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Português - Literatura FOCO NARRATIVO 1 Sumário Introdução ...........................................................................................................................................2 Objetivos ..............................................................................................................................................2 1. Foco narrativo .............................................................................................................................2 1.1. Foco e focalização ..............................................................................................................2 1.2. Principais tipos de foco narrativo................................................................................ 3 Exercícios....................................................................................................................................... 4 Gabarito ...............................................................................................................................................7 Resumo.......................................................................................................................................... 7 2 Introdução Nessa parte do curso, serão introduzidos novos conceitos para ajudar a expandir a compreensão do estudo das narrativas. Os dois conceitos apresentados a seguir, a saber, foco e focalização continuam a expandir os modos de se analisar as narrativas. O importante a reter, aqui, é a noção que uma análise da narrativa permite várias entradas que são complementares. Foco e focalização são ferramentas para compreender como o narrador se posiciona frente ao narrado. É fundamental, portanto, que haja um estudo contínuo dos conceitos apresentados nas aulas anteriores denominadas, a saber: “O narrador”, “A personagem e suas classificações” e “Tema, motivo e motivação”, para que possa ter uma compreensão plena das questões que serão apresentadas a seguir. Objetivos • Apresentar novos conceitos para a análise das narrativas. • Aprofundar o estudo das narrativas. 1. Foco narrativo 1.1. Foco e focalização Todo narrador parte de algum lugar para narrar. De fato, todo narrador está em algum lugar, lugar entendido aqui não em sua dimensão física, mas como um local que compreende suas preferências, suas posições, suas opiniões, seus preconceitos, entre outros. Esse conjunto, que limita e delimita a narração, é chamado também de ponto de vista ou focalização. O termo “focalização” seria, portanto, essa posição que todo e qualquer narrador deve adotar para contar a sua história. Em suma, nenhum narrador parte de um local abstrato, etéreo, mesmo quando a narração é em terceira pessoa. A narração que se quer onisciente, na verdade, é apenas aparentemente assim, pois todo narrador tem o seu ponto de vista. Isso significa que, por mais que um narrador pareça neutro e capaz, ele somente finge ser assim. A focalização seria, portanto, um instrumento para destacar que o propósito de qualquer narrador (e também do autor que cria o narrador) é mobilizar o leitor a partir de um ponto de vista que sempre será parcial e incompleto. O estudo dos focos narrativos, portanto, pode iluminar como cada escolha de focalização visa atingir certos efeitos de acordo com a posição do narrador em relação 3 a narração. O importante reter aqui é que os focos narrativos são escolhas conscientes que visam atingir efeitos específicos. 1.2. Os principais tipos de foco narrativo A classificação em oito focos narrativos foi realizada por Norman Friedman em O ponto de vista na ficção: o desenvolvimento de um conceito crítico (1955), para tentar identificar as variadas possibilidades de focalização nas narrativas de ficção. Umas das contribuições mais importantes dessa divisão é expandir a compreensão das estratégias narrativas de que se vale um autor para contar a sua história. Os focos narrativos apresentados a seguir permitem, portanto, que se tenha uma visão mais nuançada sobre as técnicas usadas para narrar. Na classificação apresentada, optou-se por destacar apenas os focos mais importantes. Para uma visão completa dos focos narrativos, indica-se a leitura do texto do autor ou a descrição apresentada por Arnaldo Franco Junior. 1) “Autor” onisciente intruso: É foco narrativo caracterizado por um narrador que emula um ponto de vista divino, ou seja, que parece tudo saber e tudo ver. É fundamental ressaltar que essa é apenas uma emulação, nenhum narrador efetivamente ocupa esse lugar, ele simplesmente finge que ocupa. Ao adotar esse foco narrativo, um autor pode conseguir criar a impressão de domínio completo da narrativa, ou seja, ele parece que sabe todos os detalhes da história e das personagens, ele transmite a impressão que domina o desenvolvimento do conflito dramático. Como indica o próprio nome, seu traço característico é a intrusão na trama através de comentários constantes sobre diversos assuntos durante a narrativa. Esses comentários muitas vezes se dão pela forma de digressões que pausam a ação dramática para apresentar as opiniões do narrador. 2) Narrador onisciente neutro: Um foco narrativo similar ao anterior, pois ambos usam da 3ª pessoa como maneira de se manter afastados da narração. Ele, no entanto, distingue-se do foco narrativo anterior porque o narrador onisciente neutro não tece comentários, não dá instruções e não faz julgamentos morais sobre o comportamento das personagens. Há de se ressaltar, no entanto, que essa ausência de intrusão não significa ausência de mediação. Pelo contrário, sua interposição entre o leitor e a narração é muito clara. 3) "Eu" como testemunha. O uso do “eu” indica que esse foco narrativo usa a 1ª pessoa para narrar, o que deixa ele mais próximo do narrado. Já sua caracterização como testemunha, contrariamente, indica que ele não é protagonista da história narrada e sim alguém que ocupa uma posição secundária de observador. Como observador que se coloca próximo a ação, o narrador que faz uso desse foco narrativo 4 passa a impressão de ligação mais direta com a ação apresentada que tende a tornar sua narração mais verossímil. Em compensação, por se colocar apenas como testemunha, ele assume um ângulo de visão mais limitado, se situa na periferia dos acontecimentos narrados. Essa limitação necessariamente o obriga a fazer suposições, ingerências ou deduções daquilo que lhe não pode ver ou presenciar. 4) Narrador protagonista. Tal qual o foco anterior, esse é marcado pelo uso da 1ª pessoa, o que situa o narrador mais próximo da ação. Diferentemente da testemunha, o narrador protagonista é o principal personagem que geralmente registra, ao longo da narrativa, seus pensamentos, percepções e sentimentos. Pode- se afirmar, portanto, que ele narra a partir de um centro fixo, que está intimamente conectado com a sua própria experiência. IMPORTANTE! Exercícios 1)Leia o texto e responda à questão a seguir: A complicada arte de ver Rubem Alves Ela entrou, deitou-se no divã e disse: “Acho que estou ficando louca”. Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. “Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas devezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto.” Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as “Odes Elementales”, de Pablo Neruda. Procurei a “Ode à Cebola” e lhe disse: “Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os Não é um fato incomum a utilização de mais de um foco narrativo por um mesmo narrador. Tal variabilidade caracteriza, por exemplo, muitos romances. No caso da identificação de mais de um foco narrativo em um texto, procure observar quais deles são utilizados e quais efeitos de sentido são criados a partir de tal variação de focos. 5 poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: ‘Rosa de água com escamas de cristal’. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver”. William Blake sabia disso e afirmou: “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”. Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo. (IDECAN, 2014). “O autor narra os acontecimentos a partir de um ponto de vista, o foco narrativo. Deste modo, é correto afirmar que, no texto, observa-se o foco narrativo em _________________, sendo a visão dos fatos ________________.” Assinale a alternativa que completa correta e sequencialmente a afirmação anterior. a) terceira pessoa / neutra b) terceira pessoa / objetiva c) primeira pessoa / objetiva d) terceira pessoa / subjetiva e) primeira pessoa / subjetiva 2) Leia o texto e responda à questão a seguir: Brasileiro, homem do amanhã Paulo Mendes Campos 6 (IBFC, 2013) O foco narrativo adotado na crônica permite-nos perceber que: a) o narrador aproxima-se culturalmente do leitor. b) o narrador afasta-se das posturas criticadas por ele no texto. c) o narrador não apresenta identificação com os fatos narrados em função do foco em 3ª pessoa. d) a valorização do comportamento estrangeiro mostra que se trata de um narrador também estrangeiro. e) o olhar do narrador ilustra a visão distanciada que os demais países têm do Brasil. 7 Gabarito 1. Resposta correta: Letra E. Esse exercício é uma maneira adequada para compreender as relações entre focos narrativos e o narrador. No caso específico, o autor escolhe narrar em primeira pessoa, portanto se fia às suas impressões, reflexões e comentários. Essa escolha torna sua visão eminentemente subjetiva 2. Resposta correta: Letra A. Nessa questão existe um marcador claro que indica o caminho para a resposta correta, o uso constante da primeira pessoa do plural, seja no pronome “nós”, seja nos verbos conjugados, especialmente o “adiamos”, repetido variadas vezes. O uso desse marcador combinado com afirmações em 3ª pessoa sobre o brasileiro e o Brasil indica que o autor se inclui nas afirmações e reflexões que ele apresenta sobre o país e seus habitantes. Essa escolha deliberada reflete a estratégia do autor de se aproximar culturalmente do leitor. Resumo Nessa apostila o estudo das narrativas foi complementado pela introdução dos conceitos de focalização e focos narrativos. Esses conceitos visam ampliar a compreensão das estratégias narrativas usadas pelos autores para equacionar a relação entre o narrador e os leitores. O foco narrativo refere-se ao lugar de fala do narrador, não apenas fisicamente constituído como também passando por convicções pessoais. Essas questões representam escolhas que não são neutras e estão recheadas de intencionalidade do próprio narrador para o desenvolvimento da história. Os principais focos narrativos são: o autor onisciente intruso, narrador onisciente neutro, o “eu” como testemunha e o narrador protagonista. Esses focos mostram como são moduladas as narrações para além da simples distinção entre 1ª pessoa e 3ª pessoa. 8 Referências bibliográficas FRANCO JUNIOR, Arnaldo. Operadores da narrativa. In: BONICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana (org.). Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. 3. ed. Maringá: Eduem, 2009. WOOD, James. Como funciona a ficção. São Paulo: Cosac Naif, 2012. O ponto de vista na ficção. Desenvolvimento de um conceito crítico. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/33195/35933>. Acessado em: 22/10/2018 MENDES, Paulo Campos. Brasileiro, O homem do amanhã. Rio de Janeiro: Periódico Manchete, n. 621.Disponível em <https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/7149/brasileiro-homem-do-amanha> Acessado em: 10/06/2019