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Röd, Wolfgang Os fundamentos da dialética hegeliana 1974-84

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CAPITULO IV 
OS FUNDAMENTOS DA DIALÉTICA HEGELIANA. 
Para um conhecedor da matéria, não resta dúvida o_ue a possibili-
dade de uma exposição abrangente da dialética de Hegel em pouco 
espaço está totalmente excluída. O presente capítulo deve ter, por con-
seguinte, um escopo restrito, ou seja, o de examinar as idéias básicas 
da dialética hegeliana. Como se continuará a utilizar os pontos de 
vista adotados até aqui também qmmto a Hegel, devendo, pois, estar 
no centro da reflexão a relação entre a dialética hegeliana e a teoria 
racionalista da experiência, não se pode fazer outra coisa do que re-
nunciar à análise de certos aspectos da lógica de Hegel. É somente a 
este preço que a tentativa de elaborar a idéia-mestra do presente tra-
balho t~mbém quanto a Hegel poderá ter sucesso. 
A raiz teórico-experimental da dialética hegeliana não é única; 
por isso buscar-se-á primeiramente ao menos alinhar uma ~érie de ou-
tras raízes, das quais a filosofia de Hegel, e especificamente sua dialé-
- -
tica, mesmo se de forma diversa, tomaram sua força, embora sem poder 
fornecer mais do que uma visão esquemática e sem dúvida também 
incompleta. Pois a filosofia dialética de Hegel não surgiu de algumas 
poucas raízes, mas de um conjunto de raízes muitíssimo ramificado e 
entrelaçado de tradições filosóficas, a cujas idéias Hegel se sentia vin-
culado com rara intimidade. 
A dialética hegeliana se mostra - do ponto de vista metodológico 
- como continuação da filosofia analítica moderna da experiência, 
cujos pioneiros maiores foram Descartes e Hobbes e cujo ápice foi 
alcançado na filosofia transcendental de Kant, a qual se torna ponto 
de referência essencial para a metafísica pós-kantiana e, por conseguin-
te, também da hegeliana. Ficou exposto, acima, que a filosofia trans-
120 Wolfgang Rb.d 
cendental kantiana, tanto como a filosofia racionalista pré-kantiana,. 
era essencialmente uma ciência da experiência. No sentido desta tradi-
ção, Hegel via também a idéia de uma "ciência da experiência da cons~ 
ciência" ao projetar sua primeira grande obra, a Fenomenologia do 
Espírito. 
A inter-relação entre Hegel e a tradição da fundamentação analí-
tico-experimental da filosofia moderna pode ser reconhecida com toda 
clareza quanto ao método. Hegel não elaborou absolutamente nenhum 
método novo, mas levou adiante o método analítico da explicação cien-
tífica tal como fora utilizado pela metafísica racionalista precedente. 
Sua obra demonstra, a cada passo,que ela dominava o método analítico 
da explicação científica, mêsmo sê o entendia de uma forma menos 
satisfatória para o leitor de hoje. Na exposição que se seguirá, ficará 
claro que o método analítico da explicação, elaborado como dialético, 
deve ser pressuposto para aquela "ciência da experiência da consciên-
cia", que é considerado, daqui para a frente, como o núcleo não só da 
Fenomenologia do Espírito, mas de toda a metafísica hegeliana, sem 
que se vincule a isso uma tese histórica quanto à gênese da "Fenome-
nologia"1. A posição sistemática central da "ciência da experiência", 
pretendida tanto na filosofia primeira racionalista,como na hegeliana, 
poderia, não obstante, valer como indício para a aceitação de uma 
prioridade genética da mesma. 
Se Ee tenta reconstruir a dialética hegeliana no sentido indicado, 
deve-se contar desde o início com a acusação de unilateralidade. A 
uma crítica deste tipo poder-se-ia retrucar que, em primeiro lugar, a 
unilateralidade de interpretação é intencional e que, em segundo lugar, 
ela é br.seada na própria realidade, na medida em que deve valer como 
parte destacada da filosofia de Hegel, se não como essencial. Deve-se 
esperar críticas também à tentativa de transpor a terminologia hege-
liana para termos m&is correntes hoje. Tal não é sem problemas, mas 
o risco decorrente de uma tentativa deste tipo é ineludível, caso se quei-
ra evitar uma rendição, pela terminologia de Hegel, às premissas pos-
tas por ela. Ao mesmo tempo, lembre-se em benefício da reconstrução 
intentada, que ela r.bre uma possibilidade de um terceiro caminho entre 
a aceitação e a negação de Hegel, o da análise crítica, livre de posições 
pré-concebidas. Sem dúvida, quem escolher ~ste caminho terá de con-
tar com os anátemas dos dogmáticos de um como do outro lado. Desta 
ÚNIV~RSIOADf FEDERAL 00 PARA 
Bl8LJOTECA CENTRAL 
Filosofia Dialética Moderna 121 
forma, a interpJ_"etação proposta pode parecer errônea a alguns, porque 
ela levaria demasiado a sério uma filosofia aparentemente sem sentido; 
a outros, no entanto, porque sua posição questiona criticamente um:i 
filosofia aparentemente in$uperável. Mesmo se a interpretação que se 
tenta a seguir, todavia, venha a ser uma tolice para os positivistas e 
uma irritação para os hegelianos, tal não lhe é próprio, mas decorreria, 
antes, do modo de seus críticos verem as coisas. De qualquer maneira, 
dever-se-á levar em consideração que a presente interpretação, como 
qualquer outra, possui o caráter de uma proposição, que pretende ser 
aceita apenas enquanto aquilo que ela ajuda a entender não puder ser 
interpretado de forma ainda mais convincente. 
1. Raízes da dialética hegeliana na tradição filosófica. 
Como a filosofia de Hegel em seu conjunto, o método dialético, 
que está à sua base proveio também de diferentes raízes, dentre as 
quais pode-se considerar como mais importantes as que seguem: 
( 1) Os elementos dialéticos em Kant e em Fichte. A "antitética" da 
razão pura de Kant pareceu a Hegel possuir algo de justificado em seu 
princípio, embora insatisfatória no desenvolvimento. Se a aparência 
dialética da natureza deve ser "natun:l", ineludível, Hegel considera 
inconseqüente recusar à natureza a capacidade de superar as antíteses 
que surjam necessariamente. Além disso, Kant restringia a antitétic::i 
a um setor limitado. Embora Fichte tenha transposto o procedimento 
antitético para a teoria da experiência em geral, Hegel tinha de consi-
derar in~.atisfotório que a síntese da tríade dialética fundamental tenha 
sido introduzida no Fundamento da Teoria Geral da Ciência como 
"reivindicação de poder da razão'', conservando assim um resquício de 
arbítrio subjetivo, ao invés de surgir como conseqüência objetiva e 
conceítual. 
(2) A raíz platônica: o Parmênídes de Platão, considerado por 
Hegel co~o a maior obra de arte da antiga dialética (II, 64-65) 2, de-
\'eria ter demonstrado que nenhuma idéia pode ser pensac a por si 
mesma, mas que cada idéia deve ser pensada em conjunto com outras 
e no conjunto delas, de modo que a verdade é "o todo". A idéia do 
bem, como "sol das idéias" é condição de inteligibilidade das entidades 
em geral; na medida em que é o ser, esta idéia do ser domina também 
ainda o racionalismo moderno, que depende visceralmente da meta-
122 Wolfgang Rbºd 
física platônica do conhecimento. Assim a idéia do ser ( l' être ou ce 
qui est) era, para Descartes, anterior às idéias das coisas determina-
das, as quais são formadas por limitação da idéia do ser (Descartes diz 
mais: do ser perfeito). A mesma suposição, platônica no fundo, está 
à base da fórmula de Spinoza, assumida por Hegel: omnis determinatio 
est negatio. Ademais, Platão influiu sobre a dialética de Hegel também 
através do estilo do pensamento dos diálogos, do estilo socrático de 
conversação. Enfim, deve-se reconhecer a significação da dialética pla-
tônica da identidade e da diversidade, tal como foi elaborada no So-
fista, para o pensamento de Hegel. 3 
( 3) Os paradoxos do infinito ( notadamente do contínuo): já 
os eleatas se haviam confrontado com estes paradoxos, mais tarde 
Aristóteles. Eles aparecem na Idade Moderna, wbretudc no quadro 
de fundamentação da matemática do infinito, em Cavalieri, que ela-
borou o método dos "indivisíveis", e principalmente também em 
Leibniz, o primeiro a obter clareza metodológica quantoaos pressupos-
tos do cálculo infinitesimal. Enquanto o infinito foi compreendido 
exclusivamente no sentido do infinito enumerável, toda tentativa de 
construir uma teoria não-contraditória do contínuo esteve voltad.1 ao 
fracasso. (As ~ntinomias da teoria dos conjuntos. mostram que a intro-
dução do infinito inenumerável, por Cantor, não bastava sem mais 
para fundamentar uma teoria do contínuo livre de contradições). Da-
das as condições no início do século 19, Hegel tinha razão em fazer 
a suposição de que a mudança contínua, o devir contínuo não podia 
ser expresso sem contradições por meio do pensamento conceitua!. 
Ele tirava, pois, a conseqüência de que a realidade que se transforma 
seja CQntraditória em si mesma, pelo que não poderia ser pensada ade-
quadamente, se o pensar está submetido ao princípio de não-contradi-
ção. Daí a argumentação seguinte: como é incontestável que ocorram 
mudanças, e como, segundo Hegel, uma teoria de mudança não pode 
ser construída com os meios da lógica tradicional, baseada no prin-
cípio de não contradição, faz-se necessária uma nova lógica, não mais 
repousando sobre o princípio de não-contradição. 
Com os pressupostos de Hegel, esta conseqüência é plausível, por 
ele, como ficou dito, não ver possibilidade alguma de exprimir concei· 
tualmente o contínuo. Sua exigência de dissociar a lógica do princípio 
de não-contradição não deixa, porém, entrever como a nova lógica 
Filosofia Dialética Moderna 123 
deveri~ relacionar-se com a tradicional formal, dado que a primeira 
não poderia estar para esta como uma lógica de outro tipo, nem ser 
entendida como generalização desta última. Embora pareça atraente 
considerar a relação da lógica dialética para com a tradicional como 
o tipo de relação entre as geometrias euclidiana e não-euclidiana - o 
axioma das paralelas de Euclides teria seu correspondente, nesta com-
paração, no postulado da bivalência na lógica tradicional - deve-se 
partir da afirmação de que Hegel não buscava uma generalização de 
uma lógica formal bivalente, mas. pensava poder fundar uma lógica 
de tipo novo. 
( 4) Uma outra raiz do método dialético reside na experiência 
histórica que parece demonstrar que o conflito entre posições opostas 
não se resolve pela vitória de uma ou de outra parte, mas é "superado", 
freqüentemente, por uma terceira posição, mediadora. Desta forma, 
por exemplo, no 5.0 século a. C., a concepção de que a mudança e 
o devir sejam aparências e a realidade, porém, imutável (defendida 
pelos eleatas) e a concepção de Heráclito, de que, inversamente, a 
realidade é E.empre móvel e o repouso apenas aparente, se contra-
punham como contrárias (não, porém, como contraditórias). As con-
cepções cosmológicas de Empédocles, Anaxágoras, dos atomistas e, 
enfim, de Platão, apresentam síntests mediadoras. Estas sínteses s.ão 
possíveis e necessárias sob o pressuposto da não-contradição, pois a 
opo~ição contrária (diferentemente da contraditória) não exclui um 
termo médio entre os extremos: é possível, divergindo das concepções 
dos eleatas e dos heracliteus, que algo seja imóvel e ahw móvel. Efeti-
vamente, as filosofias intermédias citadas seguem esta linha: os atomis-
tas, por exemplo, admitiam que os átomos possuiriam a imobilidade 
que os eleatas tinham atribuído à realidade, mas que a combinação 
destes átomos se modifica constantemente, razão por que os heracliteus 
teriam razão, em certo sentido. com a tese da realidade do devir. 
Hegel descreveu o aparecimento de tais posições intermediárias 
(e a história da filosofia ou a história cultural em geral fornece uma 
grande quantidade de exemplos) recorrendo ao esquema dialético de 
tese, antítese e síntese, atenuando esta a autonomia das posições anti-
téticas, mas devendo conservar seus conteúdos positivos. Se ele houves-
se, todavia, pensado poder obter este esquema por generalização a par-
tir dos desenvolvimentos históricos, teria encontrado rapidamente casos 
124 Wolf gang Rod 
em que seu esquema não era mais aplicável. De fato, porém, ele não 
supôs de forma alguma que a lei da evolução dialética da história 
(especificamente da história do pensamento filosófico) tivesse sido 
obtida por generalização empírica; ele considerava as relações dialé-
ticas como relações do conceito em si mesmo e via na evolução his· 
tórica apenas um desdobramento, no tempo, da regularidade dialé-
tica. 
Não se deve excluir, no entanto, que as observações históricas 
também fomentaram suas convicções de ordem sistemática, mesmo sem 
ter servido para a fundamentação da dialética na filosofia elaborada 
por Hegel. 
( 5) Possivelmente, certas idéias neoplatônicas e gnósticas sobre 
a origem do universo a partir de um fundamento primitivo e seu retorno 
a este. também terão desempenhado um papel na constituição do mé-
todo dialético de Hegel4 • O papel de uma tal idéia deve ser restrito, no 
entanto, à relação entre a lógica (que representa as idéias, por assim 
dizer, tais como existiram na mente de Deus antes da criação), à filo-
sofia da natureza (que tem por objeto as idéias após sua ''saída'' de 
Deus) e à filosofia do espírito (cujo conteúdo é a idéia que retorna 
a si e. enfim a Deus). 
( 6) Além disso, foram consid~radas as relações entre a dialé-
tica de Hegel e o pensamento de Herder. O modo orgânico de pensar 
de Herder foi caracterizado, em seu projeto. como dialético, sendo fei-
tas referências a pas5agens como a seguinte5 : " A fantasia e a razão 
são npenas determinações de uma única força, em que as oposições se 
superam mutuamente"6 • Ou fez-se alusão à influência exercida sobre 
Hegel por Schiller. sobretudo pela sua "Educação estética do homem "7• 
G . Lukács busca a origem da dialética hegeliana não em quaisquer 
dependências de outros representantes do pensamento diu.lético , mas 
primeiramente na polêmica do jovem Hegel com a sociedade burguesa. 
Na época de Frankfurt, segundo a opinião de Lukács, Hegel pergun-
tava "como o indivíduo se deve comportar com relação à sociedade 
burguesa, como os postulados e humnnísticos do desenvolvimento da 
personalidade podem entrar em contradição com a natureza e a legali-
dade da sociedade burguesa, como ambas as coisas podem enfim ser 
conciliadas"8• É nesta fase da evolução do pensamento de Hegel que 
se encontra, pela primeira vez, a expressão "superar". A conciliação 
Filosofia Dialética Moderna 125 
buscada por Hegel ainda é entendida aqui, como demonstra Lukács, 
de forma subjetivista; mesmo porém se o conceito ''vida'', central para 
as reflexões sistemáticas de Hegel então, ainda é concebido de maneira 
inteiramente mística, sendo vista a religião como a realização máxima 
da "vida", Lukács considera que, a partir das estruturas de pensamento 
elaboradas aqui, desenvolver-se-á mais tarde a idéia de dialética no 
sentido objetivo. 9 
(7) Elementos do pensamento dialético já se encontram nos 
escritos teológicos de juventude de Hegel (citados, no que segue, segun-
do G. W. F. Hegel: Theologische Jugendschriften, edit. por H. Nohl. 
Tübingen, 1907; Reimpressão Frankfurt/ Meno, 1966), especifica-
mente no contexto do problema da relação homem-Deus, finito-infi-
nito. Hegel recusava conceber o bem agente no homem como divino, 
na medida em que o humano e o divino são pensados como contra-
postos; tampouco basta pensar o finito e o infinito como reunidos em 
um indivíduo, Jesus, na medida em que a ol)osição entre finito e infi· 
nito se mantém por princípio; é, antes, necessário conceber a relação 
entre finito e infinito ou, como diz o jovem teólogo Hegel, entre o 
homem ou o mundo em geral e Deus, como contexto vivo. Esta uni-
dade viva foi, segundo Hegel, a pens'"da por Jesus quando se consi-
derava como "filho de Deus". Com esta formulação, ele queria expri-
mir que sua relação com Deus não seria pensada por conceitos abstra-
tos, "mas como relação viva entre vivos,a própria vida; apenas modi-
ficações da mesma vida, não oposição da essência, não uma maioria 
de substantividades absolutas; filho de Deus, pois, o mesmo ser que 
é o pai, mas específico para cada ato da reflexão, mesmo para um 
único" (Theol. Jugendschr., 308). A unidade do humano e do divino, 
que está no centro da doutrina cristã, segundo a concepção de Hegel, 
é o absolutamente verdadeiro, - aquele verdadeiro que será chamado, 
na Fenomenologia do Espírito, de totalidade. ( Cf. II, 24) . 
É evidente que aparecem, aqui, elementos essenciais do pensa-
mento dialético. A unidade a que aqui se alude não deve ser o resul-
tado de um resumo, pelo sujeito pensante, de partes, originariamente 
independentes, mas uma totalidade viva, cujos momentos interde-
pendentes seriam o finito e o infinito. Uma tal unidade é - com as 
palavras do fragmento de 1800 do System, redigido por Hegel aos 30 
anos de idade - "relação da relação e da não-relação", "relação da 
126 Wolfgang Roo 
síntese e da antítese" (Theol. Jugendschr., 348) ou "identidade da 
identidade e da não-identidade", como Hegel diz no e-:crito de 1800 
sobre a "Diferença entre os Sistemas da Filosofia de Fichte e de Schel-
ling" (I, 124). Estas formulações são, tomadas ao pé da letra, natural-
mente contrasensos. Elas evidenciam a tentativa de exprimir a con-
cepção de que o pensamento de uma totalidade absoluta só é possível 
se o sujeito pensante se conceber como pertencente a esta totalidade 
absoluta. Pois, como absoluta, a totalidade tem de abranger tudo e, 
por conseguinte, deve abranger também o sujeito. Ao mesmo tempo, 
porém, a totalidade absoluta deve ser igualmente objeto do pensar e 
diferente do pensante. A captação da unidade do pensante e da totali-
dade absoluta pensada é a tarefa atribuída ao pensar dialético. Para 
o entendimento só é pensável ou a identidade ou a não-identidade. Se, 
no entanto, a unidade de ambas deva ser pensada, tal não pode ser 
considerado como fruto do entendimento, mas deve ser relacionado a 
uma faculdade cognitiva diversa do entendimento, que Hegel chamou, 
na seqüela de uma tradição multissecular, de razão, distinp:uindo-a do 
"entendimento" (correspondente à distinção entre intellectus e ra-
tio ). No que se refere à gênese da filosofia hegeliana, deve-se lembrar 
que o pensamento do caráter dialético da unidade do finito e do infi-
nito surgiu, inicialmente, como pensamento religioso da unidade do 
homem e de Deus e foi interpretado por Hegel como central na doutrina 
de Jesus. 
Nos escritos teológicos da juventude de Hegel, porém, já é visível, 
também, a dimensão histórica do pensamento dialético. A doutrina de 
Jesus é, em primeiro lugar, apenas um pensamento genérico, que em-
bora · ~negue" as relaçõe~ presentes, não está ainda realizado historica-
mente e, por conseguinte, tampouco plenamente determinado em seu 
conteúdo. A realização e a determinação do conteúdo da doutrina 
cristã ocorrem apenas na comunidade cristã. Embora a realização per-
feita da doutrina de Jesus como reino de Deus só pode valer como fim 
último da história, o reino de Deus já se tornou real, em certo sentido, 
com Jesus: o fim da história foi antecipado em Jesus. 
O geral está no início, mas necessita determinação, sendo deter-
minado pela sua vivência, primeiro por Jesus, e em seguida pela comu-
nidade cristã. A evolução é, pois, um movimento do meramente geral 
(como pensamento) para a atualização do geral. Fica assim explici-
Filosofia Dialética Moderna 127 
tado um pensamento fundamental da filosofia hegeliana da história, 
que está à base da dialética de evolução histórica, não exposta aqui. 
2. A crítica de Hegel à teoria tradicional do conhecimento 
Antes de esboçar a teoria da experiência de Hegel em suas linhas 
gerais, é aconselhável abordar as razões que levaram Hegel a rejeitar 
a teoria tradicional do conhecimento. Neste particular, sua crítica se 
voltava principalmente contra a posição kantiana; ficará claro, ·toda-
via, que ele não soube apreciá-la devidamente. Deve-se constatar, ao 
mesmo tempo, que Hegel atingiu efetivamente uma fraqueza de prin-
cípio da metafísica antiga do conhecimento, ao chamar a atencão sobre 
a dependência desta com relação a determinadas premissas não discuti-
das e forçosamente indemonstradas. Trata-se, naturalmente, de uma 
outra questão, se o próprio Hegel soube explicitar todas as premissas 
de sua teoria da experiência ou se ele se teria apoiado igualmente sobre 
certas pressuposições de tipo metafísico, introduzidas explicitamente, 
que de form~ alguma podem ser consideradas como certas sem prova. 
A teoria tradicional do conhecimento, de Descartes a Kant. e 
Fichte admitia,como evidente,que o obieto imediato da experiência seja 
o conteúdo da representação. Das duas possibilidades aventadas pela 
filosofia medieval, de que a representação possua o caráter de um 
signum quo (cognoscitur) ou de um signum quod (cognoscitur), a 
filosofia moderna levou em consideração apenas a sepunda, como se 
pode ver na afirmação de Descartes, de que a assim chamada realidade 
objetiva nos é presente apenas mediatamente; ou na tese de Kant, de 
que os objetos são apenas fenômenos, o que significa, para ele: re· 
presentações - com as palavras de Schopenhauer: "O universo 
é representação minha". 
A suposição do conteúdo representativo, aos quais o ato de repre-
sentar se refere intencionalmente, não pode ser debatida aqui. 10 No 
presente contexto, basta chamar a atenção para a concepção do conhe-
cimento por ela condicionada: "conhecer'' significa, para a teoria tra-
dicional do conhecimento, por causa da suposição referida sobre o 
objeto imediato da experiência, "representação correta de uma coisa 
independente do pensar". A "representação correta de uma coisa" 
ocorre, segundo esta concepção, quando os elementos essenciais de 
128 Wolf gang Rod 
representação são claramente correspondentes aos elementos da essên-
cia da coisa representada. À suposição do caráter representativo do 
objeto imediato da experiência corresponde, aqui, a suposição de 
coisas independentes do pensar. Ambns suposições são necessárias, a 
fim de se poder determinar o "conhecer" no sentido citado de represen-
tação correta. 
Hegel viu isto claramente, aludindo a que, segundo a teoria tradi-
cional do conhecimento, a relação cognoscitiva é interpretada como 
relação medindora entre a própria realidade (o "absoluto") e o sujeito 
cognoscente, sendo o "conhecer" (entendido por Hegel, decerto, no 
sentido da representação da realidade pela imaginação) compreendido 
em sentido logo instrumental, logo medial (II, 69). 
Com esta caracterização da teoria tradicional do conhecimento, 
Hegel não só tinha razão, mas distinguiu com completo acerto as con-
seqüências decorrentes das suposições referiàas. Efetivamente, quando 
"conhecer" é caracterizado como "representação correta de uma coisa 
pela imaginação" e a imaginação representativn como instrumento ou 
meio do conhecer, surge a questão quanto à maneira de funcionamento 
deste instrumento aparente ou quanto ao grau de refração do meio 
(em sentido metafísico). Enquanto esta questão não tiver sido resol-
vida satisfatoriamente, nenhuma representação de uma coisa pode ser 
declarada correta, isto é, conhecimento no sentido pressuposto. 
A exigência de examinar a natureza do instrumento ou meio de 
conhecer, :::ntes de se obter conhecimento por intermédio dele, não 
pode ser, no entanto, por princípio, satisfeita, pois, para tal, seria neces-
sário q_ue a realidade TJUdesse ser apreendida sem influência do processo 
cognitivo. Tal é, porém, impossível, pois: 
(a) se o conhecimento for entendido em sentido instrumental, 
isto é, aceitando-se que o objeto do conhecimento é primeiramente 
informado pela função cognitiva, então a própria realidade só pode-
ria ser apreendida sob a condicão de se abstrair destainformação. 
Neste ca:;o sobraria apenas a realidade não informada pelo conheci-
mento (o "absoluto"), a qual, por causa da concepção instrumentalis-
ta do conhecer, não pode ser conhecida, dado que, segundo ele, "co-
nhecer" significa, por definição, "apreender por força da informação". 
UNIVERSIDADE FEDER.6-l DO PAR{ 
BltlLIOTECA CEN1'RAL 
Filosofia Dialética Moderna 129 
Mesmo no caso da interpretação medial do conhecer é impossível 
chegar-se à apreensão da realidade abstraindo-se da influência pelo 
processo cognitivo, pois (b) se "o conhecer é entendido como apreen-
são da própria realidade num meio refringente, então a própria reali-
dade não pode ser conhecida por abstração da refração do meio, dado 
que "conhecer", aqui, significa, por definição, "apreender através de 
um meio refringente". 
Resumindo, Hegel afirma, a propósito da teoria tradicional do 
conhecimento: 
"Ao invés de se debater com tais representações e discursos inúteis 
sobre o conhecimento como instrumento para se tornar senhor do 
absoluto, ou como meio, através do qual se vislumbra a verdade, e 
assim por diante ... elas poderiam ser rejeitadas como representações 
casuais e arbitrárias, assim como se poderia até considerar como fraude 
o uso conexo de termos como absoluto, conhecer, objetivo, subjetivo e 
muitíssimos outros, cujo significado é geralmente suposto como conhe-
cido" (II, 69-70). 
Deve-se notar, no entanto, com relação à crítica referida em (a), 
que Kant não é atingido por ela, dado que ele de forma alguma definiu 
"conhecer" como "apreender o é:bsoluto". A informação do material 
"dado" ao conhecimento, ou seja: o material caótico da sensibilidade, 
isto é, os dados sensíveis ou das representações, por intermédio de 
princípios subjetivos de ordenação não é, segundo Kant, conhecimento, 
mas condições de possibilidade do conhecimento (necessariamente 
universal). "Conhecer" significa, para Kant, "julgar de forma objetiva-
mente válida", e a validez objetiva dos juízos (especificamente dos 
juízos sintéticos a priori) só pode ser explicada se se admitir que os 
objetos, com relação aos quais os juízos são válidos, são "informados" 
pelo sujeito. Embora a crítica de Hegel não atinja Kant em sentido 
estrito, resta a reserva genérica, de que Kant, como a teoria do conheci-
mento anterior a ele em geral, utilizou certos pressupostos metafísicos 
do conhecimento sem os fundamentar. Tal vale especificamente para 
a suposição de que o objeto da experiência possua o caráter de represen-
tação, mesmo se Kant não defendia a posição de que as coisas em si 
fossem corretamente representadas no conhecimento. 
r. 
130 Wolfgang Rod 
A outra varümte da teoria tradicional do conhecimento, segundo 
a qual o conhecer é concebido como apreensão num meio refringente, 
é de difícil localização histórica. Talvez a concep0ão leibniziana do 
espaço, como forma de manifestação das relações ideais não-espaciais 
entre as mônadas, fosse um exemplo adequado. Seja como for, parece 
que as reservas de Hegel, quanto à possibilidade do conhecimento da 
redidade, mesmo levando em conta um efeito de refração, não se justi-
ficam. Se se vê, por exemplo, uma vareta aparecer torta na água e se 
se conhece a lei da refração em ótica, assim como o índice de refração 
e as condições antecedentes, pode-se concluir que a vareta aparente-
mente torta, na realidade, é reta. Com efeito, pode-se eliminar, no 
resultado, a refração dos raios, o que Hegel considerava impossível no 
caso da concepção da representação como meio refringente (II, 68). 
Pede-se replicar, de acordo com Hegel, à tentativa de se refutar suas 
objeções, que a passagem da vareta. aparentemente torta, para a vareta, 
"na realidade", reta, só é possível porque nós podemos observá-la tam-
bém fora das condições próprias ao exemplo citado, em condições 
"normais", sob as quais a vareta não aparece torta, porque, além disso, 
a podemos tocar, etc. No caso do conhecer, porém, nós "vemos" os 
objetos exclusivamente sob as condições do meio refringente, por exem-
plo, da espacialidade, de forma que jamais podemos conhecer nem a 
"lei da refração" nem o "índice de refração" respectivos. 
À crítica de Hegel pode-se, no entanto, replicar também que ele 
negligencia uma outra posição possível da teoria tradicional do conhe-
cimento: é concebível que a representação seja efetivamente pensada 
como meio, no qual apreendemos a própria realidade, sem que este 
meio seja caracterizado pela refração, mas afirmando que as represen-
tnções (ou certas representações) reproduzem corretamente as coisas 
independentes do pensar, como o racionalismo admitia quanto às 
idéias claras e distintas e o empirismo de Locke quanto às idéias sim-
ples. Com relação a esta posição, a crítica de Hegel fica sem efeito; 
ela deveria ser substituída pela objeção formal de que, dentro da teoria 
tradicional do conhecimento, a afirmação de concordância entre repre-
sentação e coisa em si está não só indemonstrada como é indemonstrá-
vel, dado que, por definição, o conhecimento da realidade independen-
te do pensar só pode ser obtido por meio de representação (única 
imediatamente presente), sendo impossível comparar uma à outra. 
Filosofia Dialética Moderna 131 
Hegel não chegou a formular esta objeção, pois criticava exclusi-
vamente uma posição da teoria do conhecimento, de acordo com a qual 
a representação não reproduz a realidade tal como esta é em si; isto é: 
u crítica de Hegel se dirigia, em primeira linha, contra o criticismo (ou 
contra uma posição que ele identificava à filosofia crítica de Kant). 
Ele caracterizou esta posição, em geral, no quadro da concepção de 
que "nós pomos o pensamento entre nós e as coisas como meio, no 
sentido de que este meio nos separa mais das coisas do que nos une a 
elas" (IV, 27). Ele afirma, contra ela, "que estas mesmas coisas, que 
e:.tão além de nós e dos pensamentos que se referem a elas, devem si; 
tuar·se no outro extremo, são coisas-pensamento - a ~ssim chamada 
coisa em si da abstração vazia" (ibid.). 
Este pensamento pode ser completado da seguinte forma: se 
a coisa em si, que aparece na representação, é pensada como um 
algo = X completz.mente indeterminado, então a afirmação de que a 
representação possui caráter intermediário entre a própria realidade 
e o sujeito é vazia. Se aquilo a que a representação se deve referir é um 
X materialmente indeterminado, não se pode mais dizer que a represen-
tação reproduza este X, d<:do que não é mais possível uma correlação 
entre a estrutura da representação e a do representado. 
Note-se, aqui, que Kant teria podido aceitar, o que Hegel consi-
dera como objeção contra a concepção criticista, como caracterização 
adequada do seu próprio pensamento, ou seja: que "coisa em si" desig-
ne uma coisa-pensamento, quanto à qual não se pode supor que ela 
seja reproduzida pela representação (no sentido do fenômeno). Deve-
se, porém, ressalvar que o argumento de Kant, de que o conhecimento 
da coisa em si seja necessário, dado que não pode existir fenômeno 
sem ser manifestação, ofereceu o flanco às críticas de tipo hegeliano. 
A crítica à concepção instrumentalista do conhecimento é comple-
mentada pela reflexão de Hegel, de que a exigência atribuída ao criti-
cismo, de que a facu ldade de conhecer deva ser examinada antes de 
se poder abordar o conhecimento de Deus, da essência das coisas, etc., 
porque o conhecimento do instrumento é condição de seu uso correto, 
não pode ser satisfeita. É igualmente insensato exigir que se necessite 
conhecer a:ptes de se conhecer, como é insensata a exigência de nadar 
antes de entrar na água. A investigação do instrumento "conhecimento" 
132 Wolfgang Rod 
só pode ser feita no próprio processo de conhecer. Esta consideração 
leva à demonstração de que a filosofia crítica não só repousa sobre 
pressupostos não provados, como apresentaum programa irrealizável. 
A crítica de Hegel não significa negar a necessidade do exame da facul· 
dade de conhecer, mas realça apenas que este exame só pode ser efetua-
do no próprio conhecer, na medida em que se trata de conhecimento 
de objetos, e nunca previamente11 • Neste sentido, Hegel escreve: "De 
fato, as formas de pensar não devem ser utilizadas sem exame, mas 
esta investigação já é um conhecer. É necessário, pois, que a atividade 
das formas de pensar e da crítica destas estejam unidas no conhecer" 
(VIII, 125). 
Tampouco se pode reconhecer aqui que Hegel tenha reproduzido 
adequadamente a concepção própria à filosofia crítica. Kant e a filo-
sofia transcendental em geral não querem conhecer o conhecer em si 
mesmo, mas nrrolar as condições sob as quais o conhecimento objetivo 
é possível, isto é, conhecer as condições de juízos necessariamente uni-
versais e objetivamente válidos. Se a filosofia transcendental, porém, 
não enuncia sentença alguma que exprima juízos sobre objeto, mas 
sim sentenças sobre as condições de possibilidade de tais juízos, desa-
parece, por conseguinte, a contradição assinalada por Hegel: não é 
"o conhecimento" que deve ser objeto do "conhecimento'' , mas as con-
dições de possibilidade do conhecimento dos objetos devem ser apreen-
didas por um tipo de conhecimento não-objetivo. ISto quer dizer: como 
as condições sob as quais os objetos podem ser conhecidos (cientifica-
mente) não são, elas mesmas, objetos, urna teoria que tenha a ver com 
estas condições é de outro tipo do que teorias para a explicação de 
fenômenos objetivos. 
As conseqüências tiradas por Hegel da crítica aqui esboçada po-
dem ser resumidas como segue: se - e Hegel parece ter refletido nesta 
direção - a teoria tradicional do conhecimento, ao partir da separação 
entre realidade "absoluta" e sujeito cognoscente e de subseqüente me· 
diação entre ambos no conhecimento, visto como int.ermediário entre 
a realidade e o su,ieito, leva a resultados contraditórios, então ao menos 
um pressuposto desta teoria é falso e precisa ser modificado. Hegel 
pensava ter encontrado o erro decisivo na caracterização do conheci-
mento como umu mediação subseqüente entre a realidade e o sujeito 
cognoscente, separado dela desde o início. Esta convicção levou-o a 
- - - - - - - - - - - - -
Fil0sofia Dialética Moderna 133 
conceber uma metafísica do conhecimento baseada numa unidade ori-
ginal entre o sujeito cognoscente e a realidade conhecida. O conhecer 
entendido como "apreensão da própria realidade" ("do absoluto") 
não poderia ser concebido como possível, como Hegel estava conven· 
cido, se o absoluto já não "estivesse e quisesse estar entre nós" (II, 68). 
Continuando a imagem do meio refringente , Hegel diz que o conheci-
mento "não é a refração do raio, mas o próprio raio, pelo qual a ver-
dade nos toca" (ibid), admitindo que "só o .:bsoluto é verdadeiro, ou 
que só o verdadeiro é absoluto" (II, 69). 
Toda teoria da experiência ou part;; de uma descrição da estru-
tura da experiência ou a supõe implicitamente. As considerações de 
Hegel sobre a diferença entre saber e verdade devem ser entendidas 
como descrição da estrutura da experiência. A consciência, segundo 
Hegel, distingue algo de si mesma, com o que se relaciona. A relação 
ao objeto é chamada de "saber", enquanto que a essência, à qual se 
refere a consciência, é chamada de "verdade''. "Saber" e "verdade" 
designam, por conseguinte, aspectos da experiência em si mesma. A 
filosofia toma o próprio saber por objeto, ao perguntar o que ele é 
em si. Na medida, porém, em que o saber é feito objeto da reflexão 
filosófica, ele é algo para nós. A distinção entre saber e verdade não 
é supressa deste modo, mas fica demonstrado que ela depende da pró-
pria consciência, no caso do saber (II, 7 6-77). O em-si (a "verdade") 
se torna consciente e tal é possível porque, neste caso, o em-si é o pró-
prio saber, isto é, porque se trata, como Hegel o diz, de uma compara-
ção da consciência consigo mesma (II, 7 6). O saber e o objeto ou o 
conceito (subjetivo) e o em-si (ou inversamente, o conceito objetivo, 
isto é, a essência e o objeto, tal como aparece a um sujeito) coincidem 
no saber. A questão relativa ao critério de verdade deve ser resolvida, 
por conseguinte, no sentido de não se sair do âmbito da consciência. É 
a própria consciência que sempre detém a medida da verdade.12 Cons-
ciência do objeto (do verdadeiro) e consciência do saber do objeto são 
duas fases da mesma consciência, a qual é, ao mesmo tempo, "a com-
paração de ambas" (II, 77). 
Alcança-se, desta forma, o ponto do qual parte a lógica de Hegel: 
"A ciência pura supõe ... a liberação da antinomia da consciência. 
Ela contém o pensamento, na medida em que é a coisa em si mesma, 
ou a coisa ein si mesma, na medida em que ela é o próprio pensamento 
134 Wolfgang Rõd 
puro" (IV, 45). A transição da superação da antinomia entre saber 
e verdade na autoconsciência para a superação desta antinomia em si 
mesma só pode ser efetuada se se puder demonstrar que, não só para 
o saber, como para quais objetos, que a consciência sempre só apreen-
de, neles, a si mesma. Para demonstrá-lo, Hegel exigiu que se seguisse 
o "automovimento do espírito" (li, 64) , o qual, como movimento 
dialético da consciência com relação ao saber e ao sabido, matiza os 
conceitos destes dois aspectos da experiência: o primeiro a ter sido 
determinado como em-si aparece como algo para o qual existe a cons-
ciência, com o aue também o saber se modifica, dado que depende do 
objeto sabido (li, 77-78). Pode-se abstrair, aqui, de que o sistema da 
verdade é apresentado, na Fenomenologia, como séries de formas 
conscienciais, que são momentos deste sistema (II, 80); para o con-
texto atud, basta lembrar, por antecipação, a meta do "movimento de 
consciência" ( II , 603) : o saber absoluto, no qual a superação da auto-
nomia do objeto da consciência ocorre no reconhecimento de sua quali-
dade de expressão de autoconsciência. Vista assim, a consciência nos 
objetos continua em si mesma (II, 611). 
Fica fixada , destarte, a meta de fazer aparecer o conhecimento de 
quaisquer objetos como autoconhecimento, de modo que "saber" e 
"verdade" coincidam não só na autoconsciência, como foi mostrado, 
mas em si mesmos. Tudo depende, pois, do modo pelo qual se chega 
à meta fixada : se se trata de uma dedução argumentativa, a pretensão 
hegeliana, de ter superado a teoria tradicional do conhecimento com 
uma metafísica da experiência livre das deficiências daquela, foi reali-
zada; caso contrário, dever-se-ia constatar que Hegel, apesar de certas 
intu}ções quanto às deficiências da teoria tradicional do conhecimento, 
não conseguiu operar uma superação positiva dela. A suposicão de que 
seja este segundo o caso, pode ser desde já reforçada pela seguinte re-
flexão: o espírito que se autoconhece no saber absoluto é, segundo He· 
geJ, a verdade. Este resultado, do qual depende a tese da coincidência 
de saber e verdade, só pode ser obtido porque se operou, desde o prin-
cípio, com o pressuposto de que o conteúdo e o saber do conteúdo são 
momentos de um mesmo espírito. "A autoconsciência é ... o exemplo 
mais próximo da presença da ínfinitude" (IV, 185). Somente com este 
pressuposto se pode alc<:nçar o resultado de que a substância, objeto da 
consciência, também seja sujeito; a substância é o espírito, ela se torna 
o que já é em si, ou seja, sujeito (II , 613). 
UNl\i 
Filosofia Dialética Moderna 135 
O próprio Hegel se refere com clareza suficiente à estrutura deste 
raciocínio fundamental, ao falar do movimento da experiência: "Ela 
é o círculo que se fecha sobre si mesmo, que presSU!JÕe seu começo e 
que só o atinge no final" (II, 613). Aqui é feita alusão, decerto, à 
circularidade do raciocínio feito na Fenomenologia: seu resultado 
não poderia ser obtido, se não tivessesido suposto implicitamente des-
de o início, e o início supõe, por sua vez, o resultado: que a consciência 
seja, em todas as suas formas, manifestação do mesmo espírito, a "ver-
dade na qual nós - como já dizia Spinoza,de modo semefüa,nte - te-
mos sempre de ter sido, se o conhecimento determinado deve ser pos-
sível". 
Enqurnto a circularidade de um raciocínio, vale, porém, em geral, 
como sinal de sua falsidade, Hegel a vê como característica específica 
da evolução dialética do pensamento e, assim, como positiva. Isto é 
extremamente inabitual, pois se um pensamento, que não pode ser 
fundado empiricãmente em lugar algum, se move em círculos, então 
nenhuma sentença deste raciocínio pode ser tida por válida. Obviamen-
te, num raciocínio circular não há nenhum "primeiro princíoio" contra 
o qual se possa formular a objeção do início dogmático. A recusa hege-
liana de uma construção sistemática na qual as sentenças sejam dedu-
tíveis a partir de premissas (axiomáticas ou hipotéticas) teria exigido 
a explicitação de determinados pressupostos, como por exeml)lo, da 
suposição de que a substância seja sujeito. Com isto, Her:el não mais 
terin podido pretender que seu sistema fosse livre de pressupostos. 
Com base na afirmação de que seu sistema ~e desenvolve na forma de 
um círculo ou de um círculo de círculos, ele conseguiu manter sua 
pretensão, mas a que preço! Ele teve de aceitar o que se considera 
habitualmente como a maior objeção contra uma c:rgumentação, isto é, 
a circularidade do raciocínio; e, a fim de não criar a impressão de que 
a aceitava forçado, transformou em vantc.:gem o que vale comumente 
como deficiência fatal. 
A filosofia tem sempre de "supor" algo. Trata-se do pressuposto 
"mais natural" que se pode pensar, ao se "pressupor" o ser-dado, a 
[;tualidade dos conteúdos. Também Hegel entreviu a possibilidade de 
começar assim, mas ao invés de ver quão longe iria na análise da suposi-
ção citada, fez logo uma suposição metafísica essencialmente mais for-
te, da qual falamos, sem a introduzir, todavia, como tal. Com isto, ele 
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Wolfgang R'ód 
cometeu o mesmo erro que criticara, sem razão, na teoria tradicional 
do conhecimento. 
3. Método analítico e dialético 
Hegel ocupou-se de diferentes modos com a relação entre o mé-
todo analítico e o dialético, buscando concretizar sua concepção atra-
vés de exemplos tirados do setor da Matemática e, mais raramente, da 
Física. A caracterização mais sumária de ambos os métodos se encon-
tra na Enciclopédia (2.ª edição), onde se pode ler? quanto ao conhe-
cimento analítico: "o objeto tem, _para ele, a forma de individuação 
e a atiV:idade do conhecimento analítico está orientada a reduzir o indi-
vidual, que lhe é presente, a algo de geral. O pensar possui aqui apenas 
o significado da abstração ou de identidade formal" (VIII, 43 7). E, 
sobre a síntese, diz Hegel: "O movimento do método sintético é oposto 
ao do método analítico. Enquanto este parte do individual para o ?:e-
ral, no segundo, o geral (como definição) constitui o ponto de partida 
para se chegar ao individual (o teorema) através da especificação 
(a divisão). O método sintético aparece aqui, pois, como evolução, no 
objeto, dos momentos do conceito" (VIII, 438). No método analítico 
trata-se de "decompor o dado concreto, isolar suas diferenças e dar-lhes 
a forma de universalidade abstrata" (VIII, 436); inversamente, no mé-
todo sintético busca-se a c:.ibsunção do objeto nas formas do conceito 
determinado do entendimento (VIII, 473). · 
Estas caracterizações foram mantidas tão genéricas intencional-
mente, de forma que parecem ser utilizáveis em todos os setores de 
aplicação dos métodos · analítico e dialético. Fica em aberto, porém, 
se os "objetos" com os quais o método lida são coisas ou procedimentos, 
conceitos ou sentenças. As declarações de Hegel 2presentam elementos 
em favor de cada uma destas possibilidades: 
( 1 ) Hegel declara que, na análise, "começa-se com um objeto 
concreto, individual, pressuposto" (V, 279). De modo semelhante, a 
passagem citada acima (VIII, 437) falava de objetos sob a forma de 
individuação como objeto de análise. Para caracterizar uma análise 
entendida desta maneira, Hegel utilizou a comparação com a análise 
química de uma substância ou com o descascar uma cebola. Tudo isto 
lembra a concepção de que os "objetos" com que lidam os métodos 
analítico e sintético são coisas concretas. 
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.--:A C-. N Ti~ Al 
Filosofia Dialética Moderna 137 
Enquanto que o método analítico era caracterizado, tradicional-
mente, como processo de explicação de fotos ou ocorrências pelo re-
curso a hipóteses do tipo legal, formuladas especificamente para o fim 
da explicação, Hegel não parece tê-lo entendido neste sentido. Tal é 
demonstrado pelas suas considerações polêmicas, na tese de habilita-
ção, contra a "filosofia" experimental de Newton e inglesa em geral. 
O elemento analítico de Física consiste, segundo Hegel, no emprego 
de métodos matemáticos. A análise e a explicação matemáticas (1, 4) 
são imperfeitas em comparação com a natureza, porque a Geometria 
abstrai do tempo e a Aritmética do espaço, enquanto que os processos 
da natureza esrno determinados, espaço-temporalmente. em permanên-
cia. Esta deficiência existe também, na sua opinião, na Geometria. As 
relações matemáticas empregadas na análise de fenômenos físicos não 
podem ser interpretadas, todavia, como relações físicas , ou seja, reais, 
como o faz Newton, na opinião de Hegel. A análise ( resolutio) de for-
ças dá em forças simples, cuia resultante é a força original. O aue apa-
rece aqui como decomposição de uma força em forças originais é, po-
rém, na realidade, apenas uma interpretação equivocada de relações 
geométricas, as quais não podem ser entendidas em sentido real. Se 
Newton tivesse tomado, efetivamente, o método geométrico como mo-
delo, não teria sido vítima de um mal-entendido, pois a Geometria não 
constrói suas figuras com elementos simples, mas as pressupõe como 
dados, a fim de deduzir delas as relações entre as partes (1, 10-11). 
Hegel considerou o método hipotético-dedutivo de Newton também 
como um proceder inadequado, não somente porque, segundo sua con-
vicção, o material empírico utilizado pela filosofia experimental seja 
insuficiente (esta deficiência pode, obvü:mente, ser superada) mas 
pela razão de princípio de que as explicações fornecidas por ela pos-
suiriam caráter apenas casual e não necessário (como Hegel exige ) 
(I, 10). 
(2) Ademais, os textos de Hegel fornecem numerosos pontos 
de referência para a concepção da nnálise como análise conceitua] (e 
não de representação) . "A análise, tendo o conceito por fundamento , 
possui essencialmente as determinações conceituais, com relação aos 
seus produtos, especificamente as que estão contidas imediatamente 
no objeto (V, 280). Correlativamente, Hegel caracterizou o método 
sintético como conexão de conceitos: "O conhecer sintético decorre do 
conceber p que é, ou seja: apreender a multiplicidade das determina-
ções em sua unidade" (V, 288). Nesta síntese "refere-se o múltiplo 
138 Wolfgang R'dd 
enquanto tal" (ibid.). Como a unidade das múltiplas determinações é 
o conceito, Hegel podia dizer: "A subsunção do objeto à forma domes-
mo (isto é: do conceito determinado) é ó método sintético (VIII, 437). 
Em favor da concepção da análise e da síntese como análise e síntese 
conceituais pode-se acrescentar também que o "elemento" da dialética, 
em que devem ser "superados" os métodos sintético e dialético, é o 
conceito puro (II , 60). 
Neste contexto deve-se fazer algumas observações sobre a tenta-
tiva de Hegel de atribuir o conhecimento analítico à orimeira premissa 
do raciocínioe o sintético à segunda. Deve-se partir da concepc:ão hege-
liana do silogismo como conceito integralmente posto (V, 1 18). Tanto 
como o conceito, segundo Hegel, se determina como "relação entre 
suas determinações autônomas'' na "oposição de suas determinações" 
(V, 65), assim o silogismo é "'juízo com fundamento '' ou ·'o ser inte-
gralmente posto" (V, 118). A dedução da conclusão a partir das pre-
missas não é, segundo esta concepção, o essencial do raciocínio - o 
que , segundo Hegel, fica claramente demonstrado pela possibilidade 
de formalização ou mecanização do processo dedutivo, na medida em 
que este deve ser visto apenas como "inteligível" e não como processo 
racional (V, 146-147 ); no raciocínio, é muito mais essencial a media-
ção entre o individual e o geral através do particular. Desta forma, par-
tindo-se do conhecimento de que o individual é particular e de que o 
particular é geral, progride-se, no raciocínio, para o resultado de 'que 
o individual é geral. Em um juízo de forma Sé P. seja Salgo de indivi-
dual ( p. ex. Caio) e P designa um conceito geral abstrato. Deve-se 
acrescentar, então, com Hegel, que S é individual e P geral apenas na 
medida em que são tomados isoladamente, sem se levar em considera-
ção a relação entre ambos. Levando-se esta em consideração, reco-
nhece-se então que S corresponde, no juízo em questão, a um dos seres 
que estão compreendidos no conceito P e que P é uma determinação 
de seres tais como S. O individual é, por conseguinte, um particular e 
o geral se particulariza em um individual. O pano de fundo metafísico 
desta concepção do raciocínio não pode deixar de ser visto: ele aparece 
com clareza quando Hegel caracteriza o "raciocínio" como a forma da 
realidade racional em si mesma. Segundo Hegel, "só o raciocínio é ... 
racional" (V, 120) e " tudo o que é r.:cional é raciocínio" (V, 119). 
Como no raciocínio a primeira premissa serve para determinar 
o individual através do predicado geral-abstrato e como, no conheci-
Filosofia Dialética Moderna 139 
mento analítico. se atribui ao sujeito um dos predicados gerais nele 
contidos, pode-se ver nesta analogia a razão do paralelo traçado por 
Hegel entre a análise e a primeifa premissa do raciocínio. Na segunda 
premissa do raciocínio, o múltiplo é concebido como particularização 
do geral e, analogamente. o conhecimento sintético produz a unidade 
conceitual do particular, razão por que Hegel acreditava, corretamente, 
poder identificar a síntese à segunda premissa do "raciocínio", o qual, 
segundo ele, é a forma de conceber racionalmente a realidade. 13 
( 3) Por fim, Hegel fala, ocasionalmente, dos métodos sintético 
e c::nalítico de tal maneira que se pode supor que ele os compreendia 
como métodos de fundamentação dedutiva de sentenças. Tal vale espe-
cificamnte para aqueles contextos em que Hegel se refere ao método 
da Matemática. Hegel tinha certamente presente a concepção do 
método analítico elaborada pela matemática clássica e assumida pelos 
fundadores da álgebra moderna, segundo a qual uma sentença qual-
quer deve ser reduzida a sentenças ou já demonstradas ou possuidoras 
do caráter de axiomas, sendo as primeiras dedutíveis das últimas. He!!el 
propôs que as sentenças matemáticas a serem fundamentadas analiti-
camente fossem chamadas não de "enunciados", ou "teoremas", mas 
de "tarefas" (V, 284-286), dado que só se pode falar de "enunciados", 
adequadamente, com relação ao método demonstrativo sintético ( axio-
mático). 
Em favor da concepção de análise e síntese, como métodos de 
fundamentação de sentenças,pode-se aludir a que a dialética, que con-
tém ambos "superados", inclui igualmente, segundo Hegel, "sentenças 
sobre suas partes ou elementos" (II, 60). Efetivamente, na sentença 
especulativa de que se trata aqui, a forma da sentença no sentido cor-
rente - caracterizada pela distinção entre os conceitos de sujeito e 
predicado - está superada, mas justamente quando se leva em consi-
deração que o método dialético absoluto contém, "superados'', os mé-
todos do conhecimento fínito e intelectivo, pode-se argumentar que, 
se o movimento dialético inclui sentenças sobre seus elementos, análise 
e síntese devem ser referidos a sentenças. As sentenças, cuja fundamen-
tação provém da análise e da síntese, devem ser distintas daquelas em 
que se, articula o pensamento dialético, como se distinguem o conheci-
mento do entendimento e o da razão. 
140 Wolfgang Rbd 
A síntese é entendida, indubitavelmente, no sentido do método 
axiomático, quando Hegel introduz, como fases dela, a formulação de 
definições, o estabelecimento de classificações e a dedução de teoremas 
(enunciados). Se as definições são caracterizadas corno gerais e se 
a função de particularização é ntribuída à classificação, tudo é com-
preensível; porque Hegel refere os teoremas ao individual, no entanto, 
é dificilmente admissível (VIII, 438). Quanto ao mais, é insuficiente 
o papel dos princípios (axiomas), çlos quais são deduzidos os teoremas. 
Possivelmente Hegel terá entendido por "definição" também o que se 
chama comumente "princípio", pois as definições são, segundo sua 
terminologia, definições essenciais e de forma alguma meras conven-
ções de vocabulário. Daí se explica também o primado do método 
analítico afirmado por ele: "Pela natureza do conceito, o analisar vem 
primeiro, na medida em que deve apreender anteriormente a matéria 
empírico-concreta dada na forma de abstrnções universais, as quais 
podem então ser postas como definições prévias do método sintético" 
(VIII , 441). As "definições", tais como Hegel as entende, exprimem, 
pois, intuições da essência do objeto do conhecimento obtidas analiti-
camente. 
O verdadeiro método da filosofia deve distinguir-se, tanto do mé-
todo analítico quanto do sintético, por não partir de pressupostos; 
quando tal ocorre, trata-se, independentemente de qualquer resultado 
obtido no âmbito do conhecimento do entendimento, de um proceder 
inadequado à especulação (VIII, 441). O verdadeiro método filosófico 
não se move, como o método do conhecimento finito , o qual abstrai 
(analiticamente) de certas determinações genéricas do objeto concreto 
para enfim, novamente , referi-las (sinteticamente) ao mesmo objeto, 
no âmbito da reflexão exterior, mas encontra o geral no seu próprio 
objeto~ sendo. destarte, o próprio princípio imanente deste (V, 335). 
O verdadeiro método da filosofia não apenas se distingue dos 
métodos analítico e sintético, mas contém também os elementos positi-
vos destes enquanto "superados" (VIII, 449); segundo Hegel, ele é 
tanto analítico como sintético. Analítico enquanto encontra, no geral 
que toma por início. as determinações deste e. ao mesmo tempo, sin-
tético, na medida em que o geral tomado por ponto de partida deve 
ser .simples. pelo que as determinações deduzidas a partir de!e não 
estão contidas nele. Elas estão, "em si", contidas no início, mas "para 
Filosofia Dialética Moderna 141 
si", não: com esta distinção resolve-se o paradoxo do "nem analítico 
- nem sintético" e "tanto analítico -- como sintético" . O método 
filosófico é analítico na medida em que todas as demais determinações. 
de acordo com .o automovimento do conceito, procedem do início. 
sendo que o pensar apenas as contempla: ele é sintético na medida em 
que o pensar é a atividade do próprio conceito (VIII. 449). Analoga-
mente vale para a transição: analítica enquanto o conteúdo do geral 
é elaborado pela dialética imanente e sintética enquanto os "momen-
tos" desenvolvidos a partir do gera1 ainda não estavam "postos': ne:e 
(VIII, 449-450). Na medida em que estes são postos apenas no desen· 
volvimento do movimento conceituai, não existe entre eles e o início 
nenhuma relação de identidade, sendo pois a relação sintética. 
Como o método analítico deve ser simultaneamente analítico e 
sintético, o início não podemais ser tido por algo de imediato, devendo 
ser reconhecido, por sua vez, como mediatizado (VIII, 450; cf. V, 347) 
e superado na totalidade da idéia absoluta (VIII, 451). 
Não se pode negligenciar o fato de que, na maneira hegeliana de 
caracterizar o método- do conhecimento especulativo, não só está 
superada a distinção entre análise e síntese, mas a significação das 
expressões "analítico" e "sintético" se encontra modificada. Se o mé-
todo absoluto deve conter um elemento analítico, porque o pensamento 
vê aqui passivamente o automovimento do conceito e um elemento 
sintético, porque o pensamento é a própria atividade do conceito, tra-
ta-se, então, obviamente, não ·mais de uma distinção entre dois mé~o­
dos, mas de dois pontos de vista . internos a uma mesma concepção 
metafísica determinada. "Pensar" s1gnifica, i:qui, de um lado, o pensar 
empírico, ao qual se contrapõem, como conteúdos objetivos, os concei-
tos em movimento e, de outro lado, a nóesis noéseos (VIII, 446). 
Sempre que as reflexões de Hegel se referem ao método no sentido 
corrente do termo, a distinção entre análise e síntese se mantém; quando 
esta distinção parece "superada", as expressões "análise" e "síntese" 
não designam mais métodos. O "método" absoluto é a consciência do 
gera] como conceito puro e simples. Daí consistir a natureza do "méto-
do" absoluto em não ser distinta de seu conteúdo e em determinar por 
si própria seu ritmo. Conseqüentemente, Hegel rechaçou todo forma-
lismo . metodológico, inclusive a triplicidade dialética (II, 46 sqq. ; 
II, 53; V, 344). 
142 Wolf gang Rod 
Um método de conhecimento idêntico ao objeto do conhecimento 
não pode ter, decerto, nada em comum com o que se entende habitual-
mente por "método". Não se pode tratar, pois, do significado corrente 
de "método", quando este termo é definido como "o que se auto· 
conhece, o conceito, absoluto, tanto objetivo como subjetivo, que se 
tem por objeto, pura coincidência entre si mesmo e a realidade, exis-
tência que é ele próprio" (V, 330). Se se entende por "método", na 
~cepção habitual, a suma das instruções pelas quais se regula a desco-
berta e a fundamentação de sentenças verdadeiras até agora desconhe-
cidas ou não fundamentadas, então deve-se constatar que o que Hegel 
chama de "método" em passagens como <:s citadas não é método, mas 
concepção metafísica do saber absoluto. O próprio Hegel estava cons-
ciente desta diferença, ao declarar, quanto ao aspecto sintético do mé-
todo absoluto, que não se trata mais, neste caso, do que se chama 
"síntese" no conhecimento finito. Já por coincidirem os momentos 
sintético e analítico, distingue-se a síntese, no novo sentido, do mé-
todo sintético no sentido tradicional. Hegel podia, pois, dizer: "O 
método é o conceito puro, que se relaciona apenas consigo mesmo" 
(V, 352). 
Inversamente, onde Hegel ainda entende "dialética" co:no méto-
do no sentido tradicional (eventualmente arnpfü:do, sem, porém, rom-
per radicalmente), a relação entre método analítico e dialético pode 
ser facilmente delineado. Constate-se, em particular, que Hegel, ao 
proceder de fato dialeticamente - por exemplo, a partir da opinião 
de que a certeza do objeto constitui a essência da experiência sensível, 
através da opinião de que esta essência é encontrável na certeza de si, 
até a intuição do condicionamento recíproco de ambas - emprega 
sempre um método que pode ser interpretado indubitavelmente corno 
variante do método analítico. 
O "método absoluto" só pode ser concebido como "método da 
verdade" (V, 350) após a plenitude do "sistema da totalidade" (V, 
348). O "método absoluto" de Hegel não deterrninu as etapas que 
levam à construção do sistema; ele exprime uma interpretação de 
conjunto do sistema constitutivo. Este não é o método da filosofia 
especulativa, mas a própria filosofia especulativa. Como para esta, 
em geral, vale também para o método absoluto o que Hegel constata 
no prefácio à Fenomenologia do Espirita: "O começo da filosofia 
Ui\HVERSIDADE n:or 
BrnLIOTt~A ' 
Filosofia Dialética Moderna 143 
põe o requisito ou a exigência de que a consciência se encontra neste 
elemento (ou seja: no autoconhecimento puro) ... É a pura espiri-
tualidade que possui, enquanto geral, a forma da imediatidade 
pura ... " (II, 28). Deve-se começar com o absoluto, na medida em 
que este ainda não é em si, ou seja: absoluto, ao mesmo tempo geral 
e particular ou sujeito (V, 334). Para se poder conceber, no entanto, o 
início como "momento absttato, unilateral" (ibid.) do absoluto atuali-
zado, o qual "se mostra, visto em si mesmo, como o outro de si mes-
mo" (V, 340), é necessário pressupor, de certa maneira, o que só seria 
dado no resultado. Em termos de Hegel: o início é, em si, totaliélade 
concreta (V, 352), o resultado é "a totalidade voltada para si e idên-
tica a si" (V, 345); a ciência especulativa se apresenta como um 
círculo, ou melhor: como círculo de círculos (V, 351). Somente com 
este pressuposto pode-se falar de superação dos métodos analítico e 
sintético no método absoluto. 
Enquanto o regresso analítico e o progresso sintético são, em 
princípio, intermináveis, o método absoluto leva ao início de ambos, 
ou, mais exatamente: em princípio, nenhum ponto do percurso de 
ambos está claramente determinado como início. A pretensão da filo-
sofia especulativa, de não fazer pressuposição alguma, aqui aparente-
mente fundamentada, não pode ser, porém, mantida. De fato, tanto 
como a filosofia especulativa em geral, o método dialético tem sua 
origem na teoria analítica da experiência elaborada na Fenomeno-
logia do Espírito. Na medida em que são determinados como "f~n­
damento e base da ciência" o "saber em geral" (II, 28), e como meta 
da reflexão fenomenológica sobre a evolução da ciência "a intuição 
pelo espírito, daquilo que é o saber" (II, 31), o início da filosofia é 
situado no eiemento consciencial. A progressão se efetua de forma 
que a consciência se "exprime" em seus momentos, os quais se opõem 
enquanto momentos e aparecem como formas da consciência (II, 36). 
"A ciência desta via é a ciência da experiência feita pela consciência" 
(II, 36), afirma Hegel expressamente. O caráter de teoria da experiên-
cia da dialética elaborada na Fenomenologia será examinado no 
próximo parágrafo; aqui interessa apenas destacar como o próprio 
Hegel relacionou o procedimento utilizado na Fenomenologia com 
o método analítico. 
Analisar uma representação, distinguir seus elementos ongmais, 
significa superar a forma do seu ser-conhecida, passando-se aos seus 
144 Wolfgang Rod 
momentos. Hegel não se identifica de forma alguma com este método, 
na medida em que este é aplicável tradicionalmente; ele vê nele, porém, 
um elemento que admite ser essencial para o método filosófico: os mo-
mentos de uma representação conhecida, obtidos por análise, não são, 
eles mesmos, conhecidos, dados ou dáveis, mas algo de pensado, irreal 
mesmo, na medida em que não se trata de representações de objetos 
(II. 33). De outro lado, tais momentos isolados por análise são decerto 
reais, na medida em que constituem "propriedade imediata do eu" 
(II, 33) . A faculdade de distinguir do entendimento independentiza 
momentos que só são reais enquanto dependentes entre si, mas que 
representam, em suas relações de oposição, a "força do negativo" 
(II, 34), o qual é o princípio -do movimento conceituai, do progresso 
do pensamento. 
Hegel resume aqui a concepção tradicional dos conceitos não-
objetivos ("teóricos) emergentes no método analítico como "ficções", 
segundo a qual estas não são conceitos de objetos, mas só possuem 
sentido dentro de uma teoria construída com a finalidade de explicar 
os objetos. Não é certo que estes conceitos tenham sido obtidos por 
análise de um conceito ou representação dado, mas a insistência sobre 
a "irrealidade" destes elementos conceituaischama a atenção para um 
componente importante do método analítico: na medida e.::n que se 
formulam, na "análise'', hipóteses em que aparecem conceitos teóricos, 
aquela se apresenta como construção intelectual. Os conceitos "irreais" 
da mesma valem, para Hegel, como móveis, no sentido de automovi-
mento do conceito. Nisto reside a diferença decisiva entre os métodos 
dialético e analítico tradicional, para o qual o resultado da análise 
deveria consistir em conceitos estáticos. 
As determinações "irreais" obtidas pela análise são, por isso mes-
mo, "móveis", por não serem conceitos de objetos. Se o fossem, elas 
estariam determinadas de uma vez por todas. Na medida, porém, em 
que possuem o caráter de conceitos teóricos, elas só podem ter sentido 
no contexto da respectiva teoria. Logo que se altere este contexto 
teórico, altera-se seu sentido. Trata-se, nas palavras de Hegel, do 
"vinculado'', real apenas em seu contexto e junto com um outro", que 
"ganha uma liberdade especial" (II, 34). A relação que aparece aqui 
é dialética, mas primeiramente o positivo é . superado, reduzido a mo-
mentos meramente pensados, os quais são então, por sua vez, negados, 
na medida em que são "superados" em seu isolamento. 
. " P~.RA 
Filosofia Dialética Moderna 145 
No presente contexto, Hegel não buscava uma exposição da estru-
tura de teorias, mas delinear a relação entre o eu e o objeto, a qual 
pode ser apreendida por intermédio das relações estabelecidas pela 
análise. Já se aludiu, acima, a que os momentos "irreais" resultantes 
de análise devem ser propriedade do eu. A negatividade dos momentos 
pensados diante do positivo, de que parte a análise, parece, a Hegel, 
ser energia do eu puro, demonstrando-se, enfim, que "o representado 
se torna propriedade da autoconsciência pura" na qual deve consistir 
a "elevação à universalidade" (II, 34). Hegel não analisa reláções 
resultantes da aplicação do método analítico para as aplicar então à 
experiência, mas a experiência é, para ele, o lugar em que as relações 
em questão se mostram originariamente. 
4. Análise da experiência e dialética 
Uma vez que está claro como Hegel caracteriza o método analí-
tico, pas.saremos a mostrar que ele, como a filosofia sistemática moder-
na em geral, também tomou o éaminho da análise da ex!Jeriência para 
a fundamentação. Neste contexto reforçaremos a tese de que a dialé-
tica hegeliana decorreu de uma interpretação determin"da das relações 
estabelecidas na teoria da experiência, o que não quer dizer que ela 
tenha decorrido exclusivamente daquela, pois já se aludiu, acima, ao 
fato de que a dialética de Hegel cresceu de várias raízes; não se deve 
deixar, no entanto, de destacar que ela depende essencialmente da 
idéia de uma fundamentação analítica da experiência. 
' Como para todos os representantes da teoria analítica da expe-
riência, também para Hegel o fato de que haja experiência, pura e 
simplesmente, é o ponto de partida da fundamentação filosófica: 
"A ... emergência da filosofia tem a experiência, consciência imedia-
ta e raciocinante, por ponto de partida" (VIII, 56). "Experiência" é 
entendida aqui no mais amplo sentido, como "o presente enquanto 
tal", como o ser presente de coisas, tais como estas se apresentam na 
atitude quotidiana diante da realidade. Que a fundamentação deva ser 
operada através da análise da experiência em si, é afirmado com clare-
za por Hegel: "O iníc:io é tomado no sentido do ser imediato da intui-
ção e percepção, - o início do método analítico do conhecimento 
finito" (VIII, 448-449). O método sintético deve ser empregado como 
complemento do analítico, isto é, o procedimento analítico-experimen-
146 Wolfgang Rod 
tal consiste apenas em um lado do método filosófico, que só não é uni-
lateral, segundo Hegel, quando reúne em si os aspectos analítico e sin-
tético sob a forma de uma interdependência íntima e não apenas de 
modo superficial. O procedimento sintético caracteriza, em termos 
gerais, a ciência da lógica, e o analítico a fenomenologia do espírito. 
Enquanto a lógica tem por tema o automovimento do espírito, a fe-
nomenologia trata da evolução dialética da experiência, da certeza 
sensorial até o saber absoluto. 
Isto deve ser caracterizado quanto às etapas essenciais do processo 
da Fenomenologia do Espírito, primeiramente quanto à dialética da 
experiência revelada na certeza sensocial.14 
a) Ce;·teza sensorial 
( 1 ) Na certeza sensorial há um objeto presente como imediata· 
mente simples. O objeto, como algo imediatamente dado, é concebido 
como essência da certeza sensorial, como a "verdade" desta. O eu expe-
rimentante é apreendido, no entanto, apenas de modo mediato na 
certeza do objeto observado, isto é, a certeza do eu é "mediatizada" 
pela certeza do objeto. 
A análise da certeza empírica do objeto se subordina à tarefa de 
decidir se o objeto da certeza sensorial é o essencial, tal como é pen-
sado. (Note-se que Hegel não busca uma análise psicológica, relativa 
aos atos do pensar, nem uma reflexão sobre o que seja o objeto "ver-
dadeiramente"; trata-se exclusivamente de uma forma de manifestação 
da experiência sensorial e de sua estrutura). 
O que foi pensado como essencial na certeza sensorial, ou seja, 
o objéto concreto na plenitude de suas determinações m<::teriais, se 
demonstra, segundO'Hegel, como inessencial, logo que a análise tenha 
mostrado com clareza que este objeto, enquanto determinado, é inex-
primível. A certeza sensorial não é, como inicialmente suposto, o 
conhecimento mais rico, mas o mais pobre: ele contém apenas a ver-
dade de que algo existe (II, 81). Jsto quer dizer: a massa das determi-
nações do objeto dadas visivelmente não é o "verdadeiro" - ela não 
é articulável em línguas racionais - , mas algo de universal, exprimível 
racionalmente: o ser (do objeto). "Ser" aparece, assim, como um mo· 
mento racional da certeza sensorial. Enquanto universal, o "ser puro" 
é a negação do ser da certeza sensorial e, por conseguinte, não mais 
imediato. 
Filosofia Dialética Moderna 147 
A análise de ( 1) leva, partindo da suposição de que o ser d0 obje-
to é imediatamente "verdadeiro" ou essencial, à superação desta suposi-
ção. Trata-se, decerto, da mesma forma de argumentação que a utili-
zada por Kant na discussão da tese e antítese das antinomias. 
(2) O objeto pensado é meu objeto, ele é porque se sabe dele. 
Suas determinações são determinacões vistas, ouvidas, etc. O ver, ouvir, 
etc. ou seja, o meu eu, na medida em que é um eu que vê , ouve, etc . 
o objeto, em questão, é pensado como "verdadeiro", isto é, como a 
essência da certeza sensorial. 
Na análise de (2) fica demonstrado que não é o eu individual, 
mas o "eu em si" que constitui a essência da certeza sensorial, dado 
que o eu individual é logo um eu-que-vê-uma-casa, logo um eu-que-
vê-uma-árvore, um superando o outro, enquanto que o eu em si per-
manece eu independentemente da determinação concreta do eu como 
este ou aquele que vê, ouve, etc. 
Paralefamente à reflexão de ( 1) poder-se-ia argumentar que, 
"este eu" é tão pouco exprimível quanto "este objeto determinado". 
Sempre que se diz "eu" no falar racional, o "eu" é algo de universal, 
isto é, o "eu em si' . Quando Hegel destaca que a língua é a "mais veraz" 
com relação à opinião, não se trata de uma antecipação da concepção 
preconizada pela ordinary language analysis, de que a linguagem 
corriqueirn fornece os critérios para a decisão de problemas filosóficos, 
mas a "veracidade" da língua consiste, para Hegel, no fato de que o 
conceito, e, com isso, a essência universal, nela se reflete. A concepção 
hegeliana da verdade lingüística depende diretamente de sua posição 
realista quanto aos conceitos.15 
Como o "eu em si" não é apreendido como universal, de modo 
i.nc:diato, mas apenas como essência deste ou daquele eu concreto (do 
eu-que-vê-uma-casa,etc.), ele é "mediatizado" pelo objeto da certeza, 
na medida em que este é sabido pelo eu. (3) Nem (1) nem (2) como 
neg2ção da posição ( 1) podem ser mantidos, como demonstram as res-
pectivas análises. Tanto a suposicão de que a essência da certeza sen-
sorial consiste em seu objeto como a suposição de que ela consiste no 
eu correspondente à certeza sensorial foram superadas na análise. "A 
certeza sensorial constata, pois, que sua essência não consiste nem no 
objeto nem no eu e que a imediatidade não é nem de um nem de outro" 
148 Wolf gang Rõd 
(II, 86). "Eu" e "objeto" devem ser concebidos, antes, como mo-
mentos interdependentes da certeza sensorial (como forma da expe-
riência). A essência da certeza sensorial não pode, evidentemente, ser 
encontrada em um de seus momentos, mas nela mesma enquanto todo 
(II, 87) . Também aqui vale: "O verdadeiro é o todo" (II, 24). A cer-
teza sensorial é a interdependência de seus momentos, não no sentido 
estático, mas "móvel". A fenomenologia descreve a história deste "mo· 
vimento", devendo entender-se "movimento" como a transição lógica 
de seus momentos conceituais. O movimento enquanto desdobramento 
e distinção dos momentos da certeza sensorial é, segundo Hegel, a 
percepção, com a qual o âmbito de certeza sensorial é superado pelo 
"movimento" que a habita. 
Antes de examinarmos este ponto, devemos completar esta consi-
deração sobre a dialética da certeza sensorial com a análise da dialética 
ct'o aqui e agora, que possui a mesma estrutura da dialética do eu e obje-
to a que acabamos de aludir. O ob.ieto da certeza sensorial está per-
mnnentemente num lugar determinado e em um tempo preciso. En-
quanto objeto determinado espacial e temporalmente, e1e não pode ser 
expresso nem conhecido conceitualmente, mas apenas indicado. N ::t 
tentativa de mostrar um "aqui" e um "agora", surge um movimento 
dialético destes momentos, o qual concretiza a dialética universal da 
certeza sensorial. 
A dialética do "agora" se apresenta, segundo Hegel, da seguinte 
maneira: (a) algo é mostrado como existente agora; na medida em 
que é mostrado como tal, todavia, (b) este algo já não é mais presente, 
mas~ dado que o mostrar transcorre no tempo - passado. "Agora 
passado" é a negação do agora. Como, porém, ( c) o "agora passado" 
deve ser negado também por causa da contradição patente nos termos 
- algo passado não é mais -, e, enquanto negação da negação, ( b) 
possui o caráter de dupla negação, restabelecendo a posicão do agora. 
embora não como imediato e demonstrável, mas como uma determi-
nação universal. Quando Hegel formula o resultado do movimento 
dialético como "afirmação ... de que o agora é" (II, 88) ou explica 
"que o agora é universal" (II, 89), entende-se que cada ob.ieto da 
certeza sensorial está dado imediatamente num agora determinado, 
enquanto que o resultado do movimento dialético esboçado diz que 
os objetos empíricos sempre estão presentes em um "agora" qualquer: 
Filosofia Dialética Moderna 149 
estar dado no presente respectivo é a determinação universal da certeza 
sensorial dos objetos. Tal vale analogamente para o "aqui". 
Na indicação do "aqui" e do "agora" surge, pois, um movimento 
entre os diferentes momentos: "isto é posto, mas é um outro que é 
posto, ou o isto é superado: e este ser outro ou superação do primeiro 
e, por sua vez, superado, voltando-se, assim, ao primeiro" (II, 88). 
O resultado do movimento dialético do mostrar é o pensamento da 
essência do agora (ou do aqui), "uma multiplicidade de agoras resu-
mida" (II, 89). Com isto aparece uma vez mais, como resultado da 
dialética do "aqui" e "agora'', a intuição de que a certeza sensorial do 
dado aparentemente imediato contém sempre determinações universais, 
isto é, de que não existe nenhum dado imediato aconceitual. Neste 
ponto constata-se uma noção importante para o idealismo alemão, 
comparada com a qual a teoria posterior dos dados sensíveis parece 
como regresso a uma posição gnoseológica já superada por princípio. 
Hegel reconheceu que, para se poder dizer "este objeto aqui e a_qora", 
tem-se necessidade das determinações gerais do ser, da temporalidade 
e da espacialidade e que, desta forma, a "sensibilidade" jamais é pura, 
isto é, independente de conceitos. 
A dialética da certeza sensorial se apresenta, enfim, também como 
dialética do ser sensorialmente certo, do ser puro e do devir: ( 1) a 
"verdade" (isto é, o essencial) da certeza sensorial é concebido inicial-
mente como o ser da coisa, sendo que "ser da coisa" significa: "a 
coisa é, e é só porque é"(Il, 82). (2) Na medida em que, abstraindo-se 
de todo conteúdo observado no caso concreto, se diz do objeto que 
ele é, o "é" se evidencia como algo geral, isto é, como "puro ser", que 
é abstrato e, por conseguinte, negação do ser pensado enquanto ser do 
objeto na plenitude de suas determinações concretas . Pela negação 
deste último, o puro ser é relacionado, é "mediatizado", segundo a 
terminologia de Hegel (II, 85), sendo, com isto, ( 3) ser com uma 
determinação. 
Esta mediação, analogamente ao que foi dito quanto aos exem-
plos introduzidos anteriormente, é interpretada como "movimento" 
dos momentos superados em ( 3) : o mediatizar é uma imediatidade 
em devir, isto é, o movimento dialético sempre leva, através da ramifi-
cação, de volta à imediatidade, ao ser. Aparece, assim, na análise da 
150 Wolfgang Rt>d 
experiência uma estrutura conceitua! que deverá ser considerada, na 
Lógica, puramente como tal. 
b) Percepção 
A análise da certeza sensorial levou ao resultado de que em toda 
experiência de objeto está contido algo de universal ou de que nenhum 
juízo sobre objetos da experiência é possível sem determinações uni· 
versais. Por esta razão, um objeto dado sensorialmente só pode ser 
pensado como este objeto concreto, ele só pode ser representado como 
dado aqui e agora; a localização de um aqui e agora pressupõe, porém, 
uma ordem espacial e temporal, um quaclro espaço-temporal universal, -
dentro do qual se pode atribuir a cada indivíduo um lugar próprio. O 
mesmo vale para outras determinações do objeto: a predicação de 
propriedades supõe a existência de um quadro conceitua!. Não se 
pode Liizer de uma coisa, por exemplo, que ela seja vermelha, se as 
relações de "vermelho" para com as demais cores do prisma e o con· 
ceito "cor" não são conhecidas. 
A consciência dos objetos no contexto das determinações univer-
sais se chama, segundo Hegel, "percepção", excluindo-se a significação 
psicológica desta expressão. Trata-se, antes, de uma redefinição deste 
termo, segundo a qual ele significa "experiência de um objeto deter-
minado por propriedades universais". Como, para Hegel, o universal 
é o verdadeiro, surge a impressão de que esta definição recorre à etimo-
logia do termo *. 
A "percepção", enquanto apreensão das determinai::ões univer-
sais, é negação da imediatidade sensível do objeto (do "isto"), no sen-
tido da negação determinada. O momento da imediatidade sensorial 
é "superado" nela no duplo sentido que Hegel atribui ao termo: na 
"percepção", (a) a imediatidade sensorial é negada, na medida em 
que o objeto da percepção é determinado e, por conseguinte, "media-
tizado" por relações universais; nela, (b) as propriedades imediata-
mente presentes são mantidas, isto é, a coisa continua aparecendo 
como esta coisa vermelha, triangular, etc., mas elas são retidas pela 
* NOTA DO TRADUTOR: 
O termo alemão original "Wahrnehmung", traduzido aqui por percepção, 
se decompõe, etimologicamente, em "Wahr-Nehmung": apreensão do ver-
dadeiro; daí a relação estabelecida pelo autor. 
---·-- ---··---- ---------------------~ 
Filosofia Dialética Moderna 151 
"percepção" como casos do universal. A coisa é vermelha na medida 
em que participa da "vermelhidão", etc. 
É sobre o fundo desta concepção realista do conceito

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