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Constituição de 2010

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Trabalho de Direito Constitucional 
CONSTITUIÇÃO DE 2010 
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Introdução 
 
 
Constituição, é a lei fundamental de um País, estabelece os princípios básicos 
do ordenamento jurídico, contém as normas relativas à formação dos poderes 
públicos, forma de governo, distribuição das competências, direitos e deveres dos 
cidadãos. Nenhuma outra lei no país pode entrar em conflito com a Constituição. 
Nos países democráticos, a Constituição é elaborada por uma Assembleia 
Constituinte (pertencente ao poder legislativo), eleita pelo povo. A Constituição 
pode receber emendas e reformas, porém elas possuem também as cláusulas 
pétreas (conteúdos que não podem ser abolidos). 
A Constituição da Republica de Angola filia-se e enquadra-se directamente na 
já longa e persistente luta do povo angolano, primeiro para resistir a ocupação 
colonial, depois para conquistar a independência e a dignidade de um Estado 
soberano e, mais tarde, para edificar em Angola um Estado democrático de direito e 
uma sociedade justa. 
A actual Constituição foi vista e aprovada pela Assembleia Constituinte, aos 
21 de Janeiro de 2010 e, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 
111/2010, de 30 de Janeiro, aos 3 de Fevereiro de 2010. 
O nosso trabalho tem como tema “A Constituição de 2010”. Neste trabalho o 
grupo pretende fazer uma abordagem resumida sobre a Constituição de 2010, sua 
evolução, características, projectos, sistema de governo e sua estrutura. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Evolução Constitucional Angolana 
 
A Lei constitucional de 1975 foi sofrendo sucessivas revisões (vide as revisões 
de 1976, 1977, 1978 e 1980) pelo que do ponto de vista substancial em nada alterava 
a estrutura do Estado, sendo certo que as revisões operadas visavam reforçar as 
competências do Presidente da República face ao Conselho de Revolução, bem como 
reforçar as opções ideológicas do Estado (vide Sousa, Bornito e Correia, Aderito – 
História Constitucional de Angola) 
Neste sentido, das sucessivas revisões operadas destacamos as mais 
importantes revisões a de 1980 e a 1991. A revisão de 1980 não alterou o regime 
político até então vigente, mas consideramo-la importante porque: 
- Alterou todo o titulo referente à organização do Estado angolano para 
responder à necessidade de instituição dos órgãos eleitos do poder de Estado, nesta 
altura apesar do sistema de partido único, surge a Assembleia do Povo (vide o 
preâmbulo da Lei no 12/91 de 06 de Maio). 
A revisão constitucional de 1991 (ou também ruptura constitucional em 
virtude de se alter toda estrutura do Estado a partir da institucionalização de um 
novo regime político, vide Gouveia, Jorge Bacelar – Direito Constitucional de Angola. 
Editor IDILP. Lisboa: 2014, p.82-85) operada através da Lei no 12/91 de 6 de Maio, 
constitui a mais importante transformação do Estado angolano desde à 
independência pelos seguintes aspectos: 
Instaurou a II República através da institucionalização de um novo regime 
político, ou seja, o Estado angolano deixou de ser monista e passou a pluralista ou 
democrático de Direito (vide Miranda, Jorge – Teoria do Estado e da Constituição. 
Coimbra Editora. Coimbra: 2002, p. 514-516) permitiu a participação organizada de 
todos cidadãos na vida política nacional e na direcção do Estado; ¬ ampliou o 
reconhecimento e protecção dos direitos, liberdades e deveres fundamentais dos 
cidadãos no âmbito de uma sociedade democrática; ¬ assim como consagrou 
constitucionalmente os princípios da reforma económica, sobretudo aqueles que 
visavam estimular a iniciativa e a protecção da actividade de todos os agentes 
económicos. 
A ruptura constitucional de 1991 viu-¬se reforçada com a revisão de 1992 
operada através da lei 23/92 de 16 de Setembro, sendo que as primeiras eleições 
quer presidenciais quanto parlamentares tiveram lugar em 1992 nos termos da Lei 
23/92, que remetia para Assembleia eleita a aprovação da Constituição (vide o art. 
14º da Lei de Revisão constitucional, bem como os artigos 158º e seguintes da Lei 
constitucional) 
 
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A Lei Constitucional de 1992, Lei nº 23/92 de 16 de Setembro, grosso modo visou o 
seguinte: 
¬ Alterou a designação do Estado para República de Angola, do órgão legislativo para 
Assembleia Nacional e retirou a designação popular da denominação dos tribunais 
(Vide os art. 1º, 2º, 120º); 
¬ Relativamente aos direitos fundamentais, introduziu alguns novos artigos visando 
o reforço do reconhecimento e garantias dos direitos e liberdades fundamentais, 
com base nos principais tratados internacionais sobre os direitos humanos a que 
angola aderiu (vide o titulo II); 
¬ No que concerne aos órgãos do Estado foram introduzidas profundas alterações 
que reformularam toda a redação anterior. Proclamou-se a República de Angola 
como Estado democrático de direito (vide art. 2º) e como consequência os institutos 
típicos deste tipo de Estado constitucional, nomeadamente a supremacia da 
constituição e legalidade; separação de funções e interdependência dos órgãos de 
soberania (vide art. 53º e a alínea c) do art.o 54º), bem como o respeito a vida e 
dignidade da pessoa humana (vide os art. 20º, 21º e 22º). 
¬ Institui-se um sistema de governo semipresidencial; 
¬ Assim como confiou-se os processos de fiscalização constitucional ao 
Tribunal constitucional vide o art. 6º da Lei de revisão constitucional e o art. 125º da 
Lei 23/92, (pelo que do ponto de vista classificatório Angola possui um sistema de 
fiscalização jurisdicional concentrado especial, somente os tribunais têm 
competência para aferir questões jurídico ¬constitucionais, especial – tendo em 
conta que somente o tribunal no âmbito da estruturação do poder judicial tem como 
competência de decidir questões de natureza jurídico ¬constitucional. vide Miranda, 
Jorge – Teoria do Estado e da Constituição. Coimbra Editora. Coimbra: 2002, p. 720-
721) 
A Lei constitucional de 92 num sentido de transitoriedade remetia para 
Assembleia eleita a aprovação da constituição angolana, facto não concluído em 92 
como consequência da instabilidade político ¬militar que se instalou em Angola, bem 
como a não tomada de posse de alguns deputados da oposição, pelo que dezasseis 
anos depois, isto é, em 2008, realizou-¬se pela segunda vez as eleições legislativa e 
em 2010, conclui-se o processo desencadeado em 1991e 1992, com a aprovação da 
Constituição da República de Angola – CRA. 
A constituição da República de Angola, reiterou a vontade do legislador da 
ruptura constitucional e num gesto de continuidade define Angola como República 
soberana, democrática e de direito vide os artigos 1º e 2º respectivamente todos da 
Constituição, pelo que não há uma nova ideia de direito tão pouco alteração 
substancial das estruturas do Estado, ou seja, do Regime político, angola desde a 
ruptura constitucional 91 que instaurou a II República e continua na II República, 
 
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facto que não se pode confundir com a terceira legislatura, assim somente de forma 
errónea se pode afirmar que estamos na III República. 
Do ponto de vista classificatório a constituição que ora completa cinco anos 
é democrática ou popular em virtude de ser aprovada por uma assembleia nacional 
constituinte eleita pelo povo; é unitextual tendo em conta que tudo o que é 
constitucional em termos formais está na constituição; rígida porque as normas 
constitucionais só podem ser modificada através de um procedimento de revisão 
especificoe dentro de certos limites formais, circunstanciais e materiais vide os 
artigos 233º, 234º, 235º e 236º; não é compromissória tendo em conta que não 
resultou de pactos das forças politicas e sociais; é longa como consequência de ser 
unitextual e por fim é programática, ou seja, contem normas tarefas ou normas que 
enunciam os fins do Estado e cuja execução necessitam da intervenção do legislador 
ordinário, bem como a existência de condições materiais vide o art. 21º. 
Em termos de praticidade da Constituição da República de Angola ainda é 
discutível a sua aplicação real se entendermos que a teleologia do principio do 
Estado democrático de direito ficou afectado quando por exemplo o tribunal 
constitucional entendeu que não se pode interpelar os auxiliares do titular do poder 
executivo, assim como a constituição não prevê qualquer mecanismo de fiscalização 
da actividade do titular do poder executivo, salvo alguns mecanismos previstos nos 
artigos 127, 128 e 129. 
Apesar do desenvolvimento que se verifica no que concerne aos direitos 
fundamentais, a constituição muitas das vezes tem tido papel de constituição 
semântica ou instrumento, uma vez que muitos dos direitos liberdades e garantias 
não são respeitados, quer por entes públicos assim como pelos cidadãos, estes 
últimos muitas das vezes por desconhecimento. 
A inexistência até então das autarquias locais, pode postular uma 
inconstitucionalidade por omissão e, consequentemente uma inconstitucionalidade 
material em virtude da violação do principio do Estado democrático, ou seja, as 
autarquias resultam do principio da democracia participativa ( vide Oliveira, António 
Cândido de – Direito das Autarquias Locais. 2a edição. Coimbra Editora. Coimbra: 
2013, p. 79¬82), mas esta posição só seria viável se algumas condições 
socioeconómicas e organizativo ¬funcionais fossem acauteladas. 
Passados 35 anos da Independência Nacional, reflectir sobre a evolução da 
Constituição em Angola passa por uma abordagem desapaixonada de três 
momentos paradigmáticos da nossa história constitucional, que compreende a I, II e 
III República. 
A I República vai do período entre a proclamação da independência, a 11 de 
Novembro de 1975, à introdução, em 1992, de alterações, profundas, na Lei 
 
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Constitucional, consagrando a instauração em Angola de um Estado democrático de 
direito, pluralista e assente numa economia livre de mercado. 
A Lei Constitucional que vigorou na I República reflectia, de uma forma geral, 
as opções políticas que decorriam do período da Guerra Fria, em que as alianças com 
uma das duas grandes potências de então (URSS e EUA) definiam a política interna e 
externa dos países. Angola, aliada da então URSS, não tinha, pois, como não optar 
por uma lei constitucional com os fundamentos do marxismo-leninismo e por uma 
economia centralizada. Pode-se, em síntese, dizer que o texto constitucional da I 
República foi fruto do contexto. A revisão constitucional de 1991 teve como 
propósito diminuir a carga ideológica e viabilizar um novo sistema político e 
económico no país. Um sistema que, nascido com a lei constitucional de 16 de 
Setembro de 1992, não só ampliou os direitos fundamentais dos cidadãos e a sua 
participação organizada na vida política nacional e na direcção do Estado, como 
consagrou a democracia multipartidária e o capitalismo em Angola, depois de 16 
anos de monopartidarismo e de economia centralizada. 
Com isso nascia a II República e um novo paradigma, que continuou o seu 
curso não obstante o retorno à guerra, depois das eleições multipartidárias de 29 de 
Setembro de 1992 ganhas pelo MPLA e pelo seu presidente, José Eduardo dos 
Santos, e contestadas “manu-militari” pela UNITA e pelo seu líder de então, Jonas 
Savimbi. 
Apesar do processo de democratização ter sido seriamente afectado com o 
eclodir de uma nova guerra, tornando-se impossível concluir o processo eleitoral e 
inviabilizando-se a imediata aprovação da futura Constituição, as instituições 
democráticas não soçobraram, continuaram a exercer o seu papel constitucional. 
E a despeito das dificuldades de gestão política, perante uma situação de 
anormalidade constitucional justificativa da tomada de providências legais contra a 
existência de um partido armado, nunca foi decretado no país o estado de excepção, 
limitativo dos direitos e liberdades, antes se optando pelo esforço de 
democratização. 
Porque com a lei constitucional de 16 de Setembro de 1992 se pretendia 
apenas uma pré Constituição, destinada a ser substituída pela “Constituição da 
República” a aprovar por dois terços dos deputados em efectividade de funções, é 
criada em 1998 a Comissão Constitucional para a elaboração da nova Carta Magna. 
Seis anos depois de profundas discussões e de um amplo manancial de diplomas 
legais aprovados, o processo só não vingou porque a oposição, com a UNITA à 
cabeça, inviabilizou a continuidade dos trabalhos da Comissão Constitucional, que 
acabaria por ser extinta pela Assembleia Nacional em Dezembro de 2004. 
O país perdia, assim, a primeira grande oportunidade para a obtenção de uma 
Constituição de consenso. 
 
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O partido no poder, em 2004, antes da Constituição da III República, propôs 
um amplo consenso nacional sobre as tarefas fundamentais que deveriam ser 
desenvolvidas para que os angolanos pudessem levar adiante o seu legítimo sonho 
de fazer Angola crescer e como resultado da sua capacidade e do seu trabalho, 
usufruir das enormes riquezas naturais e espirituais, bem como das oportunidades 
que o nosso país oferece. 
A esta proposta da necessidade de discussão a todos os níveis da sociedade 
angolana de uma Agenda Nacional de Consenso, a oposição, sempre com a UNITA à 
cabeça, respondeu com um rotundo não. Perdia-se mais outra oportunidade de ouro 
para o país caminhar com um projecto comum de sociedade. 
Considerando que os trabalhos constituintes iniciados durante a legislatura 
de 1992/2008 não tinham chegado ao fim, tendo sido extinta a Comissão 
Constitucional, em Dezembro de 2004, a Assembleia Nacional aprovou em Fevereiro 
de 2008 a lei que criava a nova Comissão Constitucional, para dar início aos trabalhos 
da futura Constituição da República de Angola. 
Depois de um amplo debate nacional, a 5 de Fevereiro de 2010, entrou 
finalmente em vigor a Nova Constituição da República de Angola com 244 artigos, 
depois da sua aprovação a 21 de Janeiro de 2010 pela Assembleia Constituinte 
(Parlamento). De um total de 220 deputados presentes, 186 votaram a favor, um 
absteve-se, nenhum voto contra, e a UNITA, como sempre, preferiu manter-se à 
margem do processo histórico, decidindo não assistir à votação, abandonando a sala 
magna da Assembleia Nacional. 
 
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O atual texto constitucional angolano é o mais jovem dos textos 
constitucionais de língua portuguesa e surgiu no contexto da abertura alcançada 
pelos Acordos de Bicesse, não obstante toda a longa evolução ocorrida, 
interrompida durante anos pelo regresso da guerra. 
Durante muito tempo, a convicção generalizada era a de que o mesmo 
deveria ser aprovado no quadro político-eleitoral que resultou das eleições 
legislativas de setembro de 1992. 
Foi assim que por alguns anos, sobretudo depois do fim guerra em 2002, 
foram apresentados vários projetos de Constituição, dos quais resultou a elaboração 
de um anteprojeto de Constituição da República de Angola no âmbito de uma 
comissão parlamentar. 
 
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Com as eleiçõesparlamentares de 2008, decidiu-se transferir o processo 
constituinte para a legislatura subsequente, no contexto de uma renovada 
legitimidade parlamentar. 
Tal foi a sua tarefa fundamental, tendo sido designada uma Comissão 
Constitucional com as competências de gestão político-legislativa da preparação do 
futuro texto constitucional, aprovada pela Lei nº 2/09, de 6 de janeiro, órgão que foi 
assessorado por uma Comissão Técnica, prevista no art. 7º daquele diploma 
legislativo, composta por ilustres juristas e chefiada pelo Professor Doutor Carlos 
Feijó (Titular da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto). 
Foram cinco os projetos de Constituição apresentados pelas forças políticas 
representadas na Assembleia Nacional após as eleições de 2008 : 
• Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), 26 de maio de 2009; 
• União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), 14 de maio de 
2009; 
• Partido de Renovação Social (PRS), 18 de maio de 2009; 
• Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), fevereiro de 2009; 
• Nova Democracia União Eleitoral (ND-UE), maio de 2009. 
No âmbito da discussão, foi particularmente evidente a opção em torno do 
sistema de governo a adotar, tendo-se apresentado à discussão três diferentes 
modelos: Projeto A – sistema presidencialista; Projeto B – sistema 
semipresidencialista; e Projeto C – sistema presidencialista-parlamentar. 
Na sequência dessa discussão, o texto da nova Constituição da República de 
Angola foi o culminar de um processo de transição constitucional, que se prolongou 
num longo tempo de 18 anos, recheados de vicissitudes jurídico-políticas. 
Tratou-se de um poder constituinte de índole democrático-representativa, 
que terminou com uma intervenção plural dupla de dois órgãos de soberania, num 
ato constituinte unilateral complexo: 
• a aprovação provisória pela Assembleia Nacional, a 21 de janeiro de 2010, por 
186 votos a favor, nenhum contra e duas abstenções; 
• a fiscalização preventiva necessária pelo Tribunal Constitucional, com a 
prolação do Acórdão nº 
111/2010, a 30 de janeiro de 2010; 
• a retificação e aprovação definitiva pela Assembleia Nacional, a 3 de janeiro 
de 2010; 
• a promulgação pelo Presidente da República, a 5 de Fevereiro de 2010; e 
 
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• o início da vigência, a 5 de fevereiro de 2010. 
 
Características da Constituição da República 
 
Retomando igualmente aquilo que já anteriormente escrevemos a esse 
propósito, poderemos reunir como traços caracterizadores da Constituição da 
República de Angola os seguintes: 
 
(i) «A respeito das suas características formais, trata-se, antes de mais, de uma 
Constituição escrita e rígida, mas também da Constituição definitiva de Angola, 
culminando um longo processo de transição constitucional iniciado em 1991; 
(ii) Em segundo lugar, a CRA responde formalmente ao tipo constitucional do 
Estado democrático de direito (artigo 2.º), ainda que com diversas marcas de 
especificidades africanas e angolanas, designadamente as que entroncam nos 
precedentes 18 anos de constitucionalismo anómalo, durante todo o período da II 
República; 
(iii) Tanto no plano simbólico como no plano da decisão constituinte, a CRA dá 
uma particular atenção aos direitos e liberdades fundamentais, quer no que toca ao 
seu reconhecimento (artigos 30.º e seguintes e 76.º e seguintes), quer no que toca 
ao enunciado dos deveres de respeito, protecção e promoção (artigos 28.º e 56.º, 
designadamente), quer no que toca à abertura aos direitos humanos (artigo 26.º), 
quer no que toca ainda aos mecanismos de protecção (com destaque para o 
expresso reconhecimento do direito fundamental institucional de “defesa pública” e 
para a existência de um recurso extraordinário junto do Tribunal Constitucional); 
(iv) A CRA assenta formalmente na democracia representativa, ainda que com 
limitações e entorses relevantes, além do natural condicionamento ditado pela 
presença de diversos outros factores extra-jurídicos […]; 
(v) Consagrando formalmente um regime económico de mercado, ainda que 
com uma forte intervenção do Estado na economia (pese o teor do artigo 
89.º), a CRA não deixa de se comprometer com a justiça social (artigos 1.º, 76.º e 
seguintes, 89.º, n.º 1, e 90.º); 
(vi) O sistema de governo previsto na CRA é um sistema especificamente 
angolano (ou seja, é um sistema atípico), marcado por uma presidencialização de 
facto, num pano de fundo de personalização do poder e no quadro de um sistema 
multipartidário de partido hegemónico; 
 
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(vii) A CRA institui um Estado unitário que se pretende – mas ainda não é – 
descentralizado [artigos 8.º, 201.º, n.º 1, parte final, 213.º e seguintes, e 236.º, 
alíneas h) e k)], traduzindo a conversão dos municípios em autarquias locais (artigo 
218.º, n.º 1) um imperioso desígnio constitucional; 
(viii) Sem deixar de receber influências e de se integrar nos sistemas jurídicos 
lusófonos, a CRA é também marcada, como em parte já foi notado […], por certos 
elementos dos sistemas jurídicos africanos, nomeadamente a relevância concedida 
ao Direito consuetudinário (artigo 7.º) e o reconhecimento pelo Estado das 
estruturas do poder tradicional (artigos 223.º a 225.º), significativamente integradas 
no âmbito do poder local (Título VI da Constituição)». 
 
O Sistema de Governo 
 
Na Constituição da República de Angola, são órgãos de soberania o Presidente 
da República, a Assembleia Nacional e os Tribunais (artigo 105.º, n.º 1), mas apenas 
os dois primeiros integram o sistema de governo52. 
 
 Comecemos por uma descrição elementar. 
a) O Presidente da República é designado por sufrágio universal e directo53, sendo 
eleito como tal o cabeça de lista do partido político (ou coligação de partidos 
políticos) mais votado no quadro das eleições gerais54; o número dois da lista mais 
votada é eleito Vice-Presidente da República55; o mandato é de cinco anos56, 
podendo cada cidadão exercer até dois mandatos57; o Presidente da República é 
definido simultaneamente como Chefe de Estado, titular do Poder Executivo e 
Comandante-em-Chefe das Forças Armadas ; salvo no caso de traição à pátria e 
outros crimes definidos na Constituição como imprescritíveis e insusceptíveis de 
amnistia, o Presidente da República não é responsável59 pelos actos praticados no 
exercício das suas funções ; em caso de crise grave, o Presidente da República pode 
auto-demitir-se, o que acarreta a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação 
de eleições gerais antecipadas ; em caso de vacatura do cargo, as funções são 
assumidas pelo Vice-Presidente, o qual cumpre o mandato até ao fim, com a 
plenitude dos poderes . 
Já a Assembleia Nacional (parlamento unicameral) é composta por 220 
Deputados (130 eleitos pelo círculo nacional e 90 eleitos pelos 18 círculos eleitorais 
provinciais), eleitos segundo o sistema de representação proporcional para um 
mandato de cinco anos; a Assembleia Nacional desempenha funções políticas, 
legislativas, de controlo e fiscalização. 
 
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b) A respeito das relações entre o Presidente da República e a Assembleia 
Nacional, esforçou-se o Tribunal Constitucional, logo no Acórdão de fiscalização 
preventiva da Constituição, por enumerar “os mecanismos que apontam para a 
interdependência e cooperação”, entre os quais assinalou: a aprovação do 
Orçamento Geral do Estado pela Assembleia, após submissão da respectiva proposta 
pelo Presidente da República; o deverde audição da Assembleia Nacional, no 
exercício de determinados poderes pelo Presidente da República; o poder de 
iniciativa legislativa deste, bem como o regime fixado para as autorizações 
legislativas (sujeitas a apreciação posterior do Parlamento); a obrigação de 
submissão à Assembleia Nacional dos decretos legislativos presidenciais provisórios; 
os poderes de promulgação e o regime de reapreciação dos decretos do Parlamento; 
os poderes de aprovação de convenções internacionais pela Assembleia Nacional; 
enfim, a possibilidade de o Presidente da República poder ser destituído por 
iniciativa da Assembleia Nacional, em certos casos de responsabilidade criminal. Já 
no recentíssimo Acórdão n.º 319/2013 (onde foi declarada a inconstitucionalidade 
dos preceitos da Lei Orgânica da Assembleia Nacional que previam a possibilidade 
de inquéritos e interpelações ao Executivo e de convocar e fazer perguntas e 
audições aos Ministros), o Tribunal Constitucional parece dar maior ênfase ao 
reconhecimento de que no sistema de governo angolano ocorre uma 
interdependência por coordenação dos dois órgãos de soberania. 
 
c) Não tem sido nítida na prática nem na jurisprudência constitucional a 
diferença entre as funções e competências do Presidente da República enquanto 
Chefe de Estado e enquanto Chefe do Executivo, mas talvez possamos traçar a esse 
respeito algumas linhas orientadoras: (1) enquanto Chefe de Estado, o Presidente da 
República encontra-se num plano de subordinação directa à Constituição, 
desempenhando sobretudo as funções de representação (unidade e integração), de 
direcção política e de garantia; (2) em segundo lugar, por força do disposto na alínea 
v) do artigo 119.º da CRA, é nesse plano que se devem situar os respectivos poderes 
na esfera das relações internacionais, em matéria de segurança nacional, os poderes 
legislativos, o poder de promulgação (e de solicitar a reapreciação dos diplomas da 
Assembleia Nacional), bem como o poder de auto-demissão; (3) já enquanto titular 
do Poder Executivo, pelo menos uma parte dos poderes do Presidente de República 
desenvolve-se num plano de subordinação à lei, na medida em que estão agora em 
causa a função governativa e a função administrativa (que estavam anteriormente 
confiadas ao Governo ); (4) à luz da CRA, tem sentido a distinção entre titularidade 
do Poder Executivo (que compete ao Presidente da República) e exercício do Poder 
Executivo (cujo nível primário compete ao Presidente da República e, a um nível 
secundário, ao Vice-Presidente e ao Conselho de Ministros , enquanto órgãos 
auxiliares daquele). 
 
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d) No final, a partir do texto constitucional, constituem singularidades do 
sistema de governo angolano as seguintes: a eleição conjunta do Presidente da 
República e dos Deputados; a simultaneidade dos mandatos do Presidente da 
República e da Assembleia Nacional; o poder de auto-demissão; a existência e o 
estatuto do Conselho de Ministros (v. infra, n.º 2.3.). 
 
Estrutura do articulado constitucional e influências recebidas 
 
O texto constitucional angolano não é dos mais extensos no conjunto das 
Constituições de Língua Portuguesa , contando com 244 artigos e 3 anexos , que se 
distribuem pelos seguintes oito títulos, antecedidos por um preâmbulo: Título I – 
Princípios Fundamentais; Título II – Direitos e Deveres Fundamentais; Título III – 
Organização Económica, Financeira e Fiscal; Título IV – Organização do Poder do 
Estado; Título V – Administração Pública; Título VI – Poder Local; Título VII – 
Garantias da Constituição e Controlo da Constitucionalidade; Título VIII – Disposições 
Finais e Transitórias. 
As opções sistemáticas do texto constitucional angolano não deixam de se 
inscrever nas tendências mais recentes de se dar primazia aos aspetos materiais 
sobre os aspetos organizatórios na ordenação das matérias, bem como à inserção de 
importantes incisos a respeito de questões económicas e sociais que hoje nenhum 
texto constitucional pode lucidamente ignorar. 
No que tange à técnica legislativa, nota-se a conveniente opção pela 
colocação de epígrafes em todos os artigos, permitindo um conhecimento mais 
imediato do conteúdo do articulado constitucional, para além da organização dos 
preceitos nos termos da tradição jurídica de língua portuguesa e não seguindo outros 
esquemas estrangeiros, que foram assim – e, a nosso ver, bem – rejeitados. 
O texto da CRA é ainda antecedido de um extenso preâmbulo, que pode 
decompor-se de vários conteúdos e que, por isso mesmo, se afigura de grande 
importância para uma primeira contextualização do novo Direito Constitucional 
Angolano. 
Não fazendo formalmente parte do articulado do texto constitucional, sendo 
por isso desprovido de força dispositiva, o preâmbulo da CRA, a despeito disso, tem 
um inegável interesse: 
• histórico porque apresenta uma versão oficial acerca dos acontecimentos que 
estiveram na génese e evolução do Estado de Angola, ainda que a verdade histórica 
 
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não possa ser decretada, assim sendo um de entre outros possíveis contributos para 
a respetiva dilucidação; 
• narrativo porque descreve não só os acontecimentos que conduziram à 
aprovação do novo texto constitucional como o contextualiza na transição 
constitucional que culmina; 
• hermenêutico porque representa uma intervenção textual do legislador 
constituinte, com potencialidades explicativas que, em certos casos, vão sempre 
para além do mero articulado, como se tem reconhecido na técnica dos textos 
arrazoados. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Conclusão 
 
Chegamos a conclusão que, Constituição de 2010 é a lei suprema da nação 
angola, tendo sido aprovada pela Assembleia Constituinte, aos 21 de Janeiro de 2010 
e, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 111/2010, de 30 de 
Janeiro, aos 3 de Fevereiro de 2010. 
A importância do constituição angolana no contexto africano e mundial, é 
uma realidade que não pode ser desconsiderada neste início do século XXI, 
sobretudo a partir do momento em que, com a paz alcançada em 2002, se puderam 
reunir as condições necessárias para o desenvolvimento e consolidação de uma 
estatalidade organizada segundo uma base legal-racional, que pudesse superar 
decididamente tanto a lógica revolucionária, inerente à guerra de libertação, ao 
momento fundador e aos conflitos armados subsequentes, quanto o apelo 
carismático ou mesmo tradicional. Nesse processo, o ano de 2008 assinala 
seguramente o início de uma nova etapa: com a institucionalização do Tribunal 
Constitucional, a preparação e realização de eleições gerais para a Assembleia 
Nacional e o arranque definitivo dos trabalhos que viriam a culminar na aprovação 
da Constituição da República de Angola de 3 de Fevereiro de 2010. 
Ainda que o momento constituinte tenha ficado marcado por uma ruptura do 
desejado consenso, o que não deixou de projectar uma primeira sombra sobre o 
novo edifício constitucional, nem por isso deixámos de saudar a Constituição 
aprovada, especialmente “pela visão de esperança que a mesma encerra no que 
respeita à vontade de liberdade e ao empenho da protecção efectiva dos direitos 
fundamentais da pessoa humana” 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de Direito Constitucional 
CONSTITUIÇÃO DE 2010 
14 
 
Bibliografia 
 
 
José Melo Alexandrino – O Novo ConstitucionalismoAngolano. 2013, Lisboa. 
Jorge Bacelar Gouveia – O Constitucionalismo de Angola e a sua Constituição de 
2010. 
http://jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/evolucao_da_constituicao_da_republica_
de_angola 
www.parlamento.ao › Legislação › A Constituição

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