Buscar

Artigo O Diagnóstico Precoce do TDAH Considerações da Psicanálise sobre a Medicalização do Sintoma da Criança - Eudes_2019_Versão_final_4

Prévia do material em texto

ESPECIALIZAÇÃO EM FILOSOFIA E PSICANÁLISE
O Diagnóstico Precoce do TDAH: Considerações da Psicanálise sobre a Medicalização do Sintoma da Criança
(Eudes Alexandre Monteverde e Professora Orientadora Adriana Gonring)[1: 		 eudesmonteverde@gmail.com. Universidade Federal do Espírito Santo –UFES ][2: 		2 adrianagonring@gmail.com. Universidade Federal do Espírito Santo - UFES]
Pinheiros, 2019 
Resumo: O presente trabalho busca trazer à tona a discussão sobre o crescente número de diagnósticos clínicos de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), em crianças e adolescentes em idade escolar, sobre a influência direta da escola e da sociedade, na busca pela padronização do comportamento humano, em uma sociedade contemporânea que prega como nunca universalizar tudo o que há de singular na constituição subjetiva de cada sujeito. Confirmamos, o crescente número de diagnósticos, utilizando dados do Censo Escolar e do Censo Populacional do IBGE, do Município de Boa Esperança-ES, onde o número de diagnósticos de TDAH, nos chamou a atenção. Sob a perspectiva da psicanálise, buscamos refletir sobre os comportamentos “fora do padrão” dos indivíduos rotulados como portadores de TDAH, considerando que o declínio da função paterna indica uma falha na mediação simbólica necessária para manter a estruturação do ser falante sustentada por uma condição desejante. Por fim concluímos sobre a urgente necessidade de trabalhar o assunto, com as famílias, escolas e a própria sociedade, destacando a psicanálise como o destino para o tratamento do real em jogo nos sintomas contemporâneos.
Palavras-chave: TDAH. Medicalização do sintoma. Abordagem Psicanalítica.	 
1 – Introdução
A organização social humana, sempre exigiu das pessoas um padrão de comportamento considerado “normal”, a exemplo disso temos, mesmo em pleno século XXI, muitos conflitos diante das pessoas que se apresentam fora dos “padrões” sociais pré-estabelecidos pela sociedade, como os homossexuais, os negros, os deficientes e até mesmo as mulheres em determinados contextos. Em nossas escolas não poderia ser diferente, afinal reproduzimos a sociedade entre os muros da mesma. Sendo assim, constatamos que nos últimos anos, a emissão de laudos médicos emitidos, principalmente por psiquiatras e neurologistas, especialmente à crianças e adolescentes em idade escolar, cresceu excessivamente. Esses profissionais têm no DSM-V, sua base teórico cientifica para justificar tais diagnósticos. Vários pesquisadores apontam sofrer uma influência negativa por parte da indústria farmacêutica que financia pesquisas e estudos com o objetivo de aumentar a venda de medicamentos, os quais são utilizados para controle e tratamento dos sintomas infantis. As famílias, angustiadas, buscam justificar o comportamento que se supõem fora do padrão de seus filhos, e são questionadas principalmente por professores e outros profissionais da Educação, o que têm levado às famílias a recorrerem à utilização de medicamentos para o controle desses sintomas indesejáveis, bem como para justificar o fracasso no processo ensino-aprendizado dessas crianças. 
A Médica, Drª Ranna Parekh, da Associação Americana de Psiquiatria, traz a seguinte definição sobre o Transtorno Deficitário de Atenção e Hiperatividade (TDAH). 
O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um dos transtornos mentais mais comuns que afetam crianças. O TDAH também afeta muitos adultos. Os sintomas de TDAH incluem desatenção (não ser capaz de manter o foco), hiperatividade (movimento excessivo que não se encaixa no cenário) e impulsividade (atos precipitados que ocorrem no momento sem pensar). (2017, tradução nossa) [¹] 
____________________________
Attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD) is one of the most common mental disorders affecting children. ADHD also affects many adults. Symptoms of ADHD include inattention (not being able to keep focus), hyperactivity (excess movement that is not fitting to the setting) and impulsivity (hasty acts that occur in the moment without thought).
O Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V), apresenta cinco critérios diagnósticos para a classificar do TDAH (Transtorno Deficitário de Atenção e Hiperatividade), sendo os critérios organizados de A a E. No critério A, ainda dispomos de 9 (nove) domínios relacionados a desatenção e outros 9 (nove) sobre a hiperatividade, sempre considerando que a pessoa apresente pelo menos 6 (seis) desses sintomas com uma persistência mínima de seis meses, sendo ainda incompatíveis com o nível de desenvolvimento e tenham um impacto negativo direto sobre as atividades sociais e escolares; No critério B, a criança deve apresentar esses sintomas antes dos 12 anos de idade; Critério C, devem estar presentes em dois ou mais contextos (casa, escola, com a família e os amigos); O critério D, interferem ou reduzem a qualidade de funcionamento social, escolar e/ ou ocupacional ; E o critério E, os mesmos não devem ocorrer apenas durante surtos psicóticos e não estar associados a outros transtornos mentais. 
No exercício profissional de Pedagogo na cidade de Boa Esperança – ES, ao longo de mais de vinte anos de trabalho docente, observamos que muitos sintomas apresentados como característicos do Transtorno Deficitário de Atenção e Hiperatividade (TDAH), são muito semelhantes a comportamentos presentes em especial na primeira infância, como falta de atenção, concentração, agitação, entre outros comuns às crianças. Esses comportamentos, na maioria das vezes, são vistos como falta de educação, de controle por parte da família e devem ser controlados. Muitas vezes a busca por um diagnóstico de distúrbio mental serve para justificar um comportamento considerado “fora do padrão.
O número de crianças diagnosticadas com o Transtorno Deficitário de Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem aumentado nos últimos anos de forma assustadora. O estudo coordenado pelo Instituto Glia, com 5.961 jovens de 18 (dezoito) Estados do País, aponta prevalência de 4.4% entre crianças e adolescentes brasileiros de 4 (quatro) a 18 (dezoito) anos (Polnaczyk et. al. 2010). Trata-se do primeiro estudo epidemiológico sobre o TDAH feito no Brasil com essa abrangência. (Lacet e Rosa, 2017).
Os dados do Instituto Glia sobre número de crianças e adolescentes diagnosticadas com TDAH – Transtorno Deficitário de Atenção e Hiperatividade, tem se confirmado mesmo em cidades muito pequenas, podemos exemplificar, citando o caso do município de Boa Esperança, localizado no noroeste do Estado do Espírito Santo. Esse Município tem população estimada de 14.982 habitantes, segundo o IBGE (2018); com uma rede pública municipal de educação de 1979 (mil novecentos e setenta e nove) alunos, da Educação Infantil aos anos finais do Ensino Fundamental, segundo os dados do Censo Escolar/INEP (2018); com um número de 45 (quarenta e cinco) crianças e adolescentes entre 04 (quatro) e 15 (quinze) anos diagnosticadas com TDAH, o que leva a uma taxa em torno de 2,27% das crianças e adolescentes matriculadas nas escolas municipais, segundo dados da Coordenação da Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação do município. Mesmo estando abaixo da média nacional apontada, destacamos que estes dados se referem apenas aos alunos da Rede Pública Municipal, que representam por volta de 13,2% da população do município em questão. Destacamos que a escolha do município de Boa Esperança, como referência para o estudo se deu em virtude da necessidade de desenvolver pesquisas voltadas para a realidade local e regional, com vistas a contribuir com o desenvolvimento da pesquisa na região. 
Uma afirmação importante para a motivação desse estudo foi a declaração do Psiquiatra Leon Eisenberg, conhecido como um dos pais científicos do TDAH, em uma entrevista sete meses antes da sua morte: “TDAH é um excelente exemplo de doença fabricada”, disse Eisenberg. A predisposição genética para o TDAH é completamente superestimada”. (Blech, 2012).
2 – Metodologia
Otrabalho se constitui em uma pesquisa bibliográfica com busca em livros, reportagens, artigos e sites que tratam da temática da medicalização da infância, em especial, em razão do diagnóstico de TDAH (Transtorno Deficitário de Atenção e Hiperatividade, a partir de uma abordagem psicanalítica do tema, primando por fontes seguras com reconhecido rigor cientifico. 
Para a pesquisa foram selecionados textos e dados retirados de fontes com reconhecida autenticidade, como o Censo Escolar/2018 do Munícipio de Boa Esperança-ES, levando-se em consideração a temática proposta para o desenvolvimento do presente artigo. 
Na construção das hipóteses e proposição de reflexões acerca do tema, tomamos como referência autores/pesquisadores da área da psicanálise como: Jacques-Marie Émile Lacan, Sigmund Freud, Alfredo Jerusalinsky, Maria Aparecida Moysés, Cláudia Murta, Marcelo Veras, entre outros. Além de pesquisadores e autores sobre o TDAH, como: Leon Eisenberg e Carmem Keith Commers, considerados pais científicos do TDAH (Transtorno Deficitário da Atenção e Hiperatividade). 
3 – Desenvolvimento
3.1 Pesquisas em Psicanálise sobre TDAH
Utilizamos a linha teórica da psicanálise sobre a Angustia, a partir dos estudos do Curso de Especialização em Filosofia e Psicanálise, coordenado pela Prof.ª Drª. Cláudia Murta, na Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Partimos das reflexões de Claudia Murta (2017) sobre as afirmações do Professor Christopher Lane em seu livro Como a Psiquiatria e a Industria farmacêutica medicalizaram nossas emoções. Ele aborda como a lógica mercadológica do lucro tenta transformar sentimentos como angústia e timidez em doenças mentais. 
Aprofundando a discussão sobre o tema Cláudia Murta (2019) destaca que Lacan ressalta a diferença entre a psicologia e a psicanálise. A psicologia e a medicina tem o mesmo discurso em relação ao tratamento da angústia. Já a psicanálise com as descobertas de Freud, toma outro caminho. Explicitada por Lacan, o qual afirma que as relações constitutivas do sujeito em relação a linguagem se dão através do afeto. Sendo a angústia um afeto, ela é a expressão do sujeito afetado em sua desadaptação originária, sem a condição de reparo, em seu abandono inapelável como ser de linguagem. 
O psicanalista e professor Doutor em Educação Alfredo Jerusalinsky questiona a utilização de entrevistas e escalas de estimativas preenchidas por pais e professores, técnicas de observação direta do comportamento com procedimentos centrados na criança, para o diagnóstico do TDAH (Transtorno Deficitário de Atenção e Hiperatividade), na primeira infância, utilizando-se de metodologias fenomenológicas, baseando em ausência ou presença de determinados comportamentos, o que gera um diagnóstico duvidoso, como nos afirma: 
[...] para diagnosticar TDAH em crianças em idade pré-escolar se segue os critérios diagnósticos aplicáveis a crianças em idade escolar. Entretanto, diz o mesmo estudo, já que as pré-escolares exibem com frequência comportamentos impulsivos apropriados para sua idade e já que estes tendem a diminuir na medida em que a criança adquire habilidades pró-sociais e de tomada de perspectiva (no sentido de ‘saída do egocentrismo’), necessita-se realizar comparações com esses progressos evolutivos, que os sintomas apareçam em dois ou mais contextos, que não haja indícios de dano neurológico prévio, nem transtorno generalizado do desenvolvimento ou transtorno psicótico. Nisso têm razão. Somente deixa à margem de um diagnóstico diferencial, as neuroses. Isto se deve a que a palavra neurose tem sido suprimida do DSM IV, o que implica uma transformação diagnóstica em direção à fenomenologia, não à clínica. (2006)
A relevância de nosso estudo está em consonância com a opinião crítica dos próprios pesquisadores responsáveis pela definição científica do TDAH (Transtorno Deficitário de Atenção e Hiperatividade) que demonstraram preocupação com o aumento do diagnóstico em proporções exageradas no mundo inteiro. O Psiquiatra Drº Leon Eisenberg, no artigo: Tristeza sem vergonha (tradução nossa) chegou a declarar que “TDAH é um excelente exemplo de doença fabricada”, fazendo uma recomendação aos colegas psiquiatras: 
Em vez disso, os psiquiatras infantis devem investigar muito mais profundamente as razões psicossociais que podem levar a problemas comportamentais, disse Eisenberg. Há brigas com os pais, mães e pais moram juntos, há problemas familiares? Tais questões são importantes, mas demoram muito tempo, disse Eisenberg, acrescentando com um suspiro: "Uma pílula se compromete muito rapidamente”. (BLECH, 2012, tradução nossa) [²]
E o Psicólogo americano Drº. Carmen Keith Conners, que juntamente com o Drº Eisenberg, foi responsável pela definição científica do TDAH, destacou em evento realizado em Washington, com grupo de especialistas em TDAH, destacou: 
Ele observou que dados recentes dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças mostram que o diagnóstico foi feito em 15 por cento das crianças em idade escolar, e que o número de crianças sob
___________________________
2			 Stattdessen sollten Kinderpsychiater die psychosozialen Gründe, die zu Verhaltensproblemen führen können, viel genauer untersuchen, so Eisenberg. Es gibt Kämpfe mit Eltern, Müttern und Vätern, die zusammen leben, gibt es familiäre Probleme? Solche Fragen sind wichtig, aber sie dauern lange, sagte Eisenberg und fügte mit einem Seufzer hinzu: "Eine Pille verspricht zu schnell.”
medicação aumentou de 600 mil em 1990 para 3,5 milhões. Ele questionou as taxas crescentes de diagnóstico e os chamou de " um desastre nacional de proporções perigosas". (Schwarz, 2013, tradução nossa) [³]
A situação dessas crianças, tende a se agravar com o passar do tempo, pois a utilização principalmente de medicamentos à base de metilfenidato pode levá-las a uma dependência química futura. A imposição de tratamentos inadequados às mesmas, bem como a falta de orientação das famílias para entender melhor os aspectos familiares que interferem no comportamento dos seus filhos, longe de resolver o problema podem trazer conflitos ainda maiores para a sociedade, escola, família e em especial as crianças. 
A eficácia no tratamento com medicamentos também é questionável, enquanto falha-se na orientação familiar como nos afirma Moysés (2013), destacando pesquisa realizada e publicada pelo equivalente ao Ministério da Saúde dos Estados Unidos. A partir de estudo realizado com mais 10 (dez) mil trabalhos sobre o Tratamento do TDAH, entre os anos de 1980 a 2010, dos quais apenas 12 (doze) foram considerados publicações cientificas, concluíram que a orientação familiar é muito mais eficaz do que o uso de medicamentos. O mesmo não tem por objetivo culpabilizar a família, mas aponta que é preciso orientá-la para lidar com essas crianças. Conclui-se também que afirmações do tipo “se a criança não for medicada, poderá ser tornar uma delinquente ou dependente química”, como apontado em muitos trabalhos, não preenche os requisitos científicos. O que vem acontecendo é um diagnóstico feito de forma indiscriminada de crianças que supostamente são portadoras do Transtorno Deficitário de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
Vários trabalhos realizados sobre o TDAH, em especial em dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado em cursos de Psicologia, o que nos leva a perceber que é de suma importância a discussão psicanalítica do tema para a área da Educação, sobretudo, na Pedagogia 
___________________________
3			 He noted that recent data from the Centers for Disease Control and Prevention show that diagnosis was made in 15 percent of school-age children, and that the number of children on medication increased from 600,000 in 1990 to 3.5 million. He questioned increasing rates of diagnosis and called them "a national disaster of dangerous proportions.
Os resultados alcançados nestes trabalhos na área da psicologia têm trazido à tona reflexões como a da psicóloga Rosana Vera de Oliveira Schicotti, que em sua tese de Doutorado em Psicologia,buscou a compreensão de significados e peculiaridades da sintomatologia do TDAH, esclarecendo a variedade de significações entrelaçadas na individualidade de cada caso, chegando à conclusão que:
A psicanálise não pretende eliminar a dor humana, mas sim capacitar o sujeito para tolerá-la, poder pensá-la e suportar o desconhecido. Nas palavras de Salomonsson (2008), o psicanalista não pode ter uma posição baseada fundamentalmente na etiologia, tal como definida na ciência natural. Os sintomas da criança com diagnóstico de TDAH devem ser vistos como qualquer outro sintoma; eles refletem conflitos e a maneira da criança responder a eles. Os mundos internos dessas crianças podem ter aparências muito diferentes e a homogeneização do diagnóstico não tem contribuído para ajudá-las. (SCHICOTTI,2013, p.139). 
Muitos pesquisadores têm concluindo que há uma necessidade crescente no estudo do TDHA a partir de uma visão da psicanálise que busca entender as causas do mesmo, não se primando pelo simples controle dos comportamentos inconvenientes de crianças e adolescentes em especial na escola e ambientes sociais. 
A Psicóloga Helena Maria Daquanno Martins Testi (2012), em sua dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica na PUC-SP, nos alerta sobre a violência que as crianças que supostamente sofrem de Transtorno Deficitário de Atenção e Hiperatividade (TDHA), seja por parte da escola, materializada na forma de discriminação dos professores e alunos, abusos físicos e psicológicos dos colegas, além de suas próprias famílias em especial dos pais que impõem castigos e punições com maior severidade nestes casos. Chegando à conclusão que a resolução do problema não se dá na simples aplicação de um questionário e na medicalização da criança e do adolescente, buscando o controle desses comportamentos indesejáveis, mas que não levam ao fim do sofrimento do indivíduo. 
3.2 – O Sintoma da Criança em Psicanálise
Quando consideramos a constituição subjetiva do sujeito como ser falante podemos perguntar por que no processo de estruturação a criança produz o sintoma?
Mas o que é o Sintoma para a Psicanálise? 
Para Freud, os sintomas são uma mensagem a ser decifrada, porque os sintomas têm um sentido. Mas afirma ainda que os mesmos não são apenas uma mensagem, já que comportam também uma satisfação da pulsão, o que Lacan definiu como gozo. (Solano-Suárez,2004, p.12).
Para escutar o sintoma, parte-se então de duas vertentes, a do sentido e a do gozo. Em seu texto: Duas Notas sobre a Criança, Lacan afirma que o sintoma da criança acha-se em condições de responder ao que existe de sintomático na estrutura familiar. (VIEIRA, 2019). Para Lacan, o sintoma é o representante da verdade, sendo um dado fundamental a experiência analítica. Assim o sintoma da criança pode ocupar o lugar do sintoma do casal, ou seja, representar a verdade do casal, que não pode ser dita a despeito de acabar com o relacionamento, “[...]Isto é, a articulação do sintoma da criança retoma o que foi excluído entre seu pai e sua mãe enquanto homem e mulher. Eis porque o sintoma pode representar a verdade do casal familiar” (SOLANO-SUÁREZ, 2004, p.11).
Em um segundo caso, a criança realiza o objeto da fantasia da mãe. Segundo Vieira (2019, p.11) “Quando é o sintoma da mãe que prevalece na relação mãe-filho – e não tanto o sintoma do casal, a coisa é mais difícil para a criança, que tende a ser tomada na fantasia da mãe, assim são os termos de Lacan”. 
Com isso podemos entender que a criança é levada a encenar a fantasia inconsciente da mãe, principalmente na ausência da presença paterna, o que vai incomodá-la profundamente. 
 Manonni, Dolto e Vanier (apud Zornig, 2019), também se utilizaram da tese de que o sintoma da criança vem como resposta à dinâmica parental inconsciente:
[...]a neurose dos pais tem um papel fundamental na eclosão dos sintomas da criança, pois esta fixa sua existência num lugar determinado pelos pais em seu sistema de fantasias e desejos. A criança procura responder ao enigma dos significantes obscuros propostos pelos adultos, se identificando ao que julga ser objeto do desejo materno, tentando preencher a falta estrutural do Outro e evitar a angústia de castração (assunção da própria falta). 
Manonni (1980), nos apresenta a seguinte perspectiva sobre o sintoma no indivíduo, 
[...]A angústia é o seu motor, o sintoma aparece como uma solução. Em outros momentos, como um pedido de ajuda. Em todos os casos, trata-se, para o sujeito, da busca de um reconhecimento – eu quase diria de uma tentativa de afirmar-se no próprio seio de um símbolo. 
Nos casos em que o sintoma da criança faz função de apelo, sinalizando um fracasso em sua resposta para a angústia que a acomete, a psicanálise pode ser o seu destino. Solano-Suárez (2004), nos afirma que nos dias atuais, admite-se que a criança possa fazer psicanálise, haja vista, que a mesma é afetada por sintomas, por um certo sofrimento que pode ser tratado pelo método psicanalítico. Isso implica em uma saída da medicalização para a escuta do sujeito do inconsciente.
3.3 – O Declínio da Função Paterna e o TDAH 
Muitos trabalhos na área da psicanálise, têm discutido as questões relacionadas ao Transtorno Deficitário de Atenção e Hiperatividade (TDAH), nos contextos escolares, onde em especial têm sido percebido que esse diagnóstico tem justificado o fracasso na autoridade da família e da própria escola e porque não da sociedade, confirmado com os vários estudos desenvolvidos ao longo das últimas décadas. Esse fracasso tem alimentado a especulação da indústria farmacêutica que aliada aos ramos da medicina como a psicologia, psiquiatria e neurologia, apresentam como uma solução “mágica”, medicamentos capazes de controlar tais comportamentos considerados fora do padrão pré-estabelecido em uma sociedade que prega cada vez mais o fim da autoridade inclusive da própria família. 
O diagnóstico de TDAH em crianças cada vez mais novas, as têm levado a uma medicalização precoce, quando o que se nota é um fracasso na imposição da autoridade, indicando que essa problemática que inclui um conjunto de comportamentos descritos como TDAH tem uma relação estreita com o declínio da função paterna, segundo o psicanalista Marcelo Veras (acesso em 24 agosto 2018):
[...] As crianças são hiperconectadas ao mundo, mas, na sala de aula, muitas vezes não conseguem suportar o tempo de uma assimilação de mensagens mais complexas. É curioso que essas mesmas crianças, em seus quartos ou lan-houses, são capazes de alcançar etapas extremamente complexas de jogos eletrônicos, superando e identificando com incrível astúcia os obstáculos virtuais. Multiplicam-se os pais e educadores que ampliam ainda mais o hiato entre essas duas realidades forçando uma adequação e levando, consequentemente, à situações de ruptura, em que a simples imposição da autoridade fracassa em resolver o conflito. É nesses casos que cada vez mais se faz apelo às pílulas de comportamento em substituição ao declínio da lei paterna. O pai tornou-se uma droga. 
Podemos destacar como exemplo clássico do que pode causar em uma criança essa ausência da autoridade paterna, o famoso caso do Pequeno Hans, que foi o primeiro caso de fobia infantil tratado pelo método analítico. A ausência do pai, não exercendo sua função castradora, restando ao pequeno Hans, o temor de ser devorado por essa mãe de desejos insaciáveis, uma vez que a criança, não compreende até onde vai o desejo da mãe. Diante de tal situação emerge no pequeno Hans, a angústia que é um afeto que provém do real, e uma vez que esse não faz sentido produz o sintoma, nesse caso o seu medo exagerado de cavalos. (Solano-Suaréz,2004).
Lacan (2008), indicou que a fobia não pode ser interpretada como uma entidade clínica, como são as neuroses, perversões e psicoses:
"A fobia não deve ser vista, de modo algum, como uma entidade clínica, mas sim como uma placa giratória. Ela gira mais comumente para as duas grandes ordens da neurose, a histeria e a neurose obsessiva, e também realiza a junçãocom a estrutura perversa [...] Ela é muito menos uma entidade clínica isolável do que uma figura clinicamente ilustrada, de maneira espetacular, sem dúvida, mas em contextos infinitamente diversos." (LACAN, 1968-69/2008, p.298) 
Longe de ser um trantorno biológico a ser medicado, inferimos que a sintomática do TDAH pode ser considerada uma “placa giratória”conforme descrito por Lacan para a fobia. Pensamos ser esse um caminho para ler e intervir nos sintomas que configuram o TDAH. Dessa perspectiva haveria, nesses casos, uma prevalência do imaginário incidindo como resposta à angústia que provém do real, deixando o sujeito à deriva. A prevalência do imaginário em detrimento do simbólico denuncia, assim como na fobia, o declínio da função paterna. Porém, é preciso considerar que o objeto fóbico surge como significante que substitui, conforme Solano (2004) o gozo que não tem sentido. Trata-se de uma construção metafórica que possibilita ao sujeito dar um sentido lá onde o gozo se sobrepõe. Nos sintomas diagnosticados como TDAH parece-nos estar diante do que Lacan nomeou, em R.S.I., a debilidade mental. Ele afirma que “ se o ser falante demonstra ser votado à debilidade mental é pelo fato do Imaginário”. Nas formações sintomáticas com prevalência imaginária, o sintoma se apresenta precariamente enquanto uma mensagem a ser decifrada e, essa particularidade, convoca o psicanalista a destacar suas implicações no manejo da transferência. 
4 - Conclusão 
Concluímos destacando a necessidade de propiciar aos profissionais envolvidos no processo de atendimento e acompanhamento das crianças, em especial os profissionais da educação e as suas famílias uma ampla reflexão, pautada na compreensão psicanalítica do problema, sobre a necessidade de mudança no acolhimento e intervenção dos quadros diagnosticados precocemente como TDAH.
O crescente número de crianças e adolescentes diagnosticados com TDAH, que têm sido cuidadas apenas através das terapias medicamentosas, não restando outras alternativas para as mesmas, podem encontrar na psicanálise, uma oportunidade de tratamento, já que esta aponta para a escuta do sujeito em sua análise dos elementos estruturadores dos sintomas e na direção dos tratamentos. 
Principalmente quando levamos em consideração estudos como o do já citado professor Christopher Lane, que em sua avaliação, afirma que doenças como o TDAH, surgem a partir de um esquema, onde primeiro se constrói uma ideia de doença, depois a divulga, fazendo com que os consumidores, se considerem doentes e comprem medicamentos com o objetivo de se curar. (MURTA, 2017). 
Segundo Gouveia (2004), na perspectiva psicanalítica não é possível pensar o processo da atenção de forma autônoma. É preciso pensá-la nessa articulação, onde o desejo orienta os investimentos no mundo externo. Não se pode perder de vista isto, quando nos vemos diante de crianças em que a escola ou os pais se queixam da falta de atenção. 
Diante dos vários estudos que estão sendo feitos em todo mundo, questionando a eficácia do diagnóstico precoce do TDAH, que demonstram a preocupação no excesso de medicalização das crianças e adolescentes em níveis alarmantes, parece que tais apelos não estão surtindo efeito uma vez que o número de casos diagnosticadas tem aumentado a proporções de epidemia mundial, declarou o Dr. Conners. (SCHWARZ,2013).
É necessário ampliarmos a discussão com a comunidade escolar, envolvendo todos no processo, pais, professores, técnicos e a comunidade em geral nesse debate acerca das possíveis consequências do diagnóstico baseado apenas do DSM V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, Quinta Edição), não levando em consideração fatores psicossociais e o comportamento como um sintoma, que precisa ser analisado com mais profundidade, pois correm-se riscos com o aumento da medicalização precoce, a qual pode causar dependência e gerar uma verdadeira doença no indivíduo, excluindo o seu estatuto de sujeito.
5 – Referências Bibliográficas
1.	BLECH, Jörg. Tristeza sem vergonha. Spiegel On line, Hamburgo, 6 fev. 2012. Disponível em: < http://www.spiegel.de/spiegel/print/d-83865282.html> Acesso em: 30 de agos. 2018. 
2.	BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contagem Populacional. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/es/boa-esperanca/panorama, acesso em 13/102018.
3.	GOUVEIA, Denise da Cruz. Uma visão psicanalítica do Transtorno do Défcit de Atenção e Hiperatividade. Revista de Psicopedagogia, 2004. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v21n64/v21n64a08.pdf>Acesso em: 13 de out. 2018. 
4.	JERUSALINSKY, Alfredo. Diagnóstico de Déficit de Atenção e Hiperatividade, O que pode dizer a Psicanálise? Noticias. Porto Alegre: Associação Psicanalítica de Porto Alegre, 2016. Disponívelem:http://www.appoa.com.br/noticias/diagnostico_deficit_de_atencao_e_hiperatividade_o_que_pode_dizer_a_psicanalise/231> Acesso em: 30 agos.2018. 
5. LACAN, Jacques. O Seminário, livro 16: de um outro ao outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. 
6.	LACET, Cristine, ROSA, Mirian Debieux. Diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e sua história no discurso social: desdobramentos subjetivos e éticos. Psicologia Revista. São Paulo, volume 26, n. 2, 231-253, 2017. Disponível em: < https://revistas.pucsp.br/index.php/psicorevista/article/view/27565/24036> Acesso em: 13 agos. 2018.
7. MANNONI, Maud. A Primeira Entrevista em Psicanálise. Rio de Janeiro: Campus, 1980.
8. MOYSÉS, Maria Aparecida. A Ritalina e os riscos de um 'genocídio do futuro': entrevista: Campinas: Universidade de Campinas, 2013. Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2013/08/05/ritalina-e-os-riscos-de-um genocídio-do-futuro. > Acesso em: 24 de agos. 2018. 
9.	MURTA, Claudia. A psicanálise a medicalização da infância. Boletim da Escola Brasileira de Psicanálise – A Diretoria na Rede: EBP Debates #004. Disponível https://www.ebp.org.br/adr/ebp_deb/ebp_deb004/claudia.asp. Acesso em: 19 jan. 2019.
10. MURTA, Claudia; PESSOA, Fernando. Angústia em filosofia e psicanálise: recurso eletrônico. Vitória: UFES,2017. Disponível em:<https://www.especializacao.aperfeicoamento.ufes.br/course/view.php?id=302.> Acesso em: 23 agos. 2018.
11. PAREKH, Ranna. O que é o TDAH?. Texto disponibilizado em julho 2017. Disponível em:˂https://www.psychiatry.org/patients-families/adhd/what-is-adhd˃ Acesso em: 10 dez. 2018. 
12. SCHICOTTI, Rosana Vera de Oliveira. TDAH E INFÂNCIA CONTEMPORÂNEA Um olhar a partir da psicanálise. 2013.156f. Tese (Doutorado em Psicologia), Universidade Estadual Paulista, 2013. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/105623> Acesso em: 01 set. 2018. 
13.	SCHWARZ, Alan. A venda de transtorno de déficit de atenção, New York Times, Nova Yorque, 14 dez. 2013. Disponível em: < http://archive.nytimes.com/www.nytimes.com/2013/12/15/health/the-selling-of-attention-deficit-disorder.html> Acesso em: 30 de agos. 2018.
14. SOLANO-SUÁREZ, Esthela. A Criança em questão no final do século. In MURTA. A; MURTA.C; MARTINS.T.(org.) Incidências da Psicanálise na Cidade. 1ª ed. – Vitória: EDUFES, 2004
15.	TESTI, Helena Maria Daquanno Martins. Reflexões psicanalíticas acerca do sujeito supostamente portador de TDAH. 2012. 219f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012. Disponível em<https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/15109/1/Helena%20Maria%20Daquanno%20Martins%20Testi.pdf> Acesso em 01 set. 2018. 
16.	VERAS, Marcelo. O pai é uma droga: editorial do Boletim da Escola Brasileira de Psicanálise – A Diretoria na Rede: EBP Debates #004. Disponível em:<https://www.ebp.org.br/dr/ebp_deb004/marcelo.asp. Acesso em: 24 agos. 2018.17.	VIEIRA, Marcus André. Nota sobre a Criança, de Jacques Lacan Uma Leitura. Disponível em 
http://litura.com.br/curso_repositorio/uma_leitura_de_nota_sobre_a_criança_de_i_1.pdf
18.	ZORNIG, Silvia Abu-Jamra. Da Criança-Sintoma (dos pais) ao Sintoma da Criança. Disponível https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/psicologia/da-crianca-sintoma-dos-pais-ao-sintoma-da-crianca/5476
ESPECIALIZAÇÃO EM FILOSOFIA E PSICANÁLISE
Av. Fernando Ferrari – Campus Universitário. Nº 514, Goiabeiras, Vitória/ES. CEP: 29075-910
(27) 3335.2208 / 3335.2213 / 3335.2228
Av. Fernando Ferrari – Campus Universitário. Nº 514, Goiabeiras, Vitória/ES. CEP: 29075-910
(27) 3335.2208 / 3335.2213 / 3335.2228

Continue navegando