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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ITAJUBÁ TECNOLOGIAS, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SOCIEDADE. A EDUCAÇÃO E AS REDES SOCIAIS: A (IN) VISIBILIDADE DA ANGÚSTIA E AS PRÁTICAS AUTOLESIVAS DE ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL. ANGÉLICA CRISTINA BEZERRA. Itajubá, novembro de 2018 UNIVERSIDADE FEDERAL DE ITAJUBÁ TECNOLOGIAS, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SOCIEDADE. ANGÉLICA CRISTINA BEZERRA. Monografia de conclusão de curso apresentada ao Curso de Especialização em Tecnologias, Formação de Professores e Sociedade da Universidade Federal de Itajubá e Universidade Aberta do Brasil, como parte dos requisitos necessários para a conclusão do curso. Orientador: ADILSON DA SILVA MELLO. ITAJUBÁ 2018 ANGÉLICA CRISTINA BEZERRA. A EDUCAÇÃO E AS REDES SOCIAIS: A (IN) VISIBILIDADE DA ANGÚSTIA E AS PRÁTICAS AUTOLESIVAS DE ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL. Monografia de conclusão de curso apresentada ao Curso de Especialização em Tecnologias, Formação de Professores e Sociedade da Universidade Federal de Itajubá e Universidade Aberta do Brasil, como parte dos requisitos necessários para a conclusão do curso. Aprovado em XX de novembro de 2018 Banca Examinadora Prof. Xxxxxxxxxxxxxxxxxx Examinador UNIFEI Prof.ª xxxxxxxxxxxxxxxxxx Examinadora UNIFEI Prof. Xxxxxxxxxxxxxxxxxx Examinador XXXXXX Itajubá, novembro de 2018 Dedico este trabalho ao Eterno, a minha família, amigos e principalmente aos meus alunos, pois sem eles não seria possível o meu interesse pela temática. AGRADECIMENTOS Agradeço pelo dom da vida, aos meus pais Edinaldo Soares Bezerra e Maria do Rosário Bezerra, minha irmã Alice Rozane Bezerra, os meus sobrinhos Bernardo Bezerra F. Nobre e Olivia Bezerra F. Nobre que com seu amor enchem meu coração de esperança por dias melhores. Aos meus amigos que verdadeiramente me apoiaram em muitos momentos precisei estar longe para poder dedicar meu tempo para pesquisa e escrita deste trabalho. Aos meus colegas de turma que foram um diferencial para conclusão deste curso, sem o apoio e suporte com palavras de incentivo, o bom humor da turma do polo de Resende possivelmente não teria concluído. “O pessimismo da razão, otimismo da vontade”. Antônio Gramsci RESUMO: A prática da automutilação por adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social é o aspecto que norteia todo trabalho apresentado. Para tanto, é preciso perceber as sutilezas e a complexidade da análise da temática. Primeiramente, a invisibilidade social sendo detectada no espaço educativo, como elemento que distancia o educando de receber o suporte tão necessário para superação da angústia. Pensar à angústia como um fator que facilita a prática autolesiva, a exposição de casos reais de educandos que flagelam o corpo e de profissionais que atuam junto ao público descrito e a visibilidade deste adolescente através das redes sociais na internet. Por último, há apontamentos sobre repensar a formação do docente e o conceito de interseccionalidade colabora para ações pedagógicas mais efetivas quanto à utilização das redes sociais e a instrumentalização de recursos legais existentes para melhor direcionamento dos eventos recorrentes nos espaços educativos, garantindo assim o desenvolvimento biopsicossocial saudável ao estudante. Palavras-chave: Automutilação. Angústia. Redes Sociais. Formação Docente. ABSTRACT: The practice of self-mutilation by adolescents in situations of vulnerability and social risk is the aspect that guides all the work presented. In order to do so, one must understand the subtleties and complexity of analyzing the subject. Firstly, the social invisibility being detected in the educational space, as an element that distances the student from receiving the support so necessary to overcome the anguish. To think of anguish as a factor that facilitates self-injurious practice, the exposition of real cases of students who plague the body and of professionals who work with the public described and the visibility of this teenager through social networks on the Internet. Finally, there are notes on rethinking teacher education and the concept of intersectionality collaborates for more effective pedagogical actions regarding the use of social networks and the use of existing legal resources to better target recurrent events in educational spaces, thus ensuring biopsychosocial development healthy to the student. Keywords: Self-mutilation. Anguish. Social Media. Teacher Training. . 9 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 10 2. OBJETIVOS.......................................................................................................... 12 1.1. Objetivo Geral..............................................................................................12 1.2. Objetivos Específicos...................................................................................12 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..................................................................................13 4. A CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE NA ADOLESCÊNCIA E A INVISIBILIDADE SOCIAL...............................................................................................................................13 4.1. A invisibilidae social, a construção da subjetividade e as mídias................17 4.2. A (in)visibilidade da mente e do corpo dos estudantes nos espaços educacionais..........................................................................................................................20 5. A ANGÚSTIA E AS PRÁTICAS DE AUTOMUTILAÇÃO DE ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VULNERABILDIADE E RISCO SOCIAL EM ESPAÇOS EDUCATIVOS......................................................................................................................27 5.1 A exposição da prática automutiladora nas redes sociais e a ocultação dos ferimentos originados pela angústia.......................................................................................30 5.2 Os relatos da angústia: os adolescentes praticantes de ações autopunitivas......33 6. O DESENVOLVIMENTO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA PREVENÇÃO E DIMINUIÇÃO DA AUTOMUTILAÇÃO EM ESPAÇOS EDUCATIVOS.......................38 6.1 A (de) formação pedagógica frente à utilização das redes sociais......................40 6.2 As redes sociais como ferramenta pedagógica na prevenção e combate das práticas automutiladoras.........................................................................................................45 7. CONCLUSÃO...................................................................................................................49 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................51 10 1. INTRODUÇÃO No presente trabalho, o objetivo de analisar a prática automutiladora e suas imbricações no desenvolvimento humano de adolescentes e jovens, a partir de diferentes abordagens que transpassam toda pesquisa apresentada. A abordagem psicológica para conceituação da angústia, aspecto precursor da autolesão, as consequências da automutilação como sintoma social e emocional, as declarações de adolescentes e as causas apresentadas para justificação das ações agressivas contra o corpo e a atuação profissional dos Orientadores Educacionais que atuam em espaços educacionais que lidam com um público vulnerável quanto à saúde física e psíquica de adolescentes acometidos pela angústia. Para tanto, é primordialidentificar as especificidades de cada atendimento sociopsicopedagógico e as possíveis trajetórias para salvaguardar a integridade destes sujeitos que colocam em risco suas vidas. Nesta conjuntura alguns atendimentos realizados na Associação Beneficente São Martinho (ABSM) tornam-se interessantes para análise de estudiosos de transtornos e autoflagelação já que o público atendido pela organização não governamental (ONG) são crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social. Entre eles: indivíduos residentes em casas de acolhimento, moradores em situação de rua, famílias assoladas pelo empobrecimento extremo e que vivenciam contextos intensos de violência. Há interesse em pensar a formação de professores para lidar com as questões anteriormente expressas e como as redes sociais são utilizadas para propagação deste fenômeno social contemporâneo. O intuito após relatar os entraves vivenciados pelos profissionais que atuam com o público aqui analisado é relatar sobre as ações realizadas pelo governo federal e a pouca veiculação da cartilha idealizada para prevenção e combate as práticas automutiladoras, mas sem preparar os profissionais dos espaços educativos para seu uso com efetividade seja junto aos adolescentes, a família e/ou a comunidade escolar. As redes sociais são utilizadas como ferramenta de veiculação para disseminação de jogos e exposição das lesões auto-infligidas, contudo também pode ser um poderoso recurso utilizado pelos educadores, técnicos e especialistas que atuam no campo educacional independentemente dos espaços educativos que atuem sejam escolares ou fora dos muros da escola. 11 2. OBJETIVOS 1.1. Objetivo Geral Analisar as práticas pedagógicas desenvolvidas no serviço de Orientação Educacional destinadas aos adolescentes praticantes da automutilação na Associação Beneficente São Martinho (ABSM) com vistas a compreender a influência das redes sociais no processo autopunitivo. 1.2. Objetivos Específicos • Identificar práticas pedagógicas para possíveis abordagens sobre educação, redes sociais e direcionamentos para combate as ações autopunitivas; • Identificar as contribuições do Orientador Educacional para fomentação de ações formativas para colaboração junto à equipe técnico-pedagógica; • Analisar a influência das redes sociais e da mídia sobre sintomas da angústia entre adolescentes e jovens. 12 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A presente pesquisa é constituída por alguns eixos de abordagem: invisibilidade social, a construção da subjetividade mediante a evolução da tecnologia e das redes sociais, automutilação e as propostas pedagógicas desenvolvidas para diminuição de tais sintomas sociais nos espaços educativos. O eixo corresponde à inserção de caráter introdutório sobre o conceito de invisibilidade a partir da reflexão dos sociólogos Jessé Souza e Zygmunt Bauman. Já para clarificar as correlações entre a formação da subjetividade dos adolescentes, tecnologia e redes sociais há como suporte a pedagoga Miriam Grispun, a filósofa Marilena Chauí e entre outros autores que ajudam a clarificar as aparições nas redes sociais de casos de práticas autolesivas. É tratada de forma sucinta os elementos aglutinadores, reforçadores e impulsionadores da dimensão psicológica dos adolescentes que se automutilam, para tanto os psicólogos José Cedaro e Josiana Nascimento expressam interessantes elementos para análise da cartilha com título Vamos Conversar sobre a Prevenção da Automutilação? O governo federal através da Comissão Parlamentar de Inquérito, conhecida como CPI dos Maus Tratos contra Crianças e Adolescentes cria o documento com intuito de colaborar com os responsáveis, os praticantes da autolesão e com os espaços educativos. Há uma descrição de casos reais de automutilação na adolescência e sutis direcionamentos de como os profissionais podem agir diante de um caso prático de adolescentes que se automutilam. E, por fim, será apresentada uma pequena conclusão, sobre os principais elementos apontados no decorrer do presente texto. CAPÍTULO I 13 4 - A CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE NA ADOLESCÊNCIA E A INVISIBILIDADE SOCIAL. Os espaços não escolares não estão apartados da conjuntura encontrada na sociedade, bem como suas tensões e contradições. Os diversos fenômenos sociais impactam nas instituições de ensino e suas propostas pedagógicas necessitam ser reconfiguradas devido às novas demandas do público atendido. As famílias atendidas pela escola, também estão presentes nos espaços não escolares. Trata-se dos mesmos indivíduos que sofrem com as desigualdades sociais tão enraizadas nas relações que se estabelecem dentro do âmbito social. As organizações não governamentais (ONG) que visam o desenvolvimento de programas que possibilitem a instrumentalização de políticas públicas dentro das áreas de educação, saúde e/ou assistência promovem atendimentos sociopsicopedagógicos e seus atendimentos são baseados em pesquisas de levantamento de dados voltados para o território que realizam suas intervenções. Conforme Chauí (2000, p.558): [...] uma necessidade ou carência é algo particular e específico. Alguém pode ter necessidade de água, outro, de comida. Um grupo social pode ter carência de transportes, outro, de hospitais. Há tantas necessidades quanto indivíduos, tantas carências quanto grupos sociais. Neste sentido, a ONG analisada no presente trabalho busca a compreensão das especificidades do atendimento que proporciona as crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social, na capital do Rio de Janeiro. Os atendimentos são voltados às crianças e adolescentes que estão em situação de acolhimento institucional e população de rua. A instituição com 30 anos de existência, recentemente assumiu a presidência do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) – RJ. A invisibilidade social dos sujeitos atendidos é um constante elemento analisado pela instituição nas formações promovidas aos profissionais que nela atuam. A invisibilidade social é um aspecto presente no cotidiano e permeia as interações dos sujeitos atendidos pela organização. Neste âmbito a modernização e adventos da globalização que podem facilitar o aumento do acesso e as garantias de direitos aos indivíduos, não se configura na realidade. Souza (2006, p.23) alerta que: [...] a naturalização da desigualdade social e a consequente produção de “subcidadãos” como um fenômeno de massa, em países periféricos de modernização recente como o Brasil, pode ser mais adequadamente percebida como consequência, não de uma suposta herança pré-moderna e personalista, mas precisamente do fato contrário, ou seja, como resultante de 14 um efetivo processo de modernização de grandes proporções que se implanta paulatinamente no país a partir de inícios do século XIX. Neste sentido, a modernidade colabora para configuração de contextos que validam a “subcidadania” como aspecto que transpassa as interações humanas. A massa tem seus direitos negligenciados e não vivencia sua legitimidade, enquanto os grupos sociais que possuem o domínio dos adventos tecnológicos usufruem de uma cidadania plena, conservam e direcionam novas diretrizes sociais, políticas e econômicas, tomadas como universais. Conforme Campos e Neto (2010, p. 90) os meios de comunicação são na sua grande maioria tendenciosos, não divulgam as notícias com imparcialidade e geralmente se colocam a serviço da classe dominantee do capital. Os direcionamentos estipulados por quem detém o poder estabelece uma realidade hegemônica. Os indivíduos pertencentes às regiões periféricas não se reconhecem nos moldes criados, o que acaba por gerar conflitos e estranhamentos. Chauí (2000, p.557) alerta que: [...] a sociedade não é uma comunidade una e indivisa voltada para o bem comum obtido por consenso, mas, ao contrário, que está internamente dividida e que as divisões são legítimas e devem expressar-se publicamente. A democracia é a única forma política que considera o conflito legítimo e legal, permitindo que seja trabalhado politicamente pela própria sociedade. A insatisfação geradora do conflito entre os grupos só é possível ser resolvido através da democracia, mas para tanto é preciso indivíduos que tenham clareza de sua perspectiva cidadã. Infelizmente a falta desta concepção é o que possibilita uma sociedade arraigada as condicionantes hegemônicas, o que dificulta uma maior abrangência de elaboração de propostas contra hegemônicas. A globalização não possibilitou aos oprimidos saírem desta condição pelo contrário deu ênfase as suas fragilidades e evidenciou suas ausências. O crescimento econômico e os adventos tecnológicos não são a resolução dos problemas para desigualdade excludente e a marginalização, como afirma Souza (2006, p.24). A conjuntura social impacta nas interações estabelecidas pelos indivíduos as relações de poder são mantidas ou desafiadas, através dos papéis sociais que são assumidos pelos sujeitos. A construção da subjetividade humana sofre influências nesta dinâmica de atuações, sem ao menos o indivíduo ter clareza das imbricações estruturantes que fogem ao seu domínio 15 e quando as tem não consegue dimensionar formas de superá-las, mas o fato é que sua perspectiva é influenciada. Os incentivos da mídia e das redes sociais apresentam-se como instrumentos para despertar os desejos. O aguçar dos anseios atravessa a vida das pessoas durante toda sua constituição, desde a infância até a vida adulta. Os adolescentes na construção de sua subjetividade também sofrem os impactos da globalização e dos adventos tecnológicos. Segundo Grispun (2011, p.209): [...] a subjetividade esta percebida na e da juventude, no mundo em que vivemos onde determinadas dimensões não podem ser desconsideradas, como a globalização, as novas tecnologias, a política neoliberal e a condição da modernidade. Assim, não estou falando de um tempo qualquer, mas do tempo caracterizado por esses (e outros) aspectos que delineiam um tempo histórico/social próprio e específico. Os adventos tecnológicos não garantiram as camadas mais pobres da população um rompimento da sua condição de subalternidade, como já mencionado anteriormente. Na verdade é um aspecto influenciador para conservação do que está posto, uma sociedade que inviabiliza a visualidade de muitos e projeta com nitidez poucos. O adolescente, independentemente de qual grupo integre, tem a necessidade de ser visto. De acordo com Grispun (2011, p.213): [...] propondo uma análise e reflexão para entender os nossos jovens de forma o mais natural possível considerando sua cultura, sua história, seus grupos, suas normas, suas regras, suas relações com outros grupos, suas manifestações, além de enquanto pessoas viverem/experienciarem as características específicas no universo do que se denominou chamar de adolescência. A adolescência período de incertezas, inseguranças e momento que a construção da subjetividade sobre o mundo e quem se é no mundo. Há uma necessidade de um olhar atento das instituições educativas e dos profissionais que lidam com esses sujeitos. Conforme Grispun (2011, p. 219) o equilíbrio desejado para identidade do indivíduo é uma tarefa árdua e complexa, conceituar, compreender e agir da melhor forma possível para tal construção. A construção da subjetividade percebida no período da adolescência não é a pretendida pelos espaços educativos, seja dentro ou fora dos muros da escola, porém é nesta realidade que se dá atuação dos profissionais. 4.1 - A invisibilidade social, a construção da subjetividade e as mídias. 16 É nítido que não é unicamente responsabilidade da escola dar conta de todos os eventos que se configuram no âmbito social. Porém, a escola está inserida neste cenário e precisa lidar com adolescentes que vivenciam períodos de grandes conflitos, através de ações pedagógicas. Segundo Campos e Neto (2010, p.88): [...] o processo de ensino-aprendizagem ocorre normalmente quando a pessoa está bem consigo mesma, tendo boa auto-estima e auto-imagem. Uma sociedade, influenciada pela mídia, que engendra ações capazes de ditar o padrão de beleza e rotular os corpos, tem tendência de prejudicar emocionalmente estes sentimentos e atrapalhar a constituição subjetiva do sujeito e seu processo de desenvolvimento como aprendiz. Isso não quer dizer que tudo que é apresentado nesses meios comunicativos seja de má qualidade, mas que é necessário refletir a respeito dos seus efeitos. O processo de ensino e aprendizagem é atingido pela construção da subjetividade do indivíduo. A construção da subjetividade sofre influências da mídia e da invisibilidade social, que se dá de maneira e com proporções diferenciadas, de acordo com as condicionais estruturantes do contexto a qual o sujeito pertença. As instituições que atuam em parceira com o espaço escolar também não darão conta de forma isolada das mazelas sociais do público atendido, porém o aluno não visível na escola, também é atendido na instituição anteriormente apresentada. A interseccionalidade não pode ser desconsiderada na concepção educacional adotada na instituição acima mencionada. Segundo Brito e Freitas (2014, p.253): [...] refletir sobre gênero, raça, etnia, classe e sexualidade através do conceito de interseccionalidade é pensar nessas categorias de forma articulada e relacionada uma à outra, tendo em vista o fato que elas estão entrelaçadas em cada uma/um de nós. Relações de gênero e suas interseccionalidades, bem como as relações de poder aí implícitas, estão constantemente presentes em nossa sociedade. No nosso próprio cotidiano, em situações diversas do dia a dia, por meio dos mais diversos artefatos culturais, tais como músicas, programas de televisão, filmes, obras literárias, peças teatrais, obras de arte, sites, etc., conceitos (muitas vezes, “pré-conceitos”) ligados a gênero, raça, etnia, classe e sexualidade são construídos e reforçados. O pré-conceito é constantemente nutrido a partir de elementos que colaboram para invisibilidade de pessoas e/ou grupos sociais. Os autores acima destacam como a mídia, internet e a indústria do entretenimento favorecem mesmo que intuitivamente padrões que para grande parte dos indivíduos (destaco os adolescentes) é inatingível. A inadequação aos parâmetros socialmente difundidos, ganha um enquadramento quase que apelativo as massas. Os adolescentes são bombardeados de informações que circulam velozmente e deflagram uma 17 aproximação de quem está longe, um distanciamento de quem está perto. Assim família, amigos e pessoas ligadas aos seus grupos sociais não percebem aspectos comportamentais nocivos ao seu desenvolvimento biopsicossocial. Neste contexto aspirações de vir a ser, nascem e morrem sem ao menos serem identificáveis aos que podem dar o suporte necessário nesta fase da vida humana. A família, amigos e aos profissionais que lidam com adolescentes e jovens, é interessante que percebam a forte influência da mídia em tempos globais e os seus aparatos tecnológicos que ganham novas proporções com os adventosda internet. De acordo com Silva, Braz e Gomes Silva (2011, p.102-103): [...] com todo o progresso tecnológico alcançado pelo homem (especificamente o da mídia nessa discussão), o mundo de fato se tornou uma ―Aldeia Global como previa o filósofo canadense Marshall Macluhan, e nessa aldeia o social começa a ter a sua subjetividade uniformizada, de maneira que o corpo, o comportamento, a sexualidade, a ideologia passam a ser apenas um para todos. O que se percebe é a escravização da consciência coletiva, ditando regras, padrões, tendências, comportamentos, terapias, relativizando credos e valores. Isso é feito como lei para um todo sem levar em conta a subjetividade de cada indivíduo, desconsiderando as limitações psíquicas de cada um. A liberdade de existir e pensar como um sujeito independente se torna cada vez mais pálida na sociedade hodierna. A maneira que o sujeito reage a essa força esmagadora vinda de fora influenciará a saúde interior e o posicionamento deste indivíduo em relação ao meio em que está inserido. A aldeia global citada acima torna o sujeito invisível para sua uniformização, assim repercutindo também na aceitação dos indivíduos e quem se distancia dos ditames contemporâneos, sofre com as pressões sociais provocadas pelo âmbito idealizado como desejável para massa. A tensão vivenciada por quem rompe com a padronização dos desejos, é tão excessiva que a saúde psíquica das pessoas acaba por sofrer frequentes intervenções. Sendo visível a insatisfação e inadequações aos direcionamentos midiáticos e invisíveis as dores provocadas pela angústia. A descontextualização individual frente às aspirações coletivas torna sua consciência submissa, contudo ainda há a vontade de romper com os parâmetros sociais estruturados. Segundo Silva, Braz e Gomes Silva (2011, p.103): [...] o pensamento do homem, tira dele a percepção de si mesmo e do outro, de tal modo que ele não consegue refletir sobre a formação social a qual vem sendo submetido, pois isso seria experimentar o pensamento diferente deixando-o com a irritante sensação de estar descontextualizado de sua realidade, mal vestido psicologicamente. Todavia, essa submissão da consciência não tira do sujeito a necessidade de existir fora do coletivo, dono de suas próprias emoções, impulsos, percepções, gerando um vazio 18 existencial e ao mesmo tempo doenças psicológicas (patologias típicas do homem contemporâneo), que irão se projetar em inúmeras maneiras de emancipar a sua subjetividade. Esse sujeito que só pensa a partir do coletivo passa a buscar uma alma fora de si para si. A busca por legitimidade para o desvelamento de quem se é. Torna-se uma forma de aplacar o vazio existencial. Mas, quando o adolescente não consegue mediante a força esmagadora da formatação social. A ausência de respostas levam as doenças psicológicas, infelizmente na atualidade muito presentes nos espaços educativos. O interessante é verificar que as doenças psicológicas ganham visibilidade nas redes sociais, a partir de relatos expostos nas redes sociais sobre suas insatisfações mediante aos acontecimentos em sua vida. As contribuições de Bauman (2008, p.8) colaboram para entender alguns destes aspectos, vejamos: Uma vez que finquem seus pés numa escola ou numa comunidade, seja ela física ou eletrônica, os sites de “rede social” se espalham na velocidade de uma “infecção virulenta ao extremo”. Com muita rapidez deixaram apenas de ser uma opção entre muitas para se tornarem o endereço default de um número crescente de jovens, homens e mulheres. Obviamente, os inventores e promotores das redes eletrônicas tocaram uma corda sensível – ou um nervo exposto e tenso que há muito esperava o tipo certo de estímulo. Eles podem ter motivos para se vangloriar de terem satisfeito uma necessidade real, generalizada e urgente. E qual seria ela? “No cerne das redes sociais está o intercâmbio de informações pessoais”. Os usuários ficam felizes por “revelarem detalhes íntimos das suas vidas pessoais”, “fornecem informações precisas” e “compartilham fotografias”. Estima-se que 61% dos adolescentes britânicos com idades entre 13 e 17 anos “tem um perfil num site de rede” que possibilite “relacionar-se on-line”. O autor relata que as redes sociais ganham grande relevância mediante uma necessidade do indivíduo de estabelecer vínculos. O estímulo que as redes sociais passam a atender tal demanda. A ideia de estabelecer uma relação mesmo que on-line é uma forma de amenizar as tensões de ordem pessoal através do compartilhamento de informações pessoais. Desta maneira, há impressão de fazer parte de um grupo e estabelecer relações mesmo que unicamente virtuais. 4.2 - A (in) visibilidade da mente e do corpo dos estudantes nos espaços educacionais. 19 O educando é ponto central de todo e qualquer processo de ensino e aprendizagem. A escola, por exemplo, só é possível pela existência dos alunos. Para eles e por eles, dedicam toda sua estrutura e corpo docente para desenvolver atividades que contemplem o currículo escolar. Ao discente cabe usufruir desta conjuntura de forma a torna-se um sujeito autônomo, crítico e protagonista. A escola tem a missão de desenvolver o estudante em suas esferas físicas, psicológicas e sociais. Porém, conforme os alunos avançam em suas faixas etárias certas vertentes acabam por ser mais contempladas que outras. A educação infantil permite ao aluno um (re) conhecimento do corpo e ao longo da sua evolução no ambiente escolar essa perspectiva é reduzida unicamente as aulas de Educação Física. A valorização das práticas educativas voltadas para aquisição de conhecimentos através da cognição ganha mais relevância dentro dos espaços educativos. O ser humano um ser integral e complexo é condicionado à ditadura da cognição como forma desejável de aprendizado. No ambiente escolar, por exemplo, de acordo com Campos e Neto (2010, p.95): Valoriza-se muito a mente, esquecendo-se que esta dicotomia não existe (mente e corpo). Percebe-se isto, pela organização do espaço físico nas escolas, pelo número reduzido de aulas de educação física, principalmente nos primeiros anos do ensino fundamental, pelo pouco incentivo ao teatro, danças ou outro tipo de atividades, em suma, pela pouca importância ao conteúdo que envolve as questões corporais, valores e ética. O corpo é negligenciado pelo espaço educativo, porém é alvo constante de intervenções da mídia, haja vista que o corpo é visto como um corpo que consome, desta maneira não é tratado com descaso pelos meios de comunicação. O corpo passa a ser alvo da mídia capitalista que cria um estereótipo de ideal de corpo que exerce grande pressão nos indivíduos. O coletivo deseja sua obtenção e o indivíduo sofre por não alcança-lo. A ressignificação do corpo para o consumo e promoção de sua invisibilidade como parte da identidade e da subjetividade dos sujeitos, recai na sua banalização tão presente nos dias atuais. Silva, Braz e Gomes Silva (2011, p.108) afirmam que: O resultado desse sistema de ideias narcisista é a banalização do corpo na contemporaneidade. Isso requer de nós uma grande responsabilidade, pois somos facilmente assediados por essa pluralidade de convites, com meios para se chegar ao corpo ―perfeito. As altas modas chegam e vão, e acabamos nos tornando fantoches nas mãos das grandes empresas divulgadas pela mídia nesse mundo capitalista, essas empresas de corte e costura que usam a mídia para fazerem suas propagandas, disseminando estilos de vestes de vários modos, no entanto com um único estereótipo de corpo para uso. Os chamados “corpos belos” ficam nos mostruários dos meios decomunicação 20 social, e acabam por interferir no modo dos indivíduos perceberem seu próprio corpo, assim distorcendo as ideias de amor por si próprio, e acabam se tornando narcisistas exagerados. Uma perspectiva holística sobre o estudante deveria ser adotada para que os processos educativos não revalidem o distanciamento do corpo ou uma concepção narcisista, e consequentemente deturpada de relação com o mesmo. O docente acaba por direcionar atividades em seus conteúdos que não contemplam a experiência corpórea, mas consegue pensar em propostas pedagógicas que sistematizam a evolução cognitiva do aluno quanto à assimilação do conteúdo. Até porque há todo um processo avaliativo estipulado pelo educador que invisibiliza o corpo e destaca mente e suas correlações com o conteúdo apresentado. O professor que desconsidera o aluno numa perspectiva da integralidade e completude corrobora para conservação de um sistema educacional que não oportuniza ao estudante uma educação para seu pleno desenvolvimento. Conforme Campos e Neto (2010, p.97): Ao longo dos anos de atuação profissional na educação, percebemos que há um interesse e cuidado com os conteúdos do currículo escolar, em vários campos do saber. Mas, a questão do ser humano, sua corporeidade como processo de autodesenvolvimento, como processo de autoconhecimento e auto-expressão, não tem tido a importância que deveria ter. O educador na sua formação universitária não foi preparado para considerar a corporeidade dos discentes no planejamento de suas atividades. A invisibilidade do corpo pelo professorado é uma prática comum que tem pouca relevância dentro dos processos educativos, sendo mais fácil identificar uma dificuldade de aprendizado que alguma lesão ou incomodo físico apresentado pelo educando (a não ser quando o mesmo relata). Afinal o docente também desconsidera seu próprio corpo e experimenta na sua pele, tais quais os alunos, as consequências de um arranjo social que o torna invisível durante todo seu itinerário formativo chegando ao ápice na universidade e recaindo em sua prática profissional em sala. Campos e Neto (2010, p.92) declaram que o corpo passa a ser um simulacro de si mesmo, inventado pela mídia e tecnologia. Que o padrão de credibilidade social que vem se instituindo ao longo da ultima década é mediado pela tecnologia. Desta forma, o professor não foge ao contexto pela tecnologia imposto, seja na sua prática docente ou como indivíduo, ele também é resultado de uma sociedade permeada pelas desigualdades, tensões e contradições originadas pelos interesses hegemônicos. 21 Se no âmbito social e educativo o adolescente não é notado, o mesmo não entende a ausência de notoriedade. Ao mesmo tempo, que deseja ser visível e respeitado quanto sua subjetividade, também almeja ser aceito pelo coletivo. Quando se afasta desse padrão imposto não se sente legitimado e perde sua credibilidade social, como posto acima pelos autores. Esse processo é angustiante, às vezes não percebido de forma clarificada pelo adolescente. Na adolescência, apenas se sente a inadequação sem vislumbrar suas reais imbricações e como estas impactam no seu desenvolvimento. O desejo de ser visível e de fazer parte de algo que permita ir para além da realidade vivenciada, ganha novos formatos, nesta sociedade que dimensiona o corpo como um simulacro de si. As mídias, em especial a internet e as redes sociais, acabam por ser um espaço que o indivíduo consegue expressar suas ideias, emoções e anseios. O adolescente visto como um corpo que consome neste âmbito social contemporâneo, é uma possibilidade comercial neste novo meio de comunicação que surge com possibilidade de liberdade de expressão, mas também o enquadra num perfil de consumidor. De acordo com Aggio (2013,p.10): [...] com base na customização de conteúdo e liberdade de expressão, a internet moldou-se perfeitamente ao vazio aberto no contexto dos meios de comunicação desde a mudança psicológica social para o individualismo comportamental. As pessoas passaram a depositar nessa mídia suas aspirações de exprimir seus sentimentos e pensamentos sobre o contexto pessoal, político e social em que se encontravam. Por outro lado, esse novo meio de comunicação abriu uma possibilidade comercial até então jamais encontrada em outro canal de comunicação: poder acessar de forma refinada, rápida, eficaz e confiável os mais variados perfis de consumidores. As poderosas ferramentas desenvolvidas para agenciar o usuário da internet ao longo de seu percurso por ela tornaram-se valiosos instrumentos de pesquisa de mercado. O adolescente na ânsia de ver e ser visto, usa as redes sociais como possibilidade de se colocar no mundo seja de maneira positiva ou não. A atenção desejada e o pertencimento almejado encontram proporções que rompem os limites territoriais. As suas opiniões e ações ganham uma proporção grandiosa nas redes sociais e encontra outros indivíduos que compartilham de seus ideais, talvez pela primeira vez permitindo-o experimentar fazer parte de um grupo que o reconhece e o aceita. O adolescente invisível no contexto social, familiar, nos espaços educativos e entre outros grupos que transita se sente visível nas redes sociais entre pessoas que na inadequação aos padrões hegemônicos socialmente impostos, também como ele, recorreram às redes sociais como possibilidade de existir mesmo que virtualmente. 22 Neste sentido o conceito de interseccionalidade torna-se tão relevante o estudante invisível no âmbito educacional e desconsiderado na sua concepção corpórea. É o mesmo que está na rede social reivindicando seu espaço e tentando legitimar suas ideias na tentativa de ser visto como inteiro, esforçando-se para ultrapassar a dicotomia mente e corpo, tão naturalizada no ambiente escolar e reforçada no contexto social. Contudo, essa procura por reconhecimento o torna vulnerável aos meios de comunicação que vislumbram o corpo como consumo e as abordagens e interesses de grupos que prejudicam a saúde física e mental dos adolescentes. De acordo com Chauí (2006, p.40): A propaganda comercial também se apropria de atitudes, opiniões e posições críticas ou radicais existentes na sociedade, esvazia e banaliza seu conteúdo social ou político e as investe em um produto, transformando-a em moda consumível e passageira (...) arrancandos do contexto que lhes dá sentido, são transformados em imagens que vendem produtos (...). A publicidade não se contenta em construir imagens com as quais o consumidor é induzido a identificar-se. Ela a apresenta como realização de desejos que o consumidor se quer sabia ter e que agora, seduzido pelas imagens, passa a ter. Os espaços educativos recebem esse adolescente que como sujeito social e histórico traz as demandas, citadas acima pela autora para as instituições de ensino. O docente tem contato com os adolescentes em sala, mas não reconhecem esses indivíduos quando os encontram nas redes sociais. O adolescente sofre através do corpo essas construções sociais, conforme Campos e Neto (2010, p.90): [...] inferir que este processo se dá na mesma intensidade em relação à questão corporal, apresentada pelos meios de comunicação de massa. Os valores que nos são repassados por esses veículos de informação possuem muito mais força que os valores que são trabalhados no contexto educacional, portanto, necessitando de um trabalho árduo e intenso da educação para que não se torne verdade absoluta estes pseudovalores corporais. A educação seja dentro ou fora dos muros escolares deve atuar de forma a possibilitarao educando reconsiderar sua relação com seu corpo dentro de outros moldes que rompam com o que é hegemonicamente aceito através dos meios de comunicação e das redes sociais. Nesta intenção o papel do Estado, família, instituições educativas, sociedade civil organizada e outros entes podem e devem contemplar essa concepção ao lidar com adolescentes e jovens que são alvejados com pseudovalores sociais que impactam diretamente nas suas relações consigo e com os outros. 23 4.3 - A ausência do protagonismo dos estudantes nos espaços educativos e a invisibilidade na adolescência. Na descrição de um contexto de desigualdades sociais em que valores não baseados em princípios benéficos ao convívio social estipulam diretrizes comportamentais, as redes sociais propagam ideias deturpadas sobre o corpo, a valorização extremada dos espaços educativos considerando o desenvolvimento do estudante apenas na vertente mental. Torna-se relevante analisar o cenário que pontua alguns elementos para compreensão da reinvindicação de visibilidade do adolescente através das redes sociais. O adolescente, como anteriormente descrito, necessita da aceitação social e ser reconhecido como parte integrante da sociedade. Ao mesmo tempo deseja legitimação de suas ideias nos grupos sociais que participa, pois expressa aspectos de sua identidade enquanto ainda está em processo de formação. Conforme Grispun (2011, p.217-218): [...] como foco de atenção para construção dessa subjetividade – estamos cientes (...) de três dados significativos que se juntam, se integram de forma nem sempre precisa e ordenada, mas que no nosso entender precisam do olhar e da discussão de educadores sobre a temática: 1) este jovem que vive o momento da desconstrução, também, está vivendo, internamente o momento de perdas, dos lutos para novas conquistas; em síntese, ele soma interna e externamente perdas que precisam ser ressignificadas quando passam a ser novas decisões; 2) este jovem tem um olhar para si e para o mundo de acordo com as categorias que ele elegeu de realidade, representação, imaginário etc.; neste espaço toda problemática, hoje, da comunicação, da mídia tem um significado muito grande; 3) este jovem tem na construção da subjetividade um aparato muito forte que é a subjetividade construída ao grupo de pertencimento do qual ele faz parte que às vezes supera, bloqueia, intimida a sua própria subjetividade. O adolescente no espaço educativo pertence ao grupo, mas há momentos que esse pertencimento é desconsiderado seja por si, pelos colegas e/ou profissionais do campo educacional. A invisibilidade do estudante se dá de maneira diferenciada ao considerar o personagem que se relaciona e o papel social que exerce. Quando é enfatizada essa sensação de não pertencimento gera uma perda de vínculos e a sensação de não estar adequado ao contexto escolar, o afasta da possibilidade através da educação de formar a sua subjetividade a partir das experiências vivenciadas no espaço educativo. Ao aluno cabe transitar dentro de um espaço que não se reconhece, e não fazer parte é menos dispendioso que ter responsabilidade por integrar o grupo. A educação que almeja preparar para o futuro os cidadãos críticos, autônomos e conscientes de seus direitos e deveres. Não permite ao estudante ser protagonista dentro 24 daquele âmbito, como poderia ele agir de maneira protagônica e estar preparado para tomar decisões mais qualitativas no decorrer da vida? O protagonismo do estudante na escola, de certa forma é desconsiderado pelos espaços educativos. O estudante visto como um indivíduo em fase de transição para vida adulta, ainda está inseguro e desenvolvendo a construção de sua subjetividade. Nesta conjuntura é visto com descrédito e sua participação é preterida em detrimento de quem acredita que já tem as condições necessárias de legislar sobre o que é o ideal para as unidades de ensino e seus educandos. Mediante as colocações acima feitas prestigiar o envolvimento e a participação dos alunos dentro do espaço educativo é visibiliza-lo e oferecer a partilha em decisões que impactam diretamente suas vidas. O protagonismo apresenta-se como essencial para visibilidade dos adolescentes. Segundo Souza (2009, p.3) protagonismo parece: [...] referir-se a método, princípio ou eixo pedagógico cuja ênfase na atividade do educando, ou do jovem a quem se dirigem as medidas socioeducativas, o deslocaria de uma posição considerada passiva, de mero beneficiário ou depositário de conhecimentos, para uma posição de participação ativa. Outras vezes, protagonismo juvenil parece designar não um método ou princípio pedagógico, mas certa capacidade intrínseca ao jovem, a de ser protagonista – ou o ator principal – no desenvolvimento do país, da chamada comunidade e do seu próprio. A análise sobre a importância do protagonismo dentro dos espaços educativos é interessante para sua integralidade ao universo dos alunos, mas também por garantir seu direito a participação social. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 53º afirma que: A criança e o adolescente tem o direito a educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – direito de ser respeitado pelos seus educadores; III – direitos de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer as instâncias escolares superiores; IV – direito de organização e participação em entidades estudantis. A estruturação das escolas na contemporaneidade não fundamentam ações pedagógicas para visibilizar o aluno através do protagonismo. A padronização direciona diretrizes comportamentais que retira o discente do seu lugar de destaque e desvalida sua opinião sobre como os processos avaliativos, não estimulo por parte do corpo técnico- 25 pedagógico para instauração de grêmios e as decisões administrativas e pedagógicas são tomadas de “cima para baixo”. Assim a escola realiza uma reprodução social hegemônica não permitindo ao alunado o pleno desenvolvimento e preparo para exercício da cidadania. O espaço educativo que deveria informar sobre direitos e deveres acabam por promover anulação do direito dos estudantes enquanto também os torna invisíveis. As desigualdades sociais se intensificam nesta conjuntura, educação para transformação e emancipatória se dissipa mediante as práticas pedagógicas que preparam para subalternidade. Aos estudantes resta a condição de mão de obra pouco qualificada para postos de trabalhos em circunstâncias precárias. As unidades de ensino reproduzem a realidade encontrada no modelo de sociedade vigente, ao mesmo tempo podem apresentar práticas pedagógicas contra hegemônicas que possibilitaria ao estudante o entendimento da desigual conjuntura social e o possível rompimento. A educação e a escola não tem a responsabilidade de salvar o mundo, mas tão pouco se avançará sem a instrumentalização alcançada através delas. CAPÍTULO II 5 – A ANGÚSTIA E AS PRÁTICAS DE AUTOMUTILAÇÃO DE ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE E RISCO SOCIAL EM ESPAÇOS EDUCATIVOS. 26 A contemporaneidade apresenta alguns desafios no que tange a compreensão de alguns sintomas sociais, que com a globalização tornaram-se recorrentes. Esses sintomas causam mudanças na vida dos sujeitos e necessitam de estudos e aprofundamentos. Os espaços educativos não apartados da realidadesocial estão inseridos neste contexto e necessitam de uma instrumentalização jurídica, psicológica, mas principalmente pedagógica para tratamento destes fenômenos. De acordo com Grispun (2011, p.178): [...] a ruptura epistemológica causada pela globalização, que vai trazer mudanças nos quadros sociais e mentais que até então serviam de referências para os indivíduos. Ora, se tudo isso gera e gira um novo tempo, um novo espaço com repercussões da sociedade – portanto, na escola, na família -, como professora/educadora tenho que procurar entender esse mosaico e verificar como o sujeito está construindo sua subjetividade a partir desse contexto. Neste sentido, justifica-se o entendimento do motivo que levam adolescentes em condição peculiar de desenvolvimento a prática automutiladora. Esses indivíduos apresentam através das marcas feitas no corpo um pedido de ajuda. A intencionalidade de através do corpo, materializar o sofrimento psíquico. Os autores Cedaro e Nascimento (2013, p. 205) que: Automutilação é o ato de se machucar intencionalmente, de forma superficial, moderada ou profunda, sem intenção suicida consciente. São atos lesivos contra o próprio corpo, como cortes, perfurações, mordidas, beliscões e espancamentos, feitos a mão ou com uso de objetos, alegando-se a intenção de aliviar tensões ou outros sentimentos egodistônicos. O adolescente que recorre a autolesão não possui a finalidade do suicídio, mas do alívio da angústia. É acabam por colocar em risco sua saúde física e mental através de tal ação de flagelação ao seu corpo, como afirmado acima, pode ter diferentes intensidades. Os motivos apresentados são diversificados, de acordo com Bezerra et al. (2018, p. 3): As causas de natureza familiar, social e individual, que afligem cada sujeito na sua individualidade, são diversas e distintas, que afetam cada adolescente de acordo com sua particularidade, porém, existem alguns sentimentos que afloram e que são comuns nos registros e nos depoimentos dos adolescentes, que admitem que já realizaram ou realizam o ato de automutilação, são estes: dor, prazer, calma, vergonha, culpa e angústia, este último trata- se do ponto tênue da explosão de sensações. O conceito de angústia é um campo de estudo amplo para as ciências humanas, mais precisamente para: filosofia, psicologia, psiquiatria e antropologia. 27 A automutilação apesar de ser representada através do aspecto físico com as lacerações, tem sua causa na esfera psíquica do ser. Ou seja, os sentimentos de dor, a constante sensação de falta de esperança e vazio são as origens dos sintomas corporais apresentados. A maneira como o adolescente percebe sua realidade de maneira desalentada, a ausência de diferentes elaborações com uma percepção mais favorável das situações que vivencia, o leva a representar sua angústia através da autolesão. De acordo com Camargo et. al. (2011, p.258) alegam que o corpo é uma forma de representação social, sendo assim: [...] o corpo é resultado de um programa genético e se desenvolve em função de sua maior ou menor plasticidade biocultural; e é resultado de uma construção simbólica envolvendo percepções e representações individuais e coletivas. (...) Estudar o corpo sob a perspectiva das representações sociais propicia a compreensão da relação que as pessoas têm com próprio corpo sob a influência dos modelos de pensamento e de comportamento. A preocupação com o pensamento que o adolescente tem da realidade e com comportamento de lesão autoprovocada, é um aspecto que tem chamado à atenção dos profissionais de diferentes áreas. Inclusive também é alvo de iniciativas governamentais no intuito de prevenção sobre as práticas autolesivas. Alguns pesquisadores apontam sobre o perfil dos sujeitos que devido à dificuldade de ressignificar os acontecimentos negativos ao longo da vida podem manter tais práticas até uma elevada faixa etária ao longo de sua trajetória pessoal. Conforme Cedaro e Nascimento (2013, p. 205) apresentam que: . Trabalhos acadêmicos recentes mostram que a prática da automutilação acontece em diferentes faixas etárias, porém se revela mais frequente entre adolescentes, sobretudo do gênero feminino. Em função dessa constatação, algumas dessas pesquisas focalizaram sites e redes sociais da Internet que trazem espaços para discussões a respeito de comportamentos autoagressivos, com destaque a depoimentos de pessoas acerca desse tipo de comportamento (Arcoverde & Amazonas, 2011; Dinamarco, 2011; Withlock, Powers, & Eckenrode, 2006). Esses trabalhos, ao analisarem o conteúdo das manifestações em espaços virtuais, encontraram correlação dos hábitos de automutilação com as frustrações relativas ao universo das descobertas dos adolescentes, envolvendo uso de drogas, intrigas escolares, isolamento social, crises familiares e as primeiras decepções amorosas. Alguns casos a automutilação podem estar associados como um sintoma do Transtorno de Personalidade Limítrofe (TPL), uma patologia psíquica, também conhecida como Transtorno de Borderline. O diagnóstico pode demorar anos para ser validado por especialistas das áreas de psicologia e psiquiatria. 28 Haja vista, que quando o transtorno é evidenciado a partir de um acontecimento traumático que vira um componente estressor, desta forma o evento age como um “gatilho”. A primeira ocorrência geralmente é na adolescência, o que dificulta o diagnóstico precocemente. No entanto, é bom clarificar que nem sempre quem faz uso da autolesão necessariamente tem Transtorno de Borderline. É preciso ter atenção dos familiares, amigos, professores, profissionais que atuam com crianças e adolescentes nos ambientes que os indivíduos frequentam. O governo federal através da Comissão Parlamentar de Inquérito, conhecida como CPI dos Maus Tratos contra Crianças e Adolescentes faz o lançamento em território nacional de algumas cartilhas destinadas ao combate e preservação do universo infanto-juvenil no que se refere ao suicídio, bullying e automutilação. As cartilhas têm o intuito de colaborar para melhor assimilação dos tipos de abordagens que devem ser adotadas com os jovens. No caso especificamente dos adolescentes que praticam a automutilação ter uma melhor abordagem sobre como identificar tais manifestações. A cartilha tem como título uma pergunta, Vamos Conversar sobre a Prevenção da Automutilação (VCPA)? Os espaços educacionais passam a ter mais uma ferramenta para possíveis questionamentos de que forma o assunto deve ser abordado. De acordo com VCPA (2017-2018, p.9) esclarece: Fonte constante de preocupação, sobretudo no contexto familiar e escolar, a Autolesão Não Suicida (ASIS) ganhou destaque na CPI-Maus Tratos contra crianças e adolescentes, sendo um dos temas debatidos. Desdobramento natural deste momento, essa cartilha visa abordar o assunto de forma assertiva e simplificada, tendo como objetivo servir de referência para famílias e escolas. A sua confecção tem um perfil bem didático e facilidade na linguagem adotada. É apresentado ao leitor um jogo com um questionamento sobre a temática com alternativas de múltiplas escolhas, na página seguinte tem a resposta correta. Na cartilha, VCPA (2017-2018, p.9) destaca que: A Autolesão Não Suicida (ASIS) é um fenômeno descrito de longa data, porém tem se constituído como um grande sintoma da sociedade atual, ganhando adeptos principalmente na população jovem, especialmente pela propagação no ambiente virtual e maior exposição nos veículos de mídia, tendo seu ápice no primeiro semestre de 2016, com asnotícias sobre o jogo, Baleia Azul. 29 5.1 - A exposição da prática automutiladora nas redes sociais e a ocultação dos ferimentos originados pela angústia. Anteriormente foi mencionado que o ambiente virtual contribuiu para propagação da autolesão entre a juventude, como também deu visibilidade para angústia de indivíduos através das redes sociais. De contrapartida, o adolescente dá visibilidade à lesão para pessoas fora do seu convívio diário e esconde as feridas de pessoas íntimas que possuem um envolvimento afetivo e deveriam ter constante preocupação com seu desenvolvimento biopsicossocial. A angústia que é externada através do corte em locais não tão fáceis de serem identificados, sendo invisível aos indivíduos que lidam com o adolescente no dia a dia, é o que aborda a cartilha VCPA (2017-2018, p.14): O corte em alguma parte do corpo é o método usado por 90% das pessoas que se mutilam. No entanto outras formas são usadas, como queimar-se, morder-se, bater-se e mesmo amputar membro. Geralmente usam partes do corpo pouco visíveis, ou passam a adotar peças de roupas pouco usuais para o período do ano, no intuito de esconder essas partes do corpo. Um exemplo típico é o uso de casacos, mesmo nos dias de calor. A análise do contexto é intrigante, pois a autoagressão é (in) visibilizada de acordo com o ambiente e pessoas para quais serão apresentadas ou não. Segundo Cedaro e Nascimento (2013, p. 217) “cortam na pele e sentem prazer na dor e no fluir do sangue”. A satisfação no alívio da flagelação e a culpa são aspectos presentes repetidamente. A influência da qualidade das relações estabelecidas, os aspectos emocionais sobre o corpo é essencial para o entendimento da dor psíquica. De acordo com Camargo et. al. (2011, p.266): [...] o intuito de promover reflexões acerca da primazia dos cuidados em saúde, isto porque, o corpo não se constitui apenas por sua dimensão física, mas como um veículo ativo e atuante na dimensão sociocultural, que se insere em determinado contexto, que o influencia e é por ele influenciado. A incidência nas redes sociais de diversos casos e jogos virtuais tem sido um aspecto que tem preocupado os familiares dos adolescentes. Os responsáveis acabam por não saber como lidar com o fato e algumas situações são informadas pelos espaços educativos, pois até então não tinham conhecimento que o estudante realizava tal prática. 30 A família por desconhecimento da gravidade do problema e até por sua conjuntura de vulnerabilidade e risco social terminam banalizando o ato. Geralmente o adulto acaba por apresentar que não se trata de algo que requer seriedade ou que é uma fase da adolescência. Segundo o VCPA (2017-2018, p.20): Os pais devem sempre acolher, conversar e buscar o entendimento do que está se passando com seu filho. Nunca minimizar as queixas ou motivos de sofrimento. Brigar, reprovar, punir, criará um afastamento entre as pessoas e a tendência é agravar-se a situação. Provavelmente é hora de buscar atendimento com profissionais de saúde mental (psicólogo e psiquiatra). É importante vencer o estigma e a resistência de buscar ajuda especializada. O âmbito familiar é primordial para a condução dos direcionamentos de tratamento que poderão ser desenvolvidos. Mas, para tanto esse indivíduo precisa romper com o silêncio e estabelecer um diálogo sobre os fatores angustiantes que são determinantes para provocar os ferimentos. O medo da crítica e a rejeição por parte da família dificulta o vínculo necessário para admitir a existência do problema, que vai muito além da capacidade desse adolescente resolver o caso de maneira individualizada. Em alguns arranjos o fator desencadeador do processo da automutilação são seus familiares e neste âmbito é preciso um suporte não apenas aos alunos, mas também aos seus responsáveis. Geralmente a família quando descobre a autolesão quer assimilar o motivo pelo qual o adolescente realiza tal ação. Em concordância com o VCPA (2017-2018, p.16): Muitos motivos podem levar uma pessoa a Autolesão Não Suicida (ASIS). Uma pesquisa listou 13 motivos ou funções citados pelos jovens que praticavam a automutilação. Entre eles o alívio da dor emocional, a autopunição, o desejo de vingança, querer pertencer a um grupo, de provar que aguenta a dor, de procurar ter alguma sensação, de sentir algo. A partir dos dados informados através da pesquisa realizada pelo governo federal destaque ao desejo de: pertencer a um grupo e provar que aguenta a dor é listado acima. Esses motivos incompreensíveis aos responsáveis, para os adolescentes que estão em desenvolvimento peculiar, não é algo irrelevante. Devido aos aspectos mencionados anteriormente, as redes sociais terem ajudado a propagar a automutilação através do seu alcance não deve causar estranhamento. Haja vista, que os adolescentes que ainda não possuem habilidades sociais e afetivas desenvolvidas para lidar com os acontecimentos do cotidiano que os angustiam acabam recorrendo às redes 31 sociais para exposição das mesmas (aspecto já citado no capítulo anterior). Silva, Braz e Gomes Silva (2011, p. 105) relatam que: O problema desse divã público é que nele não são consideradas as particularidades de cada um. As confissões íntimas do eu que está sozinho em casa não são confessadas a ninguém, e ele vai reprimindo e somando traumas de tal modo que em algum momento ele passa a ter sintomas no próprio corpo. Um só psicólogo para milhares de pessoas uniformes no social, mas únicas enquanto pessoas. Os resultados são comportamentos estranhos e uma sociedade que cada vez mais não sabe discernir a si mesma. O compartilhamento das práticas autolesivas com outros que compreendem sua dor, pois procedem com as mesmas ações ao lidar com questões subjetivas, que fogem a sua capacidade de elaboração psíquica de maneira positiva. Assim sendo, a exposição das lacerações na rede social o possibilita fazer parte de um grupo e o evidencia quando expõem aos outros membros a sua capacidade de suportar a angústia e os ferimentos autoprovocados. É o momento que se sente como parte de algo maior, que o jovem nem mesmo mensura, o quanto é danosa à formação da sua identidade e subjetividade. De acordo com a Constituição Federal (1998), no artigo 227 é ressaltado que: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (EC no 65/2010) Mediante aos aspectos já citados, qual o papel que cabe aos espaços educativos na fomentação de práticas pedagógicas? A escola tem fundamental importância no combate às práticas autolesivas. Conforme a cartilha, VCPA (2017-2018, p. 22): Assim como no ambiente familiar, escola deve ouvir, acolher e ajudar a encontrar alternativas e a melhor estratégia para lidar com a situação. Temos também que lembrar da característica de contágio (propagação) do comportamento de automutilação, o que torna o contexto escolar de particular importância. Expor, humilhar ou punir o aluno que se mutila não o ajuda a superar seus conflitos e dificulta o pedido de ajuda dos demais. Os espaços educativos, de acordo com os direcionamentos da cartilha idealizada pelo governo federal, devem intervir de forma estratégica e sua relevância para possíveis 32 direcionamentos para a família e ao educandosão essenciais para resultados que preservarão a saúde da criança e/ou adolescente. Em concordância com Silva (2007, p. 154) verifica-se que: [...] para lidar com as novas transformações orgânicas e sociais que a vida lhe proporciona e para a definição, já dentro de patamares mais conscientes e voluntários, sobre o problema da identidade. A superação da crise da adolescência será tão melhor, e mais adequadamente resolvida, quanto melhores as condições orgânicas, pessoais, familiares, sociais, culturais e históricas para essa resolução. Neste aspecto acima citado, a educação, independentemente de ser um espaço escolar ou não escolar o desenvolvimento de práticas pedagógicas que contribuam para o questionamento crítico do tipo de sociedade que estamos inseridos. Segundo Silva, Braz e Gomes Silva (2011, p. 109) “pensar em meios para que esse sujeito saiba os limites que há entre sua subjetividade e a subjetividade da massa pregada pela mídia”. A promoção de debates, encontros com especialistas da área da saúde mental, as atividades para informar aos alunos, familiares e a comunidade no entorno do espaço educativo para desmistificação do tema, formação de professores para identificação e encaminhamento de ações junto à equipe pedagógica e a apropriação dos espaços educativos das redes sociais como ferramenta de combate e prevenção da automutilação. Silva, Braz e Gomes Silva (2011, p. 106) atentam que: [...] o conceito da mídia a partir desta explicação especificada sobre sujeito e subjetivação, podemos dizer que o trabalho educativo, e a própria análise da mídia em relação à educação e aos processos de subjetivação que são implicados; em tal percepção podemos afirmar que sempre o sujeito está por se fazer. (...) a mídia é um veículo de informações que está sempre em movimento e que para uma ampla continuidade existem resultados que o público oferece de maneira ingênua. 5.2 - Os relatos da angústia: os adolescentes praticantes de ações autopunitivas. A análise da práxis de profissionais atuantes com o público infanto-juvenil será destaque, a partir deste ponto. A verificação das sensações, sentimentos e sintomas que são vivenciados pela juventude serão descritas, a partir da experiência profissional de alguns profissionais do espaço não escolar detalhado anteriormente. De acordo com Bezerra et. al. (2018, p. 6-7): Toda profissão “prático-interventiva” no sentido de atuação coletiva, profissional e interdisciplinar, precisa estar atento para os movimentos da realidade e criar mecanismos de intervenção articulada com prática pedagógica no seu cotidiano. A atuação de profissionais das áreas de 33 assistência social, psicológica e pedagógica, são extremamente importantes para um acompanhamento de sujeitos que procuram na prática automutiladora uma alternativa para amenizar os sofrimentos encontrados em suas realidades Os relatos transcritos são de duas adolescentes, sexo feminino, idade entre 15 e 17 anos, estudantes de escola pública em situação de vulnerabilidade social, moradoras da periferia do Rio de Janeiro. As adolescentes frequentam organização não governamental (ONG) no contra turno da escola. A matriz da instituição fica no Centro do Rio de Janeiro, possui outras unidades e um centro comunitário em uma favela no bairro de Vicente de Carvalho. As identidades serão mantidas em sigilo para preservação das jovens. As informações dos atendimentos realizados serão transcritas de forma literal, com intuito de analisar quais são os aspectos comportamentais das praticantes da ação automutiladora. Os eventos foram identificados pela Orientadora Educacional (OE) na instituição detalhada. No primeiro caso, a adolescente será identificada por Anne, parda, 15 anos, moradora da favela de Vila Kennedy. Ela cursa o 9º ano do ensino fundamental, mora com a mãe, o padrasto e possui dos irmãos mais novos. Anne não conhece o pai biológico, afirma ter sofrido violência sexual quando criança, o agressor era um antigo namorado da mãe, devido o ocorrido passou a morar com avó materna, retornando ao convívio com a mãe biológica aos 11 anos de idade. A mãe trabalha em uma empresa hospitalar, o padrasto desempregado no momento, atuava em uma indústria como eletricista, a relação entre Anne e sua progenitora é conturbada. A mãe obriga a filha por ser a única mulher ajudar nos serviços domésticos. Além do convívio com a família Anne só pode frequentar o templo religioso, o centro comunitário e a escola. Anne afirma que sua mãe a sobrecarrega com os serviços domésticos e as exigências de cuidado com os irmãos menores, obrigatoriamente ela necessita adotar a mesma religião da família. Sendo assim, contra vontade frequenta as reuniões religiosas, embora já tenha expressado não ter o desejo de seguir a crença. Apesar de ter sofrido violência sexual, a mãe negligência o fato, alegando que sua filha não pode ter relações íntimas devido às crenças religiosas que valoriza a castidade. A profissional da instituição identificou as práticas autolesivas, a partir de uma conversa individual após um encontro coletivo com o grupo que a jovem faz parte. Anne 34 relatou para OE que realizava desde muito cedo a autoagressão, pois sofria calada. Não conseguia conversar com a mãe devido ao medo e não se sentir apoiada pela mesma. Anne relatou que: A minha mãe só sabe bater e gritar comigo. Eu queria que ela me apoiasse e fosse minha amiga, mas ao contrário ela me obriga fazer coisas que não quero. Não me deixa namorar e alega que preciso casar “virgem”. Quando digo ser impossível pelo que aconteceu na infância. Ela me pede pra não mencionar isso, eu era criança e faz parte do passado. Eu sou prisioneira na minha própria casa. Como falar com ela não adianta, eu me calo e me corto. O segundo caso, adolescente será chamada de Kaila, negra, 17 anos, cursa o 8º ano do ensino fundamental noturno, moradora de um prédio abandonado no Centro do Rio de Janeiro. A adolescente vive sem água encanada, o acesso à iluminação é através de instalações elétricas clandestinas, sem saneamento básico e divide o espaço com outras famílias que moram na localidade. A mãe de Kaila trabalha como diarista, os irmãos mais novos ficam sob a responsabilidade da adolescente, quando mãe não pode levar para o trabalho. Alguns irmãos são usuários de entorpecentes, tiveram envolvimento com tráfico de drogas e estão detidos em penitenciárias cumprindo pena. O desejo da adolescente é não repetir a mesma trajetória de seus irmãos, contudo as condições de vida da jovem são extremamente precárias e a violência é algo muito presente no seu cotidiano. A estudante apresenta baixo rendimento escolar, dificuldade na relação com os colegas em sala e problemas com disciplina. A OE atentou para o fato de Kaila sempre usar o mesmo casaco. A partir de uma doação recebida por uma instituição parceira foi realizada uma distribuição das roupas de inverno e na hora de provar pra ver qual o tamanho seria o adequado foi o momento de identificação das lacerações. Ao perceber as marcas a OE fez um atendimento individual com Kaila que alegou que: Eu quero as coisas e não tenho. Minha mãe vive triste porque meus irmãos estão presos e quando ela visita a cadeia sempre volta desanimada. Não tenho uma casa e moro num lugar invadido, não conto pra ninguém na escola onde moro, porque morro de vergonha. Sabe tia! Eu uso a navalha pra me acalmar, porque dói menos a dor do corte que o tipo de vida que eu levo. As adolescentes foram encaminhadas institucionalmente para atendimento com ossetores de assistência social, psicológico e acompanhamento pedagógico. As famílias estão recebendo suporte da instituição para compreensão do problema e a maneira para lidar com a 35 questão. A mãe de Kaila afirmou que sabia do ocorrido e que já tinha dado uma “surra” por conta disso e ela continuava fazendo. A mãe de Anne negou saber do problema, mas alega que a filha não tem motivo pra agir de tal forma. Afinal mesmo sendo pobre não falta comida, teto e não entende porque ela quer chamar atenção desta maneira. Os casos acima relatados são exemplificações da falta de preparo da família para lidar com a automutilação dos filhos e como a cartilha desenvolvida pelo governo federal precisa ser divulgada e a temática necessita ser debatida dentro dos espaços educativos. As adolescentes alegam conhecer outros colegas do seu convívio, que também realizam a automutilação. Anne relata “na escola tenho uma amiga que se corta, como eu”. A OE questiona sobre o que ela faz pra ajudar à amiga. Anne responde “não tenho como ajudar? Eu sou maluca igual a ela”. A rotulação ocorre justamente devido ao desconhecimento tanto do jovem que pratica a autolesão, como das pessoas que fazem parte do seu contexto. Segundo a cartilha VCPA (2017-2018, p. 26) “não se deve rotular e estigmatizar as pessoas. A automutilação indica um sofrimento, mas é uma condição que deve ser diagnosticada e tratada”. A partir destes relatos, é nítida a necessidade de abordar o tema de maneira a conscientizar aos estudantes nos espaços educativos. Haja vista, a falta de informação das famílias e dos praticantes da autoagressão. O conceito de interseccionalidade é cabível novamente, haja vista que o estudante que frequenta a Associação Beneficente São Martinho (ABSM), também está na escola. Contudo, as famílias foram informadas dos acontecimentos com seus filhos através da ABSM, pois a escola ainda não sabia do problema. A partir de uma reunião realizada com os pais, assistente social e a psicóloga expuseram os casos oferecendo o apoio necessário a família. Porém, devido à devolutiva de alguns sobre o comportamento dos adolescentes. Houve uma demanda de abordar a questão através de uma perspectiva pedagógica. A criação de um grupo de apoio aos responsáveis, com intuito de informar e desmistificar determinadas condutas tanto dos jovens, como também dos pais. Alguns casos, como de Anne e Kaila, a família não consegue aceitar com o que é apresentado pelo jovem. Ao invés de dar suporte e exercitar uma escuta sensível aos motivos, é justamente o aspecto que dificulta o restabelecimento físico e psíquico dos automutiladores. 36 Os encontros no grupo de apoio recebeu o nome de Encontro com Família, com intenção de abordar temas presentes no universo infanto-juvenil. Um erro recorrente dos espaços educativos é a crença que ao direcionar debate e mencionar sobre o tema, há um incentivo a propagação dos casos. Na ABSM, foi adotada uma concepção contrária ao posicionamento de omissão, pois não apresentar o suporte aos familiares não possibilitaria a diminuição dos eventos dentro da instituição, não conscientizaria a família ou informaria a sua responsabilidade diante dos acontecimentos, não seria estabelecida uma relação de parceria e melhor acompanhamento dos casos quando os estudantes estivessem no convívio familiar e/ou na escola. O intuito de promover grupos de apoio e encontros com famílias é justamente instrumentalizar os indivíduos a assumirem uma nova consciência sobre as realidades vivenciadas em seus contextos. Conforme Tollet (2007, p.183) “nossa civilização existe um profundo desconhecimento da condição humana”. Quando uma instituição de ensino seja no espaço escolar ou não escolar negligencia a saúde do estudante, não instrumentaliza seu corpo docente nas possíveis abordagens quanto ao sofrimento físico e psíquico, não faz seu papel de informar sobre os direcionamentos. Não traz a família como parceria corresponsável pelo processo de ensino e aprendizagem, com zelo ao desenvolvimento biopsicossocial dos estudantes. É pouco provável que o processo de ensino e aprendizagem possibilite aos indivíduos ressignificar suas realidades para assumir uma nova consciência sobre suas vivências. Segundo Tollet (2007, p. 188) “a nova consciência, contudo, está surgindo ao mesmo tempo em que a antiga se dissolve”. Desta maneira, as intervenções realizadas pelos profissionais que atuam no campo educacional devem ser gradativas para reelaboração interna com a preocupação não apenas informativa, mas de desenvolvimento de atividades sociais e afetivas para constituição de uma nova consciência sobre a maneira de lidar com a angústia. CAPÍTULO III 6 - O DESENVOLVIMENTO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA PREVENÇÃO E DIMINUIÇÃO DA AUTOMUTILAÇÃO EM ESPAÇOS EDUCATIVOS. Mediante ao contexto escolar apresentado verifica-se a necessidade de ações educativas que estejam para além da esfera legalista, de acordo com Mendes e col. (2015, p. 12): 37 [...] em tempos de crise, sejam elas sociais, políticas e/ou econômicas, precisamos cada vez mais de espaços públicos para debate e reflexão sobre os conflitos sociais da modernidade. Com o fortalecimento das instituições públicas no país, que garantem a legitimidade do Estado democrático de direito, é fundamental que a sociedade esteja inteirada das diversas questões que, direta ou indiretamente, afetam-na, possibilitando uma maior participação social. A crença que instituições educacionais contribuem para um desenvolvimento de saberes que incorpora conteúdos, mas não se encerra unicamente nestes. Os espaços educativos acabam por possibilitar uma maior clareza dos indivíduos sobre si e o mundo que o rodeia possibilitando desta forma a prevenção e diminuição de práticas automutiladoras. Haja vista, que compreender a juventude e desenvolver ações pedagógicas sobre como intervir no contexto social que a transpassa, e como se dá o desenvolvimento da subjetividade dos adolescentes e jovens, é imprescindível para o desenvolvimento de práticas pedagógicas nos espaços de educativos. A adolescência é um período de grandes transformações, questionamentos e conflitos. Conforme Grispun (2011, p.215) “a juventude é rica nos seus conteúdos e nos seus significados, seu estudo é necessário para trabalhar as questões que a estrutura e dimensiona”. Quando adolescentes e jovens identificam a importância de suas participações sociais, há um rompimento com a lógica dominante. A temática ganha uma concepção de resistência às injustiças e desigualdades existentes na contemporaneidade. As interpretações da juventude sobre seu papel social são influenciadas pela construção da subjetividade dos sujeitos, Grispun (2011, p.217) relata que: [...] a subjetividade envolve, então, tanto o conhecimento em si, como a emoção, o simbólico e a representação que o indivíduo faz da própria realidade, assim como o que está disponibilizado pela sociedade e é aprendido e interpretado pelo indivíduo. O Eu desse indivíduo se relaciona com o mundo, tenta compreendê-lo e compreendendo tenta se compreender, também. Da racionalidade da época moderna, passamos para as incertezas que caracterizam a pós-modernidade e é nesse universo que a subjetividade se inter-relaciona nas suas diferentes formas e matizes de identificação. A construção da subjetividade envolve diferenciados elementos que direcionarão perspectivas que podem ou não desenvolver aspectos que causam insegurança, conflitos internos e entre outros dimensionamentos
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