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MATEUS ÍNDICE MATTHEW WILLIAM BARCLAY Título original em inglês: The Gospel of Matthew Tradução: Carlos Biagini O NOVO TESTAMENTO Comentado por William Barclay … Introduz e interpreta a totalidade dos livros do NOVO TESTAMENTO. Desde Mateus até o Apocalipse William Barclay explica, relaciona, dá exemplos, ilustra e aplica cada passagem, sendo empre fiel e claro, singelo e profundo. Temos nesta série, por fim, um instrumento ideal para todos aqueles que desejem conhecer melhor as Escrituras. O respeito do autor para a Revelação Bíblica, sua sólida fundamentação, na doutrina tradicional e sempre nova da igreja, sua incrível capacidade para aplicar ao dia de hoje a mensagem, fazem que esta coleção ofereça a todos como uma magnífica promessa. PARA QUE CONHEÇAMOS MELHOR A CRISTO, O AMEMOS COM AMOR MAIS VERDADEIRO E O SIGAMOS COM MAIOR EMPENHO Mateus (William Barclay) 2 ÍNDICE Prefácio Introdução Geral Introdução a Mateus Capítulo 1 Capítulo 8 Capítulo 15 Capítulo 22 Capítulo 2 Capítulo 9 Capítulo 16 Capítulo 23 Capítulo 3 Capítulo 10 Capítulo 17 Capítulo 24 Capítulo 4 Capítulo 11 Capítulo 18 Capítulo 25 Capítulo 5 Capítulo 12 Capítulo 19 Capítulo 26 Capítulo 6 Capítulo 13 Capítulo 20 Capítulo 27 Capítulo 7 Capítulo 14 Capítulo 21 Capítulo 28 PREFÁCIO Uma vez mais devo começar este prefácio expressando minha mais calorosa gratidão à Comissão de Publicações da Igreja de Escócia, que me permite acrescentar outro volume a esta série de comentários bíblicos. Uma vez mais queria agradecer muito especialmente ao Rev. R. G. Macdonald, presidente dessa comissão, e ao Rev. Andrew McCosh, secretário e administrador, pela permanente bondade e o constante estímulo que me ofereceram. Estou muito seguro de que sem sua ajuda e fôlego não tivesse podido seguir produzindo estes volumes da maneira em que o tenho feito. Queria dizer certas coisas à maneira de explicação sobre este volume de Mateus. Se pudesse supor que todos os que o lerão conhecem já os volumes sobre Marcos e Lucas, certas coisas teriam podido omitir- se, mas cada um dos livros que integram esta série deve poder ler-se independentemente de todos outros, e isto significou que me foi necessário repetir aqui algumas das coisas que já se foi dita nos outros dois volumes sobre os evangelhos sinóticos. Mais ainda, pode parecer que aqui uso muito espaço para cobrir uma seção muito breve do Mateus (William Barclay) 3 evangelho. Mas deve recordar-se que neste livro estudamos o Sermão da Montanha, e o Sermão da Montanha está tão no centro mesmo da fé e a vida cristãs, que em quase todas as suas partes devi comentá-lo oração por oração, e até palavra por palavra. Estou convencido de que nesta seção de Mateus o estudo detalhado recompensará amplamente a quem esteja preparados para fazê-lo. É estranho que Mateus não tenha tido sorte com seus comentadores. O comentário de A. B. Bruce, no Expositor's Greek Testament, ainda arroja luz sobre o texto. O de W. C. Allen, no International Critical Commentary, é mais para o erudito que para o leitor em geral. Entre todos os comentários sobre o texto grego, o de A. H. McNeille, na série de Macmillan é sem lugar a dúvidas o melhor de todos. O Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew, de Alfred Plummer, é um trabalho sólido e que oferece grande ajuda. O comentário de T. H. Robinson, no Moffat Commentary, é sugestivo, mas de certo modo superficial. O que presta maior serviço, embora por momentos parece perturbador, é o de C. G. Montefiore, em sua obra Synoptic Gospels. C. G. Montefiore era um judeu liberal, e portanto sua exegese inevitavelmente será interessante de um modo particular. O evangelho segundo São Mateus tem duas grandes características. É preeminentemente o evangelho do Mestre, porque em nenhum outro evangelho encontramos uma compilação tão sistemática dos ensinos de Jesus. E é preeminentemente o evangelho que foi escrito para nos mostrar a Jesus como o homem que nasceu para ser Rei. Minha oração é que este livro possa contribuir de algum modo para que compreendamos melhor os ensinos de Jesus, e para que O entronizemos de maneira mais plena como Rei e Soberano em nossas vidas. William Barclay. Trinity College, Glasgow, setembro de 1956. Mateus (William Barclay) 4 INTRODUÇÃO GERAL Pode dizer-se sem faltar à verdade literal, que esta série de Comentários bíblicos começou quase acidentalmente. Uma série de estudos bíblicos que estava usando a Igreja de Escócia (Presbiteriana) esgotou-se, e se necessitava outra para substituí-la, de maneira imediata. Foi-me pedido que escrevesse um volume sobre Atos e, naquele momento, minha intenção não era comentar o resto do Novo Testamento. Mas os volumes foram sucedendo, até que a tarefa original se converteu na idéia de completar o Comentário de todo o Novo Testamento. É-me impossível deixar suceder outra edição destes livros sem expressar minha mais profunda e sincera gratidão à Comissão de Publicações da Igreja da Escócia por me haver outorgado o privilégio de começar esta série até completá-la. E em particular desejo expressar minha enorme dívida de gratidão ao presidente da comissão, o Rev. R. G. Macdonald, O.B.E., M.A., D.D., e ao secretário e administrador desse órgão editor, o Rev. Andrew McCosh, M.A., S.T.M., por seu constante estímulo e suas sempre presentes simpatia e ajuda. Quando já se publicaram vários destes volumes, nos ocorreu a idéia de completar a série. O propósito é fazer com que os resultados do estudo erudito das Escrituras possam estar ao alcance do leitor não especializado, em uma forma tal que não se requeiram estudos teológicos para compreendê-los; e também se deseja fazer com que os ensinos dos livros do Novo Testamento sejam pertinentes à vida e o trabalho do homem contemporâneo. O propósito de toda esta série poderia resumir- se nas palavras da famosa oração de Richard Chichester: Procuram fazer com que Jesus Cristo seja conhecido de maneira mais clara por todos os homens e mulheres, que seja amado com mais dedicação e que seja seguido mais de perto. Minha própria oração é que de alguma maneira meu trabalho possa contribuir para que tudo isto seja possível. Mateus (William Barclay) 5 INTRODUÇÃO A MATEUS Os evangelhos sinóticos Os primeiros três evangelhos, Mateus, Marcos e Lucas, são conhecidos geralmente como os evangelhos sinóticos. A palavra sinótico provém de duas palavras gregas que significam ver conjuntamente. Sinótico significa literalmente "que se pode ver ao mesmo tempo". A razão deste nome é a seguinte. Estes três evangelhos oferecem o relato dos mesmos acontecimentos da vida de Jesus. Em cada um deles há episódios adicionados, ou outros que se omitem; mas em geral o material é o mesmo, assim como é o seu próprio ordenamento. Portanto é possível colocá-los em três colunas paralelas e lê-los simultaneamente, comparando-os entre se ao fazê-lo. Quando se faz isto, fica bem evidente que estes três evangelhos estão intimamente relacionados. Por exemplo, se compararmos o episódio da alimentação dos cinco mil nos três evangelhos (Mateus 14:12-21, Marcos 6:30-44, Lucas 9:10-17) encontramos a mesma história, narrada quase exatamente com as mesmas palavras. Um exemplo bem evidente desta relação é a história do paralítico (Mateus 9:1-8, Marcos 2:1-12, Lucas 5:17-26).Estes três relatos são tão semelhantes entre si, que até um pequeno "à parte" – "diz então ao paralítico" – aparece nos três, e sempre como uma expressão entre parêntese, exatamente no mesmo lugar. A correspondência entre os três evangelhos sinóticos é tão íntima que nos impõe extrair a conclusão de que, ou os três tomam seus materiais de uma fonte comum, ou dois deles copiam do terceiro. O primeiro evangelho Quando nos pomos a examinar mais de perto este assunto, começamos a nos dar conta de que abundam as razões para acreditar que Marcos deve ter sido o primeiro evangelho a ser escrito, e que os outros Mateus (William Barclay) 6 dois sinóticos, Mateus e Lucas, usam Marcos como base. Marcos pode ser dividido em 105 seções. Destas, 93 aparecem em Mateus e 81 em Lucas. Há somente 4 seções de Marcos que não aparecem em Mateus ou Lucas. Marcos tem 661 versículos – Mateus tem 1068 e Lucas 1149. Mateus reproduz em seu texto nada menos que 806 dos versículos de Marcos; Lucas reproduz 320. Lucas reproduz 31 versículos dos 55 de Marcos que Mateus não usa; deste modo somente há 24 versículos de Marcos que não aparecem em Mateus ou Lucas. Não se trata só da reprodução da substância destes versículos, mas sim aparecem copiados palavra por palavra. Mateus usa 51% das palavras de Marcos: Lucas usa 53%. Mas há mais ainda. Tanto Mateus como Lucas em geral seguem a ordem dos acontecimentos que encontramos em Marcos. Em alguns episódios Mateus ou Lucas diferem de Marcos quanto à ordem, mas em nenhum caso os dois situam um mesmo acontecimento de maneira diferente de Marcos; sempre, ao menos um deles, segue a Marcos. As modificações do texto de Marcos Visto que tanto Mateus como Lucas são muito mais longos que Marcos, poderia sugerir-se que Marcos possivelmente seja um resumo dos outros dois. Mas há outro conjunto de fatos que demonstram que Marcos é o primeiro. Tanto Mateus como Lucas manifestam a tendência em melhorar e polir o texto de Marcos, se podemos expressar-nos deste modo. Tomemos alguns exemplos desta tendência. Às vezes Marcos pareceria limitar o poder de Jesus; pelo menos, um crítico com má vontade poderia chegar a essa conclusão. Tomemos três passagens que são o relato de um mesmo episódio: Marcos 1:34: E ele curou muitos doentes de toda sorte de enfermidades; também expeliu muitos demônios. Mateus 8:16: Com a palavra expeliu os espíritos e curou todos os que estavam doentes. Mateus (William Barclay) 7 Lucas 4:40: E, [Jesus] impondo as mãos sobre cada um deles, os curava. Tomemos outros três exemplos similares: Marcos 3:10: Pois curava a muitos. Mateus 12:15: A todos ele curou. Lucas 6:19: E curava todos. Mateus e Lucas trocam o muitos de Marcos por todos, de tal maneira que não se pode sugerir que o poder de Jesus sofria de limitações. Há uma mudança muito similar no relato de tais acontecimentos da visita de Jesus a Nazaré. Comparemos os textos de Marcos e Mateus. Marcos 6:5-6: Não pôde fazer ali nenhum milagre... Admirou-se da incredulidade deles. Mateus 13:58: E não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles. Mateus não quer dizer que Jesus não pôde fazer milagres e muda a forma da expressão de maneira tal que não seja possível imputar limitações ao poder de Jesus. Às vezes Mateus e Lucas deixam de lado pequenos toques do Marcos que poderiam interpretar-se como defeitos de Jesus. Mateus e Lucas omitem três afirmações do Marcos: Marcos 3:5: Olhando-os ao redor, indignado e condoído com a dureza do seu coração... Marcos 3:21: E, quando os parentes de Jesus ouviram isto, saíram para o prender; porque diziam: Está fora de si. Marcos 10:14: Jesus, porém, vendo isto, indignou-se. Mateus e Lucas vacilam antes de atribuir a Jesus as emoções humanas de ira e tristeza, e se estremecem ao pensar que alguém pôde ter sugerido sequer que Jesus estava louco. Às vezes Mateus e Lucas alteram ligeiramente o texto de Marcos para eliminar afirmações que poderiam dar uma má impressão dos apóstolos. Podemos tomar um exemplo desta tendência no episódio em Mateus (William Barclay) 8 que Tiago e João procuram assegurar-se de que ocuparão as primeiras posições no vindouro Reino de Deus. Comparemos as introduções a esta história em Marcos e em Mateus: Marcos 10.35: Então, se aproximaram dele Tiago e João, filhos de Zebedeu, dizendo-lhe: Mateus 20:20: Então, se chegou a ele a mulher de Zebedeu, com seus filhos, e, adorando-o, pediu-lhe um favor. Mateus vacila em atribuir uma motivação ambiciosa diretamente aos dois apóstolos, e a atribui à mãe deles. Tudo isto estabelece com clareza que Marcos é o primeiro dos evangelhos. Marcos oferece uma narração simples, vívida, direta: mas Mateus e Lucas já começaram a ser afetados por considerações de ordem doutrinal e teológica, que os fazem muito mais cuidadosos em sua maneira de expressar o que dizem. Os ensinos de Jesus Vimos que Mateus tem 1068 versículos e Lucas 1149 e que entre os dois reproduzem 582 dos versículos do Marcos. Isto significa que em Mateus e Lucas há muito mais material de que contém e pode oferecer Marcos. Quando examinamos estes versículos adicionais nos damos conta de que mais de 200 são quase idênticos. Por exemplo, são virtualmente iguais entre si passagens como Lucas 6:41-42 e Mateus 7:3- 5; Lucas 10:21-22 e Mateus 11:25-27; Lucas 3:7-9 e Mateus 3:7-10. Mas também notamos que há uma diferença. O material que Mateus e Lucas extraíram de Marcos se ocupa quase em sua totalidade de narrar acontecimentos da vida de Jesus; mas os 200 versículos que Mateus e Lucas têm em comum além dos que extraíram de Marcos é que estão compostos totalmente de ensinos de Jesus; estes versículos nos falam nem tanto do que Jesus fez mas sim do que disse. Fica claro que estes 200 versículos estão tomados de uma fonte comum que os dois possuíram, na qual estavam contidos os ensinos de Mateus (William Barclay) 9 Jesus. Este livro não existe na atualidade; mas os eruditos lhe deram o nome de Q, letra que representa a palavra Quelle, que em alemão significa fonte. Em sua época deve ter sido um livro de extraordinária importância, porque foi o primeiro manual com os ensinos de Jesus. O lugar de Mateus na tradição evangélica Aqui chegamos a Mateus, o apóstolo. Os eruditos concordam em afirmar que o Evangelho segundo São Mateus, tal como o temos na atualidade, não provém diretamente da mão de Mateus. Quem tem sido testemunha ocular da vida de Cristo não precisa usar Marcos como fonte para narrá-la, coisa que ocorre em Mateus. Mas um dos primeiros historiadores da Igreja, um homem chamado Papias, oferece-nos a seguinte informação, de enorme importância: "Mateus colecionou os ditos de Jesus em língua hebraica." Deste modo, podemos acreditar que não foi nada menos que Mateus, o apóstolo, quem colecionou esse primeiro manual com os ensinos de Jesus, obra da qual dependem todos os que querem saber quais foram os ditos do Mestre. E por causa da grande quantidade de materiais desta fonte que aparecem incorporados ao Mateus é que o evangelho recebeu este nome. Devemos estar eternamente agradecidos a Mateus, quando recordamos que graças a ele possuímos o Sermão da Montanha e quase tudo o que sabemos sobre os ensinos de Jesus. Em geral, pode dizer-se que devemos a Marcos quase tudo o que sabemos sobre os fatos da vida de Jesus, mas que graças a Mateus conhecemos a substância dos ensinos de Jesus. Mateus, o coletor de impostos Sabemos muito pouco sobre a pessoa de Mateus. Em Mateus 9:9 lemos a história de seu chamado. Sabemos que era coletor de impostos e que portanto deve ter sido uma pessoa profundamente odiada, porque os judeus odiavam aos membros de sua própria nação que tinham entrado Mateus(William Barclay) 10 ao serviço civil de seus conquistadores. Mateus deve ter sido considerado um traidor de sua própria raça e povo. Mas sem dúvida possuía um dom. A maioria dos discípulos eram pescadores. Sua habilidade para expressar-se por escrito deve ter sido muito reduzida. Mas Mateus era sem dúvida um perito neste campo. Quando Jesus o chamou, estando ele sentado no banco de cobrador de impostos, Mateus se levantou e o seguiu deixando tudo, exceto uma coisa, sua tristeza. E usou nobremente sua habilidade literária ao converter-se no primeiro homem que compilou os ensinos de Jesus. O evangelho dos judeus Vejamos agora quais são as principais características do evangelho do Mateus, de tal modo que possamos tê-las em mente quando o lermos. Em primeiro lugar e sobretudo Mateus é o evangelho que foi escrito para os judeus. Foi escrito por um judeu para convencer aos judeus. Um dos grandes objetivos de Mateus é demonstrar que todas as profecias do Antigo Testamento se cumprem em Jesus e que, portanto, deve ser o Messias. Há uma frase que o percorre totalmente, como tema que volta a aparecer vez por outra: "Tudo isto foi feito para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta, dizendo:…" Esta frase aparece 16 vezes no evangelho. O nascimento e o nome de Jesus são o cumprimento de profecias (1:21-23) o mesmo ocorre com a fuga ao Egito (2:14-15), a matança dos inocentes (2:16-18), a volta e a permanência de José em Nazaré e a infância de Jesus nesse lugar (2:13), o uso que Jesus fez de parábolas (13:34-35), a traição por trinta moedas de prata (27:9), o sorteio da roupa de Jesus enquanto estava pendurado na cruz (27:35). O propósito primitivo e deliberado de Mateus é demonstrar como as profecias do Antigo Testamento se cumprem em Jesus; como os profetas anteciparam cada um dos detalhes da vida de Jesus; e deste modo levar aos judeus a admitir que Jesus era o Messias. Mateus (William Barclay) 11 (1) Mateus está interessado primordialmente nos judeus. Sua conversão corresponde de perto e é particularmente cara ao coração de quem o escreveu. Quando a mulher siro-fenícia procurou a ajuda de Jesus, a resposta que recebeu dEle foi: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.” (15:24). Quando Jesus envia os doze para que evangelizem, sua instrução é: “Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos; mas, de preferência, procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel” (10:5-6). Entretanto, não se deve pensar que este evangelho exclua os gentios. Muitos virão do oriente e do ocidente para tomar assento no Reino de Deus (8:11). "Será pregado este evangelho do Reino a todo o mundo" (24:14). E é Mateus quem nos dá a ordem de marcha da igreja: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações” (28:19). É evidente que o primeiro interesse de Mateus são os judeus, mas também o é que prevê o dia em que todas as nações serão reunidas. O judaísmo de Mateus também se percebe em sua atitude para com a Lei. Jesus não veio para destruir a Lei, e sim para cumpri-la. Nem a mais mínima parte da Lei deve perder vigência. Não se deve ensinar aos homens a quebrantar a Lei. A justiça do cristão deve ser superior à dos escribas e fariseus (5:17-20). Mateus foi escrito por alguém que conhecia e amava a Lei e entendia que esta ocupava um lugar na vida e na fé dos cristãos. Uma vez mais encontramos um aparente paradoxo na atitude de Mateus para com os escribas e fariseus. Reconhece que têm uma autoridade muito especial: “Na cadeira de Moisés, se assentaram os escribas e os fariseus. Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem” (23:2-3). Mas, ao mesmo tempo, não há evangelho que condene os escribas e fariseus de maneira tão severa e coerente. No próprio início estão as vívidas palavras de João Batista, que os denuncia como "geração de víboras" (3:7-12). Queixam-se pelo fato de Jesus comer com os publicanos e pecadores (9:11). Atribuem o poder de Jesus não a Deus, e sim ao príncipe dos demônios (12:24). Conspiram para Mateus (William Barclay) 12 destruí-Lo (12:14). Os discípulos são advertidos contra a levedura, os maus ensinos, dos escribas e fariseus (16:12). São como o joio, que está condenado a ser arrancado da terra (15:13). São incapazes de ler os sinais dos tempos (16:3). São os que assassinaram os profetas (21:31). Em toda a tradição evangélica não há capítulo condenatório comparável a Mateus 23, dedicado aos escribas e fariseus. Mas Mateus não condena os escribas e fariseus pelo que ensinam, mas sim pelo que são. Condena- os por cumprir em tão pequena medida seus próprios ensinos, e por estar tão abaixo do ideal do que deveriam ser. (2) Há em Mateus alguns outros interesses especiais. Ele está especialmente interessado na Igreja. Mateus, de fato, é o único dos evangelhos que usa a palavra "igreja". É o único que introduz a passagem sobre a Igreja depois da confissão de Pedro em Cesaréia de Filipe (Mateus 16:13-23; cf. Marcos 8:27-33; Lucas 9:18-22). Mateus é o único que diz que as disputas devem ser resolvidas pela Igreja (18:17). Quando se escreveu Mateus a Igreja já deve ter sido uma grande instituição, bastante organizada; um fator dominante na vida dos cristãos. (3) Mateus tem um interesse apocalíptico particularmente forte. Quer dizer, tem um interesse especial em tudo o que Jesus disse em relação à sua Segunda Vinda, o fim do mundo e o julgamento final. Mateus 24 é uma versão muito mais completa que a de qualquer outro evangelho do discurso apocalíptico de Jesus. É o único onde encontramos as parábolas dos talentos (25:14-30), das virgens prudentes e as insensatas (25:1-13) e das ovelhas e os cabritos (25:32-46). Mateus manifesta seu interesse especial em tudo relacionado com as últimas coisas e o julgamento final. (4) Mas ainda não chegamos à principal das características de Mateus: É, acima de todos os demais, o evangelho docente. Já vimos que o apóstolo Mateus foi o responsável pela primeira coleção dos ensinos de Jesus, que uma vez reunidos compilou em um manual. Mateus era um grande sistematizador. Seu costume era reunir num mesmo lugar tudo o que sabia e podia encontrar dos ensinos de Jesus sobre um tema em Mateus (William Barclay) 13 particular. O resultado é que em Mateus encontramos cinco grandes "blocos" de ensinos de Jesus, cinco grandes seções nas quais os ensinos do Mestre foram reunidos e sistematizados. Todas estas seções têm que ver com o Reino de Deus. São as seguintes: (a) O Sermão da Montanha, ou a Lei do Reino (5-7). (b) Os deveres dos dirigentes do Reino (10). (c) As parábolas do Reino (13). (d) Grandeza e perdão no Reino (18). (e) A Vinda do Rei (24, 25). Mateus não se limita a colecionar e sistematizar. Deve recordar-se que Mateus escrevia em uma época em que ainda não se havia inventado a imprensa, quando havia poucos livros e estes eram muito caros, porque tinham que confeccionar-se à mão. Em tais circunstâncias muito poucas pessoas podiam possuir livros. Portanto, se queriam conhecer e usar os ensinos de Jesus, deviam levá-los consigo na memória. Mateus, em conseqüência, sempre organiza os materiais que inclui em seu texto de tal maneira que o leitor possa memorizá-los com facilidade. Para este propósito lança mão dos números três e sete. José recebe três mensagens; Pedro nega a Jesus três vezes; Pilatos faz três perguntas. No capítulo 13 há sete parábolas do Reino; no capítulo 23 há sete ais pronunciados sobre os escribas e fariseus. A genealogia de Jesus, com que o evangelho começa, é um bom exemplo deste tipo de agrupamento. A genealogia tem como objetivo demonstrar que Jesus é filho de Davi. No hebraico não há numerais, em cuja substituição se utilizam as letras do alfabeto, cada uma das quais tem, portanto, um valor aritmético. Em hebraico tampoucose escrevem as vocais. As letras da Palavra "Davi" são, então, D W D. Se se tomarem estas letras como números, a soma de seus valores é 14; a genealogia de Jesus que Mateus nos apresenta consiste em três grupos de nomes, em cada grupo há quatorze nomes. Mateus faz tudo o que pode em seu Mateus (William Barclay) 14 intento de sistematizar e organizar os ensinos de Jesus de tal maneira que os leitores e ouvintes possam assimilar e lembrar. Todo educador deve gratidão a Mateus por ter escrito aquilo que é, acima de tudo, o evangelho didático. (5) Mateus possui uma última característica. Sua idéia dominante é a de Jesus como Rei. Escreve para demonstrar a realeza de Jesus. No próprio início temos a genealogia, que procura estabelecer que Jesus é filho de Davi. Este título, filho de Davi, usa-se mais freqüentemente em Mateus que em nenhum dos outros evangelhos (15:22, 21:9, 21:15). Os magos devem buscar ao rei dos judeus (2:2). A entrada triunfal é uma declaração deliberadamente dramatizada da realeza de Jesus (21:1-11). Diante de Pilatos, Jesus aceita o nome de Rei (27:11). Até sobre a cruz, mesmo que seja como zombaria, coloca-se sobre a cabeça de Jesus o título real (27:37). No Sermão da Montanha Mateus mostra Jesus citando cinco vezes a Lei e anulando-a com um majestático “Eu, porém, vos digo...” (5:21, 27, 34, 38, 43). As últimas declarações de Jesus são "Todo o poder me foi dado..." (28:18). A imagem que Mateus nos apresenta de Jesus é a de um homem que nasceu para ser rei. Jesus caminha ao longo das páginas de Mateus envolto na púrpura e o ouro da realeza. Mateus quer mostrar aos homens o senhorio de Jesus Cristo, nos mostrar que com toda autenticidade o Reino, o Poder e a Glória são deles. Mateus 1 A ascendência do Rei - Mat. 1:1-17 As três etapas - Mat. 1:1-17 (cont.) A realização dos sonhos humanos - Mat. 1:1-17 (cont.) Não justos, e sim pecadores – Mat. 1:1-17 (cont.) A entrada do Salvador no mundo - Mat. 1:18-25 Nascido do Espírito Santo - Mat. 1:18-25 (cont.) Criação e recriação - Mat. 1:18-25 (cont.) Mateus (William Barclay) 15 A ASCENDÊNCIA DO REI Mateus 1:1-17 Pode ser que pareça ao leitor moderno que Mateus escolhe uma forma muito estranha de começar seu evangelho. Pode-se pensar que confrontar de entrada ao leitor com uma longa lista de nomes é um procedimento muito pouco afortunado. Mas para um judeu esta genealogia era uma forma natural de começar, interessante e até poderia dizer-se essencial tratando-se da história da vida de um homem. Os judeus se interessavam muito nas genealogias. Mateus denomina esta seção "livro da genealogia" de Jesus Cristo. Esta frase era bem conhecida pelos judeus; significa o registro da ascendência de um homem, com algumas poucas notas explicativas onde estas eram mais necessárias. No Antigo Testamento freqüentemente encontramos listas das gerações de homens famosos (Gênesis 5:1, 10:1, 11:10, 11:27). Quando Josefo, o grande historiador judeu, escreveu sua autobiografia, prefaciou-a com o testemunho de seu próprio "pedigree" que, conforme nos diz, encontrou nos registros públicos. A razão deste interesse nas ascendências familiares é que para os judeus a pureza racial era de suma importância. Se alguém possuía mistura de sangue estrangeiro, perdia seu direito de chamar-se judeu e membro do Povo de Deus. Além disso, os sacerdotes eram obrigados a apresentar uma linha genealógica íntegra a partir do Arão; no caso de contrair casamento, a esposa devia documentar sua pureza racial pelo menos por cinco gerações. Quando Esdras ao Israel voltar do exílio reorganizou o culto a Deus, e estava pondo em funcionamento novamente o sacerdócio, privou do direito sacerdotal os filhos de Habaías, os filhos de Coz, os filhos de Barzilai, sob a acusação de impureza, porque “procuraram o seu registro nos livros genealógicos, porém o não acharam” (Esdras 2:61-62). O Sinédrio era o encarregado de conservar os registros genealógicos. Herodes o Grande sempre foi desprezado pelos judeus puro-sangue porque parte de sua ascendência era edomita. Podemos nos dar conta de que o próprio Mateus (William Barclay) 16 Herodes considerava importantes as genealogias, porque ordenou que se destruíssem os registros oficiais a fim de que ninguém pudesse demonstrar que possuía uma linha de antepassados mais pura que a sua. Esta passagem poderá nos parecer pouco interessante, mas para o judeu era de suma importância que se pudesse demonstrar a descendência abraâmica de Jesus. Além disso, deve notar-se que esta genealogia está cuidadosamente organizada. Forma três grupos de quatorze nomes cada um. Trata-se de uma lista mnemotécnica, quer dizer, organizada de maneira a ser fácil memorizá-la. Sempre devemos ter presente que os evangelhos foram escritos muitos séculos antes do primeiro livro impresso. Muito poucas pessoas podiam possuir cópias manuscritas, e a única maneira de "ter" um livro para a maioria era memorizá-lo. Os hebreus não possuíam números em seu sistema de escritura, e usavam as letras como numerais, cada uma com um valor definido (como se nós representássemos o 1 mediante A, o 2 mediante B, etc.). As consoantes da palavra "Davi" em hebreu são D W D. Em hebreu a D serve como número 4 e a W como 6; portanto D W D representa a soma de 4 mais 6 mais 4, ou seja 14. Esta genealogia tem o propósito de demonstrar que Jesus é filho do Davi; está organizada de maneira que fosse fácil memorizá-la e, deste modo, poder tê-la sempre "à mão" cada vez que fosse necessário. AS TRÊS ETAPAS Mateus 1:1-17 (continuação) A organização desta genealogia é de caráter simbólico; representa certas características da totalidade da vida humana. Está dividida em três seções, que correspondem a três etapas importantes da história judia. A primeira etapa culmina com Davi. Davi foi o homem que fez de Israel uma nação e converteu os judeus em uma potência mundial. A primeira seção leva a história até o momento do maior rei dos judeus. A segunda seção vai até o exílio em Babilônia. É a etapa que registra a vergonha, Mateus (William Barclay) 17 tragédia e desastre da nação hebréia. A terceira seção chega até Jesus Cristo. Jesus Cristo foi a pessoa que liberou os homens de sua escravidão e os resgatou de seu desastre, em quem a tragédia se converte em triunfo. Estas três seções representam três etapas da história espiritual da humanidade. (1) O homem nasce para a grandeza. "Deus criou ao homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou" (Gênesis 1:27). "Disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança" (Gênesis 1:26). O homem foi criado à imagem de Deus. O sonho de Deus para o homem era um sonho de grandeza. O homem foi feito para a comunhão com Deus. Foi criado de tal maneira que pudesse chegar a ser "parente" de Deus. Tal como o entendia Cícero, o pensador romano, "A única diferença entre Deus e o homem está no tempo". O homem nasceu essencialmente para ser rei. (2) O homem perde sua grandeza. Em lugar de ser servo de Deus o homem se converte em escravo do pecado. Como diria G. K. Chesterton: "Seja o que for certo em relação ao homem, não pode sustentar-se que é aquilo para o qual foi criado". Usou seu livre-arbítrio para desafiar e desobedecer a Deus, em vez de usá-lo para entrar em comunhão e amizade com Ele. Converteu-se em um rebelde contra Deus, antes que em seu amigo. Fazendo uso de seu próprio arbítrio, o homem frustra o intuito e plano de Deus para sua criação. (3) O homem recupera sua grandeza. Mas até então Deus não abandona o homem, nem o deixa entregue à sua própria sorte. Deus não permite que o homem seja destruído por sua própria loucura. Até nessa situação, não se permite que o final da história seja trágico. Deus enviou seu Filho ao mundo, a Jesus Cristo,para resgatar o homem do pântano do pecado, no que estava perdido, e libertá-lo das cadeias do pecado, com que ficara aprisionado, para que, através dele, o homem pudesse recuperar a comunhão com Deus que tinha perdido. Nesta genealogia Mateus nos mostra como se obtém a grandeza majestática; a tragédia da liberdade perdida; a glória da liberdade Mateus (William Barclay) 18 restaurada. E esta, na misericórdia de Deus, é a história da humanidade e de cada homem individualmente. A REALIZAÇÃO DOS SONHOS HUMANOS Mateus 1:1-17 (continuação) Esta passagem sublinha duas coisas especiais a respeito de Jesus. (1) Sublinha que era filho de Davi. Em realidade, a genealogia que encontramos no evangelho foi composta principalmente para demonstrá- lo. É um fato que o Novo Testamento afirma repetidas vezes. Pedro o faz no primeiro sermão da Igreja Cristã que se registrou (Atos 2:29-36). Paulo fala de Jesus como semente de Davi segundo a carne (Rom. 1:3). O autor das epístolas pastorais insiste com os homens a recordarem que Jesus Cristo, da semente do Davi, foi ressuscitado dentre os mortos (2 Timóteo 2:8). O autor do Apocalipse ouve Jesus Cristo dizer: "Eu sou a raiz e a linhagem de Davi" (Apocalipse 22:16). No relato evangélico Jesus recebe em repetidas ocasiões o título de filho de Davi. Depois da cura do homem que fora cego e surdo, o povo exclama: "É este, porventura, o Filho de Davi?" (Mateus 12:23). A mulher de Tiro e Sidom que desejava a ajuda de Jesus para sua filha, chama-o: "Senhor, Filho do Davi!" (Mateus 15:22). Os cegos clamam a Jesus chamando-o Filho de Davi (Mateus 20:30-31). Quando Jesus entrou em Jerusalém pela última vez a multidão o aclamou de Filho de Davi (Mateus 21:9, 15). Temos aqui algo de grande significado. É evidente que eram as multidões, o povo, os homens e mulheres comuns, os que O reconheciam como Filho de Davi. Os judeus eram um povo que esperava. Nunca tinham esquecido, nem podiam esquecer, que eram o povo eleito de Deus. Embora sua história tenha sido uma longa série de desastres, embora nesse preciso momento fossem um povo subjugado, nunca esqueceram seu destino. O sonho dos judeus era que viria ao mundo um descendente de Davi que os conduziria à glória que lhes pertencia por Mateus (William Barclay) 19 direito próprio. Quer dizer, Jesus é a resposta aos sonhos dos homens. É verdade que com muita freqüência os homens não o entendem assim. Vêem o cumprimento de seus sonhos na riqueza, no poder, na abundância material e na realização das ambições que entesouram. Mas se alguma vez têm que realizar os sonhos humanos de paz e beleza, de grandeza e satisfação, isso será possível somente em Jesus Cristo. Jesus Cristo e a vida que Ele oferece é a resposta aos sonhos seres humanos. Na antiga história de José há um texto que transcende a direta história. Quando José estava preso, junto com ele estavam também no cárcere o mordomo principal e o padeiro de faraó. Estes tiveram sonhos que os perturbaram. Os dois se lamentavam, dizendo: "Sonhamos, e não há quem pode interpretar nossos sonhos" (Gênesis 40:8). Porque o homem é homem, porque é filho da eternidade, vive acossado por seus sonhos: E o único caminho que conduz a sua realização é Jesus Cristo. (2) Esta passagem enfatiza também o fato de que Jesus era o cumprimento das profecias. NEle se realiza a mensagem dos profetas. Hoje tendemos a atribuir pouca importância à profecia. Não nos interessa verdadeiramente procurar no Antigo Testamento aquelas palavras que prenunciam o que se cumpre no Novo Testamento. Mas a profecia envolve uma grande verdade eterna, ou seja, que o universo é uma ordem planejada, que um propósito e intuito divino o sustenta, que Deus deseja que ocorram certas coisas e age para que Sua vontade se cumpra. Na peça teatral The Black Stranger, de Gerald Healy, há uma cena que ocorre na Irlanda, nos dias terríveis da grande fome de meados do século XIX. Ao não saber o que fazer e carecendo de qualquer outra solução, o governo contrata os desempregados para construírem estradas, embora estas não fossem necessárias nem vão a lugar algum, Michael, um dos personagens, descobre esta circunstância e um dia, quando volta pra casa, diz a seu pai em uma expressão de cáustica surpresa: "Estão fazendo estradas que não levam a lugar nenhum." Se crermos na profecia jamais poderemos afirmar que isto é o que ocorre com a história. A história nunca é um caminho que não leva a lugar nenhum. É possível Mateus (William Barclay) 20 que não usemos a profecia da mesma maneira como o fizeram nossos pais, mas por trás do fato da profecia está a verdade eterna de que a vida e o mundo não são caminhos sem destino, pelo contrário, se dirigem à meta proposta por Deus. NÃO JUSTOS, E SIM PECADORES Mateus 1:1-17 (continuação) O mais extraordinário desta genealogia são os nomes das mulheres que aparecem nela. Não é comum que nas genealogias judias apareçam os nomes das mulheres. A mulher não exercia direitos legais: não era considerada como uma pessoa, mas uma coisa. Era simplesmente propriedade de seu pai ou de seu marido, e estava obrigada a fazer o que eles quisessem. Na ação de graças matinal que o judeu proferia todas as manhãs, agradecia a Deus por não tê-lo feito gentio, escravo ou mulher. A simples presença de nomes femininos em uma genealogia é um fato surpreendente e extraordinário. Mas quando nos detemos a considerar quem eram estas mulheres e que coisas fizeram, sua menção se torna ainda mais surpreendente. Raabe era uma prostituta de Jericó (Josué 2:1-7). Rute nem sequer era judia, era moabita (Rute 1:4). A própria lei estabelece que "Não entrará amonita nem moabita na congregação do Senhor, nem até a décima geração deles; não entrarão na congregação do Senhor para sempre." (Deuteronômio 23:3). Rute pertencia a um povo estrangeiro e odiado. Tamar seduziu deliberadamente a seu sogro Judá e cometeu adultério com ele (Gên. 38). Bate-Seba, a mãe do Salomão, foi a mulher que Davi tomou de Urias, seu marido, valendo-se de uma imperdoável crueldade (2 Samuel 11 e 12). Mateus (William Barclay) 21 Se Mateus tivesse procurado com maior afinco em todo o Antigo Testamento, não poderia ter encontrado quatro personagens mais indignos de ser antepassados de Jesus. Entretanto, há algo muito belo na menção destas mulheres. Aqui, no princípio de seu evangelho, Mateus nos mostra de maneira simbólica qual é a essência do evangelho de Deus em Jesus Cristo, ao nos dar testemunho de como as barreiras são derrubadas. (1) Em Jesus a barreira que separa o judeu do gentio é derrubada. Raabe, a mulher de Jericó e Rute, a mulher de Moabe, encontram um lugar na linha direta dos antepassados de Jesus. Já figura aqui a grande verdade de que em Jesus não há judeu nem grego. Aqui, desde o começo, afirma-se o universalismo do evangelho e do amor de Deus. (2) Em Jesus a barreira que separa o homem da mulher é derrubada. Em nenhuma genealogia comum apareceriam nomes de mulher, mas os encontramos na genealogia de Jesus. O antigo desprezo desapareceu: O homem e a mulher estão igualmente perto do amor de Deus e são igualmente importantes em seu plano. (3) Em Jesus a barreira que separa o santo do pecador é derrubada. De algum modo Deus pode incluir em seus propósitos, e incorporar em seu plano para a História, até aquele que cometeu grandes pecados. Diz Jesus: "Porque eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento" (Mateus 9:13). Aqui, ao iniciar o evangelho, nos é dado uma insinuação da amplitude universal do amor de Deus. Deus pode encontrar servos seus em seres humanos diante dos quais o crente respeitável tremeria de horror. A ENTRADA DO SALVADOR NO MUNDO Mateus 1:18-25 Para nossa forma ocidental de entenderos parentescos, as relações que se mencionam nesta passagem são muito confusas. Primeiro, diz-se que José está desposado com Maria; e depois encontramos que pensa Mateus (William Barclay) 22 "deixá-la" em segredo (divorciar-se dela); além disso, encontramos que o chama seu "marido". Estes termos são fiéis aos costumes matrimoniais dos judeus daquela época. No casamento judeu havia três passos: (1) Em primeiro lugar vinha o compromisso. Freqüentemente se combinava quando os interessados eram apenas crianças. Em general os pais se encarregavam disto, ou um casamenteiro profissional contratado por estes. Além disso, em geral, os futuros maridos nem sequer se conheciam. Considerava-se que o casamento era um passo muito sério para ficar à vontade dos ditames do coração ou da paixão dos homens. (2) Em segundo lugar vinha o noivado. Este era a ratificação pelos interessados da aliança que se concertou por eles. Até este ponto a mulher tinha direito de romper o contrato se não estivesse disposta a levá-lo adiante, mas quando o casal se havia desposado o compromisso se convertia em uma obrigação iniludível. O noivado durava um ano e durante este lapso o casal era conhecido como marido e mulher, embora não tinham os direitos dos maridos. A única forma de dissolver esta relação era mediante o divórcio. Na lei judia encontramos freqüentemente uma frase que para nós é extremamente estranha. Se uma mulher perde, por motivo de morte, o seu prometido durante o ano do noivado, é chamada "virgem viúva". José e Maria tinham chegado a esta etapa. Estavam noivos, e se José queria pôr fim à relação a única maneira legítima de fazê-lo era pedindo um divórcio. E durante esse ano de noivado, Maria era legalmente a esposa de José. (3) A terceira etapa era o casamento propriamente dito, que tinha lugar ao finalizar o ano de noivado. Se tivermos em mente os costumes matrimoniais dos judeus, os parentescos e relações que figuram nesta passagem ficam perfeitamente normais e claros. Neste momento, pois, é dito a José que Maria está grávida, que o filho tinha sido gerado pelo Espírito Santo e que devia lhe pôr o nome de Jesus. Jesus é a forma grega do nome hebreu Josué, e Josué significa Jeová é a salvação. Muito tempo antes o salmista tinha ouvido Deus Mateus (William Barclay) 23 dizer: "É ele quem redime a Israel de todas as suas iniqüidades" (Salmo 130:8). Foi dito a José que o menino que havia de nascer cresceria até tornar-se o Salvador que haveria de liberar o povo de Deus dos pecados deles. Jesus não era apenas o homem nascido para ser Rei como também o homem nascido para ser Salvador. Veio ao mundo não por seu próprio interesse, mas sim por todos nós, os seres humanos, para nossa salvação. NASCIDO DO ESPÍRITO SANTO Mateus 1:18-25 (continuação) Esta passagem nos diz como Jesus nasce por obra do Espírito Santo. Seu tema é o que nós denominamos "o nascimento virginal". O nascimento virginal é uma doutrina que nos apresenta muitas dificuldades. No momento não nos interessa discuti-la, e sim descobrir o que significa para nós. Se viermos a esta passagem com a mente aberta e a lermos como se a estivéssemos lendo pela primeira vez, descobriremos que não sublinha tanto o fato de que Jesus nascesse de uma mulher virgem como a circunstância muito especial de que o nascimento de Jesus foi obra do Espírito Santo. "Achou-se grávida pelo Espírito Santo." "descobriu que o filho gerado no seio da Maria provém do Espírito Santo." É como se estas orações estivessem sublinhadas e impressas com letras maiúsculas. É isto o que Mateus deseja nos comunicar nesta passagem. Nesse caso, o que significa dizer que no nascimento de Jesus o Espírito Santo agiu de um modo particular? Deixemos de lado no momento todos os aspectos duvidosos e discutíveis deste fato, e nos concentremos em sua grande verdade, tal como Mateus tinha em mente. No pensamento judeu o Espírito Santo exercia certas funções bem definidas. Não podemos trazer para a interpretação desta passagem a plenitude da doutrina cristã do Espírito Santo, porque estas idéias seriam completamente entranhas ao pensamento de José. Devemos interpretá-lo à luz da doutrina judia do Espírito Santo, porque esta, inevitavelmente, é Mateus (William Barclay) 24 a forma em que José deve ter compreendido a mensagem que recebeu, dado que era tudo o que ele conhecia. (1) Segundo a concepção judia, o Espírito Santo era a pessoa que trazia a verdade de Deus aos homens. O Espírito Santo era quem comunicava aos profetas o que deviam dizer e quem dizia aos homens de Deus o que deviam fazer. Era o Espírito Santo quem, através das eras e das gerações, havia aproximado a verdade de Deus aos homens. De maneira que Jesus, segundo esta concepção, é a pessoa que traz a verdade de Deus aos homens. Dito de outra maneira, Jesus é a pessoa que pode nos dizer como é Deus e o que Deus quer que nós sejamos. Somente em Jesus vemos como é Deus e como deveria ser o homem. Antes que viesse Jesus os homens tinham idéias muito vagas e confusas, com freqüência muito errôneas a respeito de Deus; até no melhor dos casos a única coisa que podiam fazer era adivinhar e propor idéias tentativas. Mas Jesus pôde dizer: "Quem me vê a mim vê o Pai" (João 14:9). Em Jesus vemos o amor, a compaixão, a misericórdia, a vontade redentora e a pureza de Deus como em nenhum outro lugar do mundo. Com a vinda de Jesus termina a época das respostas tentativas, e entramos plenamente na era da certeza. Antes que viesse Jesus ninguém sabia em realidade o que era a bondade. Jesus é o único em quem conhecemos a verdadeira humanidade, a autêntica bondade e a verdadeira obediência à vontade de Deus. Jesus veio para nos comunicar a verdade a respeito de Deus e de nós mesmos. (2) Os judeus creiam que o Espírito Santo não somente trazia a verdade de Deus aos homens, mas também capacitava os homens a reconhecerem essa verdade quando a vissem. De maneira que Jesus é quem abre os olhos dos homens à verdade. Eles estão cegados por sua própria ignorância; estão separados do reto atalho por seus próprios preconceitos; seus olhos e suas mentes são entrevadas por seus próprios pecados e paixões. Jesus pode nos abrir os olhos até que sejamos capazes de ver a verdade. Mateus (William Barclay) 25 Em uma das novelas de William J. Locke encontramos o retrato de uma mulher que tem qualquer quantidade de dinheiro e que empregou a metade de sua vida em visitar os museus e galerias mais famosos de todo o mundo. Mas estava aborrecida e cansada. Nessa situação encontra a um francês que tinha muito poucas posses materiais mas um grande amor para a beleza e um amplo conhecimento de todas as expressões da arte. Este a acompanhou, e com ele tudo parecia ser diferente. "Nunca soube como eram as coisas", diz-lhe ela, "até que você me ensinou a olhá-las." A vida é muito distinta quando Jesus nos ensina a olhá-la. Quando Jesus entra em nosso coração vemos tudo de maneira diferente, porque ele nos abre os olhos, para que possamos ver de verdade. CRIAÇÃO E RECRIAÇÃO Mateus 1:18-25 (continuação) (3) Os judeus relacionavam o Espírito de Deus particularmente com a obra da criação. Mediante seu Espírito, Deus efetuou sua obra criadora. No princípio o Espírito de Deus sobrevoava a face das águas, e o caos se converteu em cosmos (Gênesis 1:2). "Pela palavra do Senhor foram feitos os céus", disse o salmista, "e todo o exército deles, pelo espírito da sua boca" (Salmo 33:6). (Tanto em hebreu como em grego a palavra que significa fôlego, sopro, respiração, também significa espírito.) "Envia seu espírito, são criados..." (Salmo 104:30), "O Espírito de Deus me fez, e o sopro do Onipotente me deu vida" (Jó 33:4). O Espírito é o criador do mundo e o doador da vida. De maneira que, emJesus Cristo, ingressa no mundo o poder de Deus que dá vida e cria. Com Jesus entra no mundo a própria vida e poder de Deus. Este poder, que reduziu o caos à ordem, vem para pôr ordem em nossa vida desordenada. Este poder, que infundiu vida no que carecia dela, vem para insuflar vida em nossas debilidades e frustrações. Poderíamos dizê- Mateus (William Barclay) 26 lo da seguinte maneira: Não estamos verdadeiramente vivos até o momento em que Jesus entra em nossas vidas. (4) Os judeus relacionavam ao Espírito acima de tudo com a obra de recriação. Ezequiel traça sua lúgubre imagem do vale dos ossos secos. Mas quando mais triste é o panorama, ouve a Deus dizer: "Porei meu espírito em vós, e vivereis" (Ezequiel 37:1-14). Os rabinos tinham uma afirmação: "Deus disse a Israel: Neste mundo meu Espírito encheu você de sabedoria, mas no mundo futuro meu Espírito fará com que você volte a viver." Quando os homens estão mortos em seu pecado e letargia, destruídas suas inteligências, almas e corações, somente o Espírito de Deus pode voltar a despertá-los para a vida. De maneira que, em Jesus, entra no mundo o poder que pode refazer e recriar a vida. Pode devolver a vida à alma que está morta no pecado. Pode reavivar os ideais que morreram. Pode voltar a fortalecer o desejo do bem que pereceu. Pode renovar e recriar a vida quando os homens perderam tudo o que a vida significa. Neste capítulo do evangelho há muito mais que o fato de que Jesus tenha nascido de uma mãe virgem. A essência da narração do Mateus é que o Espírito de Deus age no nascimento de Jesus de uma maneira sem precedentes. É o Espírito que traz a verdade de Deus aos homens, é o Espírito que põe os homens em condições de ver essa verdade quando está diante deles, é o Espírito que pode, somente Ele, recriar a alma quando esta perdeu a vida que deveria ter. Jesus nos capacita a ver o que é Deus e o que deveria ser o homem. Jesus abre nossos olhos e mentes de tal maneira que podemos ver a verdade de Deus para nós; Jesus é o poder criador que desceu aos homens; Jesus é o poder recriador que pode liberar as almas dos homens da morte do pecado, Mateus 2 O lugar de nascimento do Rei - Mat. 2:1-2 A homenagem do oriente - Mat. 2:1-2 (cont.) O rei intrigante - Mat. 2:3-8 Mateus (William Barclay) 27 Presentes para Cristo - Mat. 2:9-12 A fuga para o Egito - Mat. 2:13-15 A matança dos inocentes - Mat. 2:1-18 O retorno a Nazaré - Mat. 2:19-23 O LUGAR DE NASCIMENTO DO REI Mateus 2:1-2 Jesus nasceu em Belém. Belém era uma cidade muito pequena, a uns dez quilômetros ao sul de Jerusalém. Na antiguidade ela era chamada Efrata. A palavra Belém significa Casa do Pão. Belém estava em uma zona fértil, na qual seu nome era apreciado. Estava situada na parte mais alta de uma cadeia montanhosa de pedra calcária cinza, a setecentos e cinqüenta metros sobre o nível do mar. A serrania apresentava duas alturas nos extremos e no centro um terreno baixo como uma cadeira de montar. De maneira que, vista desde sua posição, Belém parecia localizada em meio de um anfiteatro montanhoso. Belém tinha uma longa história. Foi ali onde Jacó tinha enterrado Raquel, colocando um pilar junto à tumba, como aviso (Gênesis 48:7, 35:20). Ali viveu Rute depois de haver-se casado com Boaz (Rute 2:1); desde Belém se podia ver Moabe, sua terra natal, ao outro lado do vale do Jordão. Mas sobretudo, Belém era o lugar natal e a cidade de Davi (1 Samuel 16:1, 17:12, 20:6). Quando Davi era um fugitivo nas serranias do Judá seu maior desejo era poder beber as águas do poço de Belém (2 Samuel 23:14-15). Mais tarde é-nos dito que Roboão fortificou a cidade de Belém (2 Crônicas 11:6). Mas, na história do Israel e na mente de todos os judeus Belém era sobretudo a cidade de Davi. E da estirpe do Davi Deus haveria de mandar um libertador de seu povo. Tal como o expressa o profeta Miquéias: "E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade" (Miquéias 5:2). Mateus (William Barclay) 28 Os judeus esperavam que o filho do grande Davi, maior até que seu pai, nascesse em Belém; esperavam que o ungido de Deus nascesse nessa cidade, e aconteceu tal como eles acreditavam. A imagem do estábulo e da manjedoura como lugares do nascimento de Jesus estão desenhadas com traços indeléveis em nossas mentes; mas bem pode ser que a imagem não seja totalmente correta. Justino Mártir, um dos mais destacados Pais da Igreja, que viveu ao redor do ano 150, e que provém de uma região próxima a Belém, diz-nos que Jesus nasceu em uma cova próxima à cidade (Justino Mártir, Diálogo com Trifo, 78, 304); é possível que a informação de que dispunha Justino fosse autêntica. As casas de Belém estão construídas sobre a base da montanha de rocha calcária, e é muito freqüente que tenham um estábulo escavado na montanha, por debaixo da casa; Jesus pode muito bem ter nascido em um desses estábulos-caverna. Até nossos dias pode visitar-se uma caverna onde se diz que Jesus nasceu, e ainda por cima dela se construiu a enorme Igreja Católica do Natal. Faz muito tempo que se identifica esse lugar como autenticamente o lugar do nascimento de Jesus. O imperador romano Adriano, em um intento de profanar o lugar, mandou construir em cima um templo dedicado ao deus Adonis. Quando o Império Romano adotou o cristianismo, a princípios do século IV, Constantino, o primeiro imperador cristão, fez construir uma grande igreja no mesmo lugar, e essa é a Igreja que ainda se pode visitar. H. V. Morton nos narra sua visita à Igreja do Natal, em Belém, destacando o fato de que, chegando chegar ao lugar, encontrou-se com uma enorme parede, e nessa parede havia uma porta tão pequena o que até um anão precisaria agachar-se para passar por ela. Atravessando essa porta, do outro lado da parede, estava a Igreja. Debaixo do altar principal da igreja está a cova. Quando o peregrino desce para ela, encontra-se com uma pequena caverna escura, de uns quatorze metros de comprimento e quatro de largura, iluminada por cinqüenta e três lâmpadas de prata. No piso há uma Mateus (William Barclay) 29 estrela, e ao seu redor a inscrição latina: "Aqui nasceu Jesus, da virgem Maria." Quando o Senhor da Glória veio à Terra, nasceu em um lugar onde os homens alojavam animais. A cova que está na Igreja do Natal, em Belém, possivelmente seja a mesma onde Jesus nasceu, embora possa ser alguma outra. Isso é algo que nunca saberemos com certeza. Mas há um belo símbolo no fato de que a Igreja do Natal tenha uma porta tão baixa que todos os que queiram entrar nela devam agachar-se. É extremamente apropriado que todo homem que queira aproximar-se do Menino Jesus deva fazê-lo de joelhos. A HOMENAGEM DO ORIENTE Mateus 2:1-2 (continuação) Quando Jesus nasceu em Belém vieram sábios do Oriente para lhe render homenagem. Habitualmente se fala desses homens como "os magos", termo muito difícil de traduzir. Heródoto (1:101, 132) sabia algo com relação a uma tribo de medos chamada "os magos". Os medos formavam parte do império persa; em um determinado momento da história tentaram derrocar aos persas e dirigir eles os destinos do império. Mas não lograram seu propósito. A partir de então os magos deixaram de ter ambições políticas e se converteram em uma tribo de sacerdotes. Foram, na Pérsia, quase exatamente o mesmo que os levitas eram em Israel. Chegaram a ser os professores e instrutores dos reis persas. Na Pérsia não podia oferecer-se sacrifício algum se um dos magos não estivesse presente. Vieram a ser homens de grande santidade e sabedoria. Estes magos eram homens versados em filosofia, medicina e ciências naturais. Eram experientesem encantamentos e na interpretação de sonhos. Posteriormente a palavra mago adquiriu um significado de conotação pejorativa, sendo sinônimo de adivinho, bruxo e até enganador. Temos, por exemplo, Elimas, o mago (Atos 13:6, 8), e Mateus (William Barclay) 30 Simão, chamado usualmente Simão, o Mago (Atos 8:9, 11). Mas em seus melhores tempos os magos não eram enganadores, mas homens de grande santidade e sabedoria que empregavam suas vidas na busca da verdade. Naqueles dias todos acreditavam na astrologia. Acreditavam que se podia predizer o futuro interpretando os movimentos das estrelas, e que o destino de cada um estava determinado pela estrela sob a qual nascia. Não fica difícil ver como surgiu essa crença. As estrelas percorrem seus caminhos imutáveis e, nesse sentido, representam a ordem do universo. Se aparecia repentinamente uma estrela mais brilhante que as demais, se a ordem eterna dos céus era quebrada por um fenômeno especial, interpretava-se como se Deus mesmo estivesse irrompendo em sua ordem para anunciar algo. Não sabemos qual foi a estrela brilhante que aqueles magos viram. No ano 2 A.C. foi visível o cometa Halley, um astro de brilho considerável que atravessou o céu. Por volta do ano 7 A. C. se produziu uma conjunção de Saturno e Júpiter, que por seu brilho particular pôde ter-se interpretado como a aparição de uma nova estrela. Entre os anos 5 e 2 A. C, produziu-se um fenômeno astronômico pouco comum. Durante esses anos a estrela Sírio, conhecida pelos egípcios como Mesori, aparecia sobre o horizonte na hora do pôr-do-sol, e brilhava durante um momento com um resplendor espetacular. Mesori significa, em egípcio, "o nascimento de um príncipe" e para aqueles astrólogos da antiguidade este fenômeno pouco comum teria significado, indubitavelmente, o nascimento de algum grande rei. Não podemos saber qual foi a estrela que os magos viram, mas parte de suas responsabilidades profissionais era observar os céus, e algum fenômeno celestial fora do comum deve lhes ter sugerido que um rei tinha entrado no mundo. Pode nos parecer extraordinário que aqueles homens saíssem do oriente para lançar-se à busca de um rei. O estranho é que, na época em que Jesus nasceu, houvesse em todo mundo Mediterrâneo a estranha expectativa do advento de um rei. Os historiadores romanos nos dão Mateus (William Barclay) 31 testemunho desse sentimento generalizado. Pouco tempo depois, na época do imperador Vespasiano, Suetônio pôde escrever: "Estava estabelecida e difundida em todo Oriente a antiga crença de que por aquela época seria o destino dos homens da Judéia governar o mundo" (Suetônio, Vida de Vespasiano, 4:5). Tácito fala da mesma crença, dizendo: "Havia a convicção de que nesta época o Oriente cresceria em poder, e que governantes de origem judia adquiririam um império universal" (Tácito, Histórias, 5:13). Os judeus tinham a crença de que "Por aquela época um de sua raça se tornaria o governante de todo o mundo habitado" (Josefo, Guerras dos Judeus, 6:5, 4). Pouco tempo depois encontramos Tiridates, rei da Armênia, que visita a Nero acompanhado por seus magos (Suetônio, Vida de Nero, 13:1). Em Atenas os magos ofereceram sacrifícios à memória de Platão (Sêneca, Epístolas, 58:31). Quase ao mesmo tempo do nascimento de Jesus, Augusto, imperador romano, era saudado como "Salvador do Mundo", e Virgílio, o poeta romano, escreve sua Quarta Égloga, conhecida como a Égloga Messiânica porque descreve a idade de ouro que está por vir. Não há por que pensar que a história da visita dos magos ao Menino Jesus recém-nascido é somente uma bonita lenda. Trata-se de um fato que bem pôde ter acontecido naquela época. Quando Jesus Cristo veio ao mundo, os homens viviam em ansiosa expectativa. A humanidade inteira esperava a Deus. Os corações dos homens ansiavam por Deus. Tinham descoberto que sem Deus não era possível construir a Idade de Ouro. Jesus veio a um mundo expectante; e quando se produziu sua vinda, os extremos da Terra se reuniram ao redor de seu berço. Este foi o primeiro sinal e símbolo da conquista do mundo por Cristo. O REI INTRIGANTE Mateus 2:3-8 Chegou aos ouvidos do rei Herodes que tinham vindo magos do Oriente e que estavam procurando um recém-nascido, destinado a ser Mateus (William Barclay) 32 Rei dos judeus. Qualquer rei se preocuparia ao receber a informação do nascimento de um menino que chegaria a ocupar seu trono. Mas Herodes se sentiu duplamente perturbado. Herodes era meio judeu e meio idumeo. Em suas veias corria sangue edomita. Tinha prestado bons serviços aos romanos nas guerras e conflitos internos da Palestina, e eles lhe tinham confiança. No ano 47 A.C. tinha sido nomeado governador; no ano 40 recebeu o título de rei; e teria que reinar até o ano 4 de nossa era. Era chamado Herodes o Grande, e em mais de um sentido merecia este título. Foi o único delegado romano na Palestina que conseguiu manter a paz e produzir ordem no meio da desordem que imperava quando ele assumiu o cargo. Foi, além disso, um grande construtor; entre outras obras fez a reconstrução do templo de Jerusalém. Podia ser generoso. Nos tempos difíceis atenuava os impostos para que a situação do povo se aliviasse; e quando veio a grande fome do ano 25 A.C. chegou até a fundir sua própria fonte de prata para comprar trigo e reparti-lo entre os famintos. Mas Herodes sofria de uma terrível falha em seu caráter. Sempre tinha sido exageradamente suspicaz, e à medida que envelhecia esse defeito se acentuava cada vez mais. Em seus últimos anos chegou a ser, como alguém assinalou, "um velho criminoso". Se suspeitava que alguém pretendia rivalizar com seu poder, imediatamente o mandava assassinar. Matou a sua mulher Mariamne, e a sua mãe, Alexandra; a seu filho mais velho, Antipater. Aos seus dois netos, filhos deste, Alexandre e Aristóbulo, eliminou-os com suas próprias mãos. Augusto, o imperador romano, disse amargamente, em certa oportunidade, que era mais seguro ser um porco nos chiqueiros de Herodes que filho dele. (O dito em grego é muito mais epigramático que em português, porque hus significa porco e huíós filho, e há aliteração.) Pode-se entender como era amarga, selvagem e retorcido a personalidade do Herodes pelas disposições que deixou para que se executassem depois de sua morte. Quando chegou aos setenta anos sabia que logo morreria. Retirou-se a Jericó, a mais bela de todas as suas cidades. Deu ordens para que se encarcerasse a um grupo de cidadãos mais destacados de Mateus (William Barclay) 33 Jerusalém, sob pretexto de acusações falsas. E ordenou que quando ele morresse todos fossem executados. Dizia com amargura que quando ele morresse ninguém faria luto por ele, e que deste modo pelo menos se derramariam lágrimas em Israel. Não é difícil imaginar como se haverá sentido um homem desta índole quando lhe chegou a notícia do nascimento de um menino destinado a ser rei. Herodes se perturbou, e toda Jerusalém se perturbou com ele, porque bem sabiam todos os habitantes de Jerusalém que tipo de medidas era capaz de tomar seu rei para chegar até o fundo dessa história e eliminar o menino. Jerusalém conhecia Herodes, e tremeu de medo enquanto esperava sua inevitável reação. Herodes convocou os principais sacerdotes e os escribas. Os escribas eram os doutores na Lei e nas outras escrituras. Os principais sacerdotes eram um grupo intimamente relacionado de pessoas. Em primeiro lugar estavam os que tinham sido literalmente sumos sacerdotes, e se tinham retirado de seu ofício; o sumo sacerdote estava confinado a um número muito reduzido de famílias. Eram a aristocracia sacerdotal judaica, e os membros dessas famílias seletas também recebiam o nome de "sumos sacerdotes" ou "príncipes dos sacerdotes". De modo que Herodes convocou a aristocraciareligiosa e os eruditos teológicos de sua época, e lhes perguntou onde, segundo as Escrituras, devia nascer o Ungido de Deus. Citaram-lhe o texto do Miquéias 5:2. Herodes mandou chamar os magos e os enviou para buscarem diligentemente o recém-nascido. Disse-lhes que ele também desejava ir e adorar o Menino. Seu único desejo, entretanto, era assassinar aquele que lhe podia tomar o trono. Acaba de nascer Jesus e já vemos os três agrupamentos em que os homens sempre se posicionaram em face de Jesus. Consideremos quais são estas três formas de reagir. (1) Temos primeiro a reação de Herodes: Ódio e hostilidade. Herodes tinha medo de que esse garotinho interferisse em sua vida, sua posição, seu poder, sua influência. Portanto, sua primeira reação Mateus (William Barclay) 34 instintiva foi eliminá-lo. Ainda há os que estariam muito contentes se pudessem destruir a Jesus Cristo, porque nEle vêem Aquele que interfere em suas vidas. Querem fazer sua própria vontade, e Jesus não o permite; por isso gostariam de matá-lo. O homem cujo único desejo é fazer o que deseja nunca estará disposto a receber a Jesus Cristo. O cristão é alguém que deixou que fazer sua própria vontade, e que dedicou sua vida a fazer o que Jesus deseja dele. (2) Temos a reação dos principais sacerdotes e escribas: Uma total indiferença. Eles não se interessaram pelo assunto. Estavam tão ensimesmados em suas disputas sobre o ritual do Templo e suas discussões legais jurídicas que simplesmente desconheceram a Jesus. Ele não significou nada para eles. Ainda há quem está tão ocupados em seus próprios assuntos que Jesus Cristo não lhes diz nada. Ainda pode propor a aguda pergunta dos profetas: "Não vos comove isto, a todos vós que passais pelo caminho?" (Lamentações 1:12). (3) E temos a reação dos três magos, que pode resumir-se em duas palavras: Reverência e adoração. Desejam pôr aos pés de Jesus os presentes mais nobres que puderam trazer. Sem lugar a dúvida, quando qualquer ser humano toma consciência do amor de Deus em Jesus Cristo, não pode menos que sentir-se arrebatado pela maravilha, a resposta amante e o louvor. PRESENTES PARA CRISTO Mateus 2:9-12 Finalmente os magos do oriente encontraram o caminho de Belém. Não devemos pensar que a estrela se foi movendo no céu literalmente, como um sinal indicador. Nesta passagem há muita poesia, e não devemos transformar a poesia em prosa crua e desprovida de vida. Mas a estrela brilhava sobre Belém. Há uma bonita lenda que relata como a estrela, depois de ter completado sua missão de guia, caiu no poço de Mateus (William Barclay) 35 Belém e ainda está ali, onde pode ser vista às vezes por aqueles cujos corações são puros. Construíram-se muitas lendas em torno dos três "reis magos". Na antiguidade uma tradição oriental sustentava que eram doze. Mas na atualidade em quase todo mundo se acredita que eram três. O Novo Testamento não diz quantos eram, mas o triplo presente que apresentam a Jesus sugere a possibilidade de que sejam três os que trazem os presentes. Uma lenda ulterior os fez reis. Outra, posterior até, deu-lhes nomes: Melquior, Gaspar e Baltasar. Elaborações posteriores se dedicaram a descrever a aparência pessoal destes três personagens, e determinaram quem havia trazido cada um dos presentes. Melquior era um ancião, de cabelo cinza e barba longa, e foi o que trouxe o ouro. Gaspar era jovem e sem barba, de gesto altivo. Seu dom foi o incenso. Baltasar era negro, e foi quem trouxe o dom da mirra. Desde os tempos mais antigos os homens interpretaram de distintas maneiras a natureza dos presentes que os reis magos trouxeram para Jesus. Estas interpretações atribuem a cada um dos presentes alguma característica que se adapta ao tipo de pessoa que era Jesus e à obra que realizaria. (1) O ouro é um presente de reis. Sêneca nos diz que em Partia havia o costume de que ninguém podia aproximar-se da presença do rei sem levar um presente. E o ouro, o rei dos metais, é um presente apropriado para um rei dos homens. De maneira que Jesus foi alguém "nascido para ser Rei", mas deveria reinar não pela força mas pelo amor, e não sentado em um trono mas sobre a cruz. Fazemos bem em recordar que Jesus Cristo é Rei. Nunca podemos nos encontrar com Jesus em um plano de igualdade. Sempre devemos ir a ele em completa submissão e entrega. Nelson, o grande almirante inglês, sempre tratou a seus vencidos com grande bondade e cortesia depois de uma de suas vitórias navais, o almirante inimigo foi levado a nave insígnia e conduzido à presença de Nelson na proa do navio. Conhecendo o cavalheirismo de Nelson, e esperando tirar proveito disso, avançou para seu vencedor com a mão Mateus (William Barclay) 36 estendida, como se fosse estreitá-la com um igual. Mas o braço do Nelson não se moveu de seu lado. "A espada primeiro; a mão depois", disse-lhe. Antes de ser amigos de Cristo devemos nos submeter a Ele. (2) O incenso é um presente de sacerdotes. O doce perfume do incenso se usava no culto do Templo e nos sacrifícios rituais que se realizavam ali. A função do sacerdote é abrir aos homens o caminho para Deus. A palavra latina que significa "sacerdote" é pontifex, que significa "construtor de pontes". O sacerdote é o homem que tende uma ponte entre Deus e os homens. Isso foi o que Jesus fez. Abriu o caminho para a presença de Deus; tornou possível aos homens entrarem na própria presença de Deus. (3) A mirra é um presente para alguém que vai morrer. A mirra se usava para embalsamar o corpo dos mortos. Jesus veio ao mundo para morrer. Holman Hunt fez um quadro de Jesus que é muito famoso. O quadro O apresenta na porta da oficina de carpintaria, em Nazaré. Ainda é um menino. O sol do entardecer brilha sobre a porta e o moço saiu um momento para estirar as pernas, com cãibras pela posição de trabalho sobre o banco de carpinteiro. Abre os braços para receber melhor o ar fresco do crepúsculo, e o sol projeta sua sombra sobre a parede, é a sombra de uma cruz. Em um segundo plano está Maria, que ao ver essa cruz estremece: seu rosto manifesta o temor da tragédia que se aproxima. Jesus veio ao mundo para viver pelos homens e, ao terminar sua missão, morrer por eles. Veio para dar pelos homens sua vida e sua morte. Ouro para um rei, incenso para um sacerdote, mirra para quem vai morrer. Estes foram os presentes dos sábios orientais: até no berço de Jesus anteciparam que teria que ser o autêntico Rei, o perfeito Sumo Sacerdote e, finalmente, o supremo Salvador dos homens. Mateus (William Barclay) 37 A FUGA PARA O EGITO Mateus 2:13-15 Na antiguidade não se duvidava de que Deus enviasse mensagens aos homens mediante sonhos. José foi advertido em um sonho de que escapasse ao Egito para evitar os propósitos criminais de Herodes. A fuga ao Egito foi um fato muito natural. Muito freqüentemente, nos séculos turbulentos que precederam à vinda de Jesus, quando os judeus enfrentavam algum perigo, tirania ou perseguição que tornava a vida deles impossível, exilavam-se no Egito. O resultado foi que quase cada cidade egípcia tinha sua colônia de judeus. Na cidade da Alexandria, sobretudo, havia mais de um milhão de judeus; vários bairros da cidade eram habitados quase exclusivamente por membros desta nação. José, em sua hora de perigo, fez o que muitos outros seus concidadãos tinham feito antes, e quando ele e Maria chegassem ao Egito não se encontrariam totalmente entre estrangeiros, porque em qualquer cidade ou povo onde decidissem ficar, haveria judeus que, como eles, tinham procurado refúgio no Egito. É interessante que posteriormente os inimigos do cristianismo e de Jesus utilizaram sua estada no Egito como um pretexto para desprezá-lo. Egito era considerado tradicionalmente uma terra de magia, bruxariae encantamentos. O Talmud diz: "Desceram ao mundo dez medidas de bruxaria, nove corresponderam ao Egito e o resto se repartiu pelo mundo." Os inimigos de Jesus afirmavam que no Egito, durante seu exílio, o Mestre aprendeu algumas ardis de magia" e bruxaria, que posteriormente lhe serviram para simular seus "milagres" e enganar aos homens. Quando o filósofo pagão Celso dirigiu seus ataques contra o cristianismo, no século III (ataque que Orígenes enfrentou e rechaçou definitivamente) disse que Jesus nasceu ilegitimamente, que esteve empregado no Egito a serviço de algum mago, e que ao retornar a Palestina utilizou os conhecimentos adquiridos para enganar a seus concidadãos e proclamar-se Deus (Orígenes, Contra Celsum, 1:38). Um Mateus (William Barclay) 38 certo rabino, Eliézer Ben Hircano, disse que Jesus tinha as fórmulas mágicas que necessitava para fazer milagres tatuados no corpo, para não esquecê-los Tais são algumas das calúnias que mente torcidas relacionaram com a fuga ao Egito. Mas são evidentemente falsas, porque quando Jesus foi levado ao Egito era um recém-nascido, e quando retornou ainda era menino. Duas das lendas mais belas do Novo Testamento estão relacionadas com a fuga ao Egito. A primeira é a lenda do ladrão penitente. A lenda diz que o ladrão penitente se chamava Dimas, e que tinha conhecido Jesus pela primeira vez no Calvário quando ambos pendiam de suas respectivas cruzes. O relato sustenta que quando José e Maria se dirigiam ao Egito foram assaltados por ladrões, e um dos cabeças do bando quis matá-los para ficar com as poucas coisas que levavam. Mas houve algo no menino Jesus que comoveu o coração do Dimas, que era um dos ladrões. Negou-se a que se fizesse mal algum a Jesus e seus pais. Olhou o menino e lhe disse: "Menino bendito mais que nenhum entre os meninos, se alguma vez chegasse o momento em que você possa ter misericórdia por mim, lembre-se deste momento e não me esqueça." Jesus e Dimas voltaram a encontrar-se, no Calvário, e Dimas, a ponto de morrer justiçado, encontrou misericórdia e perdão para sua alma, no Senhor Jesus. A outra lenda é uma narração infantil, mas muito bonita. Quando José, Maria e Jesus se dirigiam ao Egito, diz a lenda, chegou o momento de pôr-do-sol, e estavam muito cansados, e procuraram refúgio para passar a noite em uma caverna. Fazia frio, tanto frio que o chão se cobriu de geada esbranquiçada. Uma pequena aranha viu o menino Jesus e quis fazer algo para ajudá-lo a manter-se quente. Depois de muito pensar decidiu que a única coisa que podia fazer era tecer uma tela bem ampla sobre a entrada da cova, para servir de cortina. Pelo mesmo atalho apareceram depois de um momento os soldados de Herodes, que procuravam meninos para matar e executar de acordo com de seu soberano. Quando chegaram à entrada da cova estavam a ponto de entrar Mateus (William Barclay) 39 para ver se alguém tinha procurado refúgio nela. Mas o capitão advertiu que a entrada estava coberta por um tecido de aranha, e que esta, por sua vez, estava branca de geada. "Olhem", disse, há um tecido de aranha intacto. Ninguém pode ter entrado aqui, porque se o fizesse, teria esmigalhado o tecido." De maneira que os soldados passaram adiante, e depois de procurar muito momento em outros lugares voltaram para Jerusalém. A sagrada família pôde dormir em paz, porque uma pequena aranha tinha tecido seu manto para proteger a Jesus do frio. É por isso, conforme dizem, que até nossos dias cobrimos as árvores de Natal com fios prateados que simulam o tecido de aranha coberta de geada. É uma história muito bonita que contém uma grande verdade: Os dons feitos a Jesus nunca são esquecidos. As últimas palavras desta passagem apresentam um costume característico de Mateus. Vê na fuga ao Egito o cumprimento de certas palavras do profeta Oséias. Mateus as reproduz como: "Do Egito chamei a meu filho." A citação é de Oséias 11:1, que diz: "Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho." Pode ver-se imediatamente que esta citação não tem nada que ver com Jesus nem com a fuga ao Egito. Não é mais que uma forma de asseverar que Deus tinha libertado o povo de Israel de sua escravidão no Egito. Veremos em repetidas ocasiões que esta é uma forma de usar o Antigo Testamento característica de Mateus. Está disposto a usar como profecia a respeito de Jesus qualquer texto do Antigo Testamento que possa adequar-se verbalmente a tal propósito, mesmo que originalmente não tenha tido nada que ver com o assunto em referência. Mateus sabia que a única maneira de convencer os judeus de que Jesus era o autêntico Ungido de Deus era demonstrando que cumpria em sua pessoa as profecias do Antigo Testamento. Em seu afã por obter seu objetivo, encontrava profecias no Antigo Testamento até em lugares onde originalmente não havia profecia alguma. Quando lemos passagens como esta devemos lembrar que, mesmo que sejam para nós pouco convincentes e estranhas, Mateus (William Barclay) 40 eram de supremo interesse para os judeus, aqueles a quem Mateus dirigiu o seu evangelho. A MATANÇA DOS INOCENTES Mateus 2:16-18 Já vimos que Herodes era um mestre consumado na arte do assassinato. Assim que subiu ao trono aniquilou o Sinédrio, a corte suprema dos judeus. Posteriormente mandou matar a trezentos juízes das cortes, em um ímpeto inexplicável. Mais tarde matou a sua esposa Mariame, a sua mãe, Alexandra, a seu filho mais velho, Antipater, e a dois filhos deste, Alexandre e Aristóbulo. Fazia acertos para que na hora de sua própria morte fosse executado um grupo seleto dos cidadãos mais notáveis de Jerusalém. Era de esperar-se que Herodes não aceitasse tranqüilamente a notícia de que tinha nascido um menino que estava destinado a ser Rei. Vimos como averiguou cuidadosamente quando os magos tinham visto a estrela. Nesse momento já estava calculando qual era a idade dos meninos que devia mandar assassinar. Agora o vemos pôr em prática seus planos criminais, com uma rapidez selvagem, animal. Ordenou a matança de todos os meninos de dois anos para baixo em Belém e sua zona circundante. Há duas coisas que devem destacar-se. Belém não era uma cidade muito grande, e o número de meninos abaixo dos dois anos não pôde ter sido maior de vinte ou trinta. Não devemos pensar que foram centenas. É obvio, não queremos dizer que o crime de Herodes haja sido menos terrível por ser somente vinte ou trinta meninos que ele assassinou, mas é importante fazermos uma imagem correta. Em segundo lugar, alguns críticos sustentam que este assassinato não pôde ter acontecido, porque não é mencionado em nenhum outro lugar, exceto nesta passagem do Novo Testamento. O historiador judeu Josefo, por exemplo, não o menciona. Pode responder-se de duas maneiras. Em primeiro lugar, tal como acabamos de dizer, Belém era Mateus (William Barclay) 41 uma cidade muito pequena, e em uma região onde este tipo de atrocidades era moeda corrente, o assassinato de vinte ou trinta meninos provavelmente não tenha sido considerado um fato grave. Não deve ter significado muito, exceto para as mães dos meninos. Em segundo lugar, encontramos um interessante paralelo histórico nas crônicas escocesas. Carr faz notar que Macaulay, em sua monumental obra de história britânica, assinala que Evelyn, um cronista meticuloso e extremamente abundante dos acontecimentos contemporâneos a sua vida, nunca menciona a massacre de Glencoe. O fato de que um acontecimento histórico não seja mencionado, até naqueles lugares onde esperaríamos que fosse mencionasse, não é uma prova suficiente de que não tenha ocorrido. O fato é tão típico de Herodes, que não temos razões para duvidar da verdade que Mateus está transmitindo. Estamos ante um terrível exemplo do que são capazes de fazer os homens para livrar-se
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