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REVISTA BRASILEIRA DE 
CIÊNCIAS CRIMINAIS 
BRAZILIAN CRIMINAL SCIENCES REVIEW 
Ano 26 • voL 146 • ago. /2018 
Dossiê Especial: "Gênero e 
Sistema Punitivo" 
Editoras associadas: Luciana Boiteux e Luanna Tomaz 
O 'OW1' 
MULHERES E DROGAS SOB O CERCO POLICIAL 
WOMEN AND DRUGS UNDER POLICE SIEGE 
MANUELA ABATH VALENÇA 
Doutora pelo PPGD-UnB. Professora da Universidade Federal de 
Pernambuco e da Universidade Católica de Pernambuco. 
Pesquisadora do Grupo Ma Branca de Criminologia. 
manuelaabath@gmail.com. 
HELENA ROCHA C. DE CASTRO 
Doutoranda pelo PPGD-Unicap. Professora da Uninsassu/PE. 
Pesquisadora do Grupo Asa Branca de Criminologia. 
helenarccastrO@gmail.com 
1! 	 . 
Cligl!912 	 `C,1 
ÁREA 00 DIREITO: Penal 
RESUMO: Ampliando as penas para o crime de 
tráfico de drogas, a Lei 11.343/2006 impactou 
sobre a população carcerária brasileira, sobretu-
do a feminina, que cresceu a niveis maiores que 
a masculina. Por outro lado, a falta de critérios 
legais objetivos na definição das condutas de 
tráfico e de uso de entorpecentes abre margem 
a decisões subjetivas dos agentes do sistema pe-
nal, os quais se valem de estereótipos na impu-
tação desses crimes. Neste contexto, o presente 
trabalho apresenta os resultados de uma pesqui-
sa realizada na cidade do Recife, a qual buscou 
entender o perfil socioeconômico e racial da 
mulher apreendida com drogas, a forma como 
se dão as abordagens e os fatores que conduzem 
a policia a classificar a presa como usuária ou 
traficante. Verificou-se, em sintonia com outros 
estudos sobre a temática, que mulheres negras, 
com baixa escolaridade, moradoras de bairros 
Recebido em: 28.02.2018 
Aprovado em: 25.05.2018 
última versão do(a) autor(a): 1.06.2018 
ABSTRACT: Extending the penalties for drug tra-
fficking, law 11,343/06 impacted on the Brazilian 
prison population, especial ly the female prisoner, 
who grew at a higher levei than the male priso-
ner. On the other hand, the lack of objective legal 
criteria in the definition of conduct of traffic and 
use of narcotics opens the door to subjective de-
cisions of the agents of the penal system, which 
use stereotypes to impute these crimes. In this 
context, the present study presents the results 
of a research carried out in the city of Recife, 
which sought to understand the socioeconomic 
and racial profile of women seized with drugs, 
the way in which the approaches and the fac-
tors that lead the police to classify the prey as 
a user or trafficker. It was verified, in line with 
other studies on the subject, that black women 
with low schooling, living in peripheral and low 
interne neighborhoods are the preferred target 
VALENÇA, Manuela Abath; CA51110, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de CiênciasCriminais, vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
 
 
484 	 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS 2018 • RBCCRim 146 DossiÉ ESPECIAL: "GÊNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	 485 
 
periféricos e baixa renda são o alvo preferen- 	 of the police approach. Still, these women are 
cial da abordagem policial. Ainda, essas mulhe- 	 found with little arnount of drugs, rarely carry fl- 
res são encontradas com pouca quantidade de 	 rearrns and are primary. In relation to the type of 
droga, raramente portam arma de fogo e são 	 drug, possession of crack increases the chances 
primárias. Em relação ao tipo de droga, a pos- 	 of them being classified as traffickers, whereas 
se de crack aumenta as chances de elas serem 	 that of marijuana facilitates imputation by use. 
enquadradas como traficantes, ao passo que 
a de maconha facilita a imputação por uso. 
PALAVRAS-CHAVE: Lei de Drogas - Policia - Mulhe- 	 KenNORDS: Antidrug act - Police - Women - Ins- 
res - Racismo institucional. 	 titutional racism. 
0 SUMARIO: 1. Introdução. 2. Considerações metodológicas. 3. Resultados e discussões. 3.1. A mu-
lher suspeita. 3.2. Prendendo negras em bairros negros. 4. Conclusões. Referências 
1. INTRODUÇÃO 
Que na tarde de hoje (20.10.2015) estava de serviço no comando da MTC 
1000, do 16° BPM, fazendo rondas policiais na "Comunidade Ilha Santa 
Terezinha", no bairro de Santo Amaro; por volta das dezesseis e trinta o con-
dutor avistou três pessoas (uma mulher e dois homens) em atitude suspeita, 
dentro de uma casa que já é conhecida no local como ponto de tráfico de 
drogas; por causa dessa suspeita, o condutor decidiu abordá-los, pedindo 
permissão à proprietária da casa para entrar.' 
A proprietária da casa, identificada nos autos do processo criminal por tráfi-
co de drogas como uma mulher "parda escura", com 35 anos de idade, ensino 
fundamental completo e "do lar", é parte de uma narrativa que se assemelha à 
de muitas das outras mulheres dos mais de cem processos que consultamos em 
uma pesquisa que origina o presente trabalho. 
Começamos por essa descrição de um pequeno trecho do auto de prisão em 
flagrante porque ele condensa algumas das principais questões com as quais li-
daremos e que permeiam o processo de criminalização de mulheres por tráfico 
de drogas em uma cidade como Recife: a alta vulnerabilidade das presas, a po-
breza em que se encontram e, finalmente, como é "fácil" justificar uma abor-
dagem e vasculhar a vida e a residência de pessoas quando elas são negras c 
moradoras de bairros de periferia. Por que aquelas três pessoas estavam em ati-
tude suspeita? Teria mesmo a proprietária admitido livremente a entrada dos 
1. Processo 0059119-16.2015.8.17.001. 
policiais? Essas perguntas não estão nos autos, mas tentaremos, dentre outras, 
aqui enfrentar. 
No Brasil, a política de drogas vem sendo fortemente carregada por um 
viés punitivista e bélico. Os debates sobre legalização ou uso controlado de 
entorpecentes é comumente acaçapado por uma ideia segundo a qual as dro- 
gas sairão de circulação se punirmos com rigor aqueles que as vendem. Nes-
se viés, desde a década de 1970, criamos legislações especificas para tratar a 
questão, as quais passaram a prever um progressivo aumento da pena para 
traficantes. 
Em 2006, foi editada a Lei 11.343, última estratégia de política legislativa 
tendente a controlar o uso e o comércio de drogas em nosso pais. O projeto 
que originou a referida Lei foi proposto no Senado Federal em 2002, em um 
contexto de intensas discussões sobre o narcotráfico e o crime organizado. Nos 
debates legislativos, verificou-se uma necessidade em distinguir o usuário do 
traficante, merecendo aquele uma atenção médica e assistencial e este, medi- 
das punitivas severas'. 
Uma das mais importantes modificações realizadas pela nova Lei foi o au-
mento da pena mínima para o crime de tráfico de drogas, que passou de três 
para cinco anos de reclusão. Na prática, tal medida afastou a possibilidade de 
substituição da prisão por penas restritivas de direitos, admitidas no Brasil so-
mente para condenações de até quatro anos de prisão'. Não bastasse, em sua 
redação original, a Lei 11.343 vedava a aplicação de penas alternativas para 
aquele crime, bem como inadmitia a liberdade provisória. 
Estas duas últimas interdições foram afastadas com o passar do tempo por 
decisões do Supremo Tribunal Federar', mas o preceito secundário do tipo de 
tráfico manteve-se inalterado. Nesse contexto, pode-se afirmar que a Lei de 
Drogas é encarceradora e, de fato, provocou impacto na população prisional 
brasileira, que veio crescendo vertiginosamente nas últimas décadas e, a partir 
de 2006, ganhou esse reforço. 
2. CAMPOS, Marcelo da Silveira. Pela metade: as principais implicações da nova Lei de 
Drogas no sistema de Justiça Criminal em São Paulo. Tese de Doutorado. Programa 
de Pós-Graduação em Sociologia da USR São Paulo, 2015. p. 69. 
3. Código Penal, art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituemas 
privativas de liberdade, quando: 1— aplicada pena privativa de liberdade não superior 
a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, 
qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo. 
4. STF, HG 97.256; STF, HC 104.339. 
\Moça, Manuela Abath; Um, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p.483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
VALINÇA, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revisto Brasileiro de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
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DossiÉ ESPECIAL "GÊNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	487 486 	 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS 2018 • Riram 146 
Segundo o último relatório do Levantamento Nacional de Informações 
Penitenciárias (Infopen), há, no Brasil, cerca de 726.712 pessoas encarcera-
das, sendo 292.450 delas presas provisórias, isto é, sem condenação. A grande 
maioria dessa população, aproximadamente 578.440, é formada por homens, 
e 36.495 são mulheres'. 
Uma ressalva, aqui, é fundamental. O fato de a população carcerária femi-
nina corresponder a menos de 6% do total não implica dizer que as mulheres 
estejam afastadas das dores e das dinâmicas do sistema carcerário. O cárcere 
masculino é permeado de mulheres que, como mães, companheiras, irmãs, es-
posas ou amigas, realizam visitas semanais e, de diversas formas, submetem-
-se a situações degradantes que vão desde a revista vexatória até os casos não 
incomuns de estupros e submissão involuntária à prostituição, além da obri- 
gação de custear esses presos ou auxiliá-los em atividades lícitas ou ilícitas de 
arrecadação de dinheiro. 
Como destaca Ana Luiza Flauzina, "a revista vexatória invade as cavidades 
de mulheres que não são detentoras de seus próprios corpos. Atualizando a 
ordem escravista, seu corpo e sua sexualidade não são tutelados por qualquer 
tipo de valor moral associado à ideia de feminilidade"' e, conclui: "A punição 
dos homens prevê, assim, uma punição complementar às mulheres, condena-
das pelo delito de serem a eles conectados, de fazerem parte da mesma comu-
nidade abjeta situada nos contornos da negritude"7. Assim, para além dos 6% 
de mulheres presas, pensar a relação delas com o cárcere é transbordar os mu-
ros das unidades penitenciárias femininas. 
Em relação aos crimes que mais encarceram, são, na ordem, o de tráfico de . 
drogas (28%), o de roubo e o de furto (37%) e o de homicídio (11%). Quando 
analisamos esses dados de modo fragmentado, considerando o sexo do preso, 
esses percentuais se alteram consideravelmente. No caso da população mascu-
lina, 26% está presa por tráfico, 26% por roubo, 12% por furto e 12% por homi-
cídio. Já entre as mulheres, as prisões por tráfico correspondem a 62% do total, 
as por roubo e por furto correspondem a, respectivamente, 11% e 9% do con-
tingente populacional carcerário, e as por homicídio, 6%8. Ao mesmo tempo, 
5. DEPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Brasília, 2017. p. 7. 
6. FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. O feminicidio e os embates das trincheiras femi-
nistas. Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, ano 20, n. 23/24, 2016- 
p. 100. 
7. Idem. 
8. DEPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciarias. Brasília, 2017. 
p. 43. 
VALENÇA, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revisto Brasileira de Ciências Criminais vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. Ri, agosto 2018. 
de 2000 a 2014, a taxa de encarceramento feminino cresceu em média 567%9, 
com expressivo aumento a partir de 2006. 
Assim, não é difícil concluir que a Lei de Drogas teve um impacto conside-
rável nos processos de criminalizaçâo de mulheres no Brasil e, portanto, que é 
fundamental lançar um olhar um pouco mais detalhado sobre a dinâmica e os 
padrões de imputação do crime de tráfico e de uso de entorpecentes em rela- 
ção a essas mulheres. 
O presente artigo é fruto de uma pesquisa mais ampla intitulada "A ativi-
dade policial de criminalização de mulheres por tráfico de drogas: da verificação 
do elemento suspeito ao impacto no encarceramento feminino em Recife', fi- 
nanciada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi-
co (CNPq) e que se debruçou sobre a realidade da apreensão de mulheres em 
posse de entorpecentes na cidade do Recife/PE. 
Em um primeiro momento, fazemos breves considerações metodológicas so-
bre a pesquisa e, em seguida, passamos à análise dos dados coletados e das dis-
cussões teóricas geradas. 
Optamos por não fragmentar o artigo em duas partes estanques, quais se-
jam, a discussão teórica e a apresentação dos resultados da pesquisa, posto que 
esse formato, por vezes, engessa os debates e força um olhar sobre os dados a 
partir de conceitos e categorias prévias. Em outras palavras, deixamos o campo 
falar um pouco mais alto e isso acaba por nos levar a confirmar teorias e con-
ceitos e outras vezes a desafiá-los e a conduzir a novas formulações interpreta-
Ovas. Howard Becker fala em "deixar o caso definir a categoria" ao se referir a 
esse processo dinâmico de restruturação da pesquisa promovido pela própria 
imersão na investigação. Para ele, as pesquisas em ciências sociais costumam 
se orientar em sentido inverso, buscando "encaixar" o caso a categorias prees-
tabelecidas. O preço, entretanto, é não ver ou não dar atenção a aspectos que 
não estavam previamente contidos na categoria com a qual se começa a inves-
tigação". Feitas essas considerações introdutórias, passemos à apresentação 
dos argumentos e resultados da pesquisa. 
9. DEPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. — Infopen Mulheres. 
Brasília, 2015. p. 10. 
10. A pesquisa foi desenvolvida pelas autoras, em parceria com outros pesquisadores e 
pesquisadoras do Grupo Asa Branca de Criminologia. 
11. BEGKER, Howard. Segredos e truques da pesquisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 
2007. p. 163. 
Murça, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revisto Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
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2. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS 
Nossa pesquisa tinha, inicialmente, um desenho que consistia em elencar 
todas as mulheres presas em posse de entorpecente, na cidade do Recife, no 
ano de 2015 e, em seguida, perquirir se elas teriam sido enquadradas como tra-
ficantes ou usuárias de drogas pela Polícia Civil. O que parecia uma atividade 
simples, tornou-se, em verdade, um grande desafio. 
Isso porque existiram inúmeros impedimentos ao acesso aos Autos de Pri-
são em Flagrante pela Secretaria de Defesa Social e demais órgãos que compõem 
a Justiça criminal, como o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário. 
Sabe-se que esse tipo de dificuldade parece ser uma constante nas pesquisas 
sobre o funcionamento da justiça criminal do Brasil. É comum que o acesso 
direto aos dados, ou mesmo a utilização daqueles já fornecidos pelas agências 
oficiais, seja acompanhado de impedimentos, e quando obtido, não correspon-
da ã realidade. Essa é uma consequência da desorganização das instituições 
que compõem o sistema, mas também de uma tendência política a querer mas-
carar essa realidade do funcionamento do estado penal no país. 
Em Recife, a Polícia Civil funciona dividida em delegacias especializadas 
por tipo de crime ou vítima e delegacias responsáveis por determinada circuns-
crição geográfica da cidade. Os crimes relacionados ao tráfico de drogas podem 
ser encaminhados para as delegacias da área em que foi realizada a abordagem, 
ou então para as delegacias ligadas ao Departamento de Combate ao Narcotrá-
fico — DENARC, devendo a atuaçãoser realizada de forma conjunta. Existem 
três delegacias especializadas na cidade do Recife, além das demais circunscri-
ções espalhadas pela capital. Sendo assim, sabia-se que não seria possível ir a 
cada delegacia recolher as cópias dos APFs e TC0s. 
Por meio da Portaria GAB/SDS 834, de 27 de fevereiro de 2014, foi criada a 
Central de Plantões da Capital, com o intuito de uniformizar os flagrantes nas 
delegacias da cidade do Recife e, ao mesmo tempo, de equilibrar as demandas 
entre as delegacias mais e menos atarefadas. As pesquisadoras conseguiram 
acesso ao fluxo dos APFs de Recife por meio da Central de Plantões da Capital, 
sob autorização do delegado responsável. 
Descobriu-se que a sistematização pela Polícia Civil dos APFs confeccionados 
começou a ocorrer apenas a partir de setembro de 2014, sob ordem do mesmo 
delegado» por meio de um registro computadorizado sobre quem era preso em 
12. No momento da confecção desse relatório de pesquisa, esse controle já não era mais 
efetuado por mudança na gestão da CEPLANC. 
VALENÇA, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RI, agosto 2018. 
flagrante e o tipo de crime. Os APFs, todavia, não permaneciam na CEPLANC, 
sendo direcionados para a delegacia responsável pela instauração do inquéri-
to. Com a implementação da Audiência de Custódia, a documentação passou 
a acompanhar o preso para audiência e depois era direcionada para a delegacia. 
Após alguns meses no trâmite necessário para a autorização, uma lista com to-
dos os nomes dos flagranteados por tráfico foi fornecida, abrangendo o período de 
setembro de 2014 e todo o ano de 2015, o que determinou uma mudança no recor-
te da pesquisa para o mencionado período. Ao todo, eram cerca de 2.888 prisões, 
sendo a esmagadora maioria delas de homens. Como na planilha fornecida pela 
Polícia Civil não havia distinção pelo sexo do preso, fizemos uma coleta apenas 
dos nomes femininos, construindo uma planilha apenas com essas ocorrências, 
correndo com isso o risco de deixar de lado algum caso. Identificadas as mulheres 
presas naquele período, passamos a uma nova e difícil fase da pesquisa: encontrar 
os APFs e TCOs que, a essa altura, tinham seguido o curso da marcha processual. 
A primeira tentativa de levantamento foi por meio do Ministério Público de 
Pernambuco e sua Central de Inquéritos, uma vez que se sabia haver um con-
trole computadorizado dos inquéritos que chegam ao órgão. Todavia, a autori-
zação para a pesquisa foi fornecida exclusivamente aos inquéritos físicos que 
se encontravam em caixas espalhadas pela central. As pesquisadoras deveriam 
olhar caixa por caixa quais inquéritos estavam relacionados com o tráfico e 
quais tinham mulheres como indiciadas. Chegou-se a dar início a essa tarefa, 
mas logo se confirmou ser infrutífera. 
Decidiu-se, então, encontrar os processos judiciais ligados aos nomes das 
mulheres separados na lista fornecida pela CEPLANC, uma vez que os APFs e 
o inquérito são anexados ao processo. Acessou-se o site do TWE para pesquisa 
on-line, o que formou um novo levantamento separado por vara em tabela no 
Excel com um total de 157 processos. Em virtude do quantitativo conseguido, 
também não houve necessidade de cálculo de uma amostra, mas da coleta de 
todos os processos que fossem encontrados nas quatro varas especializadas em 
tráfico de drogas do Fórum do Recife°. Os processos são públicos e não necessi-
tam de autorização para consulta. O acesso ao Poder Judiciário provou-se muito 
mais fácil do que a outros órgãos do sistema, apesar de trabalhoso. As pesquisa-
doras e auxiliares dependiam da disponibilidade dos funcionários das varas para 
a procura dos processos. Nesse contexto, percebeu-se que os APFs e seus respec-
tivos inquéritos forneciam todas as informações necessárias para a efetivação da 
Pesquisa, sendo dispensável a realização de análise de conteúdo nas denúncias. 
13. No momento de elaboração do relatório técnico final, não há mais varas especializadas 
em tráfico de drogas no Fórum do Recife, tendo sido transformadas em varas comuns. 
VALENÇA Manuela Abath; CASAM, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
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Em relação aos TCOs, optou-se pelo recorte do ano de 2015 para existir equi-
valência temporal com os APFs de tráfico. Foi possível começar o levantamento 
dos TCOs para o caso de mulheres criminali7adas por uso. Inicialmente o quan-
titativo total de procedimentos foi informado pela Polícia Civil de Pernambuco 
através de processo formal de requerimento de informações públicas que indicou 
a existência de 62 procedimentos. Considerando que a Polícia não retém cópia 
do processo, foi necessário diligenciar o acesso aos autos junto aos Juizados Cri-
minais da Capital e mais o Juizado do Torcedor, onde existiam também processos. 
Dos 62 processos, foi possível acessar 33 processos, representando pouco 
mais de 50% da totalidade, porquanto os demais estavam em movimentação 
processual ou em arquivo, cujo acesso foi impossibilitado. A distribuição dos 
processos estava da seguinte forma: Primeiro Juizado Especial Criminal com 
11 processos; Segundo Juizado Especial Criminal com 6 processos; Terceiro 
Juizado Especial Criminal com 6; Quarto Juizado Especial Criminal com 6 
processos; e Juizado Especial Criminal do Torcedor com 6 processos. 
Percebeu-se, assim, que a quantidade de TCOs no perfil demandado pelas 
pesquisadoras seria pequeno, não sendo da mesma forma pertinente um cálcu-
lo de amostra, mas um estudo da totalidade coletada do campo. O Primeiro Jui-
zado Criminal a ser acessado foi o do Fórum Universitário do Recife, unidade 
especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco, criado em parceria com a Uni-
versidade Católica de Pernambuco. Exatamente pela sua relação com a institui-
ção, o acesso aos dados para pesquisas universitárias ocorre de forma rápida. 
No total, foram coletados 98 processos com 109 mulheres nas Varas de En-
torpecentes e 33 processos e TCOs nos Juizados Especiais Criminais. A másca-
ra de dados foi alimentada por meio do programa Excel, com referenciais sobre 
o perfil da mulher detida, dados relativos à prisão, ao material apreendido e ao 
tratamento que a mulher recebeu na Justiça, colocada de forma ampla, desde a 
confecção do APF ou TCO. Nessa etapa, não houve recursos para a utilização 
do SPSS, mas todos os dados foram devidamente gerados pelo próprio Excel. 
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES 
3.1. A mulher suspeita 
Antes de dar início à exposição dos dados relativos ao perfil da mulher presa na 
posse de entorpecentes na cidade do Recife, é fundamental lembrar uma discussão 
já bastante extensa feita no campo da criminologia brasileira. A Lei 11.343/2006 
não apresenta uma distinção objetiva entre as condutas de tráfico e de uso de en-
torpecentes. Os artigos 28 e 33 da referida Lei, possuem, inclusive, verbos em co-
mum, tais como "adquirir", "ter em depósito", "transportar", "trazer consigo" e 
VALENÇA, Manuela Abath; CAstraa, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais vol. 146. ano 26. n.483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
DOSSIÉ ESPECIAL: "GÉNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	491 
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guardar", distinguindo-se uma conduta da outra apenas pela finalidade, que é "pa-
ra consumo pessoal" no caso do uso. De fato, "a fronteira entre essas duas condu-
tas é extremamente tênue, escapando até mesmo dos padrões da dogmática penal 
e do seu esforço ilusório de manutenção da segurançajurídica"14. Se a fronteira é 
tênue, que elementos são utilizados para estabelecê-la? 
Por certo, essa é uma das questões mais dramáticas do processo de crimina-
lização de drogas no Brasil's. A ausência de critérios objetivos para a definição 
da conduta abre espaço à discricionariedade dos agentes do sistema de Justiça, 
desde policiais militares que realizam a apreensão dessas pessoas nas ruas, pas-
sando pela conduta da Policia Civil, pela acusação formal do Ministério Público 
e, finalmente, chegando à sentença proferida por membros do Poder Judiciário. 
Nessa longa cadeia do processo de criminalização, cada um desses atores, a par-
tir de suas representações sobre usuários e traficantes, realiza sua imputação. 
Na prática, é importante lembrar que ao serem enquadradas como usuárias, 
essas mulheres sequer são presas; já como traficantes, ficam sujeitas a uma prisão 
em flagrante que, de regra, é convertida em preventiva e, ao final, recebem penas 
de prisão. Portanto, optar por uma conduta ou por outra é ingerir de modo bas-
tante significativo sobre essas vidas. No universo por nós analisado, por exemplo, 
pudemos verificar mulheres sendo presas com a mesma quantidade de droga e em 
circunstâncias muito similares, mas sofrendo acusação diversa. Foi o caso de An-
tonia16 , parda, com 21 anos de idade na data de sua prisão, que, encontrada com 
1,65 gramas de crack, no Vasco da Gama, bairro da periferia recifense, foi denun-
ciada pelo crime de tráfico de drogas, não tendo havido sentença até fevereiro de 
2018. Já Maria" foi presa com menos de 1 grama de maconha, também em bairro 
da periferia do Recife, mas a ela foi imputada a conduta de uso, tendo, ao final do 
processo, se comprometido a comparecer a curso ou programa educativo. 
Por outro lado, além da indistinção, outra questão fundamental se observa 
nessa cadeia de criminalização. Segundo informações do IPEA, no Brasil, cer-
ca de 59,2% dos processos criminais da Justiça estadual são iniciados a partir 
14. CASTRO, Helena R. C. de. O dito pelo não dito: Uma análise da criminalização 
secundaria das traficantes na cidade do Recife. Dissertação de Mestrado. Programa de 
Pás-Graduação em Ciências Criminais. PUC-RS. Porto Alegre, 2015. p. 77. 
15. Neste sentido, ver: ZACCONE, Orlando. Acionistas do nada: quem são os traficantes 
de drogas. Rio de Janeiro: Revan, 2008; CAMPOS, Marcelo da Silveira. Drogas e sis-
tema criminal em São Paulo: conversações. Sistema penal & violência. Revista eletrô-
nica da Faculdade de Direito da PUC/RS. Porto Alegre, v. 5, n. 1, jan.-jun. 2013. 
16. Nome fictício. Processo 0061449-83.2015.8.17.0001. 
17. Nome fictício. Processo 0001594-48.2015.8.17.0001. 
\imana, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revisto Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
10% 
27% 
15% 
46% 
2% 
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	 DossiÈ ESPECIAL: "GÉNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	493 
de denúncias fruto de inquéritos policiais instaurados após a lavratura de Auto de 	 t ui as usuárias esse padrão é semelhante, com algumas variações, haven- 
Prisão em Flagrante[8. Em outras palavras, as polícias militares dos diversos 	 do an maior número de mulheres na faixa entre 18 e 21 anos. 
Estados brasileiros são a primeira porta de entrada para a maioria dos casos cri- 
minais existentes na Justiça. Não há investigações mais robustas sobre o tráfico 
	 Gráfico 2: Faixa de idade (uso — percentual) 
ou, se há, não correspondem à maioria dos casos. 
Sendo assim, a maioria das pessoas processadas por esse delito o são após 
prisões em flagrante realizadas por policiais militares, o que nos levou a buscar 
justamente o APF e o TCO como documentos a serem consultados. 
Dito isto, passemos à apresentação de alguns resultados. 
As mulheres presas são, em sua maioria, moradoras de bairros periféricos 
da cidade e jovens. É ocaso de Adriana", uma mulher descrita como branca, de 
cabelos crespos, com 24 anos na data da prisão e moradora do bairro de Santo 
Amaro, um bairro da periferia recifense. 
Adriana é jovem como 73% das mulheres dos processos consultados. O grá-
fico abaixo demonstra esse padrão e, nele, verifica-se que 46% estão na faixa 
etária de "22— 30 anos" e 27% estão na faixa dos "18 — 21 anos". O intervalo 
de "18 — 21 anos" foi selecionado tendo em vista que esse grupo se enquadra 
nas hipóteses de redução do prazo prescricional" e de atenuante de pena', 
previstas no Código Penal. 
Gráfico 1: Faixa de idade (tráfico — percentual) 
• 18 -21 anos • 22 -30 anos 
	 31 - 40 anos • 41 - 50 anos 	51 - 611 anos 
18. IPEA. A aplicação de penas e medidas alternativas. Rio de Janeiro, 2015. p. 29. 
19. Nome fictício. Processo 0005694-40.2016.8.17.0001, 
20. Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o crimino so era, 
ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior 
de 70 (setenta) anos. 
21. Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I — ser o agente menor de 21 
(vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; 
• 18 a 21 anos • 22 a 30 anos 	 31 a 40 anos • 41 a 50 anos • Não informado 
Além de jovem, Adriana é moradora de um bairro pobre do Recife, como di-
to, residindo em um beco, nome comumente dado às ruelas improvisadas em 
áreas de densa concentração demográfica e nenhum planejamento urbano. Pa-
ra se ter uma ideia, o bairro de Santo Amaro possui uma renda média mensal 
por domicilio de R$ 1.892,10, ao passo que em um bairro rico recifense, Casa 
Forte, essa renda é de R$ 11.318,97. Em Santo Amaro, 63,91% da população é 
preta ou parda; em Casa Forte, 77,41% é branca22. 
A grande maioria das mulheres presas era moradora de bairros com o per-
fil de Santo Amaro e foi detida nessas localidades. Isso pode explicar o fato de 
que, dos casos de tráfico analisados, 82% são de mulheres pretas ou pardas, o 
qu • é um dado fundamental na compreensão dos processos de criminalização 
no Brasil, afinal, em razão da forma como esses crimes são reprimidos, a partir, 
basicamente, de abordagens do policiamento ostensivo, a cor da pele poderá 
ser um marcador inicial importante, mormente quando a imagem do suspeito 
corresponde à de uma pessoa negra. 
' 
22 . IBGE. Censo Demográfico, 2010. Resultados do universo: características da 
população e domicílios. Disponível em: Ihttp://www.ibge.gov.br]. Acesso em: 
12.02.2018. 
VALENÇA, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT agosto 2018 
VAiores, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
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70% 
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DOSSIE ESPECIAL: "GÉNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	 495 
Gráfico 3: Raça (tráfico — percentual) 
1% 
12% 	 17% 
• Indígena • Não Informado • Pardo • Preto 
Como se observa no gráfico acima, nenhuma das mulheres presas por tráfi-
co foi considerada branca, o que muda um pouco quando analisamos a raça das 
mulheres consideradas usuárias, em que 9% são consideradas brancas. Também 
entre as usuárias é menor o percentual de mulheres pretas (9% contra 12% dos 
casos de tráfico). 
Gráfico 4: Raça (uso — percentual) 
9% 10% 
• Preta • Parda • 
 Branca • Não informado 
De um modo geral, entretanto, são mulheres pretas e pardas as apreen-
didas nas ruas pelos policiais militares, mas os dados acima sugerem que 
mulheres brancas podem ter uma chance maior de serem tratadas de modo 
mais brando. 
A respeito desse processo de suspeição,Geová Barros verificou, em qu estio-
nários aplicados entre policiais militares de Pernambuco, que mais da metade 
afirma abordar primeiramente o negro, quando vivenciam situação de suspei-
ção envolvendo homens brancos e negros". Um desses soldados chega a afir-
mar que "O cara vai logo ao negro, sempre foi assim, sempre vai ser assira”24. 
Os números de prisões de pessoas negras são, portanto, um elemento que 
evidencia o racismo institucional do sistema de justiça brasileiro. Porém, não 
basta esse dado. É preciso atentar para outros fatores que, igualmente, demons-
tram o processo de racialização na construção da imagem do perigo social, dos 
tipos penais e do padrão de atuação sobre esses corpos. Em outras palavras, pa-
ra além das estatísticas demonstrarem uma seletividade racial, uma maior ex-
posição de negros a penas mais violentas e tratamento mais degradante", "não 
poderia ter existido a construção negativa da raça sem sistema penal, e não se 
pode compreender o sistema penal sem a construção das relações raciais"". 
Essa construção negativa sobre o ser negro, de que participaram os saberes 
criminológicos brasileiros" e as práticas do sistema punitivo, é também per-
meada por questões de gênero e de classe. É assim que, Adriana, mesmo sen-
do uma mulher branca, ao se encontrar em um bairro negro (Santo Amaro) e 
sendo pobre, não ocupando um lugar formal do mercado de trabalho, vivencia 
vulnerabilidades semelhantes às das mulheres negras. 
23 BARROS, Geová da Silva. Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito. Revista Bra-
sileira de Segurança Pabtica, ano 2, 3. ed., jul.-ago. 2008. p. 141. 
24 lbidem, p. 142. 
25 OWUSU-BEMPAH, Akwasi. Race and policing in historical context deshumaniza-
tion and the policing of Black people in the 21th century. Theoretical criminology, 
2016. p. 7. 
26 DUARTE, Evandro P.; QUEIROZ, Marcos v L.; COSTA, Pedro A. A hipótese colonial, 
um diálogo com Michel Foucault: a modernidade e o Atlântico Negro no centro do 
debate sobre racismo e sistema penal. Universitas JUS, v. 27, n. 2, 2016. p. 26. 
27 	 As teorias criminológicas positivistas brasileiras possuíam um visível viés racial, o que 
resta evidente em obras importantes como as de Clóvis Bevilacqua e Nina Rodrigues. 
Nos campos jurídico, médico, político e na formulação de uma programação crimina-
lizante, a criminologia positivista, lida por Evandro Piza Duarte (DUARTE, Evandro 
Piza. Paradigmas em criminologia e relações raciais. Caderno CEAS, Salvador, n. 238, 
2016. p. 507) como uma especialização do racismo científico, cumpre a fundamental 
tarefa de legitimação do sistema penal. Porém, a criminologia crítica, embora deci-
didamente contrária aos paradigmas racialistas, negligenciam o fato de a sociedade 
brasileira ser racista e, portanto, distribuir vantagens e desvantagens de forma dife-
renciada não apenas entre pobres e ricos, não proprietários e proprietários, mas entre 
negros e brancos. A criminologia crítica, nesse aspecto, "manteve-se pouco permeável 
as contribuições do pensamento negro, do pensamento feminista ou de outros grupos 
sociais subalternizados e seguiu trabalhando com a ideia de classe como categoria 
explicativa dos fenômenos no âmbito da justiça criminal", como destaca Felipe Freitas 
(FREITAS, Felipe. Novas perguntas para a criminologia brasileira: poder, racismo e 
direito no centro da roda. Caderno CEAS, Salvador, n. 238, 2016. p. 492). 
VALENÇA, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018 
VALENÇA, Manuela Abath; Ulmo, Helena Rocha C. de, Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
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• Analfabeta 
Ensino Médio Completo 
• Ensino Médio Incompleto 
• Fundamental Completo 
• Fundamental Incompleto 
•Não Informado 
Gráfico 6: Escolaridade (uso — percent ti a I ) 
II Ensino fundamental incompleto 	6% 
• Ensino fundamental completo 
• Ensino médio incompleto 
• Ensino médio completo 	
9% 
• Ensino superior incompleto 
• Ensino superior completo 
• Não informado ENão EME Informado ESim 
Nesse universo de mulheres com ocupação, que numericamente significa 
61 (sessenta e uma) mulheres, diferenciamos aquelas que possuíam vínculo 
formal de trabalho daquelas que estavam no mercado informal. No total, 64% 
declararam possuir ocupação informal. Nesse sentido, veja-se: 
De fato, Adriana tem ensino fundamental incompleto, como a maioria das 
lheres presas por tráfico e por uso, conforme demonstrado nos gráficos abai& 
Gráfico 5: Escolaridade (tráfico — percentual) 
4% 4% 
Percebe-se que, em ambos os casos, predominam mulheres com ensino fun-
damental incompleto, embora a escolaridade daquelas consideradas usuárias 
seja um pouco mais elevada, com um maior número das que concluíram o 
ensino fundamental. Talvez a escolaridade, entre outros marcadores sociais, 
como a cor, seja um indicativo para se pensar quem seria uma "potencial" 
usuária ou traficante. Não realizamos testes estatísticos, entretanto, para verifi-
car a probabilidade de mulheres com maior escolaridade serem mais facilmen-
te enquadradas como usuárias. 
Além disso, outra variável relevante no perfil social dessas mulheres é 
a existência de uma ocupação laboral. Esse dado nem sempre se encontra-
va colocado de forma clara no Auto de Prisão em Flagrante e, por isso, foi 
considerada qualquer tipo de ocupação econômica que não fosse a ativida-
de ilícita que estava sendo imputada. Por vezes, na própria qualificação da 
mulher a autoridade policial já fazia referência à sua ocupação, mas também 
era comum ver essa indagação durante sua oitiva para a confecção do auto. 
Mesmo assim, em 18% dos casos não foi possível obter o dado. Das 109 mu-
lheres, 56% não declararam nenhuma forma de ocupação econômica. 
Gráfico 7: Se a mulher trabalha (tráfico — percentual) 
496 	REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS 2018 • RBCCRIM 146 DOSSIE ESPECIAL "GÊNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	497 
VALENÇA, Manuela Abath; CAsrvo, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. VALENÇA, Manuela Abath; CAsato, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revisto Brasileira de Ciências Criminais vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 	 Revista Rrasiteira de Ciéneias Criminais vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. Ri, agosto 2018. 
498 	 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS 2018 • RBCCRim 146 	 DossiÉ ESPECIAL: "GÊNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	499 
De fato, segundo levantamento publicado em 2013 pelo IPEA, mulheres 
negras ocupam menos cargos com carteira assinada, mais funções informais 
e ganham menos que homens e mulheres brancas". 
Além dessas variáveis, é fundamental notar que muitas das mulheres 
apreendidas possuíam filho na data da prisão, reforçando o argumento de 
que o tráfico pode representar para muitas delas um complemento de renda. 
Saber se as mulheres são mães é um importante dado para pautar a po-
lítica de alternativas penais e diminuição do encarceramento feminino. O 
Estado deve sopesar entre a manutenção dessas mulheres no cárcere por cri-
mes, em sua maioria, praticados sem violência, e a proteção e bem-estar das 
crianças e adolescentes afetadas pela privação de convívio com suas mães. 
Tal reflexão é válida para o encarceramento de uma forma geral, mas para as 
mulheres, que costumam desempenhar o papel de administradora e educa-
dora do lar na lógica patriarcal da sociedade, torna-se ainda mais delicada. 
Sem contar, que além do cuidado do lar, essas mulheres têm assumido cada 
vez mais o papel de sustento financeiro. Em 2015, por exemplo, eram elas 
as principais provedoras de 37,5% dasfamílias brasileirasn. 
Infelizmente, por meio dos APFs não foi possível estabelecer um quanti-
tativo seguro sobre a maternidade dessas mulheres, atingindo a 56% o mon-
tante de dados prejudicados. No modelo formal do documento policial não 
existe essa pergunta para a qualificação das pessoas, e por isso a informação 
acaba por não ser inquirida. Entretanto, quando a acusada já havia sido pre-
sa, era comum que no inquérito ou na formação do próprio APF fosse ane-
xada uma ficha com sua identificação criminal, na qual constava o dado de 
forma clara. Nesse contexto, colheu-se a informação em 48 casos, dentre os 
quais 85% das mulheres (38% do total) eram mães. 
Gráfico 8: Tipo de trabalho (tráfico — percentual) 
11% 
• Formal • Informal • Não informado 
De uma forma geral, as mulheres têm dificuldades de adentrar no mercado 
do trabalho, sendo menos remuneradas que os homens e ocupando menos es-
paços de poder e de decisãon; em 2011, o trabalho doméstico correspondia a 
uma das únicas ocupações com maioria femininan. Para esse grupo de mulhe-
res, as opções de trabalho para sustento da família são extremamente limita-
das. Começa-se, assim, a compreender que o tráfico de drogas pode significar 
para muitas a única forma de subsistência. 
Quando, entre as mulheres, fazemos o recorte das mulheres negras, essa 
precariedade no trabalho é ainda mais agravada. Sueli Carneiro desataca que 
[...] a conjugação do racismo com o sexismo produz sobre as mulheres ne-
gras uma espécie de asfixia social com desdobramentos negativos sobre to-
das as dimensões da vida, que se manifestam cru sequelas emocionais com 
danos à saúde mental e rebaixamento da autoestima; em uma expectativa de 
vida menor, em cinco anos, em relação às mulheres brancas; em um menor 
índice de casamentos; e, sobretudo no confinamento nas ocupações de me
-
nor prestígio e remuneração". 
28. ANDRADE, Tânia. Mulheres no mercado de trabalho: onde nasce a desigualdade? Con-
sultoria Legislativa da Área V — Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Câmara 
dos Deputados: 2016. Disponível em: Ihttp://www2.camaraleg.br/a-camara/doc 
 
mentos-e-pesquisakstudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema7/2016_12416 
mulheres-no-mercado-de-trabalho_tania-andradel. Acesso em: 07.02.2018. 
29. Idem. 
30. CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo N 
- 	 2011. p. 128. 
31. MARCONDES, Mariana et al. Dossie mulheres negrasretrato das condições de vida 
das mulheres. Brasília: 1PEA, 2013. p. 70-71. 
32. PORTAL BRASIL. Mulheres são maioria da população e ocupam mais espaço no mer-
cado de trabalho. Disponível em: llittp://www.brasil.gov.brkidadania-ejustica/2015/03/ 
mulheres-sao-maioria-da-populacao-e-ocupam-mais-espacono-mercado-de-trabalho]. 
Publicado em: 06.03.2015. 
Valsa, Manuela Abath; Olmo, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revisto Brasileiro de Ciências Criminais vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
\Manca, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revisto Brasileira de Ciências Criminais vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
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ai Sim 
Gráfico 11: Estado civil (uso — percentual) 
3% 
3% 
12% 
82% 
Gráfico 9: Se a mulher tem filhos (tráfico — valor e percentual) 
41;38% 
61;56% 
• Não • Não Informado 
Por fim, outra informação contida na qualificação dessas mulhere: 
APFs e TCOs é o estado civil. Nesse caso, a precisão das informações não 
grande. Isso porque ora levava-se em consideração formalmente, ora infoi 
mente, o estado civil. No próprio documento policial, há distinção entre" 
Junto" e "União Estável", sem deixar clara a diferença entre as duas. Com 
 
tuito de ser mais fiel possível aos APFs, optou-se por fazer também essa 
renciação na coleta de dados, como se vê: 
Gráfico 10: Estado civil (tráfico — percentual) 
8% 2% 5% 
nos 
é tão 
mal-
Mora 
o in-
dile- 
• Casada 	 111 Mora junto 	 • Não Informado 	 • Solteira 
	 II União Estável 
Diante disso, tem-se que 82% das mulheres declararam serem soltei as e 
apenas 8% estarem em união estável. Já a classificação "Mora Junto" só foi em-
pregada em 5% dos casos, se considerado em conjunto com "União Está vel" 
forma-se o percentual de 13%. Esses percentuais se aproximam muito do s ca-
sos de uso: 
Wicric4, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
DOSSIÊ ESPECIAL: "GÊNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	 501 500 	 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS 2018 • R8Cam 146 
• Solteiro • Mora junto ECasado IN Não informado 
Observa-se, portanto, em geral, que as mulheres abordadas possuem um 
perfil social, econômico e racial muito próximo, de modo a se poder afirmar 
que são as mulheres jovens, negras e moradoras de periferias os principais al-
vos da atuação policial e, consequentemente, da incidência do sistema punitivo. 
Como dito acima, a racialização não se expressa apenas na seleção, mas no mo-
do como esta se opera, na maneira como essas mulheres são abordadas, como as si-
tuações de flagrância são criadas. No próximo tópico, exploramos essas variáveis. 
3.2. Prendendo negras em bairros negros 
Comentamos acima que a raça, o gênero e a classe são variáveis que se ar-
ticulam na construção positiva ou negativa das representações sociais sobre os 
sujeitos e nas relações entre os indivíduos em sociedade. Anne McClintock, 
em "Couro Imperial", faz uma interessante reflexão sobre essas complexas re-
lações no discurso modernizante europeu e, em específico, vitoriano, na Ingla-
terra. No século XIX, os irlandeses eram frequentemente tratados como uma 
raça degenerada, embora fossem brancos, desafiando algumas teorias coloniais 
que identificavamidentificavam na cor da pele o sinal da degenerescência. 
Em 1860, na capa do jornal The Times, comenta a autora que uma matéria 
vai se referir aos irlandeses como "negros brancos". O vício, como se vê, é atre- 
la 
 
à raça. Para McClintock, o homem branco inglês, naquele contexto, era o 
"Pináculo da hierarquia da evolução' e os estigmas da raça eram deslizados 
33 MCCL1NTOCK, Anne. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colo-
nial. Campinas: ed. Unicamp, 2010. p. 96. 
VALENÇA, Manuela Abath; Cris-nRo, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revisto Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
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DossiÊ ESPECIAL: "GÊNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	 503 502 	 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS 2018 • RBCCRim 146 
para outras relações de hierarquia como as de classe ou de gênero, fazendo, por-
tanto, a classe trabalhadora se enegrecer ou as mulheres possuírem também ele-
mentos do atavismo negro, para serem definidas como inferiores aos homens. 
É neste sentido que, ao afirmar ser Santo Amaro um bairro negro, as represen-
tações sociais sobre ele são, por certo, negativas e isso terá implicações diretas na 
atribuição de direitos e cidadania a seus moradores. Talvez isso explique o mo-
do como a abordagem de Adriana, embora seja ela classificada como uma mulher 
branca, é completamente racializada e semelhante à de outras mulheres negras 
de nosso universo. Na leitura do APF que registra a prisão dela, lê-se o seguinte: 
E...1 que é policial militar e estava de serviço na data de hoje, quando por 
volta das 19h00 recebeu informações de populares que havia uma mulher 
traficando num beco na rua campo da vovozinha, no bairro de Santo Amaro; 
que se deslocou até o referido local e quando a referida mulher avistou o 
policiamento, a mesma se desfez de aproximadamente dez pedras da drogaconhecida por crack e correu para dentro de uma casa; que esta equipe de 
policiais pegou as pedras de crack jogadas no chão e, em seguida adentrou a 
casa onde a mulher tentou se evadir; que encontrou a referida mulher a qual 
foi identificada posteriormente como Adriana; que ao ser indagada se havia 
mais drogas escondidas na casa, Adriana confessou e mostrou onde havia o 
restante da droga, que estava no banheiro entre a telha e a madeira; 
Semelhante narrativa está contida no APF de Joana", negra e moradora do 
bairro do Vasco da Gama. O policial militar que a conduziu à delegacia infor-
mou que recebeu denúncia de populares não identificados de que em deter-
minada rua daquele bairro ocorria venda de drogas. Lá chegando, o policial 
afirmou que viu Joana nervosa e resolveu entrar em sua residência, solicitan-
do autorização à avó da presa. Joana, ao ser ouvida, informou que os fatos te
-
riam se dado de modo diferente. Os policiais ao chegarem em sua residência, 
alegaram saber que ali havia droga, dizendo à sua avó: "Abra aqui a porta, vó, 
que eu vou procurar as drogas de Joana, que eu já sei que ela está vendendo". 
Nos dois flagrantes acima narrados, policiais militares adentram as residên-
cias dessas mulheres sem qualquer ordem legal. Não é preciso dizer que, no 
ordenamento jurídico brasileiro, essa entrada somente é permitida após ex-
pedição de mandado de busca e de apreensão, dentro das hipóteses restritas 
contidas no Código de Processo Penal" ou, excepcionalmente, nos casos de 
flagrante evidentemente configurado. 
34. Nome fictício. Processo 0080922-89.2014.8.17.0001. 
35. Art. 240 do CPP. 
Vão°, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
Porém, na prática, a polícia, nas ruas, funciona de modo soberano. Vera Ma-
laguti Batista utiliza esse termo — soberania policial — para pensar a polícia oi-
tocentista no Rio de Janeiro, que atuava de modo livre e sem constrangimentos 
de outras instâncias de Estado, capturando preferencialmente negros escravos 
ou libertos". Esse dado parece se repetir nos dias atuais, conforme uma série 
de pesquisas sobre a atuação policial nas cidades brasileiras. A soberania po-
licial se expressa, portanto, muitas vezes não através da aplicação irrefreável 
da lei, mas na possibilidade de se realizar negociações, acordos e suspensão da 
própria lei, e, neste cenário, "o espaço público, a rua — enquanto locus por ex-
celência da práxis policial — transforma-se no 'território' dos policiais"37, como 
lembra Misael Santos. 
Nos casos de tráfico de drogas, em relação ao local da prisão, como já espe-
rado, 54% aconteceu em via pública, seguido de 36% na residência da autua-
da, sendo que, nestes últimos, nunca com ordem prévia da autoridade judicial. 
Gráfico 12: Local da prisão (tráfico — percentual) 
54% 
36% 
Estabelecimento Prisional • Residência • Via Pública 
BATISTA, Vera M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 
Rio de Janeiro: Revan, 2003. 
SANTOS, Misael. Os usos da força física por policiais militares: descrevendo práti-
cas, entendendo sentidos. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em 
Ciências Sociais, UFBA, 2014. p. 65. 
VALENÇA, Manuela Abath; C.ASPIO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revisto Brasileiro de Ciências Criminais vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
36. 
37. 
mgr 
504 	 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS 2018 • RBCCRim 146 
No caso das entradas nos domicílios, consta nos autos que houve autoriza. 
ção de alguém em 71% dos casos: 
Gráfico 13: Se houve autorização para entrada (tráfico — percentua I ) 
 
 
29% 
71% 
 
• Não • Sim 
Por sua vez, a permissão foi fornecida pela própria mulher na maioria das 
vezes, mais precisamente em 88% do total de autorizações: 
Gráfico 14: Quem deu autorização (tráfico — percentual) 
• A própria presa 	 iaOutra pessoa que estava na casa 
Em uma pesquisa realizada no Estado de São Paulo pelo NEV-USP, também 
com autos de prisão em flagrante, verificou-se que muitas em 17,5% das pri-
sões são originadas das chamadas "entradas franqueadas", hipóteses em que 
policiais militares adentram as residências de suspeitos com a anuência deles, 
em situação de duvidosa legalidade", o que sugere que esse padrão é comum e 
vai além de uma particularidade da polícia pernambucana. 
38. JESUS, Maria Gorete Marques de; HILDEBRANDO, Amanda; ROCHA, Thiago 
Thadeu da; LAGATTA, Pedro. Prisão provisória e Lei de Drogas: um estudo sobre 
VALENÇA, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob acerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
Outro dado interessante a respeito dessa abordagem é como a polícia chega 
até a mulher. Em 40% dos casos, a razão da abordagem é a "atitude suspeita" 
da mulher; já em 39% deles, por "denúncia feita por populares não identificados". 
É justamente o caso de Adriana e de Joana, respectivamente. 
Gráfico 15: Razão da abordagem (tráfico — percentual) 
12% 
Atitude suspeita 
• Denúncia feita por pessoas 
identificadas 
— Denúncia feita por populares 
não identificados 
• Investigação 
In Outra 
Quando pensamos em atitude suspeita, fica evidente a possibilidade de o 
policial se utilizar de estereótipos socialmente construídos sobre o criminoso. 
Aqui, a questão racial ocupa um lugar determinante, como citado acima, sendo 
a cor da pele, mas também o bairro, as roupas, o modo de caminhar, a atitude, 
dentre outros, fatores que conduzem à abordagem. Aliás, a abordagem policial, 
porque é totalmente não regulamentada em lei, desenvolve-se conforme o "sa-
ber policial", o "saber da rua". 
Por outro lado, quando o policial age após uma denúncia anônima, poder-se-
-ia imaginar que o peso da raça ficaria de lado, afinal, ele estaria apenas per-
seguindo alguém apontado pela população. Entretanto, tampouco é possível 
Fazer essa afirmação. Como destacam Duarte et al: 
Neste contexto, padrões de seletividade racial poderiam resultar da con- 
1. 	 junção de fatores, aparentemente externos ao policial, como, por exemplo, a denúncia anônima, o que pode servir para excluir a assunção, por parte do policial, de que estaria efetuando uma atividade discriminatória. Não obstante, a decisão de abordar reflete os conhecimentos transmitidos insti-tucionalmente sobre quem são os suspeitos "adequados". Esse padrão que, aparentemente, resulta do modo como se estabelece o fluxo de informações, 
os flagrantes de tráfico de drogas na cidade de São Paulo. [recurso eletrônico], 
2014. p. 41. 
Vikunça, Manuela Abath; CASMO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
40% 
GOSSIÉ ESPECIAL: "GÊNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	 505 
cahmo
Realce
506 	 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS 2018 • RBCCRtm 146 
sem possibilidade de um debate sobre a sua validade, serve a um só tempo 
para garantir a permanência de resultados seletivos e isentar os agentes pelas 
seleções efetuadas39. 
Estabeleceu-se também, quais formas de abordagem representariam a ca-
tegoria "outras", a maior incidência nesse caso foi a de videomonitoramemo, 
presente em vários bairros do Recife, especialmente no centro. 
Tabela 1 — Outras abordagens (trafico) 
Formas de Abordagem 
(Outras) Quantidade 
Videomonitoramento ) 
Revista em entrada em 
estabelecimento prisional 2 
Blitz 2 
Confissão 2 
Revista nas celas 7 
Vistoria no presídio I 
Ronda (Estava dormindo 
e a droga apareceu) 1 
Total geral 13 
A quantidade de drogas é um requisito legal paraa caracterização da con 
duta como uso ou tráfico de drogas. Porém, a legislação brasileira não prevê 
objetivamente esse montante. Sendo assim, verificamos, como dito, pessoas 
serem apreendidas com igual quantidade de drogas e a elas serem imputadas 
tipos penais diversos. No caso do tráfico, nota-se, também, um percentual alto 
de mulheres apreendidas com até 10 gramas de droga: 
39. DUARTE, Evandro C. E; MURARO, M.; LACERDA, M.; GARCIA, R. de D. Quem é 
o suspeito do crime de tráfico de drogas? Anotações sobre a dinamica dos preconcei-
tos raciais e sociais na definição das condutas de usuário e traficante pelos policiais 
militares nas cidades de Brasília, Curitiba e Salvador. Coleção Pensando a Segurança 
Pública. Brasília: Ministério dalustiça, 2014. v. 5. p. 91. 
VALENÇA, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
Gráfico 16: Quantitativo de drogas (tráfico — percentual) 
8% 
38% 
• Até lOg • Mais de lOg até 100g • Mais de 100 ate 1Kg •Mais de lkg até 5kg 
Por sua vez, o tipo de drogas varia especialmente entre maconha, crack e 
cocaína. Os valores abaixo apresentados correspondem a qualquer aparição da 
droga, sendo sozinha ou acompanhada com outro tipo. Dessa forma, a maior 
incidência foi a do crack com 60% do total, seguido da maconha com 35%, e 
por último, a cocaína com 4%. 
Gráfico 17: Tipos de drogas apreendidas (tráfico — percentual) 
4% 1% 
35% 
n Maconha • Crack • Cocaina • Pó Virada 
No caso do uso, o tipo de droga é bastante diverso, havendo uma clara pre-
valência da maconha, que aparece em 79% dos casos, havendo apenas 12% 
deles em que a mulher estava portando crack. Neste ponto, também é preciso 
fazer uma observação sobre processos de racialização. 
No fim da década de 1980 e início da de 1990, o crack se transforma no 
Principal inimigo das políticas antidrogas. Carl Hart aponta que essa fixação 
em relação ao crack, que atribui a seu uso um efeito mais devastador que o de 
\Moça, Manuela Abath; CAstão, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. Ri, agosto 2018. 
DOSSIÊ ESPECIAL: 'GÊNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	 507 
508 	REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS 2018 • RBCON4146 
 
outras drogas, estaria relacionada ao racismo institucional, evidencian( 
guerra às drogas era um excelente pretexto para legitimar a vigilância ( 
ciamento exacerbado de bairros negros. Hart destaca: 
o clue a 
o poli- 
O pior é que o crack foi absorto em uma narrativa de raça e patologia. En-
quanto a cocaína em pó chegou a ser considerada um símbolo de luxo e 
associada aos brancos, o crack foi retratado como causador de efeitos exclu-
sivamente viciantes, imprevisíveis e mortais e foi, essencialmente, associado 
aos negros. (...) O discurso racializado do crack foi refletido na aplicação 
das leis contra o consumo de drogas. Um assombroso percentual de 85% 
dos condenados por delitos relacionados ao crack eram negros, embora a 
maioria dos usuários da droga eram e são brancos.". 
De fato, nos Estados Unidos, a guerra ao crack se transfigurou rapidamente 
em uma política de encarceramento em massa, sobretudo, de homens negros, 
mas, também, de mulheres negras. Naquele país, "para as mulheres, o impac-
to das políticas de drogas foi mais dramático do que para os homens, com um 
terço das mulheres nas prisões condenadas por crime de tráfico"41 
 , destacam 
Mauer e Chesney-Lind. Como ressaltado acima, no Brasil não foi diferente e, 
hoje, a guerra ao crack responde pelos altos níveis de prisões de homens e mu-
lheres apreendidos com a droga. 
Outros apetrechos também podem compor o material de apreensão, in-
fluenciando na diferenciação entre traficante e usuária. Se a mulher éapreen-
dida com arma de fogo, há uma maior chance de a ela ser atribuída a atividade 
de circulação de substâncias ilícitas. Ainda assim, em apenas 2% dos casos 
houve confisco de arma de fogo, o que numericamente significa exatamente 2 
mulheres de todo o universo de 109, como se vê abaixo, sendo inexistente essa 
circunstância nos casos de uso: 
40 HART, Carl. Slogans vazios, problemas reais. Revista Internacional de Direitoi 
nos, v. 12, n. 21, ago. 2015. p. 2. 
41 	 MAUER, Marc; ClESNEY-LIND, Meda (org.). Invisible punishment: the colate 
sequences of imprisomnent. New York : The New Press, 2002. 
ral coo - 
VA1ENÇA, Manuela Abath; Ouso, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RI, agosto 201 8. 
'N 
42. 
DOSSIÊ ESPECIAL: "GÊNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	509 
Gráfico 18: Presença de arma de fogo na apreensão 
(tráfico — valor e percentual) 
2;2% 
110 107; 98% 
Não • Sim 
Como mencionado acima, o crack se tornou alvo primordial das políticas 
antidrogas a partir, sobretudo, da década de 1990. Assim, vista como super 
vicia lie, perigosissima e transformadora das pessoas em seres incontrolá-
veis, quando a mulher é apreendida com ela, tenderá a ser tratada como tra-
ficante. Em 60% dos casos de tráfico, a mulher possuía crack consigo e em 
e35%, zzaconha. Já nos casos de uso, a maconha aparece em 79% e o crack m 1 
Assim, mulheres usuárias de crack, encontradas no Recife em situação de 
extrema vulnerabilidade, ainda tenderão a ser tratadas de modo mais rigoroso, 
recebendo reprimendas mais rígidas e submetidas mais facilmente ao encarce- 
ramento
Por fim, revela-se o histórico penal dessas mulheres para finalizar o seu 
perfil social. Os dados foram divididos entre reincidência no sentido penar', 
e se a mulher já foi presa ou processada no sentido amplo, sem necessaria-
mente haver a configuração da reincidência. Tem-se que 54% do total de 
mulheres já havia respondido ou sido presa criminalmente. Por sua vez, a 
reincidência aparece em 69% dos casos, conforme informação dos próximos 
Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de 
transitar em julgado a sentença que, no Pais ou no estrangeiro, o tenha condenado 
por crime anterior. 
VALENÇA, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
510 	 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS 2018 • RBCCRim 146 DOSSIE ESPECIAL: "GÊNERO E SISTEMA PUNITIVO" 	 511 
Gráfico 19: Se a mulher já foi presa ou processada (tráfico — perce 
54% 
miai) 
• Não • Não Informado • sim 
Gráfico 20: Se a mulher é reincidente (tráfico — percentual) 
12% 
19% 
i• Não • Não Informado • Sim 
Em relação aos processos de uso, também se verifica uma grande qual 
de mulheres primárias: 
Gráfico 21: Antecedentes (uso — percentual) 
11 Mack 
6% 
79% 
ré 
• Sim • Não • Não informado 
Quando verificamos o histórico criminal dessas mulheres presas por tráfico 
c somamos a isso os dados antes mencionados acerca da quantidade de drogas 
com elas apreendidas e da ausência de arma de fogo em boa parte das ocorrên-
cias, podemos afirmar que elas ocupam um lugar desprivilegiado no mercado 
de drogas. A imagem de uma pirâmide vem sendo pensada para representar es-
se mercado e, nela, as mulheres ocupariam, preferencialmente, a base. Ou seja, 
em seu topo, há um reduzido número de pessoas, em quem a polícia e o siste-
ma de justiça dificilmente chegam. Neste sentido. 
[...I uma das primeiras constatações a que se chegou, com base nas obras 
consultadas, é a característica de serem absolutamente "descartáveis" os en-
volvidos nos níveis hierárquicos inferiores, ou seja, os pequenos e mícron-a-
ficantes, que são facilmente substituíveis em caso de morteou prisão e em 
nada interferem na estrutura final da organização43. 
Essas mulheres são, portanto, também descartáveis. Mariana Barcinski, 
no trabalho intitulado "Centralidade de gênero no processo de construção 
de identidade de mulheres envolvidas no tráfico de drogas", analisa algumas 
questões do papel da mulher dentro da lógica desse tipo de tráfico. Ela entre-
vistou um total de oito mulheres com histórico de envolvimento no tráfico de 
drogas no Rio de Janeiro, que divergem entre culpar a situação econômica em 
que viviam e se responsabilizar plenamente por suas escolhas", mas todas vi-
vendo em uma posição secundária no tráfico. 
4. CONCLUSÕES 
A pesquisa aqui apresentada dialoga com uma série de trabalhos acadêmi-
cos realizados no Brasil acerca da política antidrogas. De um modo geral, veri-
fica-se que a tentativa de acabar com a droga por meio da criminalização e da 
exacerbação das políticas punitivas tem sido infrutífera. A "guerra às drogas", 
anunciada no Brasil e em outros países da América Latina, e também nos Es-
tados Unidos tem, antes, um fator indutor do encarceramento em massa, que 
atinge particularmente as mulheres. 
13. BOITEUX, Luciana et al. Trafico de drogas e constituição. Série Pensando o Direito. 
Brasília: Secretaria de Assuntos Legislativos, 2009. p. 42. 
44. BARCINSK1, Mariana. Centralidade de género no processo de construção de iden-
tidade de mulheres envolvidas na rede de tráfico de drogas. Revista Ciência e Saúde 
Coletiva, v. 14, n. 5, 2009. p. 1843-1853. 
VAIINÇA, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto 201 
Vadsça, Manuela Abath; C.4sulo, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob acerco policial. 
Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 483-514. São Paulo: Ed. RT, agosto MB. 
cahmo
Riscado
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Realce
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Realce
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Realce
512 	 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS 2018 • Fa3CC•im 146 
Como, por outro lado, a atividade de criminalização se inicia com o olhar 
policial, é fundamental entender quem são essas mulheres. Os resultados aqui 
expostos coadunam com o de outras pesquisas e evidenciam que as mulheres 
negras, pobres e moradoras de bairros periféricos estão mais suscetíveis a se- 
rem presas pelos tipos penais da Lei 11.343/2006, seja na figura do uso, ou 
seja na de tráfico. 
Neste último caso, observou-se uma maior prevalência de mulheres negras 
e com baixo nível de escolaridade. 
Outro dado fundamental trabalhado ao longo do texto, a partir dos achados 
da pesquisa, diz respeito à existência de um modo de atuar em relação ao tráfi-
co e às traficantes que é fortemente marcado por processos de racialização: se-
ja na definição da atitude suspeita seja no modo como a polícia aborda e busca 
elementos de prova, violando, por vezes, o domicílio dessas mulheres, intimi-
dando seus familiares e agindo de modo absolutamente soberano no espaço da 
rua, ou das ruas dos bairros periféricos em que elas residem. 
A Lei 11.343/2006 permitiu a perpetuação de uma atuação soberana dessas 
polícias nas ruas, já que o apelo ao combate ao tráfico é enorme e cotidiano. 
Sendo assim, pouco importa como se chega ao traficante, desde que se chegue. 
Porém, como evidenciado, essas mulheres presas, sobretudo nos casos de 
tráfico, certamente representarão pouco ou nada no mercado ilícito de entor-
pecentes, porque muitas delas funcionam como meras vendedoras no varejo, 
sendo plenamente substituíveis. Mulheres em situação de extrema vulnerabi-
lidade, com subempregos e que são sucessivamente, a cada prisão, substituí-
das por outras mulheres em situação de vulnerabilidade e com subempregos. 
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cahmo
Realce
cahmo
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PESQUISAS DO EDITORIAL 
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Elayne Berbich de Moraes - RBCCrim 87/375-395 e Doutrinas Essenciais de Direitos 
Humanos 4/429-448 (DTR \ 2010 \ 865); e 
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veis com a criminologia, de Marina Lacerda e Silva e Ricardo de Lins e Horta - RBCCrim 
135/417-445 (DTR k 2017 \ 5638). 
A CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL DO GÊNERO CRIMINOSO: 
TRAVESTIS E TRANSEXUAIS NO SISTEMA DE JUSTIÇA 
THE INSTITUTIONAL CONSTRUCTION OF THE CRIMINAL GENDER: TR4NSVESTITES 
AND TRANSGENDERED PERSONS IN THE JUSTICE SYSTEM 
MARCO AURÉLIO MÁXIMO PRADO 
Doutor em Psicologia Social pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo, realizou estágios 
internacionais em diferentes instituições, entre elas a Universidade de Massachusetts/Fundação 
Eu °right na Cátedra de Estudos Brasileiros. Professor Associado IV da Universidade Federal de Minas 
Gerais. Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Coordenador do Núcleo de Direitos 
Humanos e Cidadania LGBT (Nuh/UFMG). Bolsista de Produtividade/CNPq. 
mamprado@gmailcom 
BÁRBARA GONÇALVES MENDES 
Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (2015). Graduada em Psicologia 
pela Universidade Federal de Minas Gerais (2012). Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade 
Federal de Minas Gerais. Integra o Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (Nuh/UFMG). 
baarbaragm@gmailcom 
JULIA CARNEIRO 
Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2016). Mestranda 
em Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. Integra o Núcleo 
de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (Nuh/UFMG). 
carneiraju@gmailcom 
 
JULIA SILVA VIDAL 
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2017). Mestranda 
em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Integra o Núcleo de 
Direitos Humanos e Cidadania LGBT (Nuh/UFMG). 
jusvidal@gmailcom 
GABRIELA ALMEIDA MOREIRA LAMOUNIER 
Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2015). Mestre em 
Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (2018). Integra o Núcleo 
de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (Nuh/UFMG). 
gabrielamounieragmailcom 
 
 
\Atoo, Manuela Abath; CASTRO, Helena Rocha C. de. Mulheres e drogas sob o cerco policial. 
Revisto Brasileiro de Ciéncias Criminais vol. 146. ano 26. p. 4133-514.5'a° Paulo: Ed. RT, agosto 2018. 
PRADO, Marco Aurélio Máximo; MENDES, Bárbara Gonçalves; CARNEIRO, Mia; VIDAL, Júlia Silva; 
Leonora, Gabriela Almeida Moreira; Famas, Rafada Vasconcelos. A construção institucional do gênero criminoso. 
Revisto Brasileira de Ciências Criminais. vol. 146. ano 26. p. 515-537. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018.

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