Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Disciplina: Psicologia Comunitária MATERIAL DE APOIO I Professora: Jorgelina Ines Brochier Caros alunos e alunas: Esta coletânea de textos aborda as principais temáticas a serem abordadas no início do semestre. Trata-se de um material de apoio que está articulado com os planos de aula, com os slides propostos para cada aula, além dos artigos que serão indicados de acordo com as demandas. Assim, convido a cada um de vocês a ler e, especialmente, analisar os textos propostos. Espero, portanto, que esta análise promova reflexões que potencializem novos saberes e horizontes! TEXTO 1 PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: considerações iniciais COMUNIDADE: um lugar imprevisível no qual as pessoas vivem seu cotidiano (CAMPOS, 1992) e se relacionam, traduzindo os modos de vida contemporâneos, tanto na fragmentação e naturalização da vida quanto na possibilidade de desejar, conviver e criar. A comunidade se expressa como espaço de construção de cidadania, no qual todas as falas são legítimas (GUARESCHI, 2003 apud COSTA; BRANDAO, 2005). Esse conceito, que pode parecer utópico, é tomado nessa perspectiva para que marque o desafio de atuarmos focando as relações entre indivíduos, e entre estes e a sociedade, em uma busca de valorização das relações comunitárias que visem o bem comum (RICCI, 2003 apud COSTA). TRATA-SE DE UMA UTOPIA? Talvez seja apenas um sonho que precisa ser sonhado e, como disse Galeano (1944), o sonho, as utopias estão no horizonte, são inatingíveis, mas nos levam a caminhar!!! A expressão “Psicologia social comunitária” designa um conjunto de saberes e práticas da psicologia que visam “contribuir para a melhoria na qualidade de vida das pessoas e grupos distribuídos nas inúmeras aglomerações humanas que compõem a grande cidade” (ANDREY, 2001, p.201). Góis (1993) define a psicologia social comunitária como sendo uma área da psicologia social que estuda a atividade do psiquismo decorrente do modo de vida da comunidade . Nessa perspectiva, o termo comunidade corresponde a um lugar “em que grande parte da vida cotidiana é vivida” (CAMPOS, 1998, p.9). Esse lugar, ainda de acordo com a autora, pode ser geográfico, como um bairro, por exemplo, ou psicossocial, constituído, por exemplo, por colegas de trabalho. Embora as intervenções do psicólogo que atua no âmbito sócio comunitário não estejam restritas aos grupos populares, observa-se uma tendência para privilegiar aqueles que vivem em condições precárias (ou inviabilizadas) de trabalho, saúde, saneamento básico, educação escolar, lazer, dentre outras. Ao atuar com grupos que estão em condição ou muito próximo da condição de marginalizados dos serviços e obrigações da sociedade e do Estado, o psicólogo busca contribuir para o desenvolvimento da CONSCIÊNCIA CRÍTICA, da ÉTICA DA SOLIDARIEDADE, das PRÁTICAS COOPERATIVAS e AUTOGESTIONÁRIAS do GRUPO CLIENTE. Para alcançar essas metas, as ações do psicólogo são estruturadas, preferencialmente, através de equipes interdisciplinares. Tais ações, inicialmente, partem do levantamento das demandas dos grupos-clientes. A partir da análise das necessidades e das possibilidades concretas de ações, “procura-se trabalhar com os grupos para que eles assumam seu papel de sujeitos de sua própria história, conscientes dos determinantes sócio-políticos de sua situação e ativos na busca de soluções para os problemas enfrentados” (FREITAS, 1998, 57). Nesse sentido, o psicólogo não atua como um profissional que, por deter um saber específico, toma as iniciativas para a solução dos problemas enfrentados pelo grupo-cliente. O psicólogo atua como um ANALISTA FACILITADOR que, a partir de um saber específico, pretende contribuir para a melhoria da qualidade de vida da comunidade. Sendo assim, o trabalho está norteado por um processo de reflexão fundamentado em duas premissas: - Todos os grupos comunitários possuem um saber-fazer, que a priori não pode ser considerado nem melhor, nem pior do que o conhecimento construído nas Universidades. Ao compartilhar saberes com o grupo, o psicólogo contribui com novos saberes para este grupo que, por sua vez, também contribui com a produção de saberes no âmbito da psicologia. - O trabalho comunitário deve incluir, além do diálogo e da partilha de saberes, a garantia da autogestão das próprias comunidades. A autogestão é básica para que existam relações efetivamente democráticas, pautadas na participação de todos os envolvidos. Quem vai “por um tempo para partilhar um saber, não pode retirar da comunidade essa prerrogativa fundamental de liberdade autonomia” (GUARESCHI, op.cit.p.99). A formação de recursos humanos da própria comunidade assegura, não apenas a autonomia do grupo para gerir a sua vida, mas, especialmente, a continuidade e multiplicação dos projetos de melhoria da qualidade de vida. Em síntese: “A Psicologia (Social) Comunitária utiliza o enquadre teórico da psicologia social (crítica), privilegiando o trabalho com os grupos, colaborando para a formação da consciência crítica e para a construção de uma identidade social e individual orientadas por preceitos eticamente humanos. ” (1996, p.73). A comunidade é mais do que uma categoria científico-analítica, é categoria orientadora da ação e da reflexão e seu conteúdo é extremamente sensível ao contexto social em que se insere. • A Psicologia Social ao qualificar-se de comunitária, hoje, explicita o objetivo de colaborar com a criação desses espaços relacionais, que vinculam os indivíduos a territórios físicos ou simbólicos e a temporalidades partilhadas. A busca do desenvolvimento da consciência crítica, da ética da solidariedade e de práticas cooperativas ou mesmo autogestionárias, a partir da análise dos problemas cotidianos da comunidade, marca a produção teórica e prática da psicologia social comunitária. TEXTO COMPLEMENTAR A DEFINIÇÃO E FINALIDADES DA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA Definição e finalidade: A psicologia comunitária é definida como uma área da psicologia social que estuda a atividade do psiquismo decorrente do modo de vida do lugar/comunidade. Estuda o sistema de relações e representações, identidade, níveis de consciência, identificação e pertinência dos indivíduos ao lugar/comunidade e aos grupos comunitários (GÓIS, 1993). A ORIGEM: remonta a uma psiquiatria social e preventiva, bem como a dinâmicas e psicoterapias grupais. O desenvolvimento de movimentos que se manifestaram contra a falta de atenção social, no que diz respeito à participação coletiva no processo de tomada de decisões se tornou expressivo para o surgimento da psicologia comunitária. (teremos uma aula sobre essa temática) NO BRASIL: Uma revisão da psicologia comunitária no Brasil não pode ser feita fora do contexto econômico e político do Brasil e da América Latina. Sem dúvida, o golpe militar de 1964 tem muito a ver como seu surgimento, pois se num primeiro momento, vivemos um período de extrema repressão e violência, quando uma reunião de cinco pessoas já era considerada subversão, ele fez com que, individualmente, os profissionais de psicologia se questionassem sobre a atuação junto à maioria da população, e de qual maneira seria o seu papel na sua conscientização e organização. (CAMPOS, 2009). Bonfim (1994) faz uma retrospectiva da história da psicologia social no Brasil, nas décadas de oitenta e noventa. Nos anos oitenta, surgiram os primeiros cursos de pós-graduação na área da Psicologia Social e foi criada a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO). Novas práticas emergiram como, por exemplo, os trabalhos em favelas, com meninos de rua, com os sem-terra e com pessoas da terceira idade, além de práticas em comunidades, organizações e instituições. A partir dos anos noventa, em uma s ociedade ainda mais pobre, foi constatado um aumento significativo da população. Ao mesmo tempo, ocorria o fortalecimento da democracia e a criação de instituiçõesem defesa dos direitos humanos; por exemplo, as que foram criadas com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, que entrou em vigor em 1990. Decorrentes desse contexto surgiram demandas de novas formas de trabalho do psicólogo, voltadas para práticas psicossociais. Por conta dessas demandas, o quadro conceitual precisou também ser revisto e ampliado. No início dos anos 90, em nível nacional, presencia-se a expansão dos trabalhos dos psicólogos junto aos diversos segmentos da população. Entretanto, cabe salientar que essa expansão acontece dentro de um quadro variado de práticas, envolvendo diferentes pressupostos filosóficos e referenciais teóricos. (CAMPOS, 2009). Nesse caso, começam a se desenvolver práticas nos diferentes setores públicos da sociedade, bem como em postos de saúde, secretaria do bem-estar social, ou em algum órgão ligado à família e aos menores. Essa atuação tem o objetivo de expandir e democratizar os serviços psicológicos em diversas áreas para a população em geral, esse trabalho tem continuidade e perpassa os dias atuais. Conceito de Comunidade: Podemos dizer que uma comunidade se caracteriza por: a) ser um grupo de pessoas, não um agregado social, com determinado grau de interação social;**b) repartir interesses, sentimentos, crenças, atitudes; **c) residir em um território específico; e **d) possuir um determinado grau de organização”. (SANCHEZ; WIESENFELD apud Gomes,1999). Comunidade é conceito ausente na história das ideias psicológicas. Aparece como referencial analítico apenas nos anos de 1970, quando um ramo da psicologia social se autoqualificou de comunitária. Assim fazendo, definiu intencionalidades e destinatários para apresentar-se como ciência comprometida com a realidade estudada, especialmente com os excluídos da cidadania. (SAWAIA, 1994). Importante salientar que o conceito de comunidade não é mérito exclusivo da psicologia social. Esse conceito introduziu a incorporação de um corpo técnico e epistemológico da psicologia social, pois, representou a criação de um campo teórico que visa transformar o homem no contexto em que vive, levando em consideração a sua subjetividade. - As relações comunitárias que constituem uma verdadeira comunidade são relações igualitárias, que se dão entre pessoas que possuem iguais direitos e deveres. Essas relações implicam que todos possam ter vez e voz, que todos sejam reconhecidos em sua singularidade, onde as diferenças sejam respeitadas. E mais: as relações comunitárias implicam, também, a existência de uma dimensão afetiva, implicam que as pessoas sejam amadas, estimadas e benquistas. (CAMPOS 2009). Entretanto, isto não significa que o conflito não exista. UM PEQUENO TEXTO PARA REFLEXÃO1 Movimento e transformação: uma identidade profissional para os psicólogos. [...] Tenho resistido um pouco a discussões sobre a identidade da Psicologia, porque, em geral, essas discussões buscam uma cara para a Psicologia pensando em poder mantê-la depois de encontrada. QUERO UMA PSICOLOGIA QUE SE METAMORFOSEIE o tempo todo, acompanhando as mudanças da realidade social de nosso país. Não podemos querer uma Psicologia que seja a cristalização de uma mesmice de nós mesmos. Se ENTENDERMOS QUE A IDENTIDADE É MOVIMENTO, É METAMORFOSE, devemos entender que a identidade profissional nunca estará pronta; nunca terá uma definição. Estará sempre 1Extraído de: BOCK, Ana Mercês Bahia. A Psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e compromisso social. Estud. psicol. (Natal),Natal , v. 4, n. 2, p. 315-329, Dec. 1999 . Disponivel em: http://www.scielo.br/scielo.php? . Acesso em: 3 set. 2015. acompanhando o movimento da realidade. Penso que nos enganamos quando falamos que não temos identidade profissional. Temos sim. Temos uma identidade profissional que reflete a prática importante que temos tido, porém elitista, restrita, pouco diversificada e colada às necessidades e demandas de setores dominantes de nossa sociedade. Uma minoria que, possuindo condições de comprar nossos serviços, foi por muito tempo a única usuária deles. QUEREMOS AGORA DAR A VOLTA POR CIMA E CONSTRUIR UMA PROFISSÃO IDENTIFICADA COM AS NECESSIDADES DA MAIORIA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA, UMA MAIORIA QUE SOFRE E QUE LUTA DADAS AS CONDIÇÕES DE VIDA QUE POSSUI. Identificar-se com as necessidades de nosso povo e acompanhar o movimento destas necessidades, sendo capazes de construirmos, sempre e permanentemente, respostas técnicas e científicas. É este o nosso desafio. QUEREMOS ESTAR EM BUSCA PERMANENTE, EM MOVIMENTO SEMPRE. QUEREMOS QUE O MOVIMENTO SEJA A NOSSA IDENTIDADE E QUE A INQUIETAÇÃO SEJA NOSSO LEMA. TEXTO 2 A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA E A CRÍTICA À PSICOLOGIA SOCIAL TRACIDIONAL Conforme já comentado, a Psicologia Comunitária implica em formas de pensar e fazer psicologia voltada para a facilitação da conscientização dos grupos com quem trabalha para que eles assumam progressivamente seu papel de protagonistas de sua própria história, conscientes dos determinantes sociopolíticos de sua situação e ativos na busca de soluções para os problemas enfrentados. Para refletir: A Psicologia Social Comunitária busca contribuir com a construção da consciência crítica, da ética da solidariedade e de práticas cooperativas e autogestionárias a partir da análise dos problemas cotidianos da comunidade. Mas, para que vocês compreendam essa dinâmica, INICIALMENTE VAMOS ABORDARALGUNS CONCEITOS: A psicologia social comunitária emerge da crítica à psicologia social tradicional (também identificada por psicologia social psicológica). A PSICOLOGIA SOCIAL TRADICIONAL aborda, especialmente, pequenos grupos tendo como principais focos de investigação e de intervenção questões relacionadas com o ajustamento social, com as atitudes e os estereótipos, assim como as relações interpessoais sem, no entanto, vincular tais processos com seus contextos históricos e culturais. Assim, concebe o homem como um ser abstrato e a-histórico e, portanto, descontextualizado das condições concretas de vida. O distanciamento da Psicologia Social tradicional dos problemas sociais e sua incapacidade de dar respostas a estes problemas levaram um grupo de Psicólogos Sociais a questioná-la em seus objetivos, concepções, ações e resultados. Esse movimento na Psicologia Social defendia a diversidade cultural e enfocava o contexto e a ideologia como questões que deveriam ser centrais na área. Preocupava-se também com uma relação mais ativa e comprometida dos Psicólogos com os problemas da sociedade. Como representantes dessa corrente, temos Martín-Baró (de origem espanhola, mas que viveu muitos anos na América Central, em El Salvador), Sílvia Lane (brasileira) e Maritza Montero (venezuelana). Suas obras estão voltadas para a construção de uma Psicologia Social crítica, preocupadas com a realidade dos povos da América Latina e com os caminhos de mudança dessa mesma realidade. Nessa perspectiva se evidencia a participação social e o desenvolvimento da consciência crítica. Atualmente, esta perspectiva é identificada por Psicologia Social Crítica ou Psicologia Social Sociológica. Entre as abordagens do âmbito da Psicologia Social Crítica, destaca-se a Psicologia Sócio Histórica. TEXTO COMPLEMENTAR B SUBJETIVIDADE, SUBJETIVAÇÃO E SINGULARIZAÇÃO2 No imaginário social a subjetividade é algo interior, está dentro de cada um. Com esta concepção fica definido um espaço interno, tomado pela subjetividade, e um espaço externo, tomado pelo que não é subjetivo, o objetivo, o espaço da vida social. Tem-se uma oposição entre interno (subjetivo) e externo (mundo social) e, consequentemente, uma separação entre as experiências sociais e as experiências subjetivas, de modo dicotômico. No entanto, pensar na dicotomia interno x externo implicar em desconsiderar que a subjetividade é produzida por instâncias individuais, coletivase institucionais, ou seja, “a subjetividade é plural”. Dessa forma, não existe uma instância que domine ou determine a outra. Por conseguinte, pode-se compreender que a subjetividade não é constituída somente pelo campo pessoal, mas é construída, significada e ressignificada no campo dos processos de produção social e material. “A subjetividade não é exclusivamente individual e nem exclusivamente coletiva, ela se desenvolve para além do indivíduo, junto ao social. Abordar a subjetividade humana desconectada de suas dimensões sociais, históricas e culturais pode produzir práticas eivadas de artificialismos” (MENDONÇA, 2007). Pensar em subjetividade fomenta a necessidade de refletir sobre processos de subjetivação e de singularização. Assim, convido você a pensar sobre tais processos: SUBJETIVIDADE:3é a síntese singular e individual que cada um de nós vai constituindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando experiências da vida social e cultural. É uma síntese que nos identifica, de um lado por ser única e nos iguala, de outro lado, na medida em que os elementos que a constituem são 2 Extraído de: MENDONÇA, Valquíria Lúcia Melo de. Produção de subjetividade e exercício de cidadania: efeitos da prática em psicologia comunitária. Pesquisa e práticas psicossociais, 2(1), São João del-Rei, mar-abr., 2007. Disponível em: www.ufsj.edu.br/portal-repositorio/.../5artigoword.doc. Acesso em: 11 fev. 2016. 3 Extraído de: BOCK, A.M.B; FURTADO, O.; TEIXIERA, M.S.T. Psicologias: uma introdução à psicologia. São Paulo: Saraiva, 2004. experienciados no campo comum da objetividade social. A Subjetividade é a maneira de sentir, pensar, fantasiar, sonhar, amar e fazer de cada um. É o que constitui o nosso modo de ser: “sou filho de japoneses e militante de um grupo ecológico, detesto Matemática, adoro samba e blackmusic, pratico ioga, tenho vontade mas não consigo ter uma namorada. Meu melhor amigo é filho de descendentes de italianos, primeiro aluno da classe em Matemática, trabalha e estuda, é flamenguista fanático, adora comer sushi e navegar pela Internet.” Ou seja, cada qual é o que é: sua SINGULARIDADE E, AO MESMO TEMPO, É PLURAL porque somos influenciados e influenciamos as outras pessoas com as quais convivemos ou ainda, em função do momento histórico que singulariza cada grupo. EM SÍNTESE: Subjetividade é o mundo das ideias, significados e emoções construídos internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição biológica; é também, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais. SUBJETIVAÇÃO: é, um modo de ser que é fabricado, produzido, modelado. (subjetividade/indivíduo; subjetividade social.***SINGULARIZAÇÃO: como processos de singularização ou ainda novos modos de subjetivação. A principal característica do processo de singularização é que ele seja auto modelador, isto é, ao invés de ficar na dependência de um poder exterior, globalizado, construir seus próprios tipos de referências e práticas. Se os grupos adquirem essa liberdade, têm a capacidade de autogerir sua própria situação, com a possibilidade de criação, sendo possível desenvolver sua autonomia. Importante é realçar que, alienação ou criação são processos, nunca aquisições definitivas. Isso significa que um indivíduo ou coletivo pode alternar momentos-processos de alienação ou criação – nada é definitivo O indivíduo é “uma realidade histórico social que se encontra fortemente enraizado em um processo cultural que lhe é próprio, em um modo de vida social peculiar, em uma estrutura social de classes e em um determinado espaço histórico, geográfico, social, cultural, econômico, simbólico e ideológico”; compreende o indivíduo vivendo em uma dada realidade concreta, físico-social, participando de uma rede de relações sociais complexas (mais além do interpessoal e do grupal) de uma sociedade de classes historicamente determinada. O ENTORNO SOCIAL E CULTURAL É FONTE TANTO DE CONFLITOS COMO DE SOLUÇÕES. ISTO É, IMPÕE LIMITAÇÕES, MAS TAMBÉM APORTA RECURSOS. (MUSITU 2004, p.19) É essencial que não nos centrarmos mais unicamente no indivíduo (MUSITU, 2004), mas sim é fundamental voltar o olhar para o entorno social e cultural, pensando de que forma este contexto contribuiu para a formação daquele indivíduo em particular. ENTENDENDO QUE É EXATAMENTE ESTE ENTORNO QUE IRÁ DAR OS SUPORTES NECESSÁRIOS E TAMBÉM AS DIFICULDADES INEVITÁVEIS PARA A FORMAÇÃO DE UMA PESSOA ENQUANTO CIDADÃO. - Ao se fazer ciência, é necessária a participação da comunidade. A prática do psicólogo comunitário está mais voltada para o desenvolvimento de potencialidades e recursos do que em sanar déficits, buscando, sempre a potencialização da comunidade. Tem como meta, a transformação social. Sobre isso diz Lane (1996) “desenvolver grupos que se tornem conscientes e aptos a exercer um autocontrole de situações da vida através de atividades cooperativas e organizadas” (2004, p. 25). Diferentemente das intervenções participativas e dirigidas, uma perspectiva situada de intervenção social não “encara” os problemas sociais a partir de um conhecimento especializado, mas sim implica em ações coletivas em prol de um objetivo comum, socialmente definido. Essas ações envolvem as vidas das pessoas, as relações, discursos e práticas sociais, com uma visão do social mais anarquista (MONTENEGRO, 2001). TEXTO COMPLEMENTAR C: APESAR DE COMPLEMENTAR -> VALE A PENA LER Ações assistencialista e a perpetuação da população assistida na situação de “assistidos”4 [...] Temos que salvá-los. Salvá-los da bebida, da preguiça, da desorganização, da ignorância, do subdesenvolvimento, da desnutrição, das pestes, da falta de higiene, da desinformação, da rua, das drogas, da morte. Nos regozijamos com nossa bondade e solidariedade. Até os tratamos de igual para igual, não é mesmo? Somos como gênios da lâmpada: "Faça seu pedido e ele será satisfeito!!!" E eles pedem e nós oferecemos: pedem comida, roupas, passagens de ônibus, consultas em hospital, remédios, dinheiro... Nós oferecemos porque a ideia básica é não deixar ninguém totalmente desamparado e, portanto, aliviar a sua miséria, a sua falta de esperança. E, partindo dos nossos valores e estilos de vida, nos deduzimos que necessitam de um bom banho, de um médico, de educação, de um emprego…. Mas, com o tempo constatamos: eles não reconhecem a importância de nossa ajuda: não querem mudar e, por isso, cada vez pedem mais coisas. E, perguntamos: Por que não aproveitam as oportunidades que oferecemos? Para essa pergunta, emergem diferentes respostas, como por exemplo, “são ingratos!” ou “são preguiçosos”: preferem esperar que alguém resolva os seus problemas. No entanto, caberia perguntar: Será que ao oferecer coisas e serviços, atendemos apenas a nossa demanda de ofertar? Será que ao “fazer de nosso desejo, o desejo deles, produzimos (e, naturalizamos) a passividade e por isso, eles não aproveitam as oportunidades que lhes oferecemos? ” Para sair desse impasse que tal refletir acerca da seguinte dinâmica: Ao querer levar nossos ideais até outros, fazemos da demanda, além de invertida, infinita - pois ninguém conseguirá sustentar este lugar de provedor incondicional.... Enquanto se pensar em assistência social como repasse de recursos, sempre estaremos lidando com recursos finitos para uma demanda infinita. Quando encerram-se os recursos, àqueles que nos procuram, nada temos a dar - a não ser um sorriso amarelo, e uma esperança: "volta daqui um tempo, vou colocar teu nome na lista de espera..." Assim, novamente, cabe perguntar: as nossas intervenções provocaram mudanças significativas na qualidade de vida das pessoas assistidas ou apenas fortaleceram no imaginário destas pessoas que, elas devem esperar que alguém as ajude? 4 Texto extraído de: RAMMINGER, Tatiana. Psicologia comunitária X assistencialismo: possibilidades e limites.Psicol. cienc. prof., Brasília , v. 21, n. 1, p. 42-45, Mar. 2001 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci. Acesso em: 17 mar. 2017. TEXTO 3 INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NO ÂMBITO COMUNITÁRIO5: considerações históricas -Na década de 40 e 50 do século XX, o Brasil passava por transformações em seu modelo produtivo, saindo do agropecuário e passando para o agroindustrial. Essa mudança demandava um rearranjo na mão-de-obra e para isso ‘trabalhos em comunidades’ precisaram ser realizados visando preparar a população para a realização de tarefas adequadas ao novo modelo econômico. A intenção era educativa, buscando um trabalho em comunidades, com o objetivo de integrar a população ao programa de modernização que o contexto econômico demandava. Essa primeiras experiências práticas estiveram associadas, portanto, à educação popular, à medicina psiquiátrica comunitária e sempre sob a proteção e orientação do Estado. Sua tese sociológica central era a crença na modernização cultural e econômica, como via de progresso, através de reformas de base na agricultura, indústria e nos valores e atitudes da população. (SAWAIA, 1996, p. 45) Naquele momento histórico, esses trabalhos em comunidade, sem dúvida, ATENDIAM A INTERESSES GOVERNAMENTAIS(embora fosse uma prestação de serviços do governo junto à população, atendia, antes de tudo, à preocupação do governo quanto ao desenvolvimento econômico do país, tendo, portanto, um caráter PREDOMINANTEMENTE ASSISTENCIALISTA E PATERNALISTA). - A década de 1960 foi marcada por FORTES CONFRONTOS ENTRE ESTADO E POPULAÇÃO, tendo de um lado o recrudescimento dos mecanismos de controle repressivo e, de outro, reivindicações de necessidades básicas, que se davam via manifestações populares. Em OPOSIÇÃO AO REGIME MILITAR, A EDUCAÇÃO, COMO FOI PENSADA POR AUTORES COMO PAULO FREIRE, foi a via utilizada para que fosse possível promover o desenvolvimento DE UMA CONSCIÊNCIA CRÍTICA DA POPULAÇÃO, para que esta pudesse se posicionar no quadro social que o país apresentava, reivindicando de forma consistente e consciente os direitos que julgava necessários para o exercício de sua cidadania. Embora tais mudanças tenham ocorrido em pequenas proporções, foi o suficiente para que despertasse na população e nos acadêmicos, estudiosos das questões sociais - dentre eles o psicólogo, o interesse por mudanças políticas e sociais. Tratava-se de demandas sociais causadas a partir de um movimento sócio histórico. Neste contexto, MUITOS PSICÓLOGOS SAEM DOS CONSULTÓRIOS (onde atendiam, de forma individual e curativa a uma pequena clientela (composta por grupos economicamente privilegiados) e são 5 FREITAS, Maria de F. Quintal de. Inserção na comunidade e análise de necessidades: reflexões sobre a prática do psicólogo. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre , v. 11, n. 1, p. 175-189, 1998.Disponivel em: http://www.scielo.br/scielo. Acesso em:3 set. 2015. fomentadas novas práticas VOLTADAS PARA O ATENDIMENTO DA POPULAÇÃO EXCLUÍDA EM ASSOCIAÇÕES DE BAIRROS, CRECHES COMUNITÁRIAS E SINDICATOS. Especialmente na década de 1970, havia um trabalho voltado para a militância e participação políticas. Não havia, por parte dos profissionais, uma preocupação “com o crescimento das práticas educativas e de conscientização e libertação” (ANDERY, 1994, p. 209), pois, ‘como’ e ‘com que’ instrumentos o trabalho seria realizado, era uma preocupação secundária. Preocupavam-se com recrutamento de pessoas em apoio a um determinado ideal partidário. Tratava-se de um ativismo político. Assim, nesse período encontramos duas vertentes: Ativismo político e filantropia (benefício, amparo, assistencialismo). A PARTIR DAS CRÍTICAS DIRIGIDAS TANTO À VERTENTE “MILITÂNCIA” QUANTO À “FILANTRÓPICA”, OUTRA POSSIBILIDADE FOI SENDO CONCEBIDA: Uma proposta orientada pela preocupação de possibilitar mudança na realidade cotidiana da população, que caracteriza uma nova forma de inserção na comunidade. Esta nova forma de saber-fazer psicologia comunitária defende a subjetividade não seria somente do campo pessoal, mas do campo dos processos de produção social e material. Tal proposta aponta para uma organização da própria população para criar e buscar em torno de si, suas próprias condições (seu próprio poder e saber) para se autogestionar. A população não é vista nem como desamparada nem como desvalida. A proposta aqui “significa descobrir que a população é diferente sim, diferente dos padrões e previsões tradicionalmente científicas, sendo mais lutadora e sobrevivente do que tem sido considerada pelos centros de investigação” (Freitas, 1998, p. 183). Em outas palavras: defende que o problema nunca é somente individual, mas causado pela estrutura social, econômica e política. EM SÍNTESE: A inserção do psicólogo na comunidade pode ser orientada por diferentes motivos: militância, curiosidade, assistencialismo/filantropia e compromisso social direcionado para mudanças nas condições de vida. a) Militância (especialmente na década de 1970) os profissionais inseriram-se nos bairros de periferia e nas favelas dos grandes centros, tentando negar a sua origem cultural e de classe. Era importante fazer algo, colaborar para a organização e mobilização dos setores oprimidos. Como e com que instrumentais constituíam-se em questões, na época, de importância secundária. Tratava-se de uma inserção guiada por uma preocupação de que o trabalho estivesse voltado para a militância e participação políticas. Surgem: Os centros comunitários de saúde mental. ** Educação popular: Paulo Freire – alfabetização de adultos como instrumento de conscientização. Assim, sobre rótulo de psicologia social comunitária, emergem práticas voltadas para: (A) prevenção da saúde mental, unindo psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais. (B) educação popular com a participação de pedagogos, psicólogos, sociólogos e assistentes sociais. b) Filantropia e fornecimento de assistência psicológica mais acessível ou gratuito: voltado para a melhoria das problemáticas das pessoas. De um lado, estaria a população que necessita de tratamento e/ou orientação psicológica e, de outro, o psicólogo oferecendo sua ajuda, preocupado em implantar serviços e estratégias psicológicas, para que a população melhor se adapte às exigências societais ou que, pelo menos, aprenda a minimizar seus problemas e sofrimentos. c) Curiosidade em conhecer “as populações desfavorecidas”. Universitários passaram a caminhar nos bairros populares fazendo entrevistas, questionários, aplicando escalas e vários outros instrumentos importados de outros contextos e modelos. A inserção acontece com uma preocupação da ordem da curiosidade científica. d) INSERÇÃO ORIENTADA PELO COMPROMISSO DE QUE O TRABALHO DEVE POSSIBILITAR MUDANÇA DAS CONDIÇÕES VIVIDAS cotidianamente pela população, ao mesmo tempo em que esta população é quem estabelece os caminhos e aponta as suas necessidades prementes. Trata-se de uma inserção que se dá na dependência de a população comprometer-se com a possibilidade de mudança social e construção de conhecimento. As comunidades surgem do simples fato de vivermos em simbiose, isto é, de viverem juntos num mesmo habitat indivíduos tanto semelhantes quanto diferentes e da ‘competição cooperativa’ em que se empenham. As relações comunitárias que constituem uma verdadeira comunidade são relações igualitárias, que se dão entre pessoas que possuem iguais direitos e deveres. Essas relações implicam que todos possam ter vez e voz, que todos sejam reconhecidos em sua singularidade, onde as diferenças sejam respeitadas. E mais: as relações comunitárias implicam, também, a existência de uma dimensão afetiva, implicam que as pessoas sejam amadas, estimadas e benquistas. (CAMPOS 2009). A psicologia social ao qualificar-se de comunitária, hoje, explicita o objetivo de colaborar com a criação desses espaços relacionais,que vinculam os indivíduos a territórios físicos ou simbólicos e a temporalid ades partilhadas num mundo assolado pela ética do “levar vantagem em tudo” e do “é dando que se recebe”. Esses espaços comunitários se alimentam de fontes que lançam a outras comunidades e buscam na interlocução da fronteira o sentido mais profundo da dignidade humana. Enfim ela delimita seu campo de competência na luta contra a exclusão de qualquer espécie. (SAWAIA, 1994). Para reflexão: o psicólogo na comunidade trabalha fundamentalmente com a linguagem e representações, com relações grupais – vínculo essencial entre o indivíduo e a sociedade – e com as emoções e afetos próprios da subjetividade, para exercer sua ação à nível de consciência, da atividade e da intensidade dos indivíduos que irão, algum dia, viver em verdadeira comunidade. Estratégias de inserção do psicólogo no âmbito comunitário Duas modalidades de inserção: (1) Com objetivos do trabalho definidos a priori(a partir dos objetivos, motivos e preocupações que orientam o psicólogo - antes mesmo deste conhecer a realidade em que pretende trabalhar- . (2) Com objetivos definidos aposteriori: o contato e a entrada que o psicólogo constrói na comunidade acontecem orientados pelas necessidades que a população vive. Possíveis consequências de cada tipo de inserção: (1) A priori: torna-se mais fácil e menos incerto identificar os fenômenos psicossociais e os instrumentais que devem ser utilizados. O papel do psicólogo não é questionado e a comunidade é vista e se assume como imutável, tendo uma vida e uma dinâmica de relações já dadas e prontas, fortalecendo assim o conformismo e a passividade, adotando uma posição de mera receptora dos serviços e benefícios fornecidos pelo psicólogo. (2) A posteriori: uma inserção que lida com o domínio das incertezas e poderá acontecer de duas maneiras: (a)A incerteza sobre o quê e como fazer e o desconhecimento sobre as necessidades e a vida da população existem apenas nos primeiros contatos. À medida que tais informações vão sendo obtidas,vão se delimitando aspectos e fenômenos, tais como temáticas possíveis para o desenvolvimento do trabalho de intervenção. Neste momento, cessa a participação da população, minimizam-se as incertezas para o profissional e, consequentemente, garantindo uma especificidade da sua atuação. (b) Os objetivos são delimitados dentro de um processo decisório participativo, em que tanto profissional como comunidade e seus representantes, estabelecem relações horizontais de discussão, análise e definição sobre as problemáticas a serem consideradas e as possibilidades de resolução e/ou enfrentamento para as mesmas. TEXTO COMPLEMENTAR D6 INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NA COMUNIDADE: instrumentos e estratégias (leitura facultativa) - O trabalho de entrada do psicólogo na comunidade depende de: Momento inicial: contatos e conhecimentos que faz quando se depara com a realidade concreta dos setores populares;intermediários, individuais e/ou coletivos, que procuram o profissional de psicologia, geralmente com uma expectativa de que ele faça algum tipo de atendimento individual para as problemáticas vividas no contexto comunitário; tentativas em que o próprio psicólogo faz de se fazer conhecer junto à comunidade ou aos seus representantes, orientadas pela preocupação de que é necessário colocar seus serviços à disposição desses setores. Neste tipo de contato, está implícita a aceitação de se submeter à avaliação sobre a necessidade do seu trabalho, com o risco de haver algum tipo de recusa. Depois de estabelecida a entrada: inicia-se um processo contínuo de obtenção de informações e de interações, em que o profissional está, de um lado, exercendo atividades que derivam da sua especif icidade profissional, e de outro, sendo, de alguma maneira, também observado, registrado e avaliado pelos moradores daquele lugar. - Instrumentos utilizados e/ou construídos nas situações que se apresentam quando do desenvolvimento do trabalho: entrevistas que muitas vezes são realizadas de maneira coletiva com um número variável de participantes do início ao fim; conversas informais acontecidas em estabelecimento comerciais, pontos de ônibus, caminhando nas ruas, cujos conteúdos vão fornecendo indícios sobre a dinâmica existente na comunidade e sobre o tipo de interação e vínculo que os moradores vão criando; visitas às casas e participação em alguma festividade/evento; registros de acontecimentos e/ou episódios significativos em diários de campo, acompanhados de apreciações sobre as interações, as problemáticas vividas e as 6 FREITAS, Maria de Fatima Quintal de. Inserção na comunidade e análise de necessidades: reflexões sobre a prática do psicólogo. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre , v. 11, n. 1, p. 175-189, 1998 . Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script>. Acesso em: 20 set. 2015. . alternativas de ações encontradas pelas pessoas; recuperação da história de constituição da comunidade através de fontes vivas, como pessoas significativas, lideranças formais e informais, representantes de entidades, igrejas e templos, entre outros; resgate de documentos do saber popular e uso de fotografias e/ou objetos e/ou produções oriundas da produção cultural local; encontros não programados, reuniões imprevistas e debates repentinos acontecidos no seio dos grupos formais e informais. Tais estratégias objetivam: coleta de informações sobre a vida, condições de moradia e sobrevivência, recuperação histórica da construção daquela comunidade; identificação de necessidades e problemáticas vividas pela população na esfera do seu cotidiano, em termos de processos psicossociais que afetam as pessoas; detecção dos modos alternativos de enfrentamento e resolução, encontrados pelos moradores no seu cotidiano e nas relações estabelecidas; discussão conjunta, com a comunidade e seus representantes, sobre as alternativas, e decisão sobre aquela a serem adotadas, assim como sobre as estratégias para sua viabilização; constituição dos grupos para a execução das alternativas; e avaliação contínua e reformulação dos caminhos adotados, em função das necessidades e impedimentos que se apresentarem ao longo do trabalho. TEXTO 4 O TRABALHO DO PSICÓLOGO NA COMUNIDADE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Kairon Pereira de Araújo Sousa7 O TRABALHO DO PSICÓLOGO NA COMUNIDADE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Kairon Pereira de Araújo Sousa8 RESUMO: Este artigo tem como objetivo expor um relato de experiência no campo da psicologia comunitária, servindo para contribuir com as discussões sobre o fazer do psicólogo na comunidade. Para tanto, serão apontados os trabalhos que realizamos em uma comunidade na cidade de Floriano-PI durante o mês de novembro a dezembro de 2011. PALAVRAS-CHAVE: Comunidade, Psicologia Comunitária, Relato de Experiência. Introdução A psicologia comunitária, no Brasil, tem como contexto o período marcado pela ditadura militar. Com a oficialização da psicologia como profissão por volta do ano de 1962, pouco tempo antes da instalação do regime militar propriamente dito, a psicologia, nessa fase, tem sua prática voltada para um atendimento individual, mantendo o status da ideologia dominante, sendo caracterizada como uma práxis elitista. Como destaca Scarparo e Guareschi (2007, p.100), “na época, as práticas psicológicas se consolidaram sob a influência de ideologias desenvolvimentistas [...]”. Nesse sentido, como ainda apontam as autoras, “o 7 Bacharel em psicologia (UESPI), com especialização em saúde da família (CEAD/UFPI). 8 Bacharel em psicologia (UESPI), com especialização em saúde da família (CEAD/UFPI). trabalho do psicólogo era definido a partir da clínica individual, da tarefa de avaliação psicológica e do acompanhamento de dificuldades de aprendizagem nas escolas” (SCARPARO; GUARESCHI, 2007, p.100). Como se pode notar,o fazer psicologia, nesse contexto, atendia as necessidades estabelecidas pelo regime, através de uma atuação tradicional baseada no modelo da clínica médica, cujo foco era o atendimento individualizado, desconectado do contexto sociocultural. Senso assim, as reflexões acadêmicas acerca do social eram muito restritas. Somente por volta da década de setenta, começam a surgir às primeiras intervenções da psicologia abrangendo o contexto comunitário. Segundo Scarparo e Guareschi (2007, p.101): Tais registros referiram-se à participação de psicólogos em trabalhos associados à esfera da educação e da saúde mental, especialmente no âmbito da prevenção. As ações eram inspiradas na psiquiatria comunitária, um ramo da psiquiatria social voltado para o atendimento à saúde mental de integrantes de comunidades Com o enfraquecimento do movimento militar e mobilização da população pelo fim da repressão, no cenário da psicologia, também surgiram manifestações de intelectuais que buscavam repesar a forma de se fazer psicologia, questionando sua atuação centralizada, que se ausentava das responsabilidades sociais. Conforme refere Campos (1996, p.17), “esta preocupação é mais sentida na universidade, quando a partir do movimento de 1968, questionando o ensino e a academia, é desenvolvida uma reflex ão crítica sobre seu papel”. Dessa maneira, a psicologia comunitária, como verifica Ornelas (1997, p.375), surge “[...] no decurso de um período de grandes transformações, não somente na área da Saúde Mental, mas também na sociedade em geral”. Assim, tomando como base os conhecimentos da psicologia social, “a Psicologia Comunitária dedica-se a estudar, compreender e intervir no cenário de questões psicossociais que caracterizam uma comunidade” (SCARPARO; GUARESCHI, 2007, p. 103). A psicologia comunitária pode ser definida, como aponta Góis (1993 apud CAMPOS, 1996, p.11) como: uma área da psicologia social que estuda a atividade do psiquismo decorrente do modo de vida do lugar/comunidade, estuda o sistema de relações e representações, identidade, níveis de consciência, identificação e pertinência dos indivíduos ao lugar/comunidade e aos grupos comunitários [...]. O trabalho do psicólogo comunitário em uma comunidade visa sobremaneira à formação de uma consciência crítica da própria população, que nesse processo, participa de forma ativa na identificação e na resolução de suas necessidades principais. Campos (1996, p.10) destaca que: tipicamente os trabalhos comunitários partem de um levantamento das necessidades e carências vividas pelo grupo-cliente [...]. A seguir, utilizando-se métodos e processo de conscientização, procura-se trabalhar com os grupos populares para que eles assumam progressivamente seu papel de sujeitos de sua própria história, conscientes dos determinantes sócio-políticos de sua situação e ativos na busca de soluções para os problemas enfrentados Com base nesse exposto, o presente trabalho descreve todas as etapas da atividade de extensão desenvolvida, no campo da psicologia comunitária, em uma comunidade residente no final da Rua 7 de Setembro, bairro São Cristóvão, na cidade de Floriano-PI, durante o mês de novembro e dezembro de 2011. Para tanto, iniciaremos apontando a descrição do local de intervenção (localização, histórico do local), e logo em seguida as atividades desenvolvidas (contato inicial: apresentação à comunidade; levantamento das necessidades; discussão das problemáticas do local- apresentação de sugestões; encontros seguinte - Ação - identificação de novas demandas; realização de dinâmica; último encontro). 2. DESCRIÇÃO DO LOCAL DA INTERVENÇÃO 2.1 Localização: A comunidade, na qual foi realizado o trabalho está situada na Rua 7 de Setembro, no bairro São Cristovão, Floriano- PI, CEP: 64800-000, tendo como ponto de referência o pesque pague. É um trecho final dessa rua, composto pelo total de 20 casas. 2.2 Histórico do local: Esse bloco de casas, no final da Rua 7 de Setembro, começou a ser construído por volta de abril de 2010, por uma empresa de construções, que comprou a área de cerca de 150 metros, construindo inicialmente duas casas que serviram de base para a construção das demais. As primeiras casas foram entregues no mês de novembro do mesmo ano. As outras foram concluídas no começo da primeira metade de 2011. A venda dessas residências foi efetuada em parceria com a Caixa Econômica Federal, através do Programa Minha Casa Minha Vida. São casas compostas pelo total de 7 cômodos, algumas com cômodos a menos, devido modificações realizadas a pedido dos moradores. Além disso, possuem quinta e um espaço para um jardim. Por ser uma comunidade nova, não dispunha ainda de calçamento e iluminação pública. 3. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS: Foram desenvolvidas atividades variadas nessa comunidade. Para tanto, partimos de uma observação sobre o local de estágio. Procuramos conhecer um pouco da história desse lugar: como surgiu a comunidade? Quantas famílias moram na mesma? Nesse sentido, conversamos, com um dos moradores que há onze anos vive na região, e a partir das informações fornecidas por ele, tivemos uma visão mais detalhada da comunidade. Como se tratava de uma parte nova, formada ao todo por 20 casas, foi por meio do morador que obtivemos acesso aos demais. Assim, a primeira etapa desse trabalho consistiu em uma análise do lugar. Posteriormente, fomos dando início aos trabalhos com encontros periódicos que variavam em decorrência das ocupações dos moradores e, como forma de mantermos os encontros, fomos adaptando as reuniões de acordo com as necessidades do coletivo. 3.1 Contato inicial: Apresentação a comunidade Nosso primeiro encontro ocorreu no dia 12 de novembro de 2011, às 14 horas da tarde, sendo realizado na casa de um dos moradores da comunidade, tendo 09 participantes, com duração de 1 hora e 30 min. Iniciamos a atividade nos apresentando ao grupo e pedindo a eles que também se apresentassem, como forma de gerar interação entre os participantes. Logo após falamos um pouco sobre nossos objetivos em relação à comunidade, explicando do que se trata a psicologia comunitária e como funcionaria as ações desenvolvidas com eles. Expomos um pequeno vídeo (7 min) da própria comunidade, fazendo um resgate da história do lugar. Também apresentamos outro vídeo (7min) com o tema “O problema não é meu”, produção American Media, que apesar de ser em forma de desenho animado, continha uma mensagem muito rica para o propósito da atividade. Esse vídeo mostrava uma comunidade que tinha um problema, representado por um pequeno fogo que começou após alguém atirar um instrumento com fogo no mato que cercava a comunidade (uma organização). As pessoas viram o problema, mas ninguém tomava a iniciativa de solucioná-lo, desse modo, o problema foi crescendo, enquanto um e outro de afastava da responsabilidade. Finalmente, quando o fogo já estava para destruir a comunidade, enquanto eles brigavam entre si a respeito de quem deveria ou era o responsável por solucionar a dificuldade, um cachorrinho solta um assobio e mostra a eles um cartaz “assuma sua responsabilidade”. Nesse momento, pararam e perceberam que o problema era de todos e que somente cada um fazendo sua parte, assumindo a sua responsabilidade, poderiam juntos solucionar o problema e assim o fizeram. Foi a partir dessa temática “assuma sua responsabilidade”, que refletimos com os moradores a respeito da função de cada um na comunidade, ou seja, que eles são agentes transformadores da realidade do lugar em que vivem. Em seguida, iniciamos a discussão das necessidades da comunidade. 3.2 Levantamento das necessidades: Percebemos durante as discussões o entusiasmo dos moradores que foram expondo seus pontos de vista acerca das problemáticas do lugar. Deixamo-los à vontade para discutirem essas necessidades, fazendo intervenções apenas quando necessário. Às vezes, fazíamos feedbackutilizando o vídeo. Nesse momento de levantamento das necessidades da comunidade, eles apontaram como problemas a serem trabalhados: o calçamento da rua, a iluminação (problema com uma das lâmpadas dos postes), o lixo (logo ao lado da comunidade, caminhos despejam lixo em um terreno, o que gera mau cheiro e atraia animais, até mesmo mosquito da dengue), presença de mato ao redor das casas (que serve de esconderijo para animais) e a circulação de caminhões carregados de areia, de uma empresa, que danificava ainda mais a rua, além da possível instalação de um depósito dessa me sma firma próximo às casas, que com o peso dos caminhões que passariam mais próximo das residências, colocaria a estrutura das mesmas em risco. Algumas das casas, segundo os moradores, com a circulação diária de caminhões e tratores, estavam com rachaduras nas paredes. 3.3 Discussão das problemáticas do local - apresentação de sugestões: Ainda no primeiro encontro, discutimos com os moradores planos estratégicos para a solução das demandas destacadas. Utilizando o vídeo anterior, demonstramos que a identificação de um problema não costuma ser difícil (como verificado no filme), porém, precisaríamos, já que foram mencionadas as dificuldades, que agora eles formulassem possíveis respostas ao problema. A comunidade começou a buscar os meios para vencer suas problemáticas. Verificamos que essa parte foi a mais difícil. Perguntamos a eles se tinham compreendido o que estávamos pedindo. E, para ajudarmos voltamos a utilizar cenas do vídeo, explicando como a comunidade mencionada no filme fez para contornar sua problemática. Feito o esclarecimento, diversas opiniões começaram a surgir, e a própria comunidade foi fazendo, a partir da análise dos prós e contras, a seleção dos meios mais precisos de se atingir os resultados almejados. O quadro abaixo contém as estratégias elaboradas: Tabela 1 – Estratégias elencadas como forma de solucionar os dilemas da comunidade. PROBLEMA SOLUÇÃO CALÇAMENTO Comunicar às autoridades acerca das dificuldades que os moradores atravessam (poeira, lama etc.) devido a falta de calçamento. Solicitar a pavimentação da rua. LIXO Pedir à prefeitura que tome providência em relação ao despejo incorreto de lixo naquele lugar. Fiscalização pelos moradores para não deixar outras pessoas depositarem lixo no local ILUMINAÇÃO Como apenas um dos postes, há alguns meses, estava com a lâmpada queimada e a prefeitura havia informado aos moradores que estava aguardando a chegada de várias lâmpadas com outros equipamentos para fazer a troca em toda a cidade. Os moradores das quatro primeiras casas, que são os mais prejudicados com a falta da iluminação, decidiram comprar as lâmpadas juntos e pedir à prefeitura que realizasse a instalação. MATO EM FRENTE ÀS CASAS O mato em frente às residências, ao mesmo tempo em que era um problema individual (de cada morador), também se tornava coletivo, porque nele residiam vários animais (mosquitos, sapos, aranhas etc), representando um perigo para a coletividade. Dessa forma, eles decidiram que cada um faria a limpeza de sua área, tendo assim, no final um resultado coletivo. CIRCULAÇÃO DE VEÍCULOS PESADOS COM DANIFICAÇÃO DAS RUAS Como na comunidade, diariamente passam caminhões carregados de areia subtraída do rio, prejudicando ainda mais a rua (em função do peso dos veículos, várias vezes o cano de água foi quebrado, deixando os moradores sem água). Foi sugerido uma conversa com o proprietário dos veículos para que ele utilizasse sua frota e no final de semana tampasse os buracos, fazendo o planeamento. 3.3 Encontros seguintes: 3.3.1 Ação no segundo encontro (19/11/2011/ às 14 horas): revisamos com os moradores, agora em um número maior, as atividades desenvolvidas na reunião anterior. Depois, pedimos para eles que relatassem o que a comunidade havia realizado tendo como base as estratégias elaboradas. Em relação à iluminação, os moradores próximos ao poste com a lâmpada queimada, não precisaram comprá-la, porque, o secretário de infraestrutura da prefeitura enviou uma equipe de funcionários para fazer a instalação. No caso do lixo, a prefeitura executou a limpeza do lugar, afastando o lixo próximo às residências, colocando uma placa com o aviso “proibido jogar lixo”. A respeito do mato, cada morador fez a limpeza da frente da casa, deixando a área mais limpa. Quanto à circulação dos veículos, o proprietário cooperou com a comunidade tampando os buracos da rua. Continuamos o encontro fazendo a exposição de uma minipalestra sobre o lixo depositado em lugares incorretos. Finalizamos com um vídeo que mostrava a superação das dificultadas em conjunto (trechos do filme: Desafiando Gigantes). 3.3.2 Identificação de novas demandas: Nesse encontro (26/11/2011/ às 15 horas), iniciamos com o feedback sobre o vídeo anterior e discutimos com a comunidade novas demandas que porventura eles queriam trabalhar. Foi mencionada a possibilidade de a comunidade buscar o saneamento básico, uma vez que o esgoto das casas não tem por onde escorrer. Além, da questão de normalizar o serviço de coleta do lixo, que no início passava duas vezes por semana no lugar (terças e quintas), entretanto, há alguns dias o carro do lixo estava passando apenas durante as terças e sábados (um prazo muito extenso que gerava acumulação de lixo). Diante desse exposto, pedimos a eles que novamente tentassem formular solução para essa nova problemática. Terminamos o encontro, com a proposta dos moradores de procurarem os responsáveis pela limpeza e solicitarem a disponibilização do serviço durante os dias da semana propostos por eles. 3.3.3 Realização de dinâmica: No quarto encontro (3/12/2011/ às 17 horas), realizamos uma dinâmica com os moradores. Dividimo-los em duas equipes, e pedimos que utilizando os materiais fornecidos (cartolina, cola, lápis de cor e tesoura), tentassem montar um castelo em tempo mínimo, tendo no máximo 10 minutos para concluir a tarefa. Cada grupo recebeu material, porém, um dos grupos recebeu cartolina, lápis de cor e tesoura, enquanto o outro, cartolina, cola e lápis de cor. O objetivo da tarefa era fazer com que ao perceberem a falta de determinado instrumento, que o outro grupo dispunha, eles, de modo a concluir a tarefa, cooperassem entre si, fornecendo um ao outro o instrumento que estava faltando. Após a realização da dinâmica, realizamos o feedback, mostrando novamente a importância de se trabalhar em grupo, destacando aspectos importantes, como a liderança, o trabalho colaborativo etc. Falamos da possibilidade de convidar o secretário de infraestrutura para conversar com a comunidade. 3.3.4 Último encontro: Nosso último encontro com a comunidade (13/12/2011/ às 17 horas) foi marcado por uma conversa entre moradores e o secretário de infraestrutura do município, sobre algumas necessidades da comunidade. O assunto tratado foi à questão do calçamento. Os moradores apontaram as dificuldades em relação à falta de calçamento na rua, e sobre a questão do lixo e da ação da empresa que estava se instalando de forma inadequada na área, executando desmatamento de uma região de reserva florestal. Logo em seguida, o secretário, apresentou as propostas de intervenção, estipuladas pela secretária de infraestrutura do município. Sobre o calçamento, afirmou que em reunião com o prefeito municipal, ficou estabelecido que essa região seria a primeira a receber o calçamento a partir do ano seguinte. Ele estabeleceu um prazo com a comunidade para terminar a obra (até junho de 2012), mas enquanto a pavimentação não era iniciada, o secretário se dispôs a enviar uma equipe com máquinas, para fazer o planeamento da rua, restaurando os buracos, além disso, comprometeu-se de entrar em contato com a secretária do meio-ambiente para denunciar o desmatamento ilegal, executado pela empresa na região. Em relação ao lixo,solicitou a participação dos moradores, para que ao verem algum veículo depositando lixo na área próxima às casas, anotassem a placa do veículo, informando as autoridades municipais, já que a prefeitura colocou um anúncio na área pedindo as pessoas para não jogarem lixo no lugar. Depois de revisarmos todos os trabalhos desenvolvidos ao logo desses encontros com os moradores, apontando as conquistas que os mesmos tiveram durante o processo. Solicitamos a eles que fizessem um feedback sobre o trabalho realizado: o que esses encontros tiveram de positivo para a comunidade? O que gostariam que tivesse sido trabalhado e que não foi realizado durante nosso trabalho no lugar? Depois de ouvi-los, finalizamos o trabalho agradecendo aos moradores pela colaboração e destacando que o trabalho iniciado poderia ser continuado pela comunidade, que nós apenas tivemos uma iniciativa, mas que eles agora como verificado no trabalho, são sujeitos ativos no desenvolvimento e conquistas de novos objetivos para a comunidade. 4. CONCLUSÃO O trabalho de intervenção, na comunidade, ocorrido durante a disciplina de psicologia social-comunitária do curso de psicologia da UESPI, Campus de Floriano-PI, permitiu um contato mais próximo com o ambiente de atuação do profissional da psicologia comunitária (a comunidade). Momento em que foi possível estabelecer, não apenas uma postura crítica, mas também uma reflexão de como ocorre à prática profissional nesse setor da psicologia. Ao mesmo tempo, foi possível relacionar teoria e prática itens indispensáveis a uma formação mais sólida. A realização desse trabalho na comunidade nos levou a um questionamento a respeito da própria ciência psicológica que se trata de uma área muito ampla, com diversas secções, e a psicologia comunitária surge como uma nova forma do fazer psicologia, e apesar de ser um setor novo, vem crescendo muito no país, sobretudo, com as novas formas de trabalho com as comunidades. Ficamos deslumbrados por ter contribuído, através de intervenções baseadas nos conhecimentos da psicologia, com a construção de uma comunidade melhor, mostrando aos moradores desse local que eles mesmos poderiam trabalhar suas problemáticas, buscando soluções em conjunto. Dessa forma, acreditamos termos preparado a comunidade com instrumentos necessários para eles darem continuidade a esse processo, que não se esgota nessa intervenção que realizamos. Fomos apenas orientadores, mas não os responsáveis pelas transformações que ocorreram na comunidade. Assim, demonstramos para eles, desde o início, que somente os mesmos poderiam modificar a realidade em que estão inseridos. Houve, portanto, uma reciprocidade, organizamos um trabalho com eles, orientando-os sobre como desenvolverem formas de atuação em prol da comunidade, e ao mesmo tempo eles nos forneceram a oportunidade de praticarmos, ou seja, de por em prática os conhecimentos que adquirimos na universidade. 5. REFERÊNCIAS CAMPOS, R. H. F. Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis – RJ: Vozes, 1996. DESAFIANDO GIGANTES. Produção Alex Kendrick. Estados unidos, Sherwood Pictures, 2006 (111 min). O PROBLEMA NÃO É MEU. Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=ORr3uyzz_Z8> Acesso em: 12 novembro. 2011. ORNELAS, J. Psicologia comunitária Origens, fundamentos e áreas de intervenção. Análise Psicológica, Lisboa, v.15, n.3, p.375-388, set. 1997. SCARPARO, H. B. K, GUARESCHI, N. M. F. Psicologia social comunitária e formação profissional. Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, v.19 n.2, p.100-108, 2007. TEXTO EXTRAÍDO DE: SOUSA, Kairon Pereira de Araújo. O TRABALHO DO PSICÓLOGO NA COMUNIDADE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA. Cadernos Cajuína, V. 3, N. 2, 2017, p.41 - 50. ISSN: 2448-0916 TEXTO 5 RELAÇÕES COMUNITÁRIAS, RELAÇÕES DE DOMINAÇÃO: um pequeno recorte Relação e relações sociais: O termo relação significa que uma coisa não pode existir se não houver outra. Essa outra é uma parte essencial: se ela não existir, não existe relação. Então essa outra passa a fazer parte da definição de relação. As relações sociais implicam em um direcionamento de uma pessoa em relação à outra. As pessoas precisam de outra(s) para serem elas mesmas. Exemplo: Maria somente pode ser chamada de mãe porque tem um filho. As relações sociais envolvem: união, conflito, rejeição, exclusão, inclusão. Relações sociais e grupos: o que constitui um grupo são as relações sociais. As relações são dinâmicas. Por isso, possíveis mudanças nas relações sociais implicam em transformações do grupo. Multidão: pessoas que estão juntas em um mesmo lugar. As pessoas não se conhecem. A única relação que existe, pode ser comum dirigente, um líder. A multidão e o efeito do contágio: as pessoas podem se deixar guiar pelas emoções. A certeza da impunidade (pela dificuldade de identificar quem faz o quê) aumenta a irresponsabilidade. Público: constituem multidões, mas podem estar em lugares diferentes. Por exemplo: o público do Jornal Nacional. As pessoas que compõem esse público tem algo em comum: assistem ao programa (mesmo horário, mesmo dia). Neste caso, a relações são unidirecionais: partem de uma fonte para todos esses indivíduos. As relações podem ser de diferentes tipos que, por sua vez, podem ser alocados em duas categorias: relações de dominação, relações comunitárias. Diferença entre pode e dominação: Pode r capacidade de uma pessoa ou um grupo de executar uma ação qualquer ou desempenhar uma prática. Nesse sentido todos tem poder porque possuem capacidade para executar alguma coisa. Dominação configura uma relação entre pessoas grupos ou pessoas e grupos, na qual uma parte se apropria do poder de outras. É uma relação assimétrica, desigual. Ideologia: uso de formas simbólicas (significados, sentidos) para criar, sustentar, reproduzir determinados tipos de relações. É o que dá sentido e significado as coisas. A Ideologia pode sustentar relações justas e éticas, mas também injustas, desiguais, como as relações de dominação. Cotidianamente damos significados às experiências e aos objetos buscando simplificar e agilizar a nossa compreensão sobre os fatos sociais. Para tanto, frequentemente, são criados estereótipos. POR EXEMPLO: os argentinos são metidos, os cariocas não gostam de parar no sinal de transito. Os judeus são inteligentes. Assim, vamos criando juízos de valor, discriminações, estereótipos, ligando qualidades às pessoas e aos grupos. Os estereótipos quando negativos geram relações de dominação. Diferença entre estereótipos e preconceito 9 (conceitos científicos): O preconceito perpetua uma atitude hostil ou negativa para com determinado grupo, baseada em generalizações deformadas ou incompletas (ARONSON, 1999). Esta generalização (ou representação mental) é chamada estereótipo e significa atribuir características pessoais ou motivos idênticos a qualquer pessoa de um grupo, independentemente da variação individual. Os estereótipos são, ao mesmo tempo, a causa e a consequência do preconceito. No entanto, os estereótipos podem ter valência positiva ou negativa, enquanto o preconceito sempre está pautado em estereótipos que apresentam valência negativa. Exemplos: Os cariocas são simpáticos (estereótipo com valência positiva). Uma pessoa, usando roupas simples ou desgastadas entra em uma loja de joias e o vendedor chama o segurança com medo de possível assalto (estereótipo negativo em relação à classe social). FORMAS DE DOMINAÇÃO Dominação Econômica. Exploração do trabalhador.Dominação política: relações entre pessoas em uma sociedade, entre Estado, governo e cidadãos. Quando não são democráticas, desrespeitam os direitos dos cidadãos. Dominação cultural: relações entre pessoas e grupos, que se cristalizam de tal modo que podem ser pensadas como se fizessem parte das pessoas. EXEMPLO: Racismo. O racismo é materializado através de práticaspolíticas e econômicas. EXEMPLO: Institucionalismo: quando uma instituição é colocada como a mais importante ou verdadeira em relação às outras, que pode legitimar repressões ou ações injustas aos que estão ligados em outras instituições. EXEMPLO: Patriarcalismo: A presença e, em inúmeros contextos, a banalização da violência doméstica dirigida à mulher denuncia que ocorrem situações de dependência (dominação) no interior do espaço familiar, particularmente das mulheres com relação aos homens. 9Fonte: Definindo preconceito. Disponível em: http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/9652/9652_5.PDF. Acesso em: 3 set. 2015. Relações comunitárias: definida a partir das relações que são estabelecidas em grupo. Neste caso constituem relações que potencializam a participação profunda dos membros de um grupo. “Um tipo de vida em sociedade onde todos se conhecem pelo nome, ou seja, uma sociedade onde o indivíduo participa se expressa e mantém sua identidade (singularidade)”. Comunidades que exercitam a democracia garantem uma sociedade democrática, pois envolve a participação e a garantia do exercício de direitos. TEXTO 6 CONCEITOS BÁSICOS10: atividade, consciência e identidade Conforme já descrito, a subjetividade humana surge do contato entre os homens e dos homens com a natureza, isto é, esse mundo interno que possuímos e suas expressões são construídas nas relações sociais. O objeto da psicologia social → compreender como se dá a construção desse mundo interno a partir das relações sociais vividas pelo homem. O mundo objetivo passa a ser visto não como fator de influência para o desenvolvimento da subjetividade, mas como fator constitutivo. Para tanto apresenta três conceitos básicos de análise: ATIVIDADE, CONSCIÊNCIA E IDENTIDADE. CONCEITOS BÁSICOS DE ANÁLISE: ATIVIDADE: É a unidade básica fundamental da vida do sujeito material. É através da atividade que o homem se apropria do mundo, ou seja, é a atividade que propicia a transição daquilo que está fora do homem para dentro dele. Pense na criança, onde isso tudo fica mais evidente. Ela se apropria do mundo engatinhando, andando ou percorrendo com os olhos o mundo circundante. Ela manuseia os objetos, desmonta-os (infelizmente, nós compreendemos isso, às vezes, como destruição), monta-os, balança, lambe, ouve, vê, enfim, do PONTO DE VISTA DA PSICOLOGIA SOCIAL, COLOCA-OS PARA DENTRO DE SI, TRANSFORMA-OS EM IMAGENS E EM IDEIAS QUE PASSAM A HABITAR SEU MUNDO INTERNO. A atividade humana é a base do conhecimento e do pensamento do homem. Estamos considerando que os indivíduos apresentam uma necessidade de manter uma relação ativa com o mundo externo. PARA EXISTIRMOS, PRECISAMOS ATUAR SOBRE O MUNDO, TRANSFORMANDO-O DE ACORDO COM NOSSAS NECESSIDADES. AO FAZER ISSO, ESTAMOS CONSTRUINDO A NÓS MESMOS, O homem constrói o seu mundo interno na medida em que atua e transforma o mundo externo. Mundos externo e interno são, portanto, imbricados, pois são construídos num mesmo processo, e a existência de um depende da do outro. CONSCIÊNCIA: A consciência humana expressa a forma como o homem se relaciona com o mundo objetivo. As aranhas constroem suas teias e reagem à vibração nelas produzida por insetos que ali ficam presos. Essa 10 Extraído de: BOCK, A.M.B; FURTADO, O.; TEIXIERA, M.S.T. Psicologias: uma introdução à psicologia. São Paulo: Saraiva, 2004. (capítulo: Psicologia Social). é a forma como as aranhas reagem ao mundo externo. As abelhas, os pássaros, os peixes e todos os an imais apresentam uma maneira específica de relação com o mundo. O homem também apresenta o seu modo de reagir ao mundo objetivo: ELE O COMPREENDE, ISTO É, TRANSFORMA- O EM IDEIAS E IMAGENS E ESTABELECE RELAÇÕES ENTRE ESSAS INFORMAÇÕES, DE MODO A COMPREENDER O QUE SE PRODUZ NA REALIDADE AMBIENTE. A CONSCIÊNCIA É, ASSIM, UM CERTO SABER. NÓS REAGIMOS AO MUNDO COMPREENDENDO-O, “SABENDO-O”. A consciência não se limita apenas ao saber lógico. Ela inclui o saber das emoções e sentimentos do homem, o saber dos desejos, o saber do inconsciente. A consciência do homem é produto das relações sociais que os homens estabelecem. E esse estabelecer está diretamente implicado com condições externas, tais como trabalho, a vida social e a linguagem. O homem encontra um mundo de objetos e significados já construídos pelos outros homens. Nas relações sociais, ele se apropria desse mundo cultural e desenvolve o “sentido pessoal”. Produz, assim, uma compreensão sobre o mundo, sobre si mesmo e os outros, compreensão construída no processo de produção da existência, compreensão que tem sua matéria-prima na realidade objetiva e na realidade social, mas que é própria do indivíduo, pois é resultado de um trabalho seu. Estuda-se a consciência através de suas mediações. No mundo observável, vamos encontrar, por exemplo, as representações sociais, veiculadas pela linguagem, que são expressões da consciência. Quando alguém discursa ou simplesmente fala sobre algum assunto, está se referindo ao mundo real e expressa sua consciência através das representações sociais. A representação social é a denominação dada ao conjunto de ideias que articula os significados sociais, isto é, o sentido construído coletivamente para o objeto com o sentido pessoal. Envolve crenças, valores e imagens que os indivíduos constroem, no decorrer de suas vidas, a partir da vivência na sociedade. IDENTIDADE: é a denominação dada às representações e sentimentos que o indivíduo desenvolve a respeito de si próprio, a partir do conjunto de suas vivências. A identidade é a síntese pessoal sobre o si mesmo, incluindo dados pessoais (por exemplo: cor, gênero e idade), biografia (trajetória pessoal), atributos que os outros lhe conferem, permitindo uma representação a respeito de si. Estamos nos transformando a cada momento, a cada nova relação com o mundo social e sabemos disso. A consciência que desenvolvemos sobre “quem sou eu” acompanha esse movimento do real, às vezes com mais facilidade, às vezes com menos, mas acompanha. A mudança nas situações sociais, a mudança na história de vida e nas relações sociais determinam um processar contínuo na definição de si mesmo. A análise de três categorias fundamentais - ATIVIDADES, CONSCIÊNCIA E IDENTIDADE – só se faz pelo registro de mediações com a linguagem (e o pensamento), ferramenta essencial para as relações com os outros e que irá constituir os conteúdos da consciência. E são também estas relações que se desenvolvem através de atividades que, por sua vez, sofrem a mediação das emoções, individuais, possivelmente constituindo conteúdos inconscientes presentes tanto na consciência como na atividade e na identidade. O profissional de psicologia na comunidade trabalha fundamentalmente com a linguagem e representações, com relações grupais e com as emoções e afetos próprios da subjetividade, para exercer sua ação em nível da consciência, da atividade e da identidade dos indivíduos que irão, algum dia, viver em verdadeira comunidade (LANE, 2013). TEXTO COMPLEMENTAR E Consciência, Cultura, abordagem interacionista e representações sociais11 - De modo geral, os trabalhos em Psicologia Comunitária focalizam: CONSCIÊNCIA: trabalho de conscientização, ou seja, desvelamento junto ao grupo, os determinantes de sua condição de vida. **CULTURA: descrição de práticas específicas de determinadas populações e dos significados compartilhados pelos membros do grupo em relação a sua prática. A problemática do convívio e do diálogo em grupos de diferentes inserções socioculturais e com histórias diversas ocupa lugar de destaque entre as preocupações de psicólogos que atuam em comunidades. As publicações da área divulgam estudos em que é analisada a psicossociologia de diferentes grupos e caracterizados por similaridades em termos de classe ou lugar social, gênero e etnia, em interação com a sociedade inclusiva. • Os conceitos utilizadospara descrever essas interações decorrem das principais teorias utilizadas em psicologia social: cognitiva, representações sociais e interacionismo. Cognição social: Enfatizam o estudo da consciência e exploram o efeito do pensamento e da interpretação dos sujeitos sobre a atividade social; • Inspirados na Gestalt, estes teóricos se interessam especialmente pelo modo como os processos mentais internos às pessoas impõem formas ao mundo externo. • Nesse sentido, acreditam que a percepção dos eventos é a principal variável que influencia a conduta do sujeito social. Abordagem sociointeracionista: O conhecimento se constrói na interação social. • Vygotsky é o principal representante dessa abordagem. Para ele, o conhecimento seria social antes de ser individual, e os artefatos criados pela atividade humano, bem como a linguagem, seriam os principais mediadores no processo de internalização da cultura. Para o sócio interacionistas, os seres humanos vivem em um ambiente em constante transformação, pois os artefatos culturais e a linguagem são transformados pela própria atividade dos grupos humanos em 11Texto elaborado pela Profa. Natália Rodrigues e extraído do “Material do Acervo, SIA, Universidade Estácio de Sá, 2016 interação; • Cada artefato cultural contém, além de sua forma física, o código de condutas e de interações que o tornou possível, e que condiciona a ação das novas gerações que o utilizam. Representações sociais: Estuda a maneira como as representações sociais são hegemônicas em determinada formação social; • A ênfase será o estudo do aspecto social, isto é, interindividual, das representações; •A construção da representação deixa de ser individual, e passa a ser uma função simbólica do grupo social em seu conjunto. A interpretação da cultura como empreendimento intersubjetivo: •O campo de estudo delimitado pela psicologia social que norteia possibilidades de intervenção em comunidades é constituído pela análise da cultura. • O conceito de cultura refere-se, precisamente, a este conjunto de significados compartilhados que orientam a conduta dos indivíduos. • Estes significados, se por um lado apresentam as características de homogeneidade e a duração, tendo em vista suas origens na tradição e na história do grupo, são também questionados pelo movimento de construção de novas práticas, que por sua vez, na interação, produzem novos significados. •A psicologia social trabalha com conceitos que permitem trabalhar as relações culturais em situações de diálogo, contribuindo para desenvolver a capacidade de análise de novas interpretações. Esta é precisamente a situação na qual se encontram muitos dos trabalhos comunitários com os quais se envolvem os psicólogos sociais. • E assim se movimenta o estudo psicossociológico dos grupos multiculturais: de uma abordagem centrada no indivíduo passamos à história do grupo social como fonte de representações que os indivíduos se fazem uns com os outros, para chegar a uma abordagem em que a própria análise das representações se torna um empreendimento intersubjetivo. A interpretação dos sujeitos imersos na cultura é resultante de um processo de reflexão no qual a análise focaliza precisamente os diferentes pontos de vista envolvidos na definição da situação. → Para a psicologia social comunitária, estas contribuições são relevantes, na medida em que apontam para os aspectos cruciais do processo de conscientização: a cultura, como construção intersubjetiva de significado, e o diálogo, como contexto para a problematização e reconstrução cultural. TEXTO COMPLEMENTAR F PSICOLOGIA SÓCIO HISTÓRICA: breve reflexão sobre o compromisso profissional e social do psicólogo Entre os principais referências, encontra-se Vygotsky e, portanto, fundamenta-se no marxismo e adota o materialismo histórico e dialético como filosofia, teoria e método. Nesse sentido, conforme já assinalado, concebe o homem como ativo, social e histórico. A sociedade, como produção histórica dos homens que, através do trabalho, produzem sua vida material. As ideias, como representações da realidade material. A realidade material, como fundada em contradições que se expressam nas ideias. E a história, como o movimento contraditório constante do fazer humano, no qual, a partir da base material, deve ser compreendida toda produção de ideias, inclusive a ciência. A Psicologia Sócio Histórica não trabalha com a concepção liberal de homem e de fenômeno psicológico. Acredita que o fenômeno psicológico se desenvolve ao longo do tempo. Assim: o FENÔMENO PSICOLÓGICONÃO PERTENCE À NATUREZA HUMANA• o fenômeno psicológico NÃO PRÉ EXISTE AO HOMEM• o fenômeno PSICOLÓGICO REFLETE A CONDIÇÃO SOCIAL, ECONÔMICA E CULTURAL EM QUE VIVEM OS HOMENS. Falar da subjetividade humana é falar da objetividade onde vivem os homens. A compreensão do “mundo interno” exige a compreensão do “mundo externo”, pois são dois aspectos de um mesmo movimento, de um processo no qual o homem atua e constrói/ modifica o mundo e este, por sua vez, propicia os elementos para a constituição psicológica do homem. A psicologia não tem sido capaz de, ao falar do fenômeno psicológico, falar de vida, das condições econômicas, sociais e culturais nas quais se inserem os homens. A psicologia tem, ao contrário, contribuído significativamente para ocultar estas condições. Fala-se da mãe e do pai sem falar da família como instituição social marcada historicamente pela apropriação dos sujeitos; fala-se da sexualidade sem falar da tradição judaico-cristã de repressão à sexualidade; fala-se da identidade das mulheres sem se falar das características machistas de nossa cultura; fala-se do corpo sem inseri-lo na cultura; fala-se de habilidade e aptidões de um sujeito sem se falar das suas reais possibilidades de acesso à cultura; fala-se do homem sem falar do trabalho; fala-se do psicólogo sem falar do cultural e do social. Na verdade, não se fala de nada. Faz-se ideologia! Ideologia: “criação de universais abstratos, isto é, a transformação das ideias particulares da classe dominante em ideias universais de todos e para todos os membros da sociedade. Essa universalidade das ideias é abstrata porque não corresponde a nada real e concreto, visto que no real existem concretamente classes particulares e não a universalidade humana. As ideias da ideologia são, pois, universais abstratos”. (Chauí, 1981, p.95). A ideologia é, assim, uma representação ilusória que fazemos do real. O ilusório da ideologia está em que parte da realidade fica ocultada nas constituições ideais. NA PSICOLOGIA, AO CONSTRUIRMOS AS NOÇÕES E TEORIZAÇÕES SOBRE O FENÔMENO PSICOLÓGICO TEM FICADO OCULTADA A SUA PRODUÇÃO SOCIAL.Com isto, as consequências são danosas do ponto de vista das possibilidades da psicologia contribuir para a denúncia e a transformação das condições de vida constitutivos do fenômeno. A psicologia histórica parte da premissa de que o mundo social e o mundo psicológico caminham juntos em seu movimento e a psicologia para compreender o mundo psicológico terá obrigatoriamente que trazer para seu âmbito a realidade social na qual o fenômeno psicológico se constrói; e por outro lado, ao estudar o mundo psicológico estará contribuindo para a compreensão do mundo social . Tal dinâmica possibilitará e exigirá do psicólogo um posicionamento ético e político sobre o mundo social e psicológico. Conforme já comentado, o fenômeno psicológico não preexiste no homem. Se desenvolve conforme o homem se insere na sociedade, nas relações e na cultura. Ali estão as possibilidade do homem se tornar humano. A humanidade do homem está na cultura, nas relações sociais e nas formas de produção da vida. É lá que o homem vai buscar os elementos para sua constituição. A concepção histórica do fenômeno psicológico permite que se pense o homem e o mundo em permanente movimento; permite que se construa uma prática
Compartilhar