por sua ênfase nas influências sociais e culturais e no desenvolvimento depois da adolescência (PAPALIA; OLDS & FELDMAN, 2006). Os estágios de Erikson são: 1. Confiança versus Desconfiança (nascimento aos 12-18 meses): o bebê desenvolve a ideia de se o mundo é bom e seguro ou não; 2. Autonomia versus Vergonha e Dúvida (segundo e terceiro anos): a criança desenvolve um equilíbrio entre independência e autossuficiência, e vergonha e dúvida; 3. Iniciativa versus Culpa (quarto e quinto anos): a criança desenvolve iniciativa quando experimenta novas atividades e não é dominada pela culpa; 4. Construtividade versus Inferioridade (dos 6 aos 11 anos): a criança deve aprender habilidades culturais ou enfrentar sentimentos de incompetência; 5. Identidade versus Confusão de Papéis (dos 12 aos 18 anos): o adolescente deve determinar seu sentido pessoal de identidade (quem sou eu?) ou sentir confusão sobre papéis; 6. Intimidade versus Isolamento (jovem adulto): a pessoa procura formar compromissos com os outros; em caso de fracasso, pode sofrer de isolamento; 7. Geratividade versus Estagnação (meia idade): o adulto maduro preocupa-se em estabelecer e orientar a nova geração ou, então, sente empobrecimento pessoal; 8. Integridade X Desespero (velhice): o idoso alcança a aceitação da própria vida, o que lhe permite aceitar a morte ou, então, se desespera pela incapacidade de reviver a vida. A Teoria bioecológica, de Urie Bronfenbrenner Uma das mais recentes e atualmente influentes Teorias é a Teoria Bioecológica, do psicólogo norte-americano Urie Bronfenbrenner (1917-2005). Segundo essa Teoria, todo organismo biológico desenvolve-se dentro de um contexto dos sistemas ecológicos que favorecem ou prejudicam o seu crescimento. Bronfenbrenner vê o processo de desenvolvimento humano como sendo modelado pela interação entre o indivíduo e seu ambiente imediato e distante (PAPALIA; OLDS & FELDMAN, 2006). Bronfenbrenner propõe que diferentes sistemas interagem e afetam o curso do desenvolvimento ao longo da vida. Ao nascer, estamos em um ambiente familiar mais restrito, denominado microssistema, no qual as relações face a face são estáveis e significativas. A participação da criança em outros ambientes vai introduzindo um mesossistema, que é definido como um conjunto de microssistemas (por exemplo, Escola, creche, Igreja), possibilitando a consolidação de diferentes relações e exercitando papéis específicos dentro de cada contexto. Além disso, existe o exossistema, que são os ambientes nos quais a pessoa em desenvolvimento não se encontra presente, mas cujas relações que neles existem afetam seu desenvolvimento (por exemplo, as Leis, decisões da escolinha, programas do governo, relações dos pais no trabalho). 27 UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas Acima do exossistema, Bronfenbrenner descreve o macrossistema, que abrange os sistemas de valores e crenças que permeiam a existência das diversas culturas, e que são vivenciados e assimilados no decorrer do processo de desenvolvimento. Por fim, ele discute o cronossistema, indicando a dimensão do tempo que afeta todos os sistemas. Para Bronfenbrenner, uma pessoa não é apenas o resultado do desenvolvimento, mas também formadora dele. As pessoas influenciam seu próprio desenvolvimento por meio de suas características biológicas e psicológicas. Ele enfatiza que as pessoas não se desenvolvem isoladamente e salienta que os contextos são inter- relacionados (PAPALIA; OLDS & FELDMAN, 2006). Ao concluir esta Unidade, nós ressaltamos que, longe de esgotar a temática, nosso intuito aqui foi apresentar e diferenciar as principais teorias do desenvolvimento que contribuem de diferentes maneiras para os processos educativos. Além disso, a separação entre as teorias do desenvolvimento e da aprendizagem é meramente didática. Por essa razão, elas quase não foram apresentadas aqui e na próxima Unidade iremos discutir mais sobre as Teorias da Aprendizagem. Contudo, seguindo os princípios da proposta de Bruner sobre o currículo em espiral, que mencionamos na Unidade passada, nós iremos sempre revisitando conteúdos e agregando informações novas para que você possa ter a melhor compreensão sobre a Psicologia da Educação; por isso, as Teorias do desenvolvimento também irão ser revisitadas nas próximas Unidades. 28 29 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Jean Piaget, o biólogo que colocou a aprendizagem no microscópio https://goo.gl/Hya8k9 O sujeito epistêmico de Piaget https://goo.gl/VDsSRu Esquemas de ação de Piaget https://goo.gl/zE5mpx Lev Vygotsky, o teórico do ensino como processo social https://goo.gl/qk4glg Vygotsky e o conceito de zona de desenvolvimento proximal https://goo.gl/lreeoL Lev Vygotsky e o Sociointeracionismo https://goo.gl/3EdBd1 O conceito de afetividade de Henri Wallon https://goo.gl/clMb68 Henri Wallon e o conceito de emoção https://goo.gl/FnAqab Henri Wallon e o conceito de sincretismo https://goo.gl/tDMLzg 29 UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas Referências ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2006. ALMEIDA L. R.; MAHONEY A. O. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. Psic. da Edu., São Paulo, 1.sem., p.11-30, 2005. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psie/n20/v20a02.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2012. ALMEIDA L. R.; MAHONEY A. O. Henri Wallon – Psicologia e Educação. 3.ed. São Paulo: Loyola, 2003. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. CARRARA, Kester. Introdução à Psicologia da Educação: seis abordagens. São Paulo: Avercamp, 2004. DAVIS, C.; OLIVEIRA, Z. Psicologia na Educação. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1994. LA TAILLE, Y.; OLIVEIRA, M. K.; DANTAS, E. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio- histórico. São Paulo: Scipione, 2010. ______. Vygotsky e o processo de formação de conceitos. In: LA TAILLE, Y.; OLIVEIRA, M. K.; DANTAS, E. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. PAPALIA, D.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento Humano. 8.ed. Porto Alegre: Artmed, 2006 VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6.ed. Tradução de José Cipolla Neto. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 30
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