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O feminicídio como uma manifestação da relação de poder entre os gêneros Raphael Corrêa Goés1 Resumo A violência de gênero contra as mulheres é um fenômeno mundial, sendo que o feminicídio consiste na perseguição e morte intencional de mulheres. Classificado como crime hediondo no Brasil e tipificado pela Lei 13.104, de 2015, o feminicídio apenas se configura quando as causas do homicídio são comprovadamente questões de gênero, ou seja, quando a mulher é assassinada simplesmente por ser mulher. O feminicídio pode ser classificado como feminicídio íntimo, quando há uma relação de afeto ou parentesco entre vítima e agressor; feminicídio não íntimo, quando não há uma relação de afeto ou parentesco entre vítima e agressor, porém o crime se caracteriza pela violência ou abuso sexual; feminicídio por conexão, quando uma mulher é morta, ao tentar intervir, o assassinato de outra mulher por um homem; e, transfeminicídio, quando, motivado pelo ódio e nojo, uma mulher transgênero é morta por um homem. Para que o crime de feminicídio seja qualificado, é necessário equipará-lo aos crimes passionais, demonstrando que as mortes da mulher vítimas do feminicídio não decorre da criminalidade comum, qual seja, provocada por gangues e quadrilhas. Por ser uma legislação relativamente nova, no Brasil, ainda há muita dificuldade para tipificar o autor do crime de feminicídio, haja vista que há um grande empecilho no conhecimento do contexto em que a morte das mulheres ocorre, dificultando a qualificação do agente no crime de feminicídio. Palavras-chave: feminicídio, poder de gênero, crime contra a mulher. Introdução O termo feminicídio, derivado do inglês feminicide, foi utilizado primeiramente por Diana Russel, em 1976, perante o Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas2. A expressão foi utilizada durante o seu depoimento como referência aos assassinatos de mulheres provocados pelo simples fato de serem mulheres. De modo que, para Russel, as mortes classificadas como feminicídio eram decorrentes 1 Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pela MBA da Universidade Estácio de Sá com endereço de e-mail: raphael-goes@hotmail.com. 2 BRITO FILHO, Cleudemir. Malheiros. Violência de gênero: feminicídio. União das Faculdades dos Grandes Lagos, UNILAGO – São José do Rio Preto, SP. Brasil. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 17(32), 179-195, jan.-jun. 2017. 2 de uma discriminação baseada apenas no gênero e não em outros marcadores comuns, como raça, etnia ou geração3. Outro ponto importante provém do fato de que o feminicídio não se apresenta como uma situação isolada na vida das mulheres vitimizadas, uma vez que constitui o ponto final de uma sequência de abusos físicos e mentais, além de outros tipos de violações e privação que as mulheres seriam submetidas ao longo de suas vidas até o feminicídio em si4. Embora a primeira manifestação do termo tenha ocorrido no Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, a conceituação somente ocorreu anos mais tarde, quando Russel, juntamente com Caputi, definiram o feminicídio como “o assassinato de mulheres realizado por homens motivado por ódio, desprezo, prazer ou um sentido de propriedade sobre as mulheres”5. Posteriormente, Gebrim e Borges6 definiram o termo feminicídio como um “continuum de violência contra as mulheres”, estabelecendo, ainda, uma conexão com várias outras formas de violência, como o estupro, o incesto, o abuso físico e emocional, o assédio sexual, o uso das mulheres na pornografia, na exploração sexual, além da esterilização ou maternidade forçada e demais crimes contra a mulher, por seu gênero, que podem resultar em morte e, consequentemente, em feminicídio. Embora a nomenclatura “feminicídio” tenha sido conceituada em 1992 como uma modalidade criminosa exclusivamente destinada às mulheres como vítimas por seu gênero, na época, não se tornou mundialmente popular. A popularização do termo veio, realmente, com a brutal onda de assassinatos de mulheres na cidade de Juárez, no México, localizada na fronteira com os Estados Unidos, nos crimes noticiados como “as mortas de Juárez”7. Desde o ano de 1993, várias mulheres foram brutalmente assassinadas na cidade de Juárez, México, tendo seus corpos expostos pelas ruas da cidade, sendo 3 CAPUTI, Jane; RUSSEL, Diana E. H. Femicide: sexist terrorism against women. In:______. Femicidio: la política de matar mujeres. Nueva York: Twayne, 1992., p. 35, tradução nossa. 4 Ibid, p. 35, tradução nossa. 5 Ibid, p. 34, tradução nossa. 6 GEBRIM, Luciana Maibashi; BORGES, Paulo César Corrêa. Violência de gênero: tipificar ou não o femicídio/feminicídio? Revista de Informação Legislativa. Ano 51. Número 202 abr/jun 2014. Disponível: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/503037/001011302.pdf>. Acesso em: 08/04/2019. 7 MODELLI, Lais. Feminicídio: como uma cidade mexicana ajudou a batizar a violência contra mulheres. São Paulo: BBC News Brasil, 2016. Disponível: <https://www.bbc.com/portuguese/ internacional-38183545>. Acesso em: 05 abr. 2019. 3 que, em diversas ocasiões seus corpos estavam sem os seios ou olhos. Diante disto, em 1998, a antropóloga da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), Marcela Lagarde y de Los Rios, optou por utilizar o termo “feminicídio” para descrever os assassinatos ocorridos na Ciudad Juárez8. Desde 1993 até o ano de 2010, o número oficial de mulheres assassinadas na cidade mexicana era de cerca de 1.100 mulheres, sendo que, apenas no mês de outubro de 2010, foram 47 mulheres vítimas do feminicídio, número este alarmante que transformou a cidade em uma das mais violentas do mundo. Todavia, os crimes em Juárez, após a instituição da política de guerra ao narcotráfico pelo ex-presidente Felipe Calderón (2006 a 2012), desde 2008, têm aumentado consideravelmente, assim como os crimes cometidos contra as mulheres9. A cidade de Juárez, por sua localização, já apresenta uma violência decorrente de seu próprio contexto social, haja vista que, por sua condição fronteiriça com os Estados Unidos, há uma constante disputa de domínio e poder entre os grandes cartéis de drogas mexicanos e latifundiários estadunidenses, entretanto os assassinatos de mulheres ocorridos na cidade, possuíam características evidentes de violência de gênero, crime este que é relativamente comum no México, porém em não tão larga escala. Então, visando reduzir este tipo de delito, em 2007, Lagarde propôs a criação da Lei do Feminicídio no país10. Meses após a criação da Lei do Feminicídio no México, outros países, com grandes índices de violência e mortes de gênero contra as mulheres, como Costa Rica, Guatemala e Colômbia, incentivados com a experiência mexicana, também criaram sua própria versão da lei. Na América Latina, atualmente, 16 países tipificam o feminicídio como um delito: México, Guatemala, Chile, Costa Rica, Bolívia, Colômbia, El Salvador, Honduras, Equador, Nicarágua, Panamá, Peru, Venezuela, Argentina, República Dominicana e, por fim, o Brasil, que foi o último país latino americano a enquadrar o feminicídio como um crime hediondo, tipificado pelo Código Penal brasileiro, em 9 de março de 2015, pela Lei nº 13.104/2015. 8 Ibid. 9 MARTINS, Elisa. Juárez. A cidade que odeia as mulheres. O globo: Revista Marie Claire, 29/01/2011. Disponível em: <http://revistamarieclaire.globo.com/Revista/ Common/0,,EMI205728- 17737,00-JUAREZ+A+CIDADE+QUE+ODEIA+AS+MULHE RES.html>. Acesso em: 05 abr. 2019. 10 MODELLI, op. cit. 41 Gênero e elementos das razões de gênero A categoria de gênero foi cunhada no decorrer da história para determinar as relações desiguais de poder entre homens e mulheres, baseadas nas diferenças sexuais e biológicas, bem como nos atributos conferidos a cada gênero. A partir da atribuição de gênero, ao indivíduo atribui-se um papel dentro de sua esfera social. Para Cepal11: Os papéis de gênero são comportamentos aprendidos em uma sociedade, comunidade ou grupo social, nos quais seus membros estão condicionados para perceber certas atividades, tarefas e responsabilidades como masculinas ou femininas. Estas percepções estão influenciadas pela idade, classe, raça, etnia, cultura, religião ou outras ideologias, assim como pelo meio geográfico, o sistema econômico e político. Com frequência se produzem mudanças nos papéis de gênero como resposta às mudanças das circunstâncias econômicas, naturais ou políticas, incluídos os esforços pelo desenvolvimento, os ajustes estruturais e ou outras forças de base nacional ou internacional. Em um determinado contexto social, os papéis de gênero dos homens e das mulheres podem ser flexíveis ou rígidos, semelhantes ou diferentes, complementares ou conflituosos. Diante disto, o uso da categoria de gênero possibilita à sociedade compreender as relações entre homens e mulheres a partir dessa construção social. Em uma sociedade patriarcal, embora com pequenas diferenças em função da época e local em que se manifestam, a subordinação do gênero feminino ao masculino, passa a ter elementos considerados universais, já que pode ser identificada na maioria das sociedades no decorrer da história da humanidade. O esquema a seguir demonstra, de forma resumida, as características do conceito de gênero e seu emprego como ferramenta de análise. Fonte: Diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres12. 11 CEPAL – COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE. Guia de assistência técnica para laproducción y el uso de indicadores de género. Santiago: CEPAL/UNIFEM/UNFPA, 2006, p. 255. 12 BRASIL. Diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres. Brasília, 2016, p.223. 5 Dessa maneira, evidente que o conceito de gênero e poder está relacionado não apenas à estrutura biológica do indivíduo, mas também na forma como a sociedade determina as relações entre os gêneros, levando em consideração essa diferença biológica. 2 A violência contra as mulheres no Brasil Na década de 1980, no Brasil, com a ênfase dos movimentos feministas em busca dos direitos das mulheres e da luta contra a violência às mulheres, houve uma predominância nas denúncias aos órgãos judiciais de crimes que envolviam casais, os chamados “crimes passionais”, contra a tolerância desses órgãos e da sociedade neste tipo de crime, que, na maior parte dos casos, os autores acabavam absolvidos com base no reconhecimento da “legítima defesa da honra”13. Entre os anos de 1980 a 2013, conforme dados da segunda edição do Mapa da Violência sobre homicídios de mulheres, de 2015, no Brasil, houve mais de 106 mil mortes violentas de mulheres registradas. Os dados demonstraram que houve um aumento de 252%, já que os registros passaram de 1.353 mortes em 1980 para 4.762 mortes em 201314. Desde a década de 1980, até seguidas duas décadas, poucas foram as iniciativas governamentais no combate à violência de gênero contra as mulheres. Apenas em 2003, com a criação da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, finalmente o Brasil passou a ter uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, que pregava uma abordagem intersetorial, multidisciplinar, transversal e capilarizada, através da colaboração entre os poderes da República e dos entes federativos15. Outro marco importante no avanço da luta contra a violência aplicada às mulheres, ocorreu em 2006, com a criação da Lei nº 11.340/2006, com o objetivo de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a chamada “Lei Maria da Penha”, sancionada em 07 de agosto de 2006. A Lei Maria da Penha é 13 CORRÊA, M. Os crimes da paixão. (Coleção Tudo é História). São Paulo: Ed. Brasiliense, 1981. 14 WAISELFIZ, J. J.; CEBELA/FLACSO. Mapa da Violência 2015 - Homicídio de mulheres no Brasil. 2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, ONU Mulheres, Organização Pan- Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde, 2015. Disponível em: <http://www. mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf>. Acesso em: 12/04/2019. 15 BRASIL. Diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres. Brasília, 2016. 6 mundialmente considerada como uma das legislações mais avançadas sobre o tema, segundo as Nações Unidas16. A Lei Maria da Penha foi uma grande inovação na legislação brasileira e, entre as inovações que apresentou, trouxe em referência à Convenção de Belém do Pará, a conceituação, em seu artigo 5º, da violência doméstica e familiar contra a mulher como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Além disso, em seu artigo 6º, afirma que tal violência “constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”, contemplando, ainda, em seu art. 6º, o conceito de violência para atingir a violência física, sexual, psicológica, moral e, também, a violência patrimonial. Dessa maneira, por seu texto legal, a Lei Maria da Penha, denota ações para prevenir, responsabilidade, proteger e promover os direitos das mulheres contra as mortes violentas decorrentes de seu gênero feminino. Entretanto, embora tenha sido um grande avanço no país, a aplicação dessa legislação tem encontrado bastante dificuldade nos contextos políticos e sociais, já que sua implantação é de responsabilidade em conjunto dos governos federal, estadual e municipal. Em 2013, o relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI), retratou a situação da implementação da Lei Maria da Penha em todo o país. Muitos foram os problemas encontrados. Entre eles estão a quantidade de recurso incompatível com o volume de atendimentos, sendo que, destes, a maior parte dos recursos se concentram nas capitais. Além disso, evidenciou-se também uma deficiência na qualificação dos profissionais que lidam com as vítimas e os autores da violência. Logo, a CPMI acabou por detectar que há sim uma aplicação da Lei Maria da Penha no Brasil, porém, ainda, de forma parcial, de modo que seria necessário aos detentores do poder tomarem outras diretrizes para uma maior eficácia da aplicação da Lei no país17. Posteriormente, em março de 2015, houve outro grande marco para o Brasil nos crimes de violência contra a mulher, a criação da Lei 13.104/2015, que alterou o Código Penal brasileiro para incluir o crime de feminicídio como uma das formas 16 UNIFEM – FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO DAS MULHERES. Progresso das mulheres no mundo 2008-2009 - gênero e responsabilização: quem responde às mulheres? Disponível em: <http://www.unifem.org.br/sites/700/710/00000395.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2019. 17 BRASIL. Senado Federal. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) com a finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil. Relatório Final. Brasília: Senado Federal, 2013. 7 qualificadasde homicídio. Desta maneira, o feminicídio passou a integrar uma das qualificadoras do crime de homicídio, prevista no artigo 121 do Código Penal brasileiro. Conforme dispõe o texto legal sobre o crime de feminicídio: Art. 121… Feminicídio VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: Pena - reclusão, de doze a trinta anos. § 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Dessa maneira, como se pode observar, a inclusão do feminicídio no Código Penal brasileiro, passou a compreender, entre as qualificadoras do crime de homicídio, a morte de uma mulher decorrente de violência doméstica e familiar ou, ainda, quando provocada por menosprezo ou discriminação da condição do sexo feminino. No caso, abrange todas as mulheres, independente de sua classe social, raça, cor, orientação sexual, etnia, cultura, renda ou nível educacional, idade, religião, nacionalidade ou procedência regional. 3 Teoria Interseccional e gênero Interseccionalidade é o estudo da sobreposição das identidades sociais, relacionados à opressão, discriminação ou dominação, cujo objetivo é estudar como as diferentes categorias biológicas, sociais e culturais interagem entre si nos mais diferentes níveis. Como exemplos destas categorias, estão, não apenas o gênero, mas também raça, classe, orientação sexual, religião, idade, capacidade e casta18. Pela Teoria Interseccional, as conceituações clássicas dos diferentes tipos de opressão dentro de uma sociedade (racismo, classismo, xenofobia, sexismo, bifobia, transfobia, homofobia, capacitismo e intolerâncias de cunho religioso) agem de forma 18 CRENSHAW, Kimberle. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: a black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics. The University of Chicago Legal Forum. 140: 139–167 (1 de janeiro de 1989). 8 relacionada entre si, já que acaba sendo criado um sistema de opressão decorrente do “cruzamento” das diversas formas de discriminação19. Portanto, a análise da interseccionalidade possibilita “apreender a articulação de múltiplas diferenças e desigualdades que contribuem para a vulneração de direitos das mulheres”20. Nesse sentido, é possível refletir que as mortes violentas por razões de gênero constituem como “a forma mais extrema de violação de direitos humanos que afeta ou é decorrente de outras violações de direitos”21. Entre essas outras violações de direitos estão a liberdade, o acesso à educação, à saúde, cultura, trabalho e, até mesmo, a um emprego digno, mas que limitam as condições necessárias para que seja possível à mulher sair do estado de violência antes da situação se agravar. Dessa maneira, identificar as características descritas possibilita compreender mais profundamente a situação de vulnerabilidade e possíveis riscos que a vítima se encontrava antes do agravamento, bem como relacionar como esses fatores contribuíram para a agressão, permitindo, assim, que o Estado atue de forma preventiva para reduzir a violência de gênero. 4 A proteção da mulher na ordem constitucional Antes de aprofundar-se no estudo do feminicídio, é necessário conhecer o os fundamentos legais e constitucionais até a criação da Lei 13.104/2015, a Lei do Feminicídio. No contexto histórico do Brasil, até mesmo a antiga legislação brasileira inseria a mulher em uma condição jurídica inferior ao homem, a exemplo do Código Civil de 1916, o qual considerava a mulher casada relativamente incapaz, de modo que os atos que praticasse sem autorização do marido eram considerados juridicamente nulos. As verdadeiras mudanças na condição legal feminina vieram a partir do Decreto nº 21.076/1932, que autorizava o voto feminino. 19 NARDI, Henrique Caetano; SILVEIRA, Raquel da Silva. Interseccionalidade gênero, raça e etnia e a Lei Maria da Penha. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2014. 20 PISCITELI, A. Re-criando a (categoria) mulher? In: ALGRANTI, L.(Org.). A prática feminista e o conceito de gênero. (Textos Didáticos, n. 48). Campinas: IFCH-Unicamp, 2002, p. 266. 21 BRASIL. Diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres. Brasília, 2016. 9 Posteriormente, em meio ao final da Segunda Guerra Mundial, diversas diretrizes e tratados de direitos humanos surgiram a fim de se evitar uma terceira calamidade, influenciando a luta feminina por uma sociedade mais isonômica. E, em meio a essa luta pelos direitos humanos e no combate às desigualdades das mulheres, foi elaborado o principal documento de proteção aos direitos das mulheres que se conhece até hoje: a Convenção sobre Eliminação de Todas as formas de Discriminação contra a Mulher, adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 1979. Inserida ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 89.406, de 1º de fevereiro de 1984. Foi a partir da inserção desta Convenção que a luta pela igualdade de gênero no Brasil e nos países que a ela aderiram realmente teve início, já que agora havia respaldo jurídico para tal, cujo principal objetivo da Convenção era compelir os Estados a suprimirem as formas de discriminação de gênero e ainda assegurar a igualdade de gênero22. E, foi com base neste contexto que a Constituição Brasileira de 1988 se baseou: a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III), lutando, assim, para suprimir todas as formas de preconceito e discriminação (art. 3º, inciso IV), além de assegurar a igualdade de gênero como direito fundamental (art. 5º, caput e inciso I). Pouco tempo depois, a partir da década de 1990, com o movimento legislativo de especialização da proteção, houve a necessidade da criação de leis de proteção específicas, já que até a década de 1980 o sistema judicial brasileiro tratava as formas de violência, quais sejam, se patrimoniais ou físicas, através do sistema comum de normas disciplinadas pelos Código Civil e Penal. Então, neste contexto diversas leis de proteção específicas foram criadas, como o Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Em meio a estas, criou-se também a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990), que determina um tratamento processual diferenciado e mais rígido aos crimes enquadrados dentro do texto legal. E, anos mais tarde, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/ 2006), que visa coibir e prevenir a violência doméstica. Posteriormente, 22 SILVA, João Gabriel Soares. Lei Maria da Penha e feminicídio. Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18124&rev ista_caderno=3>. Acesso em: 27 abr. 2019. 10 em busca de uma maior proteção contra a violência da mulher por seu gênero, foi criada a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015). Segundo a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito23: O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse,igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex parceiro; como subjugação de intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher; pela mutilação ou desfiguração do seu corpo como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou tratamento cruel ou degradante. A Lei do Feminicídio, portanto, configura uma especialização legal diferenciada, já que não tipifica nova conduta, apenas especializa uma conduta já tipificada, qual seja “matar alguém”, com o intuito de modificar uma conduta cuja a sociedade é leniente. 5 O crime de feminicídio e sua tipificação Bandeira24, define o feminicídio como: (…) a última etapa de um continuum de violência que leva à morte. Precedido por outros eventos, tais como abusos físicos e psicológicos, que tentam submeter as mulheres a uma lógica de dominação masculina e a um padrão cultural que subordina a mulher e que foi apreendido ao logo de gerações, trata-se portanto de parte de um sistema de dominação patriarcal misógino. Dessa maneira, o feminicídio nada mais é do que homicídio doloso praticado contra a mulher por razões de sua condição como gênero feminino, no qual o agente despreza e menospreza, desconsiderando a dignidade da vítima pelo simples fato de ser mulher, através de um comportamento misógino. Embora a Lei 13.104/2015 trate sobre Feminicídio, punindo gravemente aquele que mata a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, razões de gênero, não quer dizer que basta a vítima ser mulher25. 23 BRASIL, Senado Federal. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Relatório Final. Brasília, julho de 2013 24 BANDEIRA, Lourdes. Feminicídio: a última etapa do ciclo de violência contra a mulher. Disponível: <http://www.compromissoeatitude.org.br/feminicidio-a-ultima-etapa-do-ciclo-da-violencia- contra-a-mulher-por-lourdes-bandeira/>. Acesso em 20 abr. 2019 25 ORTEGA, Flávia Teixeira. Feminicídio (art. 121, §2º, VI, do CP). Jusbrasil. Disponível em: <https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/artigos/337322133/feminicidio-art-121-2-vi-do-cp > Acesso em: 20 abr. 2019. 11 Entretanto, antes da criação da Lei nº 13.104/2015, o homicídio praticado pelo homem contra a mulher por razões de gênero era punido de forma genérica dentro de uma das modalidades já existentes do crime de homicídio (art. 121, do CP), normalmente sendo enquadrado entre uma das qualificadoras: motivo torpe (inciso I, §2º, do art. 121, do CP), fútil (inciso II) ou, ainda, em virtude de dificuldade de defesa da vítima (inciso IV). Não havendo, contudo, qualquer acréscimo de pena pelo fato do crime ser cometido contra a mulher por razões de gênero, fato este que passou a ser expressamente previsto pela a Lei nº 13.104/2015. Ainda, conforme abordado anteriormente, o feminicídio não tipifica conduta nova, apenas especializa conduta já tipificada, visando adequar uma legislação já existente, qual seja, o crime de homicídio, buscando respaldar a proteção da mulher e inseri-la em um contexto social já existente. No caso, o feminicídio trata de uma nova modalidade inserida no crime de homicídio qualificado, inscrita no inciso VI, do artigo 121, parágrafo 2º do Código Penal brasileiro. Igualmente, por sua natureza, o feminicídio, foi inserido no rol dos crimes hediondos ao qual faz parte o homicídio qualificado, de modo que possíveis hipóteses de extinção de punibilidade são inadmissíveis quando configurado o feminicídio. 6 Índices do crime de feminicídio no Brasil e no mundo O gráfico a seguir traz uma comparação quanto a estimativa do número de mulheres vítimas do feminicídio nos principais países da América Latina, relacionando o número de vítimas do crime de feminicídio a cada cem mil habitantes26, demonstrando que o Brasil está praticamente no topo da lista neste tipo de delito. 26 PEQUENO APRENDIZ. Gráfico do feminicídio. Escola Pequeno Aprendiz, 2018. Disponível em: <http://oitavoanovespertino2018.blogspot.com/2018/09/graficos-do-feminicidio.html>. Acesso em: 20 abr. 2019. 12 Fonte: Pequeno Aprendiz. No Brasil, assim como ocorre no México e em outros países da América Latina, as estatísticas do crime de feminicídio são bastante alarmantes. Entre os anos de 1980 e 2013, por exemplo, cerca de nove mulheres foram assassinadas por dia no país, ou seja, em três décadas, foram mais de cem mil mulheres mortas no Brasil. Apenas no intervalo de 2003 a 2013, houve um aumento de 252% nos casos deste tipo no país, se comparado com as duas décadas antecedentes27. Diariamente, são diversos os casos de assassinatos de mulheres no Brasil e, segundo dados da Organização das Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde, a taxa de homicídios no Brasil é a quinta maior do mundo. Somente em janeiro de 2019, nos mais de 100 casos de feminicídios registrados, o quadro mostra que a maioria ocorre por parceiros ou ex parceiros fazendo uso de arma de fogo28. O homicídio de mulheres é algo corriqueiro nos noticiários brasileiros. A criação da Lei do Feminicídio, então, acabou sendo um passo importante para a sociedade 27 AGÊNCIA BRASIL. Taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo. Disponível: <https: //exame.abril.com.br/brasil/taxa-de-feminicidios-no-brasil-e-a-quinta-maior-do-mundo/>. Acesso em: 25 abr. 2019. 28 OLIVA, Nathalia. Brasil tem onda de feminicídios no início do ano, com mais de 100 casos em 1 mês. São Paulo: iG São Paulo, 2019. Disponível em: <https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/ 2019-02-04/feminicidio-brasil-janeiro.html> Acesso em: 20 abr. 2019. 13 brasileira, uma vez que, as mortes de mulheres que resultavam da violência doméstica, antes eram julgadas, em sua maior parte, como crime passional. Então, em 2015 com a inclusão do feminicídio como qualificadora do crime de homicídio no Código Penal, que resultou na Lei nº 13.104/2015 (Lei do Feminicídio), além de inserir esta modalidade criminosa entre os crimes hediondo, junto ao estupro, latrocínio e genocídio, possibilitou um julgamento mais célere ao agente, ao definir as diretrizes da conduta criminosa, bem como deu maior visibilidade ao assunto e, consequentemente, às mulheres como vítimas de sua condição de gênero. Constituído como crime em 2015, apenas dois anos depois, no ano de 2017, o Brasil concentrou 40% dos casos de feminicídio na América Latina, conforme demonstrado no gráfico a seguir29: Fonte: Bond, 2018. Ainda no Brasil, segundo dados do Ministério Público, publicados em 2017, Alagoas é o estado com maior índice de inquéritos policiais decorrentes do crime de feminicídio, conforme se observa a seguir: 29 BOND, Letycia. Brasil concentrou mais de 40% dos feminicídios da América Latina em 2017. Brasília: Agência Brasil, 16/11/2018. Disponível: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/ noticia/2018-11/brasil-concentrou-40-dos-feminicidios-na-america-latina-em-2017>. Acesso em: 08/04/2019. 14 Fonte: Ministério Público. E, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil e o quinto país com maior taxa de feminicídio no mundo, de forma que, conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa é de 4,8 para cada 100 mil mulheres vítimas do crime. Além disso, como dito, o Mapa da Violência sobre homicídios, de 2015, revelou que, entre os homicídios cujas vítimas são mulheres, o número de mulheres negras vítimas do crime, aumentou 54% entre 2003e 2013, evoluindo de 1.864 para 2.875. E, do total de homicídios característicos do conceito de feminicídio registrados em 2013, 33,2% dos assassinos eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas30. 6.1 Características do feminicídio Como previamente abordado, o feminicídio, por seu termo, é definido como o homicídio de uma mulher simplesmente por seu gênero, embora vários estudiosos acrescentam ao crime de feminicídio, não apenas o homicídio da mulher em si por motivos de perseguição ao seu sexo, mas também qualquer conjunto de violações 30 WAISELFISZ, op. cit. 15 relacionados aos direitos humanos das mulheres relacionados ao seu gênero, como maus-tratos, estupro e exploração sexual. Entretanto, as características do crime de feminicídio não são as mesmas em todos os países, uma vez que apresentam particularidades de acordo com cada sociedade. De modo geral, são mortes intencionais e violentas de mulheres em função de seu gênero, resultante da relação de poder entre homens e mulheres, decorrente das diferenças de poder entre ambos os sexos. Para caracterizar o delito como feminicídio, há a necessidade de distingui-lo dos crimes passionais e, ainda, da criminalidade comum. Ou seja, antes de enquadrar o homicídio de uma mulher como feminicídio em si, é necessário que seja claramente demonstrado que não configura um crime de origem passional e tampouco um homicídio comum, como as mortes provocadas por gangues31. A Lei do Feminicídio não enquadra qualquer assassinato de mulheres como feminicídio. A Lei apenas configura o crime como um ato de feminicídio nos casos em que o crime resulta da violência doméstica ou familiar ou, ainda, quando há discriminação contra a mulher por sua condição de mulher. No primeiro caso, quando o crime resulta de violência doméstica ou familiar, o agente do crime mantém ou já manteve algum tipo de laço afetivo com a vítima. Este é o tipo de feminicídio mais comum no Brasil, ao contrário de outros países da América Latina em que a violência contra a mulher geralmente é praticada por desconhecidos, com a motivação da violência sexual32. No segundo caso, por sua vez, quando o feminicídio resulta do menosprezo ou discriminação da mulher por sua condição de mulher, há uma discriminação de gênero manifestada pela misoginia e pela objetificação da mulher33. Nesse contexto, observa-se que a principal dificuldade para se classificar o assassinato de uma mulher como um ato de feminicídio é definir qual o real contexto em que o crime ocorreu, a fim de enquadra-lo como um assassinato de gênero de acordo com os pressupostos característicos do feminicídio. Logo, é extremamente 31 PASINATO, Wânia. “Feminicídio” e as mortes de mulheres no Brasil. Rev. Cadernos Pagu (37), julho-dezembro de 2011: 219-246. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n37/a08n37.pdf> Acesso em: 20 abr. 2019. 32 PORFÍRIO, Francisco. “Feminicídio”. Brasil Escola. Disponível: <https://brasilescola.uol.com.br/ sociologia/feminicidio.htm>. Acesso em 28 de abr. de 2019. 33 Ibid. 16 importante conhecer, não apenas, o contexto social em si, mas também identificar as relações de poder que levaram ao acontecimento do crime. 6.3 Tipos de feminicídios O crime de feminicídio é constituído por três principais tipos: feminicídio íntimo, feminicídio não íntimo e feminicídio por conexão. Entretanto, no atual contexto social, outra modalidade comumente vêm ocorrendo: o transfeminicídio, que se enquadra dentro do crime de feminicídio por analogia. O feminicídio íntimo é o tipo mais comum no Brasil. É praticado por indivíduo do sexo masculino com o qual a vítima possui ou possuía algum tipo de relação íntima, familiar ou de convivência. Em geral, o ato é praticado pelo marido, companheiro ou namorado, em relação atual ou anterior, da vítima, que, em um momento de descontrole emocional, pratica o feminicídio, apontando como sua motivação o comportamento da vítima, responsabilizando-a pela agressão sofrida34. O feminicídio não íntimo é aquele praticado por indivíduos do sexo masculino com os quais a vítima não possuía qualquer relação íntima, familiar ou de convivência, entretanto, pode haver relação de confiança, amizade ou hierarquia, como amizade entre colegas de trabalhado, relação empregado-empregador, etc. Além disso, o feminicídio neste grupo, pode, ainda, constituir dois subgrupos, de acordo com a prática ou não de violência sexual35. O feminicídio por conexão, todavia, é aquele em que o assassinato da mulher ocorre porque ela se encontrava na “linha de tiro” de um homem que tentava assassinar outra mulher. Pode ocorrer também em aberratio ictus, ou seja, quando o agente atinge um terceiro, além da pessoa que pretendia ofender, por erro na execução ou por acidente. Este tipo de feminicídio independe da existência ou não de vínculo entre vítima e agressor36. O transfeminicídio, por sua vez, também conhecido como transfemicídio ou travesticídio, é enquadrado dentro do transgenerocídio. O transgenerocídio é um crime de gênero caracterizado por uma política disseminada, intencional e sistemática de eliminação da população trans, mulheres trans e travestis, cuja motivação se 34 GALVÃO, Patrícia; FERNANDES, Tainah. O que é feminicídio? Dossie Agência Patrícia Galvão. Disponível: <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/o-que-e-feminicidio/> Acesso em: 28 abr. 2019. 35 PASINATO, Wânia. “Feminicídio” e as mortes de mulheres no Brasil. Rev. Cadernos Pagu (37), julho-dezembro de 2011: 219-246. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n37/a08n37.pdf> Acesso em: 20 abr. 2019. 36 Ibid. 17 configura pelo ódio e asco desta população pelo agressor. Em muitos casos, levando em consideração a condição de mulher trans, pode-se enquadrar o transfeminicídio dentro do contexto do feminicídio, quando constitui um assassinato de ódio da mulher trans por seu gênero37. Conclusões O criação do direito positivo é, indubitavelmente, um grande marco no processo da civilização, a fim de inibir situações de resolução de conflitos pela “lei do mais forte”, como ocorria com a antiga Lei do Talião (“olho por olho, dente por dente”). Dessa maneira, a criação de leis que tratam de assuntos específicos e de como resolvê-los juridicamente acaba promovendo uma sensação de segurança dentro da sociedade que busca respaldo em sua busca pela justiça. Inegável que muitas vezes mudanças nas legislações são evidentes para se tornar uma sociedade mais justa, e foi esse o intuito do legislador ao criar a Lei do Feminicídio. Embora a Lei do Feminicídio não surgiu apresentando realmente uma nova modalidade penal, como a Lei Maria da Penha o fez, mas sim apenas acrescentando uma nova qualificadora a um crime já existente, qual seja, o crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal. Ainda assim constitui uma poderosa ferramenta ao combate das formas de violência sistêmica contra a mulher dentro das relações conjugais em que se insere, as quais, muitas vezes resultavam em crimes de homicídio, anteriormente classificados como crimes passionais. O grande marco trazido pela Lei do Feminicídio é que ela trata diretamente das mulheres assassinadas por sua condição de gênero, determinando uma pena maior para estes casos. Enquanto a pena para um homicídio simples é de 6 a 20 anos, o homicídio qualificado, onde se enquadra o feminicídio, tem uma pena entre 12 e 30 anos de prisão. O feminicídio se comprova, em muitos casos, quando há antecedentede violência doméstica e familiar, ou, ainda, quando o crime é motivado por discriminação 37 LIEKSA, Inaê Diana. Transfeminicídio: Quando Vidas São Passíveis De Apagamento. Disponível: <https://transfeminismo.com/transfeminicidio-quando-vidas-sao-passiveis-de-apagamento/> Acesso em: 26 abr. 2019. 18 ou subjugação da vítima por sua condição de gênero, ou seja, pelo simples fato de ser mulher. Entretanto, a principal dificuldade que se encontra para definir o assassinato de uma mulher como feminicídio é quanto ao contexto em que o fato ocorreu, já que nem sempre se conhece o contexto em que aquele crime ocorreu. Em muitos casos, é necessário fazer uma investigação minuciosa antes de definir o crime como um feminicídio e nem sempre os profissionais responsáveis por esta adequação estão devidamente qualificados para distinguir o feminicídio de um homicídio simples. Contudo, a tendência é que, futuramente, os casos de feminicídios não necessariamente diminuam, mas que sejam cada vez mais reconhecidos e registrados e que as ações de combate aos crimes de gênero contra as mulheres se intensifiquem, pois, com a criação da Lei de Feminicídio, o debate já foi aberto no país, e, portanto, diversas diretrizes e políticas educacionais são passíveis de surgirem. 19 REFERÊNCIAS AGÊNCIA BRASIL. Taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/taxa-de-feminicidios-no-brasil-e-a- quinta-maior-do-mundo/> Acesso em: 25/04/2019. BANDEIRA, Lourdes. Feminicídio: a última etapa do ciclo de violência contra a mulher. 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