Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
História e Cultura Afro-brasileira História e Cultura Afro-brasileira Organizado por Universidade Luterana do Brasil Universidade Luterana do Brasil – ULBRA Canoas, RS 2016 Arilson dos Santos Gomes Maria Angélica Zubaran Roberto dos Santos Conselho Editorial EAD Andréa de Azevedo Eick Ângela da Rocha Rolla Astomiro Romais Claudiane Ramos Furtado Dóris Gedrat Honor de Almeida Neto Maria Cleidia Klein Oliveira Maria Lizete Schneider Luiz Carlos Specht Filho Vinicius Martins Flores Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da ULBRA. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal. ISBN: 978-85-5639-141-4 Dados técnicos do livro Diagramação: Jonatan Souza Revisão: Igor Campos Dutra Este livro aborda a “História e Cultura Afro-brasileira” que está no univer-so das discussões sobre a etnicidade, a diversidade e os temas negros que vieram à tona no período pós-centenário da abolição da escravatura no Brasil. Também, há de se pensar sobre o entendimento acerca de uma história não europeizada do Brasil e de seus usos políticos na construção de uma identidade nacional plural. A História da África e a Cultura Negra no Brasil auxiliam na reconstrução do olhar sobre a nossa própria história. O capítulo, “África Pré-colonial”, destaca as sociedades africanas an- tes do contato com a Europa mercantilista e a presença de culturas muito organizadas que se estenderam por todo continente africano. O segundo capítulo, “África Atlântica e Tráfico Negreiro”, aborda o contato com a Eu- ropa no período moderno, no sentido do conflito e do processo que marca o início da diáspora africana para a América, assim como a posição do Brasil como destino. Em “A Escravidão de Africanos no Brasil”, a autora se debruça sobre a exploração do trabalho escravo no Brasil, marcando os lugares e algumas características da economia brasileira em cerca de qua- tro séculos de exploração escravista. No quarto capítulo, Maria Angélica Zubaran coloca em discussão a morte do mito referente à inexistência de uma resistência negra e discute o posicionamento africano e afro-brasileiro contrário à opressão cultural e de exploração do trabalho. No quinto capí- tulo, Arilson dos Santos Gomes apresenta as ações negras no período pós- -abolição, no sentido de um conjunto de organizações culturais e políticas no período Getulista, nas décadas de 30 e 40 do século XX, que colocavam em cena a construção de identidades negras e de reivindicações quanto à presença na sociedade brasileira. Na continuidade da análise, em “A Era Vargas”, estende-se uma vinculação estreita entre o nacionalismo nas décadas de 40 e 50 quanto à aproximação das organizações negras no Apresentação Apresentação v contexto político de afirmação do negro na sociedade. Destaca-se, princi- palmente, a Frente Negra, O Teatro Experimental do Negro e o Congresso do Negro Brasileiro. No capítulo sete, o autor apresenta dois estudos de caso: o primeiro, sobre a participação política institucional do Deputado Carlos Santos, principalmente no final dos anos 60. E o segundo, sobre a importância do Senador Abdias do Nascimento, que atravessou o sécu- lo XX transformando-se em uma referência política e intelectual negra na História do país. Em “A Imprensa Negra”, é possível analisar um artefato da cultura negra e sua importância no processo de construção das identi- dades, destacando seus usos até o século XXI. No capítulo nove, a música negra é o objeto da análise, porém foi necessário selecionar o caminho da escrita, centrando olhar sobre o Samba e a Black Music Brasileira, em uma tentativa de releitura sobre o Funk dos anos 80 nos principais centros urbanos do país. E, por fim, em “Religiosidade Negra”, Roberto dos Santos traça um comentário rápido sobre as religiões afro-brasileiras marcadas por sua importância, sua diversidade e a leitura muito própria sobre a cultura negra no Brasil. Entretanto, um lembrete significativo foi elaborado sobre a influência católica na cultura afro-brasileira e as particularidades das práticas no país. A leitura sobre tantas informações acerca da história e da cultura negra permite compreendermos a complexidade destes conhecimentos e o quan- to ainda precisamos nos apropriar dessa produção de saberes. Conhecer a participação das etnias que compõem o Brasil é, realmente, atuar na ela- boração de uma história do povo brasileiro. Resta-me dedicar para todos uma convivência produtiva com a História que lhes é oferecida. Roberto dos Santos Sumário 1 África Pré-colonial: Imagens e Reinos ....................................1 2 África Atlântica e Tráfico Negreiro .......................................21 3 Escravidão de Africanos no Brasil ........................................38 4 Resistência Negra ao Regime Escravista ..............................54 5 O Negro no Pós-Abolição ...................................................70 6 A “Era Vargas”: Trabalhismo e Nacionalismo .......................92 7 Ditadura Civil-Militar e a Identidade Negra .......................119 8 Imprensa Negra ...............................................................148 9 Música Negra ...................................................................164 10 Religiosidade Negra .........................................................178 África Pré-colonial: Imagens e Reinos1 1 Doutora em História, professora adjunta do Curso de História e do Mestrado em Educação da Universidade Luterana do Brasil, membro do NEABI/ULBRA. Maria Angélica Zubaran1 Capítulo 1 2 História e Cultura Afro-brasileira Introdução Conforme afirma Paulo Visentini (2013), apesar da África ser o continente mais próximo do Brasil, de existirem imensas se- melhanças humanas e naturais entre ambos e dos afro-des- cendentes constituírem cerca de 40% a 60% da população brasileira, existe um desconhecimento profundo da História da África. Esse desconhecimento levou a visões estereotipadas e preconceituosas sobre a África no imaginário europeu. Neste capítulo, pretende-se confrontar essas estereotipias a partir do estudo das imagens produzidas pelos europeus sobre a África. Posteriormente, estudar-se-á os principais reinos e impérios da África Pré-colonial, antes da chegada dos europeus. Imagens da África De acordo com Carlos Serrano e Maurício Waldmann (2007), a África, mais do que qualquer outro continente, foi encoberta por preconceitos que ainda hoje marcam a percep- ção de sua realidade. O imaginário europeu devotou para as terras africanas e os seus habitantes injunções desqualifican- tes, imagens negativas e excludentes. Um continente sem história? Normalmente, quando se fala em História da África, pen- sa-se no tráfico de escravos, dando uma falsa imagem de que na África não houve História antes da presença europeia. O continente africano geralmente é representado na mídia como o lugar de fome, guerras, epidemias, que aparecem como inerentes aos povos africanos, representados como atrasados Capítulo 1 África Pré-colonial: Imagens e Reinos 3 e incultos e não se discute as razões que provocaram essas situações. A origem dessas concepções remete à antiguidade clássi- ca. Para os gregos e romanos, a África compreendia as terras habitadas pelos povos de idioma berbere, termo que deu ori- gem à palavra bárbaro, identificando populações que, pelo fato de sua língua e cultura diferirem da greco-romana, eram consideradas inferiores em face do padrão greco-romano. No período medieval, diversas imagens estereotipadasa respeito dos africanos foram articuladas no imaginário euro- peu. Uma dessas noções foi a teoria Camítica, que estigmatiza- va os negros enquanto descendentes do personagem bíblico Cam, como indigno e fadado à escravidão. No famoso Mapa dos Salmos, datado de 1250, de acordo com os relatos bíbli- cos, aparece a indicação do paraíso e de Cristo, na direção Norte, e na posição sul a África, um “continente monstruoso”, ocupado pelas gentes descendentes de Cam, o mais moreno dos filhos de Noé. Outra referência muito comum à África é a de “continen- te negro” ou “África Negra” atribuídos à África Subsaariana. No entanto, devemos observar que nem todos os africanos são negros: Na parte norte, e inclusive Saara, encontram-se os berberes/árabes, ao sul do Saara predominam os povos negroides e na África Meridional vivem 5 milhões de brancos de origem europeia. O tratamento genérico de África Negra ignora as mestiçagens biológicas e culturais e as migrações de 4 História e Cultura Afro-brasileira povos na África, primeiramente, de leste para oeste e, depois, em sentido inverso e, por fim, rumo ao sul. Também disseminou-se a noção de que as terras africa- nas ao sul do deserto Saara, assoladas pelo calor escaldante, eram consideradas impróprias para a vida civilizada. Na ver- dade, a África é o único continente eminentemente tropical do planeta, e as temperaturas altas possuíam, do ponto de vista cultural, um sentido negativo. Exemplo: A expressão um calor dos infernos. Na segunda metade do século XVIII e primeira metade do século XIX, as imagens negativas sobre a África e os africanos ganharam um revestimento teórico para justificar o tráfico de escravos: No livro Systema Naturae (1778), de Charles Linné, os africanos foram designados como relaxados, indolentes, ne- gligentes e governados por caprichos. Alguns intelectuais do Iluminismo, tais como Voltaire (França), Hume (Escócia), Kant (Alemanha) e Jefferson (Estados Unidos), argumentaram que os africanos não possuíam capacidades intelectual. Também o filósofo Hegel (1770-1834) afirmou que a África não tinha his- tória, pois os homens que lá viviam eram bárbaros e selvagens sem nenhum elemento de civilização. Para esses intelectuais, os africanos eram considerados seres sem cultura. Nesse senti- do, conferiu-se à África Subsaariana um estado de selvageria, no qual predominava a natureza, onde não se produzia cultu- ra e História. Arnaut e Lopes (2005) defendem que não é possível tra- tar a África como uma unidade monolítica, pois são muitas Capítulo 1 África Pré-colonial: Imagens e Reinos 5 as diferenças entre os diferentes povos africanos. Também a noção de africano sugere uma ideia de unidade, que encobre a diversidade. Portanto, essa denominação não deve ofuscar as diferenças dos modos de vida e cultura dos povos africa- nos. Há que se considerar que há grandes diferenças entre os povos do norte e os do sul do deserto do Saara. Ademais, em decorrência da miscigenação, encontramos africanos negros, mestiços e brancos. Na África, são faladas mais de mil línguas diferentes relacionadas aos diferentes povos africanos. Além do árabe, as mais faladas são o Suaíle e o Hausa. Há também o afrikaaner derivado do holandês. O cristianismo e o islamis- mo são as principais religiões africanas, mas 15% dos povos africanos ainda praticam religiões animistas ou locais. África, berço das civilizações Em meados do século XX, pesquisas demonstraram ser a África o nascedouro da humanidade e da civilização ocidental. Foi no imenso território africano que teve origem o lento processo de evolução da espécie humana há cerca de 4,5 milhões de anos. Foi ali que se desenvolveram as primeiras formas de vida. De acordo com José Rivair Macedo (2013), os primei- ros fósseis do Australopithecus africanus foram descobertos em 1924, na África do Sul. Mas a descoberta do fóssil mais completo ocorreu em Afar, na Etiópia, de onde vem o nome Australopithecus Afarensis, ou, como ficou mais popularmente conhecido, Lucy, que teria vivido há cerca de 3 milhões de anos. Conforme afirma José Rivair Macedo, desde o mais re- moto ancestral do gênero Homo se confunde com a África. 6 História e Cultura Afro-brasileira No século XX, o pensamento generalizante, que trata a África enquanto uma unidade monolítica, passou a ser ques- tionado. Particularmente, a partir de 1960, os Estados-nação africanos recém formados passaram a reconhecer as especi- ficidades da África considerada um “mosaico de heterogenei- dades” e caracterizada pela complexa diversidade cultural de seus povos. A partir da década de 1970, a arqueologia passou a estu- dar os artefatos considerados objetos testemunhos dos povos africanos, destacando-se o estudo da cultura dos povos Ioru- bás, nas cidades de Ifé, Oió e Benin. Também as narrativas orais contribuíram para o estudo dos povos ágrafos, sem escrita, que compõem o continente africa- no. Destaca-se a importância dos Griots, contadores de histó- rias, que contam as histórias antigas dos africanos, garantindo o não esquecimento das tradições africanas. Existem também muitos manuscritos inéditos em arquivos africanos para o estu- do da África e dos Africanos. Os novos conhecimentos sobre a África se caracterizam pelo rompimento com o eurocentrismo e universalismos que obscureciam as diferenças locais entre os africanos. Os relatos de viajantes árabes islâmicos do período medieval e os manus- critos europeus do século XV-XIX, permitiram identificar as prin- cipais organizações sociais e políticas da África Pré-colonial, genericamente denominadas “reinos” ou “Impérios”. Capítulo 1 África Pré-colonial: Imagens e Reinos 7 Antigas civilizações africanas Dentre as civilizações mais antigas da história da humanida- de, algumas desenvolveram-se no continente africano, como a Egípcia, a Cuxita e a Axumita. O EGITO De acordo com Kabengele Munanga e Nilma Nilo Gomes, o povoamento do Egito deu-se a partir dos africanos que ha- bitavam o continente, não resta dúvida de que foram eles os primeiros a construir essa civilização. Séculos depois, foram invadidos pelos persas, gregos e romanos. No entanto, as in- vasões estrangeiras não apagaram a origem negra da civiliza- ção egípcia. A história do Egito faraônico conta com trinta dinastias que se sucederam 3000 anos antes da era cristã e pelo menos 21 dessas dinastias eram nitidamente negras e reinaram antes das invasões estrangeiras. No entanto, as invasões externas não apagaram as contri- buições dos nativos como a historiografia ocidental colonial tenta fazer ao negar a origem negra da civilização egípcia. Essa negação foi uma estratégia político-ideológica para não reconhecer as contribuições negras na civilização egípcia e para justificar a colonização da África pelos europeus. 8 História e Cultura Afro-brasileira KUSH No vale do alto Nilo, ao sul do Egito, entre a segunda e a sexta catarata (atual Sudão) se desenvolveu o Reino de Kush ou Civilização Cuxita. A capital era Méroe, onde construíram pirâmides. O reino de Kush manteve relações comerciais com o Egito e foi invadido pelos egípcios para obterem o controle sobre as minas de ouro. Posteriormente, os cuxitas invadiram o Egito e fundaram a XXV dinastia egípcia. Os reis cuxitas reinaram como faraós por um século, até que foram expulsos. O reino persistiu até o século IV d.C., quando se desintegrou devido a rebeliões internas. Uma das características dessa ci- vilização foi o reinado feminino, com as rainhas “Candaces”. AXUM A civilização Axumita, posterior às civilizações egípcia e cuxita, se desenvolveu no território que corresponde mais ou menos à Etiópia atual e tinha como capital Axum. Uma das caracte- rísticas dessa civilização foi o cristianismo, introduzido durantea ocupação romana do Egito. É por isso que a Etiópia é con- siderada o país cristão mais antigo da África Subsaariana. O cristianismo só perdeu sua preponderância perante o islamis- mo imposto pelas guerras santas durante o império Otomano (1299-1922). Capítulo 1 África Pré-colonial: Imagens e Reinos 9 O continente africano O continente africano, terceiro maior da terra, está separado da Europa pelo Mar Mediterrâneo, da Ásia pelo Mar Vermelho e é banhado na sua costa ocidental pelo Oceano Atlântico e na costa oriental pelo Oceano Índico. O deserto do Saara divide o continente africano em duas regiões: ao norte do deserto, a África Saariana ou MAGREB (ocidente em árabe) e, ao sul do deserto, a África Subsaariana ou África Negra, assim denominada pela predominância nes- sa região de povos de pele escura. A África Subsaariana está dividida em três grandes áreas África Ocidental: É uma região no oeste da África que inclui os países com costa para o Oceano Atlântico e que partilham parte do deserto do Saara. Nesta região, também conhecida como Sael, que forma um corredor ininterrupto do Atlântico ao Mar Vermelho, localizavam-se os reinos Sudaneses: Reinos de Gana (IV-XIII), de Mali (XIII-XV) e Songai (XV- XVI), em torno do rio Níger. Também nessa região, perto do litoral do Golfo do Benin, localizam-se os povos chamados Yorubás que se organizaram em cidades-estados independentes. África Central ou Centro-Ocidental: Fica no centro do continente, na região do rio Congo e até o rio Cuanza, onde 10 História e Cultura Afro-brasileira viviam os povos chamados bantos, agricultores, que viviam em aldeias e dominavam a metalurgia. África Oriental: Abrange os territórios na costa do Ocea- no Índico, onde habita grande variedade de povos bantos. Em toda essa costa, fala-se o Suaíli, uma língua banta com forte influência árabe. Sociedades africanas da África Ocidental As sociedades africanas organizavam-se tendo como base as relações de parentesco. As famílias extensas com um antepas- sado comum formavam as linhagens, núcleo básico da orga- nização das sociedades da África. Essas famílias extensas, cada uma com seu chefe, eram subordinadas aos chefes das aldeias. As aldeias agrupavam várias famílias ou linhagens. A presença de uma autoridade política centralizada sobre todos os chefes de aldeias caracterizava um reino. Os reinos africanos possuíam uma capital onde se instalava seu chefe maior ou rei. As sociedades africanas pré-coloniais também se organi- zavam em cidades que eram centros de comércio. Entre elas, destacam-se: Tombuctu, Gaô e Jené, no atual Mali. Pelos seus mercados passavam o sal das minas do deserto, o ouro das minas de Bambuck e Buré, os tecidos e os grãos do Sudão Capítulo 1 África Pré-colonial: Imagens e Reinos 11 central, a noz-de-cola, peles, marfim, enfeites de metal, obje- tos de cerâmica e couro. Gana: o reino do ouro (séc. IV ao XIII) Apesar do nome, o antigo reino de Gana não está relacionado à moderna Gana, mas situava-se entre o que é hoje a Mauri- tânia e o Mali. O reino de Gana ficou conhecido como “reino do ouro”. Conforme os escritores árabes, possuía as mais ricas minas de ouro do mundo, situadas em Bambuk. O sal, raro na região das savanas, era trazido do deserto, em estado sólido, em camelos até as áreas mineradoras de Bambuk, onde era trocado por ouro. Outra mercadoria que ganhou grande valor foram os escravos. Apesar da escravidão já existir na região, as guerras, as empreendidas pelo reino de Gana, produziram muitos cativos. A capital de Kumbi Saleh tornou-se o foco de todo o co- mércio do reino, que incluía escravos, tecidos e outros produ- tos. A rota do comércio começava no norte da África e termi- nava na cidade real de Kumbi Saleh. O reino de Gana entrou em declínio quando perdeu o monopólio do ouro no século XIII, com o aparecimento de novas minas em Buré. Por volta de 1077, o reino de Gana foi alvo da expansão dos almorávidas, que conquistaram a capital, Kumbi-Saleh. 12 História e Cultura Afro-brasileira O Império de Mali (séc. XIII-XV) O império de Mali, localizado ao sul de Gana, era de início composto de povos caçadores, que também trabalhavam a terra em campos comunitários. A expansão territorial dos ma- lineses esteve vinculada ao processo de islamização do reino a partir do século XIII, quando Sundiata, responsável pela união de várias comunidades malinquês foi escolhido como rei do Mali. Sundiata tomou a cidade de Timbuktu e a transformou em importante cidade comercial. A cidade de Jenné era tam- bém um grande centro agropecuário e comercial. A riqueza do reino vinha das minas de Buré. A capital era Nianci, construída perto das minas. Mali tam- bém adquiriu o controle sobre o comércio do sal. O declínio de Mali no século XV ocorre quando os Tuaregues atacaram várias vezes a cidade de Timbuktu e se apropriaram dela e também devido às lutas de sucessão entre os descendentes de Sundiata. O Império de Songai (XV-XVI) O império do Songai era formado por uma elite formada nos preceitos islâmicos. No século XV, sob a liderança de Sonni Ali, um chefe militar, expandiu o reino do Songai incorporando as principais cidades do comércio transaariano: Tumbuktu e Jen- né que exportavam ouro, noz de cola e escravos. A educação era muito incentivada no Império de Songai. Em Tumbuktu, por exemplo, a Universidade de Sankore construída por volta Capítulo 1 África Pré-colonial: Imagens e Reinos 13 do século IX, abrigava já no século XII cerca de 25.000 estu- dantes. A partir do século XVI, o império Songai entra em conflito com os interesses Marroquinos e Turcos no Saara. Manteve-se como o mais forte Estado mercantil negro no Sudão Ocidental até 1591, quando foi conquistado por povos muçulmanos do atual Marrocos. Figura 1 Mesquita de Sankore em Timbuktu. Fonte: Atamari – https://pt.wikipedia.org/wiki/Tombuctu Os Hauças A leste de Songai, entre os rios Níger e o Lago Chade, sur- giram sete cidades-estados dos Hauças, povos falantes do idioma Hauça. As cidades tornaram-se pontos de trocas de mercadorias artesanais. 14 História e Cultura Afro-brasileira No século XV, época de sua maior expansão, eram total- mente muçulmanos e a escrita árabe se difundiu. A partir do século XV, envolveram-se no tráfico atlântico de escravos. No Brasil, os escravos e libertos Hauças participaram de várias rebeliões na Bahia, particularmente, na chamada Revolta dos Malês. Os Iorubás A civilização dos Iorubás desenvolveu-se a partir do século XI, nas atuais Nigéria e Benin. Os reinos Iorubás organizavam-se politicamente em sete cidades-estado, incluindo Benin, Ifé e Oyó e falavam o idioma Iorubá. Segundo seus mitos de ori- gem, os iorubás acreditavam ter como antepassado comum Oduduá, cujos descendentes reinaram sobre as sete cidades. Entre os iorubás, as divindades eram conhecidas como ori- xás. O centro religioso dos Iorubás era a cidade sagrada de Ifé que ficou conhecida pelas esculturas em bronze, cobre e, sobretudo, terracota, produzidas entre os séculos XI e XV, que tornaram-se referência da arte subsaariana. O Iorubás ficaram conhecidos no Brasil como Nagôs. No fim do século XVIII, o tráfico maciço de iorubanos ou nagôs para o Brasil fez com que a língua Iorubá e os costumes desse povo dominasse na Bahia e se constituísse na face mais visível das civilizações afri- canas no Brasil. Capítulo 1 África Pré-colonial: Imagens e Reinos 15 Sociedades da África Central Na parte central do continente africano, na região do rio Con- go, viviam os povos bantos. Eram agricultores e sabiam fa- zer instrumentos de ferro. Nessa região, uma das sociedades banto mais conhecida foi o Reino do Congo, que remonta ao século XIV. O Reino do Congo Seu reichamava-se Manicongo – senhor do Congo – e mora- va na capital Mbanza, hoje situada na atual Angola, perto da margem do rio Congo. Era uma monarquia centralizada nas mãos do Manicongo, que controlava as rotas comerciais. O congo possuía uma moeda própria, o Zimbo, uma concha, que o rei mandava buscar na ilha de Luanda. Quando os portugueses chegaram (Diogo Cão, em 1482), o reino do Congo já tinha quase um século de história e logo pensaram que seria um bom parceiro comercial. Por mais de três séculos, congoleses e portugueses mantiveram relações comerciais, mas os portugueses acabaram por controlar a re- gião, que hoje corresponde ao norte de Angola. Destacam-se na arte as máscaras do norte do Congo. No artesanato, a fabricação do veludo de ráfia e o trabalho em marfim e cobre, assim como a tecnologia do ferro. 16 História e Cultura Afro-brasileira África Oriental O Estado Zulu O Estado Zulu localizava-se na região sudeste da África. Foi fundado por Chaca. Durante seu reinado, instituiu um exérci- to permanente, especializando-se nas artes da guerra e das armas. No plano tático, inventou a formação de ataque em “cabeça de búfalo”. No seu reinado, guerra e práticas mági- co-religiosas estavam articuladas, mobilizando todos os adivi- nhos, feiticeiros e oráculos para a proteção de seus soldados na guerra. Seu exército, estimado entre 30 a 100 mil homens, testemunha a importância do exército que representava uma máquina implacável, e foi a forma de se opor ao avanço dos bôers (sul-africanos de ascendência holandesa). Chaca foi apelidado de “Napoleão Negro”. O Império de Monomotapa Entre os povos bantos, outro império na região sudeste da África foi o Monomotapa. Lá, habitavam povos Xonas, que viviam basicamente da agricultura e criação de gado, e desen- volveram comércio em grande escala com os árabes e a Ásia, através do porto de Sofala (Moçambique). Nesse império, fo- ram erguidas enormes muralhas de pedra, de cinco metros de altura, circulares, chamadas de Zimbabues, que datam do fim do século XII. Em escavações realizadas no local, foram en- contradas porcelanas da China e contas da Índia. O império exportava marfim e, sobretudo, ouro. Capítulo 1 África Pré-colonial: Imagens e Reinos 17 Figura 2 O Grande Zimbabue. Fonte: Jan Derk – https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Great-Zimbabwe.jpg Recapitulando Apesar das imagens estereotipadas sobre a África e sobre os africanos construídas pelos europeus desde a Antiguida- de e, particularmente, na Idade Média, o estudo da História da África Pré-colonial evidencia a existência de várias civiliza- ções africanas, entre os séculos IV e XV, situadas nas Áfricas Ocidental, Central e Meridional e organizadas em torno de cidades comerciais como Timbuctu, Jenné e Gao, que comer- cializavam ouro, sal, marfim e escravos. Algumas dessas so- ciedades tornaram-se islamizadas e adotaram o idioma árabe, enquanto outras, como os povos Iorubás, falavam o idioma 18 História e Cultura Afro-brasileira iorubá e possuíam centros religiosos que cultuavam como di- vindades os orixás e produziam um rico artesanato de imagens em bronze, cobre e terracota. Portanto, ao contrário do que afirmava o filósofo Hegel, a África antes da chegada dos euro- peus possuía uma rica história e várias civilizações que, após o tráfico atlântico de escravos, passaram a ter grande influência na história e na cultura afro-brasileira. Referências ARNAUT, Luiz & Lopes, Ana Mônica. História da África: uma introdução. Belo Horizonte: Crisálida, 2005. DEL PRIORE, Mary e Renato Venâncio. Ancestrais: Uma intro- dução á História da África Atlântica. Rio de Janeiro: Else- vier, 2004. MACEDO, José Rivair. História da África. São Paulo: Contex- to, 2013. SERRANO, Carlos & Maurício Waldman. Memória da África A temática africana na sala de aula. Cortez, 2007. VISENTINI, Paulo Fagundes, Luiz Dário Teixeira Ribeiro e Analú- cia Danilevicz Pereira. História da África e dos Africanos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. Capítulo 1 África Pré-colonial: Imagens e Reinos 19 Atividades 1) Sobre a África ao sul do deserto do Saara, antes do século XV, é correto afirmar que: a) Era composta de sociedades sem escrita e, portanto, sem história. b) Era composta de diversas sociedades com organiza- ções diferentes, indo desde aldeias de agricultores e criadores até verdadeiros impérios. c) A escravidão só passou a existir a partir da expansão marítima europeia do século XV. d) Era composta de povos exclusivamente islamizados. e) Era composta de povos que praticavam as religiões animistas. 2) Sobre o continente africano, é correto afirmar que: a) É cercado a nordeste pelo Mar Vermelho, ao norte pelo Mar Mediterrâneo, a oeste pelo Oceano Atlântico e a leste pelo Oceano Índico. b) Possui dois grandes desertos: o Saara ao norte e o Atacama ao sul. c) Sua vegetação é marcada pelas florestas tropicais, pelo Serrado e pelas Savanas. d) Possuí muitos rios navegáveis que desaguam no Oceano. e) Todas as repostas estão corretas. 20 História e Cultura Afro-brasileira 3) A área imediatamente ao sul do deserto do Saara é conhe- cida como: a) Magreb c) Sahel e) Zimbabue b) Sudão d) Etiópia 4) Os principais reinos da África Ocidental são: a) Reino do Congo, Monomotapa e Sudão. b) Reino de Monomotapa, Iorubá e Hauça. c) Reino de Gana, Mali e Songai. d) Reino do Zimbabue, Gana e Mali. e) Reino do Sudão, Etiópia e Sahel. 5) Sobre os povos Iorubás, é correto afirmar que: a) Falavam o Iorubá e organizavam-se em cidades-esta- dos. b) Entre as suas principais cidades destacam-se Benin, Ifé e Oyó. c) Produziam imagens em bronze, cobre e terracota que tornaram-se referência da arte subsaariana. d) No Brasil, ficaram conhecidos como Nagôs. e) Todas as repostas estão corretas. África Atlântica e Tráfico Negreiro1 1 Doutora em História, professora adjunta do Curso de História e do Mestrado em Educação da Universidade Luterana do Brasil, membro do NEABI/Ulbra. Maria Angélica Zubaran1 Capítulo 2 22 História e Cultura Afro-brasileira Introdução A partir do século XV, a costa atlântica africana, que se estende do Senegal à Angola, esteve em contato com a Europa e a América, formando o chamado comércio triangular. A maio- ria dos escravos traficados da África para a América vieram das regiões da África ocidental e África centro-ocidental, as- sim nascia a chamada África Atlântica, cuja especificidade de- correu de seu contato tardio com os europeus, originando-se da expansão ultramarina europeia. De acordo com Mary Del Priore e Renato Pinto Venâncio (2004), “entre os séculos XVI e XIX, nada menos de 11 milhões de africanos foram traficados para o Novo Mundo” (p. 36) a partir do extenso litoral da África Atlântica. Neste capítulo, vamos estudar como a África atlântica se transformou em um gigantesco mercado de escra- vos a partir do século XVI. A Expansão Portuguesa no litoral da África Atlântica As primeiras caravelas portuguesas chegaram à costa ocidental da África na década de 1430, buscando uma rota comercial alternativa para acesso ao ouro, marfim e escravos africanos. O deserto do Saara era dominado pelos povos berberes, que se deslocavam em caravanas de camelos através do deserto. Por meio desses caminhos de areia, o ouro, o marfim e escravos chegavam ao litoral da África do Norte e daí cruzavam o mar Mediterrâneo, dominado por venezianos e genoveses, rumo aos Capítulo 2 África Atlântica e Tráfico Negreiro 23 mercados consumidores da Europa. Portanto, os portugueses iniciaram uma rota comercial alternativa àquelas dominadas pelos mercadores muçulmanos (rota do deserto do Saara) e comerciantes venezianos, florentinos e genoveses (rota do Mar Mediterrâneo).Esse novo caminho era o Oceano Atlântico. Não havia um único modo de comerciar escravos. Os traficantes portugueses utilizaram dois sistemas para reco- lher escravos no litoral do Ocenao Atlântico. O primeiro era a modalidade do comércio em terra, quando, em geral, os barcos pertencentes às companhias de comércio europeias, provenientes da Alemanha, França, Portugal, Inglaterra, Ho- landa e Dinamarca ancoravam nas fortalezas ou feitorias pertencentes às suas nações. Um segundo sistema utilizado pelos portugueses para recolher escravos na costa ocidental africana foi a “troca em alto-mar”, quando os compradores recebiam a bordo os chefes locais com a carga de escravos, que era levada até os barcos em canoas, não gerando gastos com a instalação de feitorias. As Feitorias Durante a primeira metade do século XV, os portugueses co- meçaram a explorar a costa atlântica da África, interessados no ouro africano, no marfim, na pimenta e, principalmente, em escravos. Em 1445, construíram em Arguim a primeira fei- toria e várias outras foram construídas ao longo da costa nos séculos seguintes. Em 1482, os portugueses construíram a for- 24 História e Cultura Afro-brasileira taleza do Castelo de São Jorge da Mina, localizado onde hoje é a cidade de Elmina, no país de Gana. As feitorias serviam de entrepostos temporários de ca- tivos, onde ficavam estocados, esperando completar as cargas dos navios. As feitorias tinham como função realizar o comércio com chefes locais, concentrar as mercadorias e diminuir o tempo de estadia dos navios. Pelo sistema de fei- torias, foram embarcados a maior parte escravos com destino às Américas. O Forte de Arguim em 1721. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Arguim#/media/File:Fort_of_Arguin_1721.jpg A partir do século XVI, a costa atlântica passou a ser fre- quentada por um número cada vez maior de embarcações de várias nações europeias, entre eles os franceses, seguidos dos ingleses. Os holandeses também marcaram presença no trá- fico de escravos na costa atlântica, principalmente no século XVII. Assim, entre os século XVI e XIX, desenvolveu-se o tráfico atlântico de escravos da África para a América. Capítulo 2 África Atlântica e Tráfico Negreiro 25 A Escravidão na África Não há como negar a existência da escravidão na África bem antes do desembarque dos europeus. A escravidão existiu em praticamente todas as sociedades africanas, desde as peque- nas sociedades agrícolas e pastoris até os grandes impérios. As sociedades escravistas africanas utilizaram os escravos na agricultura, no pastoreio, em atividades mineradoras, assim como no trabalho doméstico, em construções e até mesmo na burocracia. Os muçulmanos tinham preferência pela escravi- dão feminina, pois transformavam as escravas em concubinas. Um outro tipo de escravo era o eunuco, um homem castrado, cuja função era tomar conta dos haréns. Contudo, não se pode ignorar as especificidades da escra- vidão na África, que era o destino dos prisioneiros de guerra, dos endividados, dos criminosos, dos filhos ilegítimos e das mulheres adúlteras ou acusadas de bruxaria. Tais cativos eram integrados ao grupo familiar senhorial, à linhagem paterna, em condição subordinada, que por isso era chamada de es- cravidão de linhagem. Conforme apontam Del Priore e Venâncio (2004), adquirir escravos era uma forma de ampliar a mão de obra familiar. O senhor poderia ampliar o número de esposas e de trabalhado- res agrícolas via compra de escravos. O filho nascido da união com uma escrava perdia a condição de cativo e era incorpora- do à linhagem paterna. Como senhores e cativos partilhavam da mesma cultura e da mesma cor da pele, era intensa a inte- gração do escravo ao novo grupo familiar. 26 História e Cultura Afro-brasileira A existência prévia de reinos e chefes locais já familiariza- dos com o comércio de escravos facilitou o tráfico atlântico de escravos. Os europeus não inventaram a instituição, mas a destinaram para fins comerciais. O trabalho cativo na África somente se tornou comercial após a chegada dos europeus que transformaram a África Atlântica em fornecedora de es- cravos, inicialmente para as fazendas monocultoras de cana- -de-açúcar voltadas para a exportação na ilha de São Tomé e, posteriormente, para as lavouras e minas na América. No entanto, mesmo considerando-se as diferenças entre a escravidão tradicional na África pré-colonial e a escravidão comercial praticada pelos europeus, como destacam Del Prio- re e Venâncio (2004), a eficácia e abrangência do tráfico não seria alcançada se não fosse a cumplicidade das sociedades africanas. O Tráfico Atlântico de Escravos Como vimos anteriormente, o comércio de africanos na Áfri- ca Atlântica era realizado tanto na modalidade de “troca em alto-mar”, ocasião em que esses navios se transformavam em verdadeiros mercados flutuantes, quanto em terra, nas feito- rias. Contudo, o comércio de escravos começava no interior da África e a captura e o deslocamento desses escravos aos locais de embarque no litoral era encargo dos africanos. Era a guerra entre os reinos africanos que produzia a maioria esma- gadora de escravos traficados para a América. Na compra de escravos, as mercadorias comercializadas pelos portugueses Capítulo 2 África Atlântica e Tráfico Negreiro 27 eram em geral cavalos, objetos de cobre e de vidro, espelhos e, posteriormente, armas de fogo, pólvora, cachaça e tabaco. Os distribuidores das caravanas de escravos entregavam os escravos aos feitores das feitorias e fortalezas, que os distri- buíam aos navios de partida. Libambos era como se chama- vam as colunas de cativos que vinham amarrados do interior para o litoral. Durante 4 séculos, multidões em pânico eram trazidas acorrentadas do interior da África Atlântica. Transporte de escravos na África, gravura 1890. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Escravid%C3%A3o_em_%C3%81frica#/me- dia/File:AfricanSlavesTransport.jpg O tráfico atlântico de escravos iniciado no século XVI foi intenso até o século XIX. Estima-se que entre 12 e 12,5 milhões de africanos foram traficados para a América, dos quais apro- ximadamente 40% vieram para o Brasil, 40% para as ilhas do Caribe e menos de 5% para a América do Norte. Os demais foram transportados para outras partes da América. 28 História e Cultura Afro-brasileira Como relatam Del Priore e Venâncio (2004), o sistema de tráfico era uma lenta navegação de cabotagem entre os pontos da costa africana que podia em média levar de um a dois meses para carregar e levantar âncora, e no máximo sete meses. Os primeiros africanos embarcados ficavam aprisionados dentro da mesma embarcação até se completar a carga. Os autores relatam que na hora da partida havia o ritual em torno da ár- vore do esquecimento, que funcionava como um lenitivo para a dor da partida. Os escravos caminhavam em círculos à sua volta para esquecer a sua identidade antes de embarcar nos navios negreiros. Em média, embarcavam quinhentos africanos por viagem. Conforme aponta Regiane Augusto de Mattos, no momento do embarque, costumavam ter o corpo marcado a ferro quente com as iniciais ou símbolos dos proprietários. Tumbeiros era como se chamavam os navios negreiros que transportavam escravos para o outro lado do Atlântico. O porão baixo era o coração e o ventre do negreiro, onde centenas de africanos ficavam deitados ou agachados, quase o tempo todo acorrentados. No século XIX, a travessia da re- gião da costa ocidental da África para o Rio de Janeiro durava em média quatro semanas. O cardápio mais comum das travessias incluía o inhame, a banana, o azeite-de-dendê, o peixe seco, o milho e a pimenta malagueta. No século XVI, a mandioca passou a substituir o inhame. As condições de viagem eram péssimas, calor excessivo,carência alimentar e excesso de pessoas causavam muitas do- enças, as mais comuns eram o escorbuto, a disenteria, a febre amarela, a varíola. O Banzo foi uma doença característica das travessias nos navios negreiros, cujo sintoma era uma extrema melancolia que levava o africano a um total fastio e a morte. Capítulo 2 África Atlântica e Tráfico Negreiro 29 Muitos africanos morriam em diferentes momentos do pro- cesso de escravização, alguns durante a viagem do interior da África para o litoral, outros à espera do embarque que podia durar meses nas feitorias e barracões e muitos outros morriam durante a travessia do Atlântico e tinham seus corpos atirados ao mar. No entanto, mesmo com as terríveis condições da tra- vessia do Oceano Atlântico nos navios negreiros, os escravos eram capazes de desenvolver amizades durante essas viagens, os chamados malungos. Plano do navio negreiro britânico Brookes. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Slaveshipposter-contrast.jpg 30 História e Cultura Afro-brasileira Porão de um navio negreiro por Rugendas. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Navio_negreiro#/media/File:Navio_negrei- ro_-_Rugendas.jpg O tráfico atlântico de escravos envolveu um comércio trian- gular entre a Europa, a África Atlântica e a América, como se pode observar no mapa que segue: Comércio Triangular. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Com%C3%A9rcio_atl%C3%A2ntico_de_escra- vos#/media/File:Triangular_trade.svg Capítulo 2 África Atlântica e Tráfico Negreiro 31 Conforme afirma Yeda Pessoa de Castro (2012), os da- dos da pesquisa existentes sobre o tráfico atlântico de africa- nos revelam que a predominância cultural e linguística de escravos traficados para o Brasil foi do elemento banto, proveniente da África central, em todos os ciclos de desen- volvimento econômico do território colonial brasileiro. Já os sudaneses, provenientes da costa ocidental da África, fo- ram traficados em menor número, mas também formaram um contingente significativo entre os africanos traficados para o Brasil. Entre os sudaneses, a presença Iorubá foi tão signi- ficativa que o termo nagô na Bahia começou a ser usado indiscriminadamente para designar qualquer indivíduo ou língua de origem africana no Brasil. No mapa que segue, pode-se observar as principais regiões africanas de onde se originaram os africanos traficados para o Brasil. Principais regiões de comércio de escravos na África entre os séculos XV e XIX. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Com%C3%A9rcio_atl%C3%A2ntico_de_escra- vos#/media/File:Africa_slave_Regions.svg 32 História e Cultura Afro-brasileira A Chegada dos Africanos no Brasil Quando aportavam em terras brasileiras, os africanos desem- barcavam quase nus, e eram levados até a alfândega para listagem e dados do carregamento. Os principais portos de desembarque eram: Salvador (escravos para o nordeste) e RJ (escravos para MG, SP e Sul). Daí eram levados para os mer- cados de escravos onde eram vendidos. No Rio de Janeiro, foi criado na segunda metade do século XVIII o Mercado do Valongo para a venda dos chamados “negros novos”. Jean Baptiste Debret – Mercado da Rua do Valongo. Fonte: http://frags.wiki/index.php?title=Mercado_da_Rua_do_Valongo%2FDebret Os africanos eram também vendidos em leilões nos centros das cidades e oferecidos à venda em anúncios de jornais. Capítulo 2 África Atlântica e Tráfico Negreiro 33 O Tráfico Interno de Escravos no Brasil Conforme Mattos (2007), os africanos que chegavam ao Brasil eram levados em barcos ou a pé, em direção às cidades do in- terior ou eram comprados por tropeiros de São Paulo e Minas Gerais, que os revendiam, configurando-se, assim, um tráfico interno de escravos. A região sul do Brasil, Santa Catarina e Rio Grande do Sul era abastecida de escravos pelos comer- ciantes de escravos cariocas. O tráfico atlântico de escravos foi abolido no Brasil em 1850, pela Lei Eusébio de Queirós, após intensa pressão da Inglaterra. Seguiu-se à abolição do tráfico transatlântico de escravos um tráfico interno em direção às lavouras de cana- -de-açúcar do nordeste. O tráfico jamais foi aceito pela maioria dos cativos, e fo- ram muitas as resistências nos locais de embarque e as revol- tas no interior dos navios antes de levantarem âncora. Também numerosas foram as revoltas durante a travessia nos navios negreiros. No entanto, eram limitadas as possibilidades de re- sistência. Adaptar-se era a primeira solução. As ações de resis- tência eram punidas severamente. O efeito do tráfico de escravos sobre a África foi desastro- so, especialmente para o litoral da África ocidental. O resulta- do foi o aumento das guerras e dos raptos entre os africanos para capturar cativos para vender aos europeus. Conforme apontam Mary Del Priore e Renato Pinto Venâncio, a maioria da população ou foi ameaçada de escravidão ou envolveu-se no tráfico. 34 História e Cultura Afro-brasileira Recapitulando A África Atlântida originou-se com a expansão ultramarina eu- ropeia e foi o espaço africano que teve contato direto com a América durante o tráfico atlântico de africanos, envolvendo áreas compreendidas entre Alta Guiné e Angola. Nesse novo mundo atlântico, iniciou-se uma economia mundial que teve como base o tráfico de milhões de africanos embarcados à força e transformados em escravos no novo continente. O trá- fico atlântico de escravos iniciado em meados do século XVI manteve-se ativo até meados do século XIX e envolveu a maio- ria dos países da Europa ocidental. No Brasil, o tráfico atlân- tico de escravos só foi abolido com a Lei Eusébio de Queirós, em 1850. Referências CASTRO, Yeda Pessoa de Castro. O tráfico transatlântico e a distribuição da população negra escravizada no Brasil Colônia. Africanias.com, 02 (2012). DEL PRIORE, Mary e Renato Venâncio. Ancestrais: Uma intro- dução à História da África Atlântica. Rio de Janeiro: Else- vier, 2004. FELINTO, Renata (Org.). Culturas africanas e afro-brasilei- ras em sala de aula: saberes para os professores e faze- res para os alunos: religiosidade, musicalidade, identidade Capítulo 2 África Atlântica e Tráfico Negreiro 35 e artes visuais. Belo Horizonte, MG: Fino Traço Editora, 2012. MATTOS, Regiane Augusto de. História e Cultura Afro-Bra- sileira. São Paulo: Contexto, 2007. SOUZA, Marina de Mello. A África e o Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2006. Atividades 1) A principal forma de acesso dos europeus aos escravos na África era: a) Atacando os reinos e aldeias para capturar escravos. b) Colonizando vastas regiões do litoral africano. c) Trocando escravos com os chefes locais, quase sempre prisioneiros de guerra, por mercadorias que interessa- vam aos africanos. d) Dominando o comércio do ouro. e) Invadindo as terras dos inimigos dos reinos africanos. 2) Sobre a África Atlântica, é correto afirmar que: a) Originou-se com a expansão marítima portuguesa e corresponde ao espaço da África ocidental que se es- tende da Senegâmbia até a Angola. 36 História e Cultura Afro-brasileira b) Corresponde aos territórios islamizados da África do Norte. c) Possui rios navegáveis que deságuam no Oceano Índi- co. d) Era inicialmente uma área produtora de prata que se transformou em um gigantesco comércio de diaman- tes. e) Todas as repostas estão corretas. 3) O elemento predominante no tráfico de africanos para o Brasil foi: a) Sudanês b) Banto c) Muçulmano d) Berbere e) Nagô 4) O Tráfico de africanos implicou em um comércio conhecido como: a) Comércio Intercontinental b) Comércio Transaariano c) Comércio Triangular d) Comércio Asiático e) NRC Capítulo 2 África Atlântica e Tráfico Negreiro 37 5) Os principais portos de desembarque de africanosno Brasil eram: a) Rio de Janeiro, Belém e Recife. b) Recife, Salvador e Santos. c) Salvador, Rio de Janeiro e Santos. d) Recife, Salvador e Rio de Janeiro. e) Todas as repostas estão corretas. ?????????? Capítulo ? Escravidão de Africanos no Brasil1 1 Doutora em História, professora adjunta do Curso de História e do Mestrado em Educação da Universidade Luterana do Brasil, membro do NEABI/Ulbra. Maria Angélica Zubaran1 Capítulo 3 Capítulo 3 Escravidão de Africanos no Brasil 39 Introdução De acordo com Ciro Flamarion Cardoso (1990), após uma fase inicial de predomínio da escravidão indígena no século XVI (1532-1600), que corresponde ao início da colonização e da economia do açúcar no Brasil Colônia, intensificou-se a importação de escravos africanos para o Brasil nas primeiras décadas do século XVII. A insuficiência crescente da disponi- bilidade de escravos indígenas, dizimados pelas epidemias, protegidos pelos jesuítas que colocaram-se contra a escravi- dão indígena e às fugas frequentes de tribos inteiras para as matas do interior, contribuíram para a substituição da mão de obra indígena pela mão de obra africana ao longo do século XVII, especialmente nos engenhos. Neste capítulo, vamos estu- dar as várias modalidades de trabalho dos africanos no Brasil. Como afirmou o Padre Antonil, “Os escravos [foram] as mãos e os pés do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil não [era] possível fazer, conservar e aumentar a fazenda, nem ter engenho corrente” (1982, p. 89). Em outras palavras, os escravos africanos constituíram a base fundamental da econo- mia colonial. O trabalho dos escravos africanos nos engenhos Conforme afirmam vários historiadores, a escravidão de ne- gros no cultivo da cana-de-açúcar teve início no século XV, em Portugal e, mais tarde, nas ilhas do Atlântico: Madeira, São 40 História e Cultura Afro-brasileira Tomé, Açores, Cabo Verde e Canárias, ainda antes do início do tráfico negreiro no século XVI. No Brasil, no século XVI, o plantio da cana-de-açúcar lo- calizou-se nos engenhos de São Vicente, Porto Seguro, Ilhéus e Espírito Santo. Mas, foi nas capitanias de São Vicente e Per- nambuco, que a cana-de-açúcar melhor se adaptou. O enge- nho colonial constituía-se da casa-grande, capela, fábrica (ou engenho propriamente dito) e senzala. Como vimos, na fase inicial dos engenhos de cana-de-açú- car, no século XVI, a mão de obra utilizada foi predominante- mente a indígena. A partir do século XVII, o Nordeste do Brasil se transformou em uma região típica de grandes engenhos de cana-de-açúcar, assentados sobretudo no trabalho de escra- vos africanos, unidade produtiva que denominou-se plantation escravista e cuja produção era destinada ao mercado externo. Segundo Gândavo (apud Maestri, 2002, p. 76), “entre Itama- racá (PE) e São Vicente, nos anos de 1570, existiriam sessenta engenhos produzindo anualmente em torno de 2.700 tonela- das de açúcar”. Uma produção de 45 toneladas por engenho. Nessa época, os escravos africanos desembarcados no Brasil eram provenientes da Costa Ocidental da África e no sé- culo XVII, do Congo e de Angola, da África Central. No século XVIII e XIX, foi a vez da Costa da Mina e do Benin, novamente da Costa Ocidental da África. Grande parte do trabalho es- cravo de africanos no Brasil Colônia era realizado nas zonas rurais, nos engenhos e fazendas, onde eram constantemente supervisionados por um feitor ou mais. Portanto, foi no campo, no cultivo e colheita dos canaviais e depois nos cafezais, que a Capítulo 3 Escravidão de Africanos no Brasil 41 maioria dos(as) escravos(as) africanos(as) e seus descendentes viveram e trabalharam no Brasil entre os séculos XVI e XIX. No caso da cana-de-açúcar, o engenho médio, comporta- va em torno de 60 a 80 escravos, que desempenhavam múlti- plas tarefas. Conforme aponta Mário Maestri (2002), ao lado da produção para o mercado externo, o engenho satisfazia boa parte de suas necessidades internas, criação de animais domésticos e roças de mandioca, milho, feijão, batata, para sustentar os moradores da casa grande e da senzala. Conforme aponta Regiane Augusto de Mattos, o cultivo e a colheita da cana-de-açúcar eram as tarefas mais cansativas para os escravos, além das atividades no engenho, que in- cluiam moer a cana, ferver e engrossar o caldo nas caldeiras, enformar em recipientes na Casa de Purgar e depois embalar o açúcar para ser vendido para exportação. Além disso, os es- cravos cortavam lenha para abastecer as caldeiras, realizavam a manutenção da propriedade e plantavam para a sua própria subsistência, cultivando terras em usufruto, nos finais de sema- na e dias santos, depois que cumprissem sua cota estipulada de trabalho. Além da permissão do cultivo de suas próprias hortas, recebiam como recompensa de bom trabalho a ga- rapa e a cachaça, que representavam uma parte importante da empresa açucareira. Até a metade do século XIX, o açúcar manteve-se como um dos principais produtos de exportação do Brasil, embora as vendas tenham caído após a segunda metade do século XVII, devido à concorrência externa. 42 História e Cultura Afro-brasileira Figura 1 Henry Koster: Engenho de Açúcar, 1816. Fonte: http://people.ufpr.br/~lgeraldo/imagensengenhos.html O trabalho dos escravos africanos na mineração de ouro e diamantes Na segunda metade do século XVII, o ouro foi descoberto em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, pelos bandeirantes pau- listas. A exploração do ouro era realizada de duas formas: o ouro de aluvião e o ouro de lavras. As condições de trabalho nas minas eram muito duras. Os escravos tinham que per- manecer quase todo o dia com os pés na água e no interior das minas. Os proprietários tentavam incentivar seus escravos com recompensas e, nesse sentido, observa-se uma incidência Capítulo 3 Escravidão de Africanos no Brasil 43 maior de alforrias na zona da mineração, o que elevava a proporção de libertos na população. Figura 2 Carlos Julião, Mineração de Diamante, 1770. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_ minera%C3%A7%C3%A3o_no_Brasil#/media/File:Juliao06.JPG De acordo com Mário Maestri (2002, p. 137), o que di- ferenciava a sociedade da mineração, do mundo açucareiro nordestino, era uma presença mais forte do Estado, certa ur- banização e uma maior mobilidade social. De acordo com o autor, durante os primeiros anos, dominou a exploração dos depósitos de aluvião, “que depositavam-se nas margens dos 44 História e Cultura Afro-brasileira arroios e rios, nas encostas dos morros, nos fundos dos vales” e que muitas vezes brilhavam ao sol sendo chamados faisqueiras. Nas primeiras décadas do século XVIII, com a mineração de ouro e de diamantes, deu-se uma intensificação da escravi- dão e, consequentemente, do tráfico negreiro, o que resultou no aumento dos escravos importados para o Rio de Janeiro, sobretudo do Congo e de Angola, redistribuídos através do tráfico interno para Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A capital carioca e seu entorno recebeu um volume significativo de escravos que se estendeu até o século XIX. O trabalho de escravos africanos nas lavouras de café Já na primeira metade do século XIX, a maior demanda por escravos africanos vinha das fazendas de café, que produziam para o mercado externo. A produção teve início no século XVII nos arredores da cidade do Rio de Janeiro e se expandiu no século XIX para o Vale do Paraíba e Oeste Paulista. Com a expansão das plantações de café, observou-se o aumento do número de escravos importados do continente africano. Por volta de 1850, em alguns dos municípios do RJ, como Vassou- ras, e em municípios paulistas como Campinas e Bananal, os africanos representavam 70% da população.Nas fazendas de café, todas as etapas do trabalho eram feitas por africanos escravizados: a derrubada da mata e o Capítulo 3 Escravidão de Africanos no Brasil 45 preparo do solo, o plantio e a limpeza dos cafezais, a colheita, o tratamento dos grãos e seu acondicionamento em sacos. A rotina era dura, os escravos trabalham em média 15 horas por dia, até o anoitecer, e no final do dia dormiam nas senzalas. Também era comum, nas fazendas de café, o cultivo de lotes de terras pelos escravos, sobretudo aos domingos, destinados à sua subsistência. Figura 3 Debret, Carregadores de café, 1826. Fonte: http://agendawhite.com.br/2014/01/jean-debret/ Nas áreas de pecuária, tanto no nordeste como no sul do Brasil, também estava presente a escravidão, embora com menos densidade de escravos e uma hierarquia social mais frouxa. 46 História e Cultura Afro-brasileira O trabalho de escravos africanos nas cidades A mão de obra de escravos africanos e seus descendentes tam- bém foi utilizada em múltiplas atividades nas áreas urbanas, garantindo uma renda para seus senhores brancos e mestiços. Nas cidades, a mão de obra escrava era utilizada sobre- tudo no trabalho de ganho ou aluguel, empregando-se na prestação de serviços mais especializados como sapateiros, barbeiros, alfaiates e também em serviços menos qualifica- dos, como carregadores, lavadeiras, quitandeiras. Os escra- vos de ganho tinham certa autonomia e maiores chances de conseguirem juntar um pecúlio para a compra da alforria e tornaram-se libertos. Escravos urbanos trabalhavam também nos serviços do- mésticos, nas atividades artesanais, nas olarias, pedreiras, no corte da lenha, no abastecimento de água e no transporte de pessoas e objetos, além de empregarem-se no transporte flu- vial em canoas, barcos pequenos ou à vapor e na limpeza e no calçamento das ruas. Outros eram artistas, músicos, tocavam nas bandas públicas e nas missas e sabiam tocar instrumentos de origem africana, como tambores, marimba, ou oricongos (origem do berimbau). Outros, escultores e pintores, confec- cionaram altares, imagens de santos e pintaram prédios pú- blicos. Capítulo 3 Escravidão de Africanos no Brasil 47 Figura 4 Debret, Um jantar brasileiro, 1827. Fonte: http://historiaporimagem.blogspot.com.br/2011/10/jean-baptiste-debret- -um-jantar.html Nas cidades, o comércio ambulante de alimentos era feito sobretudo pelas escravas e libertas da Costa Ocidental, as ne- gras minas, cuja ocupação como quitandeiras representava a influência dessa tradição cultural da África Ocidental no Brasil. Nas áreas periféricas das cidades, nos sítios e chácaras, os escravos ocuparam-se da produção de gêneros alimentícios como arroz, feijão, milho, farinha de mandioca entre outros e no transporte desses produtos para as zonas centrais. No Rio Grande do Sul, entre os séculos XVIII e XIX, escravos africanos e seus descendentes trabalharam principalmente nas charqueadas, encarregados de produzir o charque. O traba- lho nas charqueadas era considerado excepcionalmente duro e o viajante francês Saint-Hilaire, em suas narrativas de viagem 48 História e Cultura Afro-brasileira no Rio Grande do Sul, considerou o trabalho das charqueadas como o “purgatório dos negros”. Figura 6 Debret, charqueadas, 1820. Fonte:: http://2.bp. blogspot.com/-1vSuGdVcgZE/T_esHNAwg1I/AAAAAAA- AH9Q/FpUNPn_aMmY/s1600/charqueada%2BDebret.JPG http://pelotascultural.blogspot.com.br/2012_07_01_archive.html Os diferentes tipos de escravos no Brasil De acordo com Ciro Flamarion Cardoso (1999), o mundo dos escravos não era homogêneo: o cativo recém chegado da África era conhecido como boçal, e o africano já aculturado e entendendo o português era chamado ladino. Já os crioulos eram os escravos negros nascidos no Brasil, geralmente de pele mais clara, mulatos, que eram preferidos para tarefas do- mésticas e de supervisão. Conforme Mattos (2007), os diferentes grupos de africanos passaram a ser chamados de “nações”, como minas, angolas, moçambiques, cassanges, cabindas, benguelas, monjolos. A classificação costumava ser feita na ocasião do batismo, na África ou no Brasil, quando recebiam um nome cristão e fi- Capítulo 3 Escravidão de Africanos no Brasil 49 cavam conhecidos pela “nação” a qual pertenciam. Segundo Mattos (2007), as nações nada mais eram do que nomes dos portos de embarque ou dos principais mercados de escravos do continente africano. Uma das formas mais comuns de reco- nhecimento da nação era por meio dos “sinais de nação”, as escarificações feitas nas faces e no corpo, geralmente quando crianças. Havia também os chamados africanos livres, que, de acordo com Mattos (2002), referia-se ao conjunto de africa- nos introduzidos ilegalmente no Brasil no período de 1830 a 1850, apreendidos antes do desembarque no Brasil, ou ime- diatamente depois, estimados em aproximadamente 11 mil pessoas, e os que tendo escapado à fiscalização haviam sido vendidos para diferentes partes do Brasil. Juridicamente, es- ses africanos apreendidos no ato do desembarque recebiam a liberdade, porém, apesar de emancipados, deveriam prestar serviços a repartições públicas ou arrendatários particulares por um período de 14 anos, consistindo uma das justificati- vas desse aluguel na possibilidade de financiar a reexportação desses africanos introduzidos ilegalmente no país. Esses africa- nos livres eram encaminhados para o trabalho em obras pú- blicas, para a Casa de Correção, Santas Casas, Hospícios de alienados, Jardins Botânicos. Apesar de toda a situação difícil, os africanos livres conseguiam, com a ajuda de advogados abolicionistas, reivindicar seus direitos à liberdade para reque- rer sua emancipação. Uma vez aceito o pedido de liberdade, recebiam a carta de liberdade e em geral passavam a ganhar um salário mensal pelo trabalho que realizavam. 50 História e Cultura Afro-brasileira Por último, existia também a categoria dos retornados que, de acordo com Mattos (2007), passaram anos trabalhando no Brasil e conseguiram fazer a viagem de volta à África, para La- gos, na Nigéria, onde construíram um bairro chamado Brazilian Quartier. Nesse bairro, as construções eram e ainda são muito parecidas com os sobrados coloniais brasileiros, demonstran- do a influência brasileira na arquitetura africana. Eles também retornaram para países como Togo e Daomé. Alguns desses africanos foram deportados do Brasil para África, após serem julgados pela participação na Revolta dos Malês, ocorrida na Bahia, em 1835. Os brasileiros que viviam em Lagos desde o século XIX eram grandes comerciantes de escravos e produtos africanos, como noz-de-cola; tecidos africanos e produtos bra- sileiros como cachaça, tabaco etc... eram chamados de Agu- dás, Amaros ou Tá-bom. Além da arquitetura, levaram para a África a culinária brasileira, as festas do bumba-meu-boi e do Senhor do Bonfim. Não raro, foram recebidos na África com preconceito e a readaptação foi muito difícil. Recapitulando A escravização de africanos e seus descendentes no Brasil estendeu-se do século XVI ao século XIX. No início do sécu- lo XVII, os escravos africanos trabalharam principalmente nas plantations escravistas de cana-de-açúcar no litoral do nor- deste brasileiro. Na última década do século XVII, com a des- coberta de ouro e diamantes em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás e o desenvolvimento da mineração no século XVIII, houve a intensificação da escravidão e do tráfico de escravos Capítulo 3 Escravidão de Africanos no Brasil 51 para a região das Minas; No século XIX, o trabalho de escra- vos africanos concentrou-se nas lavouras de café do Vale do Paraíba e do Oeste Paulista. Também nas zonas urbanas o uso da mão de obra do escravo africano foi amplo e diversificado, estendendo-sedo serviço doméstico até o trabalho dos negros de ganho e de aluguel, nas mais diferentes atividades, desde o abastecimento de água, aos transportes de seus proprietários e de mercadorias, à limpeza das ruas, lavagem de roupas e prestação de serviços. Portanto, a economia brasileira durante trezentos anos foi sustentada pela mão de obra escrava africa- na que só foi abolida oficialmente em 1888, com a Lei Áurea. Referências ANTONIL, A. J. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia/Edusp, 1982. CARDOSO, Ciro Flamarion. O Trabalho na Colônia. In LI- NHARES, Maria Yedda (Org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990. MAESTRI, Mário. Colônia. São Paulo: Contexto, 2002. MATTOS, Regiane Augusto de. História e Cultura Afro-Bra- sileira. São Paulo: Contexto, 2007. SOUZA, Marina de Mello e Souza. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2006. 52 História e Cultura Afro-brasileira Atividades 1) Os primeiros escravos africanos que chegaram ao Brasil em meados do século XVI trabalharam principalmente: a) como mão de obra nos engenhos de cana-de-açúcar; b) como mão de obra nas fazendas de café; c) como mão de obra na mineração; d) como escravos domésticos; e) como negros de ganho. 2) A descoberta do ouro no século XVII em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás resultou: a) no aumento do tráfico transatlântico de escravos; b) no aumento de cativos na zona da mineração; c) no aumento de compra de alforrias pelos cativos; d) no aumento da população de libertos nas zonas de mineração; e) todas as repostas estão corretas. 3) Nos centros urbanos, os escravos africanos trabalharam como: a) escravos domésticos; b) no transporte de mercadorias e pessoas nas ruas e portos; Capítulo 3 Escravidão de Africanos no Brasil 53 c) no abastecimento de água e na limpeza das ruas; d) como artistas, músicos, escultores e pintores; e) todas as alternativas estão corretas. 4) Os escravos nascidos no Brasil eram identificados como: a) De nação; b) Agudás; c) Crioulos; d) Retornados; e) Boçais. 5) A mão de obra de escravos africanos no Rio Grande do Sul foi utilizada predominantemente: a) nas fazendas de criação de gado; b) nas plantações de trigo; c) nas charqueadas; d) nas olarias; e) todas as repostas estão corretas. ?????????? Capítulo ? Resistência Negra ao Regime Escravista1 1 Doutora em História, professora adjunta do Curso de História e do Mestrado em Educação da Universidade Luterana do Brasil, membro do NEABI/Ulbra. Maria Angélica Zubaran1 Capítulo 4 Capítulo 4 Resistência Negra ao Regime Escravista 55 Introdução Durante muitos anos, acreditou-se na passividade e no con- formismo dos negros diante da escravidão. No entanto, a par- tir da década de 1980, a historiografia brasileira começou a destacar o papel das lutas e da organização negra e apontar as várias formas de resistência negra ao regime escravista. Como afirma Mário Maestri (2002), durante toda a história do escravismo brasileiro, os africanos resistiram à escravidão, negociaram com seus senhores melhores condições de vida e de trabalho, fugiram, aquilombaram-se e revoltaram-se. Neste capítulo, vamos estudar tanto as modalidades de negociação entre senhores e escravos, como também as ações de rebeldia dos escravos para romper com a escravidão. As negociações entre senhores e escravos Como aponta Mattos (2011), a existência de uma política de negociação entre senhores e escravos fazia parte do univer- so da escravização de africanos e afrodescendentes no Brasil, como forma de preservar o trabalho escravo e evitar insubor- dinação. Entre os exemplos de negociações entre senhores e escravos, a autora cita: a preservação da família na fazenda, a concessão de folgas aos domingos e dias santos e a per- missão para o cultivo de pequenas roças de subsistência, cul- tivando milho, feijão e café. O cultivo dessas pequenas roças visava reduzir os gastos dos senhores com a alimentação dos escravos. Por outro lado, para os escravos, significava a pos- 56 História e Cultura Afro-brasileira sibilidade de ganhar uma pequena renda com a venda desses produtos e criar a expectativa da compra da alforria. A Carta de Alforria A carta de alforria era o documento legal que concedia ao es- cravo a liberdade. Para o senhor, a promessa da alforria servia para controlar o comportamento do escravo. Para o escravo, a alforria significava tornar-se livre e passava a designar-se liberto ou forro. A alforria poderia ser gratuita ou por meio de pagamento em dinheiro, a maioria era onerosa. Poderia tam- bém ser condicional ou incondicional. Até 1871, a alforria era revogada por mal comportamento, e os libertos viviam sob a constante ameaça de reescravização. As mulheres recebiam a alforria com mais frequência do que os homens, seja devido ao seu menor valor, como também às maiores oportunidades de acumular pecúlio no mercado de trabalho. Capítulo 4 Resistência Negra ao Regime Escravista 57 Figura 1 Carta de alforria manuscrita datada de 1866. Fonte: http://www.historiabrasileira.com/escravidao-no-brasil/carta-de-alforria/ Conforme Mattos (2011), quando a negociação não fun- cionava, os escravos recorriam ao enfrentamento direto, fu- gindo, organizando-se em quilombos, revoltando-se ou cometendo crimes. Também o suicídio significou para alguns escravos a última alternativa de resistência à escravidão. De acordo com a autora, a maior parte dos suicídios era por afo- gamento. 58 História e Cultura Afro-brasileira As fugas dos escravizados De acordo com Mattos (2011), a fuga era um dos recursos de resistência à escravidão mais utilizados pelos cativos. Os escravos tanto fugiam sozinhos, escondendo-se na casa de um liberto ou fugindo para os arredores das cidade, ou fugiam em grupo, escondendo-se nos matos e lugares de difícil acesso, o que resultava na formação de agrupamentos de escravos fugi- dos ou de quilombos. Os senhores reagiam com violência às fugas, buscando recuperar seus escravos através de anúncios nos principais jornais da época, como podemos ver a seguir. Figura 2 Anúncio de Escravo Fugido. Fonte: http://cafehistoria.ning.com/photo/anuncio-de-escravo-fugido De acordo com Mattos (2011), quando o escravo fujão era recuperado, raramente escapava aos castigos físicos, no Capítulo 4 Resistência Negra ao Regime Escravista 59 tronco, no pelourinho, marcado a ferro com um a letra “F” de fujão ou usando gargalheiras para evitar novas fugas. Tal era a frequência das fugas e quilombos, que a administração colonial criou, no século XVIII, a figura do capitão-do-mato, especializado na captura dos fujões e que recebia uma quan- tia fixa por negro capturado estabelecida pela administração. Figura 3 Rugenas, Capitão do Mato. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Capit%C3%A3o_do_mato No final do século XIX, as fugas em massa dos escravos das fazendas de café do sudeste se tornaram incontroláveis e os oficiais do exército se recusaram a persegui-los, dizendo que não eram capitães do mato. 60 História e Cultura Afro-brasileira O Quilombo de Palmares De acordo com Mário Maestri (2002), o processo de aquilom- bamento existiu onde houve escravidão de africanos e seus descendentes. Segundo o autor, no Brasil, os quilombos varia- vam muito de tamanho. Na maioria das vezes, eram comuni- dades pequenas, nas periferias das cidades, que mantinham contatos clandestinos com a sociedade escravista, comercia- lizando sua produção agrícola, vendendo lenha e mel e rou- bando fazendas e viajantes. Também formaram-se quilombos maiores que congregaram centenas de africanos. Uma das características das comunidades quilombolas eram as aliançascom outros grupos sociais: indígenas, pequenos agricultores e comerciantes. Durante o domínio holandês em Pernambuco, no início do século XVII, formou-se o maior e mais duradouro quilombo brasileiro, o Quilombo dos Palmares. Estava localizado na Ser- ra da Barriga, entre os atuais estados de Alagoas e Pernam- buco e compreendia uma série de doze ou mais quilombos. Estima-se que reuniu cerca de 20 mil quilombolas, majorita- riamente africanos, da região da África centro-ocidental, mas também indígenas e fugitivos da justiça. Seus chefes formavam um Conselho, cujos líderes foram Ganga Zumba e Zumbi. O crescimento de Palmares levou as autoridades coloniais a com- batê-lo com expedições repressivas. Quase todas fracassaram, devido à forte resistência dos palmarinos, que acabaram sen- do derrotados por tropas comandadas pelo bandeirante Do- mingo Jorge Velho. Em 20 de novembro de 1695, Zumbi foi degolado e sua cabeça foi enviada como troféu para Recife. O Capítulo 4 Resistência Negra ao Regime Escravista 61 Dia Nacional da Consciência Negra, em 20 de Novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, reivindica a figura histórica de Zumbi como símbolo da resistência escrava à escravidão. Figura 4 Zumbi, óleo de Manuel Vítor de Azevedo Filho. Fonte: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/gpn/default.php?reg=3&p_secao=171 Nas últimas décadas do século XIX, a resistência ao sistema escravista criou um tipo específico de quilombo, chamado qui- lombo abolicionista, cujos adeptos eram as camadas médias da população, entre eles, particularmente, jornalistas, enge- nheiros e advogados abolicionistas e camadas mais pobres da população, ligadas aos serviços urbanos, principalmente os ferroviários e caixeiros, que estabeleciam contatos com os escravos das fazendas por onde passavam e os ajudavam no transporte para quilombos abolicionistas. Um exemplo de qui- lombo abolicionista era o Quilombo de Jabaquara, em San- tos, cujo líder era o liberto Quintino de Lacerda. 62 História e Cultura Afro-brasileira Figura 5 Imagem do Monumento a Quintino Lacerda. Fonte: http://www.palmares.gov.br/?p=2575&lang=fr Outro quilombo abolicionista estava localizado no Rio de Janeiro, o Quilombo do Leblon, e seu líder era um português abolicionista José de Seixas Magalhães. O quilombo se lo- calizava em uma de suas chácaras, onde os escravos fugidos plantavam flores, em especial camélias, que se tornaram sím- bolo da campanha abolicionista. Na Constituição brasileira de 1988, o artigo 68 reconhece a posse definitiva das terras às comunidades remanescentes de quilombos que estejam ocupando essas terras. A criminalidade escrava A intensificação do trabalho escravo e dos maus tratos levaram ao aumento da criminalidade escrava no século XIX, sobretu- do nas regiões produtoras de café, onde se concentravam os escravos nessa época. De acordo com Mattos (2011), o cri- me mais frequente entre os escravos era o assassinato e lesão corporal de senhores e seus familiares e de feitores, devido Capítulo 4 Resistência Negra ao Regime Escravista 63 aos excessivos maus tratos. O segundo tipo de transgressão mais recorrente entre os cativos foram os furtos, roubos e es- telionatos de produtos agrícolas, dinheiros, joias e animais. O Código Criminal de 1830 previa a aplicação de até 50 açoites nos escravos que cometessem crimes ou fugissem de seus se- nhores. Os açoites eram aplicados em praça pública e serviam de exemplo para os demais escravizados. Figura 6 Debret, Aplicação do castigo de açoites. Fonte: http://linux.an.gov.br/mapa/?p=7546 As revoltas escravas A maior parte das revoltas escravas foi reprimida antes de ocorrer, mas bastava a ameaça de revolta para criar um cli- ma de tensão. No século XIX, particularmente na década de 1880, foram inúmeras as notícias de revoltas de escravos nas 64 História e Cultura Afro-brasileira fazendas de café de São Paulo, e muitas delas contaram com a ajuda de abolicionistas. A mais conhecida foi a Revolta dos Malês, que ocorreu em Salvador, em 1835, quando um grupo de africanos, escraviza- dos e libertos, ocupou as ruas de Salvador e durante mais de três horas enfrentou soldados civis e armados, durante a festa da Na. Sra. Da Guia, data que coincidia também com o final do Ramadã. Os organizadores da revolta eram malês, designação dada aos africanos muçulmanos na Bahia do século XIX. Participa- ram da revolta diferentes etnias, de Nagôs, Haussás, Jêjes, Minas, Cabinda, Congo, unificadas pela religião muçulmana. Os africanos muçulmanos chegaram à Bahia na passagem do século XVIII para XIX. Usavam amuletos malês, devido a ideia de possuírem um forte poder protetor. Outro símbolo era a roupa toda branca, espécie de camisolão cumprido, o abadá. Os rebeldes foram para as ruas usando as roupas dos adeptos do islã e portando amuletos. O objetivo da revolta era libertar os africanos da escravidão e matar os brancos e crioulos, estes últimos considerados cúmplices dos primeiros. A Revolta dos Malês foi delatada por um casal de libertos africanos de nação Nagô que contou aos seus ex-proprietá- rios que ouviram comentários sobre o levante e também pela liberta Sabina da Cruz, companheira de um dos organizadores da revolta, que descobrira o local da reuniões, a casa de um africano liberto chamado Manoel Calafate. Após as delações, a revolta foi dominada e seguiu-se violenta repressão policial. Capítulo 4 Resistência Negra ao Regime Escravista 65 O número de participantes da revolta chegou a seiscentos. Muitos deles foram deportados para a África, outros foram revendidos para diferentes regiões do Brasil. Quatro africa- nos foram fuzilados, 2 libertos e 2 escravos, e vários foram açoitados publicamente. Entre os principais líderes da Revolta dos Malês, estavam: Ahuna, escravo africano de nação Nagô; Pacífico Licutan, escravo africano também de nação Nagô; Luís Sanin, escravo africano de nação Tapa; Manuel Calafate, liberto, de nação Nagô; mestre Dandará, africano de nação Hauça. Outra liderança da revolta foi Luísa Mahin, mãe do abolicionista e escritor Luís Gama, considerado um dos gran- des abolicionistas brasileiros. Após a revolta, intensificou-se a o controle das autoridades sobre os escravos e libertos muçul- manos. Figura 7 Debret, escravo muçulmano. Fonte: http://zonacurva.com.br/revolta-dos-escravos-muculmanos-em-1835-na- -bahia/ 66 História e Cultura Afro-brasileira Recapitulando Como acabamos de ver, tanto no Brasil Colônia como no Im- pério, a escravização de africanos e seus descendentes foi a base da economia, e onde houve escravização houve também resistência escrava. Portanto, desde o início do escravismo co- lonial, os escravos africanos e seus descendentes resistiram de diversas formas à escravidão. Vimos também que, no Brasil, como em outras partes, desde os primeiros tempos, os escra- vos negociaram mais do que lutaram abertamente contra o sis- tema. Essas negociações revelam a capacidade dos escravos de conquistar melhores condições de vida e trabalho dentro do sistema escravista. Embora mais difícil, os escravos também re- sistiram abertamente à escravidão, seja através de fugas, indi- viduais e coletivas, seja através da formação de quilombos, da organização de revoltas, a maior parte delas sufocadas antes de acontecer; também cometeram crimes contra seus senho- res, seus familiares e feitores e, como último recurso, suicida- ram-se para fugir à escravidão. Portanto, pode-se concluir que o escravo foi um agente ativo de sua liberdade e contribuiu de diversas formas para o combate à escravidão no Brasil. Referências MAESTRI, Mário. Colônia. São Paulo: Contexto, 2002. MATTOS, Regiane Augusto de. História e Cultura Afro-Bra- sileira. São Paulo: Contexto, 2007. Capítulo 4 Resistência Negra
Compartilhar