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Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 1 Introdução Constituição, é a lei fundamental de um País, estabelece os princípios básicos do ordenamento jurídico, contém as normas relativas à formação dos poderes públicos, forma de governo, distribuição das competências, direitos e deveres dos cidadãos. Nenhuma outra lei no país pode entrar em conflito com a Constituição. Nos países democráticos, a Constituição é elaborada por uma Assembleia Constituinte (pertencente ao poder legislativo), eleita pelo povo. A Constituição pode receber emendas e reformas, porém elas possuem também as cláusulas pétreas (conteúdos que não podem ser abolidos). A Constituição da Republica de Angola filia-se e enquadra-se directamente na já longa e persistente luta do povo angolano, primeiro para resistir a ocupação colonial, depois para conquistar a independência e a dignidade de um Estado soberano e, mais tarde, para edificar em Angola um Estado democrático de direito e uma sociedade justa. A actual Constituição foi vista e aprovada pela Assembleia Constituinte, aos 21 de Janeiro de 2010 e, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 111/2010, de 30 de Janeiro, aos 3 de Fevereiro de 2010. O nosso trabalho tem como tema “A Constituição de 2010”. Neste trabalho o grupo pretende fazer uma abordagem resumida sobre a Constituição de 2010, sua evolução, características, projectos, sistema de governo e sua estrutura. Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 2 Evolução Constitucional Angolana A Lei constitucional de 1975 foi sofrendo sucessivas revisões (vide as revisões de 1976, 1977, 1978 e 1980) pelo que do ponto de vista substancial em nada alterava a estrutura do Estado, sendo certo que as revisões operadas visavam reforçar as competências do Presidente da República face ao Conselho de Revolução, bem como reforçar as opções ideológicas do Estado (vide Sousa, Bornito e Correia, Aderito – História Constitucional de Angola) Neste sentido, das sucessivas revisões operadas destacamos as mais importantes revisões a de 1980 e a 1991. A revisão de 1980 não alterou o regime político até então vigente, mas consideramo-la importante porque: - Alterou todo o titulo referente à organização do Estado angolano para responder à necessidade de instituição dos órgãos eleitos do poder de Estado, nesta altura apesar do sistema de partido único, surge a Assembleia do Povo (vide o preâmbulo da Lei no 12/91 de 06 de Maio). A revisão constitucional de 1991 (ou também ruptura constitucional em virtude de se alter toda estrutura do Estado a partir da institucionalização de um novo regime político, vide Gouveia, Jorge Bacelar – Direito Constitucional de Angola. Editor IDILP. Lisboa: 2014, p.82-85) operada através da Lei no 12/91 de 6 de Maio, constitui a mais importante transformação do Estado angolano desde à independência pelos seguintes aspectos: Instaurou a II República através da institucionalização de um novo regime político, ou seja, o Estado angolano deixou de ser monista e passou a pluralista ou democrático de Direito (vide Miranda, Jorge – Teoria do Estado e da Constituição. Coimbra Editora. Coimbra: 2002, p. 514-516) permitiu a participação organizada de todos cidadãos na vida política nacional e na direcção do Estado; ¬ ampliou o reconhecimento e protecção dos direitos, liberdades e deveres fundamentais dos cidadãos no âmbito de uma sociedade democrática; ¬ assim como consagrou constitucionalmente os princípios da reforma económica, sobretudo aqueles que visavam estimular a iniciativa e a protecção da actividade de todos os agentes económicos. A ruptura constitucional de 1991 viu-¬se reforçada com a revisão de 1992 operada através da lei 23/92 de 16 de Setembro, sendo que as primeiras eleições quer presidenciais quanto parlamentares tiveram lugar em 1992 nos termos da Lei 23/92, que remetia para Assembleia eleita a aprovação da Constituição (vide o art. 14º da Lei de Revisão constitucional, bem como os artigos 158º e seguintes da Lei constitucional) Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 3 A Lei Constitucional de 1992, Lei nº 23/92 de 16 de Setembro, grosso modo visou o seguinte: ¬ Alterou a designação do Estado para República de Angola, do órgão legislativo para Assembleia Nacional e retirou a designação popular da denominação dos tribunais (Vide os art. 1º, 2º, 120º); ¬ Relativamente aos direitos fundamentais, introduziu alguns novos artigos visando o reforço do reconhecimento e garantias dos direitos e liberdades fundamentais, com base nos principais tratados internacionais sobre os direitos humanos a que angola aderiu (vide o titulo II); ¬ No que concerne aos órgãos do Estado foram introduzidas profundas alterações que reformularam toda a redação anterior. Proclamou-se a República de Angola como Estado democrático de direito (vide art. 2º) e como consequência os institutos típicos deste tipo de Estado constitucional, nomeadamente a supremacia da constituição e legalidade; separação de funções e interdependência dos órgãos de soberania (vide art. 53º e a alínea c) do art.o 54º), bem como o respeito a vida e dignidade da pessoa humana (vide os art. 20º, 21º e 22º). ¬ Institui-se um sistema de governo semipresidencial; ¬ Assim como confiou-se os processos de fiscalização constitucional ao Tribunal constitucional vide o art. 6º da Lei de revisão constitucional e o art. 125º da Lei 23/92, (pelo que do ponto de vista classificatório Angola possui um sistema de fiscalização jurisdicional concentrado especial, somente os tribunais têm competência para aferir questões jurídico ¬constitucionais, especial – tendo em conta que somente o tribunal no âmbito da estruturação do poder judicial tem como competência de decidir questões de natureza jurídico ¬constitucional. vide Miranda, Jorge – Teoria do Estado e da Constituição. Coimbra Editora. Coimbra: 2002, p. 720- 721) A Lei constitucional de 92 num sentido de transitoriedade remetia para Assembleia eleita a aprovação da constituição angolana, facto não concluído em 92 como consequência da instabilidade político ¬militar que se instalou em Angola, bem como a não tomada de posse de alguns deputados da oposição, pelo que dezasseis anos depois, isto é, em 2008, realizou-¬se pela segunda vez as eleições legislativa e em 2010, conclui-se o processo desencadeado em 1991e 1992, com a aprovação da Constituição da República de Angola – CRA. A constituição da República de Angola, reiterou a vontade do legislador da ruptura constitucional e num gesto de continuidade define Angola como República soberana, democrática e de direito vide os artigos 1º e 2º respectivamente todos da Constituição, pelo que não há uma nova ideia de direito tão pouco alteração substancial das estruturas do Estado, ou seja, do Regime político, angola desde a ruptura constitucional 91 que instaurou a II República e continua na II República, Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 4 facto que não se pode confundir com a terceira legislatura, assim somente de forma errónea se pode afirmar que estamos na III República. Do ponto de vista classificatório a constituição que ora completa cinco anos é democrática ou popular em virtude de ser aprovada por uma assembleia nacional constituinte eleita pelo povo; é unitextual tendo em conta que tudo o que é constitucional em termos formais está na constituição; rígida porque as normas constitucionais só podem ser modificada através de um procedimento de revisão especificoe dentro de certos limites formais, circunstanciais e materiais vide os artigos 233º, 234º, 235º e 236º; não é compromissória tendo em conta que não resultou de pactos das forças politicas e sociais; é longa como consequência de ser unitextual e por fim é programática, ou seja, contem normas tarefas ou normas que enunciam os fins do Estado e cuja execução necessitam da intervenção do legislador ordinário, bem como a existência de condições materiais vide o art. 21º. Em termos de praticidade da Constituição da República de Angola ainda é discutível a sua aplicação real se entendermos que a teleologia do principio do Estado democrático de direito ficou afectado quando por exemplo o tribunal constitucional entendeu que não se pode interpelar os auxiliares do titular do poder executivo, assim como a constituição não prevê qualquer mecanismo de fiscalização da actividade do titular do poder executivo, salvo alguns mecanismos previstos nos artigos 127, 128 e 129. Apesar do desenvolvimento que se verifica no que concerne aos direitos fundamentais, a constituição muitas das vezes tem tido papel de constituição semântica ou instrumento, uma vez que muitos dos direitos liberdades e garantias não são respeitados, quer por entes públicos assim como pelos cidadãos, estes últimos muitas das vezes por desconhecimento. A inexistência até então das autarquias locais, pode postular uma inconstitucionalidade por omissão e, consequentemente uma inconstitucionalidade material em virtude da violação do principio do Estado democrático, ou seja, as autarquias resultam do principio da democracia participativa ( vide Oliveira, António Cândido de – Direito das Autarquias Locais. 2a edição. Coimbra Editora. Coimbra: 2013, p. 79¬82), mas esta posição só seria viável se algumas condições socioeconómicas e organizativo ¬funcionais fossem acauteladas. Passados 35 anos da Independência Nacional, reflectir sobre a evolução da Constituição em Angola passa por uma abordagem desapaixonada de três momentos paradigmáticos da nossa história constitucional, que compreende a I, II e III República. A I República vai do período entre a proclamação da independência, a 11 de Novembro de 1975, à introdução, em 1992, de alterações, profundas, na Lei Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 5 Constitucional, consagrando a instauração em Angola de um Estado democrático de direito, pluralista e assente numa economia livre de mercado. A Lei Constitucional que vigorou na I República reflectia, de uma forma geral, as opções políticas que decorriam do período da Guerra Fria, em que as alianças com uma das duas grandes potências de então (URSS e EUA) definiam a política interna e externa dos países. Angola, aliada da então URSS, não tinha, pois, como não optar por uma lei constitucional com os fundamentos do marxismo-leninismo e por uma economia centralizada. Pode-se, em síntese, dizer que o texto constitucional da I República foi fruto do contexto. A revisão constitucional de 1991 teve como propósito diminuir a carga ideológica e viabilizar um novo sistema político e económico no país. Um sistema que, nascido com a lei constitucional de 16 de Setembro de 1992, não só ampliou os direitos fundamentais dos cidadãos e a sua participação organizada na vida política nacional e na direcção do Estado, como consagrou a democracia multipartidária e o capitalismo em Angola, depois de 16 anos de monopartidarismo e de economia centralizada. Com isso nascia a II República e um novo paradigma, que continuou o seu curso não obstante o retorno à guerra, depois das eleições multipartidárias de 29 de Setembro de 1992 ganhas pelo MPLA e pelo seu presidente, José Eduardo dos Santos, e contestadas “manu-militari” pela UNITA e pelo seu líder de então, Jonas Savimbi. Apesar do processo de democratização ter sido seriamente afectado com o eclodir de uma nova guerra, tornando-se impossível concluir o processo eleitoral e inviabilizando-se a imediata aprovação da futura Constituição, as instituições democráticas não soçobraram, continuaram a exercer o seu papel constitucional. E a despeito das dificuldades de gestão política, perante uma situação de anormalidade constitucional justificativa da tomada de providências legais contra a existência de um partido armado, nunca foi decretado no país o estado de excepção, limitativo dos direitos e liberdades, antes se optando pelo esforço de democratização. Porque com a lei constitucional de 16 de Setembro de 1992 se pretendia apenas uma pré Constituição, destinada a ser substituída pela “Constituição da República” a aprovar por dois terços dos deputados em efectividade de funções, é criada em 1998 a Comissão Constitucional para a elaboração da nova Carta Magna. Seis anos depois de profundas discussões e de um amplo manancial de diplomas legais aprovados, o processo só não vingou porque a oposição, com a UNITA à cabeça, inviabilizou a continuidade dos trabalhos da Comissão Constitucional, que acabaria por ser extinta pela Assembleia Nacional em Dezembro de 2004. O país perdia, assim, a primeira grande oportunidade para a obtenção de uma Constituição de consenso. Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 6 O partido no poder, em 2004, antes da Constituição da III República, propôs um amplo consenso nacional sobre as tarefas fundamentais que deveriam ser desenvolvidas para que os angolanos pudessem levar adiante o seu legítimo sonho de fazer Angola crescer e como resultado da sua capacidade e do seu trabalho, usufruir das enormes riquezas naturais e espirituais, bem como das oportunidades que o nosso país oferece. A esta proposta da necessidade de discussão a todos os níveis da sociedade angolana de uma Agenda Nacional de Consenso, a oposição, sempre com a UNITA à cabeça, respondeu com um rotundo não. Perdia-se mais outra oportunidade de ouro para o país caminhar com um projecto comum de sociedade. Considerando que os trabalhos constituintes iniciados durante a legislatura de 1992/2008 não tinham chegado ao fim, tendo sido extinta a Comissão Constitucional, em Dezembro de 2004, a Assembleia Nacional aprovou em Fevereiro de 2008 a lei que criava a nova Comissão Constitucional, para dar início aos trabalhos da futura Constituição da República de Angola. Depois de um amplo debate nacional, a 5 de Fevereiro de 2010, entrou finalmente em vigor a Nova Constituição da República de Angola com 244 artigos, depois da sua aprovação a 21 de Janeiro de 2010 pela Assembleia Constituinte (Parlamento). De um total de 220 deputados presentes, 186 votaram a favor, um absteve-se, nenhum voto contra, e a UNITA, como sempre, preferiu manter-se à margem do processo histórico, decidindo não assistir à votação, abandonando a sala magna da Assembleia Nacional. Constituição de 2010 O atual texto constitucional angolano é o mais jovem dos textos constitucionais de língua portuguesa e surgiu no contexto da abertura alcançada pelos Acordos de Bicesse, não obstante toda a longa evolução ocorrida, interrompida durante anos pelo regresso da guerra. Durante muito tempo, a convicção generalizada era a de que o mesmo deveria ser aprovado no quadro político-eleitoral que resultou das eleições legislativas de setembro de 1992. Foi assim que por alguns anos, sobretudo depois do fim guerra em 2002, foram apresentados vários projetos de Constituição, dos quais resultou a elaboração de um anteprojeto de Constituição da República de Angola no âmbito de uma comissão parlamentar. Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 7 Com as eleiçõesparlamentares de 2008, decidiu-se transferir o processo constituinte para a legislatura subsequente, no contexto de uma renovada legitimidade parlamentar. Tal foi a sua tarefa fundamental, tendo sido designada uma Comissão Constitucional com as competências de gestão político-legislativa da preparação do futuro texto constitucional, aprovada pela Lei nº 2/09, de 6 de janeiro, órgão que foi assessorado por uma Comissão Técnica, prevista no art. 7º daquele diploma legislativo, composta por ilustres juristas e chefiada pelo Professor Doutor Carlos Feijó (Titular da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto). Foram cinco os projetos de Constituição apresentados pelas forças políticas representadas na Assembleia Nacional após as eleições de 2008 : • Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), 26 de maio de 2009; • União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), 14 de maio de 2009; • Partido de Renovação Social (PRS), 18 de maio de 2009; • Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), fevereiro de 2009; • Nova Democracia União Eleitoral (ND-UE), maio de 2009. No âmbito da discussão, foi particularmente evidente a opção em torno do sistema de governo a adotar, tendo-se apresentado à discussão três diferentes modelos: Projeto A – sistema presidencialista; Projeto B – sistema semipresidencialista; e Projeto C – sistema presidencialista-parlamentar. Na sequência dessa discussão, o texto da nova Constituição da República de Angola foi o culminar de um processo de transição constitucional, que se prolongou num longo tempo de 18 anos, recheados de vicissitudes jurídico-políticas. Tratou-se de um poder constituinte de índole democrático-representativa, que terminou com uma intervenção plural dupla de dois órgãos de soberania, num ato constituinte unilateral complexo: • a aprovação provisória pela Assembleia Nacional, a 21 de janeiro de 2010, por 186 votos a favor, nenhum contra e duas abstenções; • a fiscalização preventiva necessária pelo Tribunal Constitucional, com a prolação do Acórdão nº 111/2010, a 30 de janeiro de 2010; • a retificação e aprovação definitiva pela Assembleia Nacional, a 3 de janeiro de 2010; • a promulgação pelo Presidente da República, a 5 de Fevereiro de 2010; e Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 8 • o início da vigência, a 5 de fevereiro de 2010. Características da Constituição da República Retomando igualmente aquilo que já anteriormente escrevemos a esse propósito, poderemos reunir como traços caracterizadores da Constituição da República de Angola os seguintes: (i) «A respeito das suas características formais, trata-se, antes de mais, de uma Constituição escrita e rígida, mas também da Constituição definitiva de Angola, culminando um longo processo de transição constitucional iniciado em 1991; (ii) Em segundo lugar, a CRA responde formalmente ao tipo constitucional do Estado democrático de direito (artigo 2.º), ainda que com diversas marcas de especificidades africanas e angolanas, designadamente as que entroncam nos precedentes 18 anos de constitucionalismo anómalo, durante todo o período da II República; (iii) Tanto no plano simbólico como no plano da decisão constituinte, a CRA dá uma particular atenção aos direitos e liberdades fundamentais, quer no que toca ao seu reconhecimento (artigos 30.º e seguintes e 76.º e seguintes), quer no que toca ao enunciado dos deveres de respeito, protecção e promoção (artigos 28.º e 56.º, designadamente), quer no que toca à abertura aos direitos humanos (artigo 26.º), quer no que toca ainda aos mecanismos de protecção (com destaque para o expresso reconhecimento do direito fundamental institucional de “defesa pública” e para a existência de um recurso extraordinário junto do Tribunal Constitucional); (iv) A CRA assenta formalmente na democracia representativa, ainda que com limitações e entorses relevantes, além do natural condicionamento ditado pela presença de diversos outros factores extra-jurídicos […]; (v) Consagrando formalmente um regime económico de mercado, ainda que com uma forte intervenção do Estado na economia (pese o teor do artigo 89.º), a CRA não deixa de se comprometer com a justiça social (artigos 1.º, 76.º e seguintes, 89.º, n.º 1, e 90.º); (vi) O sistema de governo previsto na CRA é um sistema especificamente angolano (ou seja, é um sistema atípico), marcado por uma presidencialização de facto, num pano de fundo de personalização do poder e no quadro de um sistema multipartidário de partido hegemónico; Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 9 (vii) A CRA institui um Estado unitário que se pretende – mas ainda não é – descentralizado [artigos 8.º, 201.º, n.º 1, parte final, 213.º e seguintes, e 236.º, alíneas h) e k)], traduzindo a conversão dos municípios em autarquias locais (artigo 218.º, n.º 1) um imperioso desígnio constitucional; (viii) Sem deixar de receber influências e de se integrar nos sistemas jurídicos lusófonos, a CRA é também marcada, como em parte já foi notado […], por certos elementos dos sistemas jurídicos africanos, nomeadamente a relevância concedida ao Direito consuetudinário (artigo 7.º) e o reconhecimento pelo Estado das estruturas do poder tradicional (artigos 223.º a 225.º), significativamente integradas no âmbito do poder local (Título VI da Constituição)». O Sistema de Governo Na Constituição da República de Angola, são órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia Nacional e os Tribunais (artigo 105.º, n.º 1), mas apenas os dois primeiros integram o sistema de governo52. Comecemos por uma descrição elementar. a) O Presidente da República é designado por sufrágio universal e directo53, sendo eleito como tal o cabeça de lista do partido político (ou coligação de partidos políticos) mais votado no quadro das eleições gerais54; o número dois da lista mais votada é eleito Vice-Presidente da República55; o mandato é de cinco anos56, podendo cada cidadão exercer até dois mandatos57; o Presidente da República é definido simultaneamente como Chefe de Estado, titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas ; salvo no caso de traição à pátria e outros crimes definidos na Constituição como imprescritíveis e insusceptíveis de amnistia, o Presidente da República não é responsável59 pelos actos praticados no exercício das suas funções ; em caso de crise grave, o Presidente da República pode auto-demitir-se, o que acarreta a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de eleições gerais antecipadas ; em caso de vacatura do cargo, as funções são assumidas pelo Vice-Presidente, o qual cumpre o mandato até ao fim, com a plenitude dos poderes . Já a Assembleia Nacional (parlamento unicameral) é composta por 220 Deputados (130 eleitos pelo círculo nacional e 90 eleitos pelos 18 círculos eleitorais provinciais), eleitos segundo o sistema de representação proporcional para um mandato de cinco anos; a Assembleia Nacional desempenha funções políticas, legislativas, de controlo e fiscalização. Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 10 b) A respeito das relações entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional, esforçou-se o Tribunal Constitucional, logo no Acórdão de fiscalização preventiva da Constituição, por enumerar “os mecanismos que apontam para a interdependência e cooperação”, entre os quais assinalou: a aprovação do Orçamento Geral do Estado pela Assembleia, após submissão da respectiva proposta pelo Presidente da República; o deverde audição da Assembleia Nacional, no exercício de determinados poderes pelo Presidente da República; o poder de iniciativa legislativa deste, bem como o regime fixado para as autorizações legislativas (sujeitas a apreciação posterior do Parlamento); a obrigação de submissão à Assembleia Nacional dos decretos legislativos presidenciais provisórios; os poderes de promulgação e o regime de reapreciação dos decretos do Parlamento; os poderes de aprovação de convenções internacionais pela Assembleia Nacional; enfim, a possibilidade de o Presidente da República poder ser destituído por iniciativa da Assembleia Nacional, em certos casos de responsabilidade criminal. Já no recentíssimo Acórdão n.º 319/2013 (onde foi declarada a inconstitucionalidade dos preceitos da Lei Orgânica da Assembleia Nacional que previam a possibilidade de inquéritos e interpelações ao Executivo e de convocar e fazer perguntas e audições aos Ministros), o Tribunal Constitucional parece dar maior ênfase ao reconhecimento de que no sistema de governo angolano ocorre uma interdependência por coordenação dos dois órgãos de soberania. c) Não tem sido nítida na prática nem na jurisprudência constitucional a diferença entre as funções e competências do Presidente da República enquanto Chefe de Estado e enquanto Chefe do Executivo, mas talvez possamos traçar a esse respeito algumas linhas orientadoras: (1) enquanto Chefe de Estado, o Presidente da República encontra-se num plano de subordinação directa à Constituição, desempenhando sobretudo as funções de representação (unidade e integração), de direcção política e de garantia; (2) em segundo lugar, por força do disposto na alínea v) do artigo 119.º da CRA, é nesse plano que se devem situar os respectivos poderes na esfera das relações internacionais, em matéria de segurança nacional, os poderes legislativos, o poder de promulgação (e de solicitar a reapreciação dos diplomas da Assembleia Nacional), bem como o poder de auto-demissão; (3) já enquanto titular do Poder Executivo, pelo menos uma parte dos poderes do Presidente de República desenvolve-se num plano de subordinação à lei, na medida em que estão agora em causa a função governativa e a função administrativa (que estavam anteriormente confiadas ao Governo ); (4) à luz da CRA, tem sentido a distinção entre titularidade do Poder Executivo (que compete ao Presidente da República) e exercício do Poder Executivo (cujo nível primário compete ao Presidente da República e, a um nível secundário, ao Vice-Presidente e ao Conselho de Ministros , enquanto órgãos auxiliares daquele). Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 11 d) No final, a partir do texto constitucional, constituem singularidades do sistema de governo angolano as seguintes: a eleição conjunta do Presidente da República e dos Deputados; a simultaneidade dos mandatos do Presidente da República e da Assembleia Nacional; o poder de auto-demissão; a existência e o estatuto do Conselho de Ministros (v. infra, n.º 2.3.). Estrutura do articulado constitucional e influências recebidas O texto constitucional angolano não é dos mais extensos no conjunto das Constituições de Língua Portuguesa , contando com 244 artigos e 3 anexos , que se distribuem pelos seguintes oito títulos, antecedidos por um preâmbulo: Título I – Princípios Fundamentais; Título II – Direitos e Deveres Fundamentais; Título III – Organização Económica, Financeira e Fiscal; Título IV – Organização do Poder do Estado; Título V – Administração Pública; Título VI – Poder Local; Título VII – Garantias da Constituição e Controlo da Constitucionalidade; Título VIII – Disposições Finais e Transitórias. As opções sistemáticas do texto constitucional angolano não deixam de se inscrever nas tendências mais recentes de se dar primazia aos aspetos materiais sobre os aspetos organizatórios na ordenação das matérias, bem como à inserção de importantes incisos a respeito de questões económicas e sociais que hoje nenhum texto constitucional pode lucidamente ignorar. No que tange à técnica legislativa, nota-se a conveniente opção pela colocação de epígrafes em todos os artigos, permitindo um conhecimento mais imediato do conteúdo do articulado constitucional, para além da organização dos preceitos nos termos da tradição jurídica de língua portuguesa e não seguindo outros esquemas estrangeiros, que foram assim – e, a nosso ver, bem – rejeitados. O texto da CRA é ainda antecedido de um extenso preâmbulo, que pode decompor-se de vários conteúdos e que, por isso mesmo, se afigura de grande importância para uma primeira contextualização do novo Direito Constitucional Angolano. Não fazendo formalmente parte do articulado do texto constitucional, sendo por isso desprovido de força dispositiva, o preâmbulo da CRA, a despeito disso, tem um inegável interesse: • histórico porque apresenta uma versão oficial acerca dos acontecimentos que estiveram na génese e evolução do Estado de Angola, ainda que a verdade histórica Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 12 não possa ser decretada, assim sendo um de entre outros possíveis contributos para a respetiva dilucidação; • narrativo porque descreve não só os acontecimentos que conduziram à aprovação do novo texto constitucional como o contextualiza na transição constitucional que culmina; • hermenêutico porque representa uma intervenção textual do legislador constituinte, com potencialidades explicativas que, em certos casos, vão sempre para além do mero articulado, como se tem reconhecido na técnica dos textos arrazoados. Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 13 Conclusão Chegamos a conclusão que, Constituição de 2010 é a lei suprema da nação angola, tendo sido aprovada pela Assembleia Constituinte, aos 21 de Janeiro de 2010 e, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 111/2010, de 30 de Janeiro, aos 3 de Fevereiro de 2010. A importância do constituição angolana no contexto africano e mundial, é uma realidade que não pode ser desconsiderada neste início do século XXI, sobretudo a partir do momento em que, com a paz alcançada em 2002, se puderam reunir as condições necessárias para o desenvolvimento e consolidação de uma estatalidade organizada segundo uma base legal-racional, que pudesse superar decididamente tanto a lógica revolucionária, inerente à guerra de libertação, ao momento fundador e aos conflitos armados subsequentes, quanto o apelo carismático ou mesmo tradicional. Nesse processo, o ano de 2008 assinala seguramente o início de uma nova etapa: com a institucionalização do Tribunal Constitucional, a preparação e realização de eleições gerais para a Assembleia Nacional e o arranque definitivo dos trabalhos que viriam a culminar na aprovação da Constituição da República de Angola de 3 de Fevereiro de 2010. Ainda que o momento constituinte tenha ficado marcado por uma ruptura do desejado consenso, o que não deixou de projectar uma primeira sombra sobre o novo edifício constitucional, nem por isso deixámos de saudar a Constituição aprovada, especialmente “pela visão de esperança que a mesma encerra no que respeita à vontade de liberdade e ao empenho da protecção efectiva dos direitos fundamentais da pessoa humana” Trabalho de Direito Constitucional CONSTITUIÇÃO DE 2010 14 Bibliografia José Melo Alexandrino – O Novo ConstitucionalismoAngolano. 2013, Lisboa. Jorge Bacelar Gouveia – O Constitucionalismo de Angola e a sua Constituição de 2010. http://jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/evolucao_da_constituicao_da_republica_ de_angola www.parlamento.ao › Legislação › A Constituição
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