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NOTA ESCALPELAMENTO

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NOTA TÉCNICA Nº 001 (GT Escalpelamento por Embarcações), DE 15 DE 
FEVEREIRO DE 2019 
 
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT), no exercício das 
atribuições constitucionais de defesa da ordem jurídica justa, do regime 
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como de 
promoção da dignidade da pessoa humana, da valorização social do trabalho e 
da justiça social, apresenta esta Nota Técnica, produzida e aprovada pelo 
Grupo de Trabalho instituído pela Portaria PGT nº 1472, de 20 de agosto de 
2018 com o objetivo de expor seu posicionamento acerca do enquadramento 
das vítimas de escalpelamento no conceito de pessoa com deficiência 
atualmente instituído pela Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, sem prejuízo 
das demais Notas Técnicas expedidas pelo MPT, as quais se pronunciam 
sobre outros assuntos relacionados. 
 
1. Sobre o escalpelamento e suas consequências 
 
Escalpelamento é trauma causado por avulsão brusca parcial ou total do 
escalpo ou couro cabeludo, decorrente, principalmente, de contato acidental 
dos cabelos com motor de eixo rotativo. A alta rotação desses motores gera 
uma força que suga os cabelos da vítima, tracionando e arrancando o couro 
cabeludo de forma abrupta. 
 
O acidente ocorre quando as vítimas, ao se aproximarem do eixo do 
motor de uma embarcação fluvial em funcionamento, com forte e ininterrupta 
rotação, e que se encontra sem a devida gaiola de proteção, têm seus cabelos 
puxados e arrancados, totalmente ou em parte, pelo eixo do motor, bem como 
as sobrancelhas, parte do rosto e orelhas. Em alguns casos, na tentativa de se 
desvencilhar das engrenagens, as vítimas podem perder também braços e 
pernas, causando deformações graves e até mesmo a morte. 
 
Segundo estimativas existem, no Brasil, o equivalente a 3 mil vítimas de 
escalpelamento desde o surgimento dos primeiros casos registrados, 
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principalmente, nos estados do Pará, Amazonas e Amapá, onde os acidentes 
ocorrem com maior frequência1. As principais vítimas são as mulheres, por 
terem cabelos mais longos, ressaltando-se a maioria serem crianças e/ou 
adolescentes, que brincam no entorno do eixo dos motores desprotegidos dos 
barcos. 
 
O escalpelamento é um trauma que ocasiona grande impacto na vida 
das vítimas acometidas. As sequelas decorrentes trazem sofrimentos físicos, 
emocionais e psicossociais afetam diretamente a vítima e as suas respectivas 
famílias, tratando-se de um problema de saúde pública. 
 
Em geral, o trauma ocasiona comprometimento hemodinâmico e dores 
intensas, além dessas, o quadro pode acarretar em sinais e sintomas 
secundários como mialgias em regiões adjacentes ao trauma, hematomas e 
edemas faciais, restrição e/ou limitação aos movimentos da face, coluna 
cervical e cintura escapular, e cefaleias constantes (BRITO et.al., 2004)2, além 
de comprometimento da audição, deglutição, da fala e sobretudo da visão . 
 
Segundo MOTA (2000)3, “as vítimas apresentam sintomatologia álgica 
frequente, principalmente, nos músculos trapézios e supraespinhosos e 
cefaleias tensionais intensas pós-traumáticas, o que dificulta o processo de 
recuperação e interfere diretamente na qualidade de vida”. 
 
O escalpelamento, principalmente, no sexo feminino gera transtornos na 
autoimagem e autoestima podendo trazer como consequência a mudança no 
desejo de um relacionamento de ordem afetiva (GUIMARÃES; BICHARRA, 
 
1 Excetuam-se muitos casos não contabilizados, uma vez que boa parte das vítimas por vezes 
vão à óbito antes de conseguirem ajuda médica ou não tem condições financeiras e/ou acesso 
a tratamento médico regular. 
2 BRITTO, C.B.L. et al. Escalpelamento na população Amazônica. Rev. Par. Med. V. 18, n. 1, p. 
30-35, jan/mar 2004. 
3 MOTA, MA. A contribuição da fisioterapia no tratamento de vítimas de escalpelamento. 
Trabalho de Conclusão de Curso. Belém: Universidade Estadual do Pará. 2000. 
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2013)4. Nota-se também uma maior dificuldade de inserção dessas mulheres 
no mercado de trabalho por não atenderem a padrões estéticos socialmente 
impostos. E, como muitos dos acidentes ocorrem ainda na infância e/ou na 
adolescência, boa parte das vítimas abandona a vida escolar nesse período. 
 
O trauma atinge não somente a estética e afeta no crescimento e 
convívio social, como também o aspecto psicológico e emocional das jovens, 
que, por muitas vezes ficam conhecidas como “meninas de turbante”, pois, 
utilizam lenços e chapéus para esconder as sequelas do acidente (BECKMAN; 
SANTOS, 2004)5. A Defensoria Pública da União6 aponta que é comum as 
vítimas de escalpelamento apresentarem históricos de tentativas ao suicídio, 
quadros depressivos, alcoolismo e dificuldade de se relacionar socialmente, 
sendo comumente alvos de bullying. 
 
Com o crescimento de casos registrados de vítimas de escalpelamento 
nos últimos anos, principalmente, na região Norte do Brasil, algumas políticas 
públicas, medidas legislativas e projetos de órgãos públicos e privados 
passaram a surgir. Destaca-se a Lei nº 11.970/2009, que torna obrigatório o 
uso de proteção no motor, eixo e partes móveis das embarcações, e a Lei nº 
12.199/2010, que instituiu a data de 28 de agosto como o Dia Nacional de 
Combate e Prevenção ao Escalpelamento. 
 
2. Do enquadramento das vítimas de escalpelamento no conceito de 
pessoa com deficiência 
 
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com 
Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de 
março de 2007, define que “Pessoas com deficiência são aquelas que têm 
 
4 GUIMARÃES, A.G.M; BICHARRA, C.N.C. O processo de construção de políticas públicas em 
prol do ribeirinho vítima de escalpelamento na amazônia. Revista do estado profissional em 
planejamento em políticas públicas. 2013. 
5 BECKMAN, KAF; SANTOS, NCM. Terapia Ocupacional: relato de caso com vítima de 
escalpelamento por eixo de motor de barco. Cad de Ter Ocup da UFSCar. V.12, n.1, p.21- 25, 
2004. 
6 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO O AMAPÁ – DPU-AP. Dossiê: Projeto de Erradicação do 
Escalpelamento. Abril, 2016. 
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impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou 
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua 
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as 
demais pessoas” (artigo 1º). 
 
O conceito atual de pessoa com deficiência, constitucionalmente 
adotado pelo Brasil por força da ratificação da Convenção Internacional da 
ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, supera o aspecto clínico 
de cada indivíduo. Assim, traz as limitações para a sociedade, que deve 
providenciar todas as adaptações necessárias para que tais pessoas exerçam 
seus direitos da maneira mais efetiva possível. A obrigação da iniciativa 
privada, portanto, não está apenas em contratar, mas também em criar meios 
para a preparação técnica das pessoas com deficiência habilitadas e 
reabilitadas para atender à legislação. 
 
Em julho de 2016 entrou em vigor a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa 
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei n. 13.146, de 6 de 
julho de 2015. Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das 
Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, tendo incorporado, em 
seu art. 2º, o conceito de pessoa com deficiência. 
 
Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se barreiras qualquer 
entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a 
participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de 
seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à 
comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com 
segurança, entre outros. Destacam-se, aqui, as barreiras atitudinais, que 
envolvem atitudes ou comportamentos que impedem ou prejudicam a 
participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e 
oportunidades com as demais pessoas. 
 
O escalpelamento é um drama psicológico, físico e social. As vítimas 
que sobrevivem a esse trauma levam consigo para o resto da vida diversas 
sequelas, físicas, psicológicas e emocionais. O tratamento, quando efetivo, é 
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longo, uma vez que inclui várias jornadas de cirurgias reparadoras, além de 
tratamento psicológico. 
 
Consideradas as limitações funcionais que comumente acometem as 
vítimas de escalpelamento, antes mencionadas, bem como as barreiras 
atitudinais que tendem a enfrentar, o entendimento deste órgão ministerial é 
pelo enquadramento dessas pessoas no conceito incorporado pela Lei 
Brasileira de Inclusão, inclusive para fins de preenchimento da cota a que se 
refere o artigo 93 da Lei n. 8.213/1991. Por iguais fundamentos, especialmente 
em situações de limitações mais severas, devido o Benefício de Prestação 
Continuada - BPC, nos termos do art. 20 da LOAS. 
 
Ressalte-se, por fim, que a presente nota técnica segue em consonância 
com o Projeto Estratégico “Acessibilidade e Inclusão no Trabalho de Pessoas 
com Deficiência e Beneficiários Reabilitados”, instituído pela Coordenadoria 
Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades – COORDIGUALDADE 
com o objetivo de efetivar a plena participação das pessoas com deficiência e 
dos beneficiários reabilitados na sociedade por meio da inclusão deles no 
mercado de trabalho e da efetivação da plena acessibilidade. 
 
CONCLUSÃO 
 
Em razão das considerações acima expostas, o MINISTÉRIO PÚBLICO 
DO TRABALHO pugna pelo enquadramento das vítimas de escalpelamento no 
conceito de pessoa com deficiência abarcado pela Lei Brasileira de Inclusão da 
Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) editada em consonância com a 
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo 
Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto 
Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o 
procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da República 
Federativa do Brasil, inclusive para fins de preenchimento da cota a que se 
refere o artigo 93 da Lei n. 8.213/1991. 
 
 
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Ana Lúcia Stumpf Gonzalez 
Presidente GT 
 
 
Greice Carolina Novais de Souza Ribeiro 
Co-relatara GT 
 
 
Edelamare Barbosa Melo 
Representante PGT 
 
 
Valdirene Silva de Assis 
Coordenadora Nacional Coordigualdade 
 
 
 Augusto Grieco Sant´Anna Meirinho 
Coordenador Nacional Conatpa 
 
 
João Hilário Valentim 
Coordenador Nacional Conalis 
 
 
Nicodemos Fabricio Maia 
Vice-Coordenador Nacional Conatpa 
 
 
Sofia Vilela de Moraes e Silva 
 
 
 
 
 
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