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O feminicídio como uma manifestação da relação de poder entre os gêneros 
Raphael Corrêa Goés1 
 
 
Resumo 
A violência de gênero contra as mulheres é um fenômeno mundial, sendo que o 
feminicídio consiste na perseguição e morte intencional de mulheres. Classificado 
como crime hediondo no Brasil e tipificado pela Lei 13.104, de 2015, o feminicídio 
apenas se configura quando as causas do homicídio são comprovadamente questões 
de gênero, ou seja, quando a mulher é assassinada simplesmente por ser mulher. O 
feminicídio pode ser classificado como feminicídio íntimo, quando há uma relação de 
afeto ou parentesco entre vítima e agressor; feminicídio não íntimo, quando não há 
uma relação de afeto ou parentesco entre vítima e agressor, porém o crime se 
caracteriza pela violência ou abuso sexual; feminicídio por conexão, quando uma 
mulher é morta, ao tentar intervir, o assassinato de outra mulher por um homem; e, 
transfeminicídio, quando, motivado pelo ódio e nojo, uma mulher transgênero é morta 
por um homem. Para que o crime de feminicídio seja qualificado, é necessário 
equipará-lo aos crimes passionais, demonstrando que as mortes da mulher vítimas do 
feminicídio não decorre da criminalidade comum, qual seja, provocada por gangues e 
quadrilhas. Por ser uma legislação relativamente nova, no Brasil, ainda há muita 
dificuldade para tipificar o autor do crime de feminicídio, haja vista que há um grande 
empecilho no conhecimento do contexto em que a morte das mulheres ocorre, 
dificultando a qualificação do agente no crime de feminicídio. 
 
Palavras-chave: feminicídio, poder de gênero, crime contra a mulher. 
 
Introdução 
 O termo feminicídio, derivado do inglês feminicide, foi utilizado primeiramente 
por Diana Russel, em 1976, perante o Tribunal Internacional de Crimes contra 
Mulheres, em Bruxelas2. 
 A expressão foi utilizada durante o seu depoimento como referência aos 
assassinatos de mulheres provocados pelo simples fato de serem mulheres. De modo 
que, para Russel, as mortes classificadas como feminicídio eram decorrentes
 
1 Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pela MBA da Universidade Estácio de Sá com 
endereço de e-mail: raphael-goes@hotmail.com. 
2 BRITO FILHO, Cleudemir. Malheiros. Violência de gênero: feminicídio. União das Faculdades dos 
Grandes Lagos, UNILAGO – São José do Rio Preto, SP. Brasil. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 
17(32), 179-195, jan.-jun. 2017. 
2 
 
de uma discriminação baseada apenas no gênero e não em outros marcadores 
comuns, como raça, etnia ou geração3. 
 Outro ponto importante provém do fato de que o feminicídio não se apresenta 
como uma situação isolada na vida das mulheres vitimizadas, uma vez que constitui 
o ponto final de uma sequência de abusos físicos e mentais, além de outros tipos de 
violações e privação que as mulheres seriam submetidas ao longo de suas vidas até 
o feminicídio em si4. 
 Embora a primeira manifestação do termo tenha ocorrido no Tribunal 
Internacional de Crimes contra Mulheres, a conceituação somente ocorreu anos mais 
tarde, quando Russel, juntamente com Caputi, definiram o feminicídio como “o 
assassinato de mulheres realizado por homens motivado por ódio, desprezo, prazer 
ou um sentido de propriedade sobre as mulheres”5. 
 Posteriormente, Gebrim e Borges6 definiram o termo feminicídio como um 
“continuum de violência contra as mulheres”, estabelecendo, ainda, uma conexão com 
várias outras formas de violência, como o estupro, o incesto, o abuso físico e 
emocional, o assédio sexual, o uso das mulheres na pornografia, na exploração 
sexual, além da esterilização ou maternidade forçada e demais crimes contra a 
mulher, por seu gênero, que podem resultar em morte e, consequentemente, em 
feminicídio. 
 Embora a nomenclatura “feminicídio” tenha sido conceituada em 1992 como 
uma modalidade criminosa exclusivamente destinada às mulheres como vítimas por 
seu gênero, na época, não se tornou mundialmente popular. A popularização do termo 
veio, realmente, com a brutal onda de assassinatos de mulheres na cidade de Juárez, 
no México, localizada na fronteira com os Estados Unidos, nos crimes noticiados como 
“as mortas de Juárez”7. 
 Desde o ano de 1993, várias mulheres foram brutalmente assassinadas na 
cidade de Juárez, México, tendo seus corpos expostos pelas ruas da cidade, sendo
 
3 CAPUTI, Jane; RUSSEL, Diana E. H. Femicide: sexist terrorism against women. In:______. 
Femicidio: la política de matar mujeres. Nueva York: Twayne, 1992., p. 35, tradução nossa. 
4 Ibid, p. 35, tradução nossa. 
5 Ibid, p. 34, tradução nossa. 
6 GEBRIM, Luciana Maibashi; BORGES, Paulo César Corrêa. Violência de gênero: tipificar ou não 
o femicídio/feminicídio? Revista de Informação Legislativa. Ano 51. Número 202 abr/jun 2014. 
Disponível: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/503037/001011302.pdf>. Acesso 
em: 08/04/2019. 
7 MODELLI, Lais. Feminicídio: como uma cidade mexicana ajudou a batizar a violência contra 
mulheres. São Paulo: BBC News Brasil, 2016. Disponível: <https://www.bbc.com/portuguese/ 
internacional-38183545>. Acesso em: 05 abr. 2019. 
3 
 
que, em diversas ocasiões seus corpos estavam sem os seios ou olhos. Diante disto, 
em 1998, a antropóloga da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), 
Marcela Lagarde y de Los Rios, optou por utilizar o termo “feminicídio” para descrever 
os assassinatos ocorridos na Ciudad Juárez8. 
 Desde 1993 até o ano de 2010, o número oficial de mulheres assassinadas na 
cidade mexicana era de cerca de 1.100 mulheres, sendo que, apenas no mês de 
outubro de 2010, foram 47 mulheres vítimas do feminicídio, número este alarmante 
que transformou a cidade em uma das mais violentas do mundo. Todavia, os crimes 
em Juárez, após a instituição da política de guerra ao narcotráfico pelo ex-presidente 
Felipe Calderón (2006 a 2012), desde 2008, têm aumentado consideravelmente, 
assim como os crimes cometidos contra as mulheres9. 
 A cidade de Juárez, por sua localização, já apresenta uma violência decorrente 
de seu próprio contexto social, haja vista que, por sua condição fronteiriça com os 
Estados Unidos, há uma constante disputa de domínio e poder entre os grandes 
cartéis de drogas mexicanos e latifundiários estadunidenses, entretanto os 
assassinatos de mulheres ocorridos na cidade, possuíam características evidentes de 
violência de gênero, crime este que é relativamente comum no México, porém em não 
tão larga escala. Então, visando reduzir este tipo de delito, em 2007, Lagarde propôs 
a criação da Lei do Feminicídio no país10. 
 Meses após a criação da Lei do Feminicídio no México, outros países, com 
grandes índices de violência e mortes de gênero contra as mulheres, como Costa 
Rica, Guatemala e Colômbia, incentivados com a experiência mexicana, também 
criaram sua própria versão da lei. 
 Na América Latina, atualmente, 16 países tipificam o feminicídio como um 
delito: México, Guatemala, Chile, Costa Rica, Bolívia, Colômbia, El Salvador, 
Honduras, Equador, Nicarágua, Panamá, Peru, Venezuela, Argentina, República 
Dominicana e, por fim, o Brasil, que foi o último país latino americano a enquadrar o 
feminicídio como um crime hediondo, tipificado pelo Código Penal brasileiro, em 9 de 
março de 2015, pela Lei nº 13.104/2015. 
 
 
8 Ibid. 
9 MARTINS, Elisa. Juárez. A cidade que odeia as mulheres. O globo: Revista Marie Claire, 
29/01/2011. Disponível em: <http://revistamarieclaire.globo.com/Revista/ Common/0,,EMI205728-
17737,00-JUAREZ+A+CIDADE+QUE+ODEIA+AS+MULHE RES.html>. Acesso em: 05 abr. 2019. 
10 MODELLI, op. cit. 
41 Gênero e elementos das razões de gênero 
 A categoria de gênero foi cunhada no decorrer da história para determinar as 
relações desiguais de poder entre homens e mulheres, baseadas nas diferenças 
sexuais e biológicas, bem como nos atributos conferidos a cada gênero. A partir da 
atribuição de gênero, ao indivíduo atribui-se um papel dentro de sua esfera social. 
Para Cepal11: 
Os papéis de gênero são comportamentos aprendidos em uma sociedade, 
comunidade ou grupo social, nos quais seus membros estão condicionados 
para perceber certas atividades, tarefas e responsabilidades como 
masculinas ou femininas. Estas percepções estão influenciadas pela idade, 
classe, raça, etnia, cultura, religião ou outras ideologias, assim como pelo 
meio geográfico, o sistema econômico e político. Com frequência se 
produzem mudanças nos papéis de gênero como resposta às mudanças das 
circunstâncias econômicas, naturais ou políticas, incluídos os esforços pelo 
desenvolvimento, os ajustes estruturais e ou outras forças de base nacional 
ou internacional. Em um determinado contexto social, os papéis de gênero 
dos homens e das mulheres podem ser flexíveis ou rígidos, semelhantes ou 
diferentes, complementares ou conflituosos. 
 
 Diante disto, o uso da categoria de gênero possibilita à sociedade compreender 
as relações entre homens e mulheres a partir dessa construção social. 
Em uma sociedade patriarcal, embora com pequenas diferenças em função da 
época e local em que se manifestam, a subordinação do gênero feminino ao 
masculino, passa a ter elementos considerados universais, já que pode ser 
identificada na maioria das sociedades no decorrer da história da humanidade. 
O esquema a seguir demonstra, de forma resumida, as características do 
conceito de gênero e seu emprego como ferramenta de análise. 
 
Fonte: Diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes 
violentas de mulheres12. 
 
11 CEPAL – COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE. Guia de assistência 
técnica para laproducción y el uso de indicadores de género. Santiago: 
CEPAL/UNIFEM/UNFPA, 2006, p. 255. 
12 BRASIL. Diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero 
as mortes violentas de mulheres. Brasília, 2016, p.223. 
5 
 
 Dessa maneira, evidente que o conceito de gênero e poder está relacionado 
não apenas à estrutura biológica do indivíduo, mas também na forma como a 
sociedade determina as relações entre os gêneros, levando em consideração essa 
diferença biológica. 
 
2 A violência contra as mulheres no Brasil 
 Na década de 1980, no Brasil, com a ênfase dos movimentos feministas em 
busca dos direitos das mulheres e da luta contra a violência às mulheres, houve uma 
predominância nas denúncias aos órgãos judiciais de crimes que envolviam casais, 
os chamados “crimes passionais”, contra a tolerância desses órgãos e da sociedade 
neste tipo de crime, que, na maior parte dos casos, os autores acabavam absolvidos 
com base no reconhecimento da “legítima defesa da honra”13. 
 Entre os anos de 1980 a 2013, conforme dados da segunda edição do Mapa 
da Violência sobre homicídios de mulheres, de 2015, no Brasil, houve mais de 106 mil 
mortes violentas de mulheres registradas. Os dados demonstraram que houve um 
aumento de 252%, já que os registros passaram de 1.353 mortes em 1980 para 4.762 
mortes em 201314. 
 Desde a década de 1980, até seguidas duas décadas, poucas foram as 
iniciativas governamentais no combate à violência de gênero contra as mulheres. 
Apenas em 2003, com a criação da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 
finalmente o Brasil passou a ter uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência 
contra as Mulheres, que pregava uma abordagem intersetorial, multidisciplinar, 
transversal e capilarizada, através da colaboração entre os poderes da República e 
dos entes federativos15. 
 Outro marco importante no avanço da luta contra a violência aplicada às 
mulheres, ocorreu em 2006, com a criação da Lei nº 11.340/2006, com o objetivo de 
coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a chamada “Lei Maria 
da Penha”, sancionada em 07 de agosto de 2006. A Lei Maria da Penha é 
 
13 CORRÊA, M. Os crimes da paixão. (Coleção Tudo é História). São Paulo: Ed. Brasiliense, 1981. 
14 WAISELFIZ, J. J.; CEBELA/FLACSO. Mapa da Violência 2015 - Homicídio de mulheres no Brasil. 
2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, ONU Mulheres, Organização Pan- 
Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde, 2015. Disponível em: <http://www. 
mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf>. Acesso em: 12/04/2019. 
15 BRASIL. Diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero 
as mortes violentas de mulheres. Brasília, 2016. 
6 
 
mundialmente considerada como uma das legislações mais avançadas sobre o tema, 
segundo as Nações Unidas16. 
 A Lei Maria da Penha foi uma grande inovação na legislação brasileira e, entre 
as inovações que apresentou, trouxe em referência à Convenção de Belém do Pará, 
a conceituação, em seu artigo 5º, da violência doméstica e familiar contra a mulher 
como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, 
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Além disso, em 
seu artigo 6º, afirma que tal violência “constitui uma das formas de violação dos 
direitos humanos”, contemplando, ainda, em seu art. 6º, o conceito de violência para 
atingir a violência física, sexual, psicológica, moral e, também, a violência patrimonial. 
 Dessa maneira, por seu texto legal, a Lei Maria da Penha, denota ações para 
prevenir, responsabilidade, proteger e promover os direitos das mulheres contra as 
mortes violentas decorrentes de seu gênero feminino. Entretanto, embora tenha sido 
um grande avanço no país, a aplicação dessa legislação tem encontrado bastante 
dificuldade nos contextos políticos e sociais, já que sua implantação é de 
responsabilidade em conjunto dos governos federal, estadual e municipal. 
 Em 2013, o relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre 
Violência contra a Mulher (CPMI), retratou a situação da implementação da Lei Maria 
da Penha em todo o país. Muitos foram os problemas encontrados. Entre eles estão 
a quantidade de recurso incompatível com o volume de atendimentos, sendo que, 
destes, a maior parte dos recursos se concentram nas capitais. Além disso, 
evidenciou-se também uma deficiência na qualificação dos profissionais que lidam 
com as vítimas e os autores da violência. Logo, a CPMI acabou por detectar que há 
sim uma aplicação da Lei Maria da Penha no Brasil, porém, ainda, de forma parcial, 
de modo que seria necessário aos detentores do poder tomarem outras diretrizes para 
uma maior eficácia da aplicação da Lei no país17. 
 Posteriormente, em março de 2015, houve outro grande marco para o Brasil 
nos crimes de violência contra a mulher, a criação da Lei 13.104/2015, que alterou o 
Código Penal brasileiro para incluir o crime de feminicídio como uma das formas 
 
16 UNIFEM – FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO DAS MULHERES. 
Progresso das mulheres no mundo 2008-2009 - gênero e responsabilização: quem responde 
às mulheres? Disponível em: <http://www.unifem.org.br/sites/700/710/00000395.pdf>. Acesso em: 
12 abr. 2019. 
17 BRASIL. Senado Federal. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) com a finalidade 
de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil. Relatório Final. Brasília: Senado 
Federal, 2013. 
7 
 
qualificadasde homicídio. Desta maneira, o feminicídio passou a integrar uma das 
qualificadoras do crime de homicídio, prevista no artigo 121 do Código Penal 
brasileiro. Conforme dispõe o texto legal sobre o crime de feminicídio: 
 
Art. 121… 
Feminicídio 
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: 
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição 
Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança 
Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu 
cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão 
dessa condição: 
Pena - reclusão, de doze a trinta anos. 
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o 
crime envolve: 
I - violência doméstica e familiar; 
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. 
 
 Dessa maneira, como se pode observar, a inclusão do feminicídio no Código 
Penal brasileiro, passou a compreender, entre as qualificadoras do crime de 
homicídio, a morte de uma mulher decorrente de violência doméstica e familiar ou, 
ainda, quando provocada por menosprezo ou discriminação da condição do sexo 
feminino. No caso, abrange todas as mulheres, independente de sua classe social, 
raça, cor, orientação sexual, etnia, cultura, renda ou nível educacional, idade, religião, 
nacionalidade ou procedência regional. 
 
3 Teoria Interseccional e gênero 
 Interseccionalidade é o estudo da sobreposição das identidades sociais, 
relacionados à opressão, discriminação ou dominação, cujo objetivo é estudar como 
as diferentes categorias biológicas, sociais e culturais interagem entre si nos mais 
diferentes níveis. Como exemplos destas categorias, estão, não apenas o gênero, 
mas também raça, classe, orientação sexual, religião, idade, capacidade e casta18. 
 Pela Teoria Interseccional, as conceituações clássicas dos diferentes tipos de 
opressão dentro de uma sociedade (racismo, classismo, xenofobia, sexismo, bifobia, 
transfobia, homofobia, capacitismo e intolerâncias de cunho religioso) agem de forma 
 
18 CRENSHAW, Kimberle. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: a black feminist 
critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics. The University of 
Chicago Legal Forum. 140: 139–167 (1 de janeiro de 1989). 
8 
 
relacionada entre si, já que acaba sendo criado um sistema de opressão decorrente 
do “cruzamento” das diversas formas de discriminação19. 
 Portanto, a análise da interseccionalidade possibilita “apreender a articulação 
de múltiplas diferenças e desigualdades que contribuem para a vulneração de direitos 
das mulheres”20. 
 Nesse sentido, é possível refletir que as mortes violentas por razões de gênero 
constituem como “a forma mais extrema de violação de direitos humanos que afeta 
ou é decorrente de outras violações de direitos”21. 
Entre essas outras violações de direitos estão a liberdade, o acesso à 
educação, à saúde, cultura, trabalho e, até mesmo, a um emprego digno, mas que 
limitam as condições necessárias para que seja possível à mulher sair do estado de 
violência antes da situação se agravar. 
 Dessa maneira, identificar as características descritas possibilita compreender 
mais profundamente a situação de vulnerabilidade e possíveis riscos que a vítima se 
encontrava antes do agravamento, bem como relacionar como esses fatores 
contribuíram para a agressão, permitindo, assim, que o Estado atue de forma 
preventiva para reduzir a violência de gênero. 
 
4 A proteção da mulher na ordem constitucional 
 Antes de aprofundar-se no estudo do feminicídio, é necessário conhecer o os 
fundamentos legais e constitucionais até a criação da Lei 13.104/2015, a Lei do 
Feminicídio. 
No contexto histórico do Brasil, até mesmo a antiga legislação brasileira inseria 
a mulher em uma condição jurídica inferior ao homem, a exemplo do Código Civil de 
1916, o qual considerava a mulher casada relativamente incapaz, de modo que os 
atos que praticasse sem autorização do marido eram considerados juridicamente 
nulos. As verdadeiras mudanças na condição legal feminina vieram a partir do Decreto 
nº 21.076/1932, que autorizava o voto feminino. 
 
19 NARDI, Henrique Caetano; SILVEIRA, Raquel da Silva. Interseccionalidade gênero, raça e etnia 
e a Lei Maria da Penha. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2014. 
20 PISCITELI, A. Re-criando a (categoria) mulher? In: ALGRANTI, L.(Org.). A prática feminista e o 
conceito de gênero. (Textos Didáticos, n. 48). Campinas: IFCH-Unicamp, 2002, p. 266. 
21 BRASIL. Diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero 
as mortes violentas de mulheres. Brasília, 2016. 
9 
 
Posteriormente, em meio ao final da Segunda Guerra Mundial, diversas 
diretrizes e tratados de direitos humanos surgiram a fim de se evitar uma terceira 
calamidade, influenciando a luta feminina por uma sociedade mais isonômica. 
E, em meio a essa luta pelos direitos humanos e no combate às desigualdades 
das mulheres, foi elaborado o principal documento de proteção aos direitos das 
mulheres que se conhece até hoje: a Convenção sobre Eliminação de Todas as 
formas de Discriminação contra a Mulher, adotada pela Assembleia Geral da 
Organização das Nações Unidas em 1979. Inserida ao ordenamento jurídico brasileiro 
pelo Decreto nº 89.406, de 1º de fevereiro de 1984. 
Foi a partir da inserção desta Convenção que a luta pela igualdade de gênero 
no Brasil e nos países que a ela aderiram realmente teve início, já que agora havia 
respaldo jurídico para tal, cujo principal objetivo da Convenção era compelir os 
Estados a suprimirem as formas de discriminação de gênero e ainda assegurar a 
igualdade de gênero22. 
E, foi com base neste contexto que a Constituição Brasileira de 1988 se baseou: 
a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III), lutando, assim, para suprimir 
todas as formas de preconceito e discriminação (art. 3º, inciso IV), além de assegurar 
a igualdade de gênero como direito fundamental (art. 5º, caput e inciso I). 
Pouco tempo depois, a partir da década de 1990, com o movimento legislativo 
de especialização da proteção, houve a necessidade da criação de leis de proteção 
específicas, já que até a década de 1980 o sistema judicial brasileiro tratava as formas 
de violência, quais sejam, se patrimoniais ou físicas, através do sistema comum de 
normas disciplinadas pelos Código Civil e Penal. 
Então, neste contexto diversas leis de proteção específicas foram criadas, 
como o Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e o Código de Defesa 
do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). 
Em meio a estas, criou-se também a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 
8.072/1990), que determina um tratamento processual diferenciado e mais rígido aos 
crimes enquadrados dentro do texto legal. E, anos mais tarde, a Lei Maria da Penha 
(Lei nº 11.340/ 2006), que visa coibir e prevenir a violência doméstica. Posteriormente, 
 
22 SILVA, João Gabriel Soares. Lei Maria da Penha e feminicídio. Âmbito Jurídico. Disponível em: 
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18124&rev 
ista_caderno=3>. Acesso em: 27 abr. 2019. 
10 
 
em busca de uma maior proteção contra a violência da mulher por seu gênero, foi 
criada a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015). 
Segundo a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito23: 
 
O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o 
controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de 
posse,igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex 
parceiro; como subjugação de intimidade e da sexualidade da mulher, por 
meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da 
identidade da mulher; pela mutilação ou desfiguração do seu corpo como 
aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou tratamento 
cruel ou degradante. 
 
 
A Lei do Feminicídio, portanto, configura uma especialização legal diferenciada, 
já que não tipifica nova conduta, apenas especializa uma conduta já tipificada, qual 
seja “matar alguém”, com o intuito de modificar uma conduta cuja a sociedade é 
leniente. 
 
5 O crime de feminicídio e sua tipificação 
 Bandeira24, define o feminicídio como: 
(…) a última etapa de um continuum de violência que leva à morte. Precedido 
por outros eventos, tais como abusos físicos e psicológicos, que tentam 
submeter as mulheres a uma lógica de dominação masculina e a um padrão 
cultural que subordina a mulher e que foi apreendido ao logo de gerações, 
trata-se portanto de parte de um sistema de dominação patriarcal misógino. 
 
Dessa maneira, o feminicídio nada mais é do que homicídio doloso praticado 
contra a mulher por razões de sua condição como gênero feminino, no qual o agente 
despreza e menospreza, desconsiderando a dignidade da vítima pelo simples fato de 
ser mulher, através de um comportamento misógino. 
Embora a Lei 13.104/2015 trate sobre Feminicídio, punindo gravemente aquele 
que mata a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, razões de 
gênero, não quer dizer que basta a vítima ser mulher25. 
 
23 BRASIL, Senado Federal. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Relatório Final. Brasília, 
julho de 2013 
24 BANDEIRA, Lourdes. Feminicídio: a última etapa do ciclo de violência contra a mulher. 
Disponível: <http://www.compromissoeatitude.org.br/feminicidio-a-ultima-etapa-do-ciclo-da-violencia-
contra-a-mulher-por-lourdes-bandeira/>. Acesso em 20 abr. 2019 
25 ORTEGA, Flávia Teixeira. Feminicídio (art. 121, §2º, VI, do CP). Jusbrasil. Disponível em: 
<https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/artigos/337322133/feminicidio-art-121-2-vi-do-cp > Acesso 
em: 20 abr. 2019. 
11 
 
Entretanto, antes da criação da Lei nº 13.104/2015, o homicídio praticado pelo 
homem contra a mulher por razões de gênero era punido de forma genérica dentro de 
uma das modalidades já existentes do crime de homicídio (art. 121, do CP), 
normalmente sendo enquadrado entre uma das qualificadoras: motivo torpe (inciso I, 
§2º, do art. 121, do CP), fútil (inciso II) ou, ainda, em virtude de dificuldade de defesa 
da vítima (inciso IV). Não havendo, contudo, qualquer acréscimo de pena pelo fato do 
crime ser cometido contra a mulher por razões de gênero, fato este que passou a ser 
expressamente previsto pela a Lei nº 13.104/2015. 
Ainda, conforme abordado anteriormente, o feminicídio não tipifica conduta 
nova, apenas especializa conduta já tipificada, visando adequar uma legislação já 
existente, qual seja, o crime de homicídio, buscando respaldar a proteção da mulher 
e inseri-la em um contexto social já existente. 
 No caso, o feminicídio trata de uma nova modalidade inserida no crime de 
homicídio qualificado, inscrita no inciso VI, do artigo 121, parágrafo 2º do Código Penal 
brasileiro. Igualmente, por sua natureza, o feminicídio, foi inserido no rol dos crimes 
hediondos ao qual faz parte o homicídio qualificado, de modo que possíveis hipóteses 
de extinção de punibilidade são inadmissíveis quando configurado o feminicídio. 
 
6 Índices do crime de feminicídio no Brasil e no mundo 
O gráfico a seguir traz uma comparação quanto a estimativa do número de 
mulheres vítimas do feminicídio nos principais países da América Latina, relacionando 
o número de vítimas do crime de feminicídio a cada cem mil habitantes26, 
demonstrando que o Brasil está praticamente no topo da lista neste tipo de delito. 
 
26 PEQUENO APRENDIZ. Gráfico do feminicídio. Escola Pequeno Aprendiz, 2018. Disponível em: 
<http://oitavoanovespertino2018.blogspot.com/2018/09/graficos-do-feminicidio.html>. Acesso em: 
20 abr. 2019. 
12 
 
 
Fonte: Pequeno Aprendiz. 
 
No Brasil, assim como ocorre no México e em outros países da América Latina, 
as estatísticas do crime de feminicídio são bastante alarmantes. 
Entre os anos de 1980 e 2013, por exemplo, cerca de nove mulheres foram 
assassinadas por dia no país, ou seja, em três décadas, foram mais de cem mil 
mulheres mortas no Brasil. Apenas no intervalo de 2003 a 2013, houve um aumento 
de 252% nos casos deste tipo no país, se comparado com as duas décadas 
antecedentes27. 
Diariamente, são diversos os casos de assassinatos de mulheres no Brasil e, 
segundo dados da Organização das Nações Unidas e da Organização Mundial da 
Saúde, a taxa de homicídios no Brasil é a quinta maior do mundo. Somente em janeiro 
de 2019, nos mais de 100 casos de feminicídios registrados, o quadro mostra que a 
maioria ocorre por parceiros ou ex parceiros fazendo uso de arma de fogo28. 
O homicídio de mulheres é algo corriqueiro nos noticiários brasileiros. A criação 
da Lei do Feminicídio, então, acabou sendo um passo importante para a sociedade 
 
27 AGÊNCIA BRASIL. Taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo. Disponível: <https: 
//exame.abril.com.br/brasil/taxa-de-feminicidios-no-brasil-e-a-quinta-maior-do-mundo/>. Acesso 
em: 25 abr. 2019. 
28 OLIVA, Nathalia. Brasil tem onda de feminicídios no início do ano, com mais de 100 casos em 
1 mês. São Paulo: iG São Paulo, 2019. Disponível em: <https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/ 
2019-02-04/feminicidio-brasil-janeiro.html> Acesso em: 20 abr. 2019. 
13 
 
brasileira, uma vez que, as mortes de mulheres que resultavam da violência 
doméstica, antes eram julgadas, em sua maior parte, como crime passional. 
Então, em 2015 com a inclusão do feminicídio como qualificadora do crime de 
homicídio no Código Penal, que resultou na Lei nº 13.104/2015 (Lei do Feminicídio), 
além de inserir esta modalidade criminosa entre os crimes hediondo, junto ao estupro, 
latrocínio e genocídio, possibilitou um julgamento mais célere ao agente, ao definir as 
diretrizes da conduta criminosa, bem como deu maior visibilidade ao assunto e, 
consequentemente, às mulheres como vítimas de sua condição de gênero. 
Constituído como crime em 2015, apenas dois anos depois, no ano de 2017, o 
Brasil concentrou 40% dos casos de feminicídio na América Latina, conforme 
demonstrado no gráfico a seguir29: 
 
Fonte: Bond, 2018. 
 
 Ainda no Brasil, segundo dados do Ministério Público, publicados em 2017, 
Alagoas é o estado com maior índice de inquéritos policiais decorrentes do crime de 
feminicídio, conforme se observa a seguir: 
 
29 BOND, Letycia. Brasil concentrou mais de 40% dos feminicídios da América Latina em 2017. 
Brasília: Agência Brasil, 16/11/2018. Disponível: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/ 
noticia/2018-11/brasil-concentrou-40-dos-feminicidios-na-america-latina-em-2017>. Acesso em: 
08/04/2019. 
14 
 
 
Fonte: Ministério Público. 
 
E, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil e o quinto país 
com maior taxa de feminicídio no mundo, de forma que, conforme dados da 
Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa é de 4,8 para cada 100 mil mulheres 
vítimas do crime. 
 Além disso, como dito, o Mapa da Violência sobre homicídios, de 2015, revelou 
que, entre os homicídios cujas vítimas são mulheres, o número de mulheres negras 
vítimas do crime, aumentou 54% entre 2003e 2013, evoluindo de 1.864 para 2.875. 
E, do total de homicídios característicos do conceito de feminicídio registrados em 
2013, 33,2% dos assassinos eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas30. 
 
6.1 Características do feminicídio 
 Como previamente abordado, o feminicídio, por seu termo, é definido como o 
homicídio de uma mulher simplesmente por seu gênero, embora vários estudiosos 
acrescentam ao crime de feminicídio, não apenas o homicídio da mulher em si por 
motivos de perseguição ao seu sexo, mas também qualquer conjunto de violações 
 
30 WAISELFISZ, op. cit. 
15 
 
relacionados aos direitos humanos das mulheres relacionados ao seu gênero, como 
maus-tratos, estupro e exploração sexual. 
Entretanto, as características do crime de feminicídio não são as mesmas em 
todos os países, uma vez que apresentam particularidades de acordo com cada 
sociedade. De modo geral, são mortes intencionais e violentas de mulheres em função 
de seu gênero, resultante da relação de poder entre homens e mulheres, decorrente 
das diferenças de poder entre ambos os sexos. 
Para caracterizar o delito como feminicídio, há a necessidade de distingui-lo 
dos crimes passionais e, ainda, da criminalidade comum. Ou seja, antes de enquadrar 
o homicídio de uma mulher como feminicídio em si, é necessário que seja claramente 
demonstrado que não configura um crime de origem passional e tampouco um 
homicídio comum, como as mortes provocadas por gangues31. 
A Lei do Feminicídio não enquadra qualquer assassinato de mulheres como 
feminicídio. A Lei apenas configura o crime como um ato de feminicídio nos casos em 
que o crime resulta da violência doméstica ou familiar ou, ainda, quando há 
discriminação contra a mulher por sua condição de mulher. 
No primeiro caso, quando o crime resulta de violência doméstica ou familiar, o 
agente do crime mantém ou já manteve algum tipo de laço afetivo com a vítima. Este 
é o tipo de feminicídio mais comum no Brasil, ao contrário de outros países da América 
Latina em que a violência contra a mulher geralmente é praticada por desconhecidos, 
com a motivação da violência sexual32. 
No segundo caso, por sua vez, quando o feminicídio resulta do menosprezo ou 
discriminação da mulher por sua condição de mulher, há uma discriminação de gênero 
manifestada pela misoginia e pela objetificação da mulher33. 
Nesse contexto, observa-se que a principal dificuldade para se classificar o 
assassinato de uma mulher como um ato de feminicídio é definir qual o real contexto 
em que o crime ocorreu, a fim de enquadra-lo como um assassinato de gênero de 
acordo com os pressupostos característicos do feminicídio. Logo, é extremamente 
 
31 PASINATO, Wânia. “Feminicídio” e as mortes de mulheres no Brasil. Rev. Cadernos Pagu (37), 
julho-dezembro de 2011: 219-246. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n37/a08n37.pdf> 
Acesso em: 20 abr. 2019. 
32 PORFÍRIO, Francisco. “Feminicídio”. Brasil Escola. Disponível: <https://brasilescola.uol.com.br/ 
sociologia/feminicidio.htm>. Acesso em 28 de abr. de 2019. 
33 Ibid. 
16 
 
importante conhecer, não apenas, o contexto social em si, mas também identificar as 
relações de poder que levaram ao acontecimento do crime. 
6.3 Tipos de feminicídios 
 O crime de feminicídio é constituído por três principais tipos: feminicídio íntimo, 
feminicídio não íntimo e feminicídio por conexão. Entretanto, no atual contexto social, 
outra modalidade comumente vêm ocorrendo: o transfeminicídio, que se enquadra 
dentro do crime de feminicídio por analogia. 
 O feminicídio íntimo é o tipo mais comum no Brasil. É praticado por indivíduo 
do sexo masculino com o qual a vítima possui ou possuía algum tipo de relação íntima, 
familiar ou de convivência. Em geral, o ato é praticado pelo marido, companheiro ou 
namorado, em relação atual ou anterior, da vítima, que, em um momento de 
descontrole emocional, pratica o feminicídio, apontando como sua motivação o 
comportamento da vítima, responsabilizando-a pela agressão sofrida34. 
 O feminicídio não íntimo é aquele praticado por indivíduos do sexo masculino 
com os quais a vítima não possuía qualquer relação íntima, familiar ou de convivência, 
entretanto, pode haver relação de confiança, amizade ou hierarquia, como amizade 
entre colegas de trabalhado, relação empregado-empregador, etc. Além disso, o 
feminicídio neste grupo, pode, ainda, constituir dois subgrupos, de acordo com a 
prática ou não de violência sexual35. 
 O feminicídio por conexão, todavia, é aquele em que o assassinato da mulher 
ocorre porque ela se encontrava na “linha de tiro” de um homem que tentava 
assassinar outra mulher. Pode ocorrer também em aberratio ictus, ou seja, quando o 
agente atinge um terceiro, além da pessoa que pretendia ofender, por erro na 
execução ou por acidente. Este tipo de feminicídio independe da existência ou não de 
vínculo entre vítima e agressor36. 
 O transfeminicídio, por sua vez, também conhecido como transfemicídio ou 
travesticídio, é enquadrado dentro do transgenerocídio. O transgenerocídio é um 
crime de gênero caracterizado por uma política disseminada, intencional e sistemática 
de eliminação da população trans, mulheres trans e travestis, cuja motivação se 
 
34 GALVÃO, Patrícia; FERNANDES, Tainah. O que é feminicídio? Dossie Agência Patrícia Galvão. 
Disponível: <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/o-que-e-feminicidio/> 
Acesso em: 28 abr. 2019. 
35 PASINATO, Wânia. “Feminicídio” e as mortes de mulheres no Brasil. Rev. Cadernos Pagu (37), 
julho-dezembro de 2011: 219-246. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n37/a08n37.pdf> 
Acesso em: 20 abr. 2019. 
36 Ibid. 
17 
 
configura pelo ódio e asco desta população pelo agressor. Em muitos casos, levando 
em consideração a condição de mulher trans, pode-se enquadrar o transfeminicídio 
dentro do contexto do feminicídio, quando constitui um assassinato de ódio da mulher 
trans por seu gênero37. 
 
Conclusões 
 O criação do direito positivo é, indubitavelmente, um grande marco no processo 
da civilização, a fim de inibir situações de resolução de conflitos pela “lei do mais forte”, 
como ocorria com a antiga Lei do Talião (“olho por olho, dente por dente”). 
Dessa maneira, a criação de leis que tratam de assuntos específicos e de como 
resolvê-los juridicamente acaba promovendo uma sensação de segurança dentro da 
sociedade que busca respaldo em sua busca pela justiça. 
Inegável que muitas vezes mudanças nas legislações são evidentes para se 
tornar uma sociedade mais justa, e foi esse o intuito do legislador ao criar a Lei do 
Feminicídio. 
Embora a Lei do Feminicídio não surgiu apresentando realmente uma nova 
modalidade penal, como a Lei Maria da Penha o fez, mas sim apenas acrescentando 
uma nova qualificadora a um crime já existente, qual seja, o crime de homicídio, 
previsto no artigo 121 do Código Penal. 
Ainda assim constitui uma poderosa ferramenta ao combate das formas de 
violência sistêmica contra a mulher dentro das relações conjugais em que se insere, 
as quais, muitas vezes resultavam em crimes de homicídio, anteriormente 
classificados como crimes passionais. 
O grande marco trazido pela Lei do Feminicídio é que ela trata diretamente das 
mulheres assassinadas por sua condição de gênero, determinando uma pena maior 
para estes casos. Enquanto a pena para um homicídio simples é de 6 a 20 anos, o 
homicídio qualificado, onde se enquadra o feminicídio, tem uma pena entre 12 e 30 
anos de prisão. 
O feminicídio se comprova, em muitos casos, quando há antecedentede 
violência doméstica e familiar, ou, ainda, quando o crime é motivado por discriminação 
 
37 LIEKSA, Inaê Diana. Transfeminicídio: Quando Vidas São Passíveis De Apagamento. Disponível: 
<https://transfeminismo.com/transfeminicidio-quando-vidas-sao-passiveis-de-apagamento/> 
Acesso em: 26 abr. 2019. 
18 
 
ou subjugação da vítima por sua condição de gênero, ou seja, pelo simples fato de 
ser mulher. 
Entretanto, a principal dificuldade que se encontra para definir o assassinato de 
uma mulher como feminicídio é quanto ao contexto em que o fato ocorreu, já que nem 
sempre se conhece o contexto em que aquele crime ocorreu. Em muitos casos, é 
necessário fazer uma investigação minuciosa antes de definir o crime como um 
feminicídio e nem sempre os profissionais responsáveis por esta adequação estão 
devidamente qualificados para distinguir o feminicídio de um homicídio simples. 
Contudo, a tendência é que, futuramente, os casos de feminicídios não 
necessariamente diminuam, mas que sejam cada vez mais reconhecidos e 
registrados e que as ações de combate aos crimes de gênero contra as mulheres se 
intensifiquem, pois, com a criação da Lei de Feminicídio, o debate já foi aberto no país, 
e, portanto, diversas diretrizes e políticas educacionais são passíveis de surgirem. 
 
19 
 
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