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H ar ry ss on L ui z da S ilv a Re sp on sa bi lid ad e So ci al , S us te nt ab ili da de e É ti ca Harrysson Luiz da Silva Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética 2ª Edição Curitiba 2018 Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética Harrysson Luiz da Silva Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501 S586r Silva, Harryson Luiz da Responsabilidade social, sustentabilidade e ética / Harryson Luiz da Silva. – 2. ed. – Curitiba: Fael, 2018. 184 p.: il. ISBN 978-85-5337-008-5 1. Responsabilidade social 2. Sustentabilidade 3. Ética I. Título CDD 658.408 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem Capa Shutterstock.com/jannoon028 Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Carta ao Aluno | 5 1 A Responsabilidade Social no Contexto das Diferentes Áreas do Conhecimento | 7 2 Histórico, Fundamentos, Debates e Dimensões da Ética e Responsabilidade Social | 19 3 A Globalização da Responsabilidade Social e o Princípio da Incerteza | 33 4 Aplicações da Responsabilidade Social na sua Empresa/Instituição | 47 5 Padrões Globais e Certificação (Pacto Global E ISO 26000) | 61 6 A Sustentabilidade nas Diferentes Áreas do Conhecimento | 75 7 As Diferentes Dimensões e Concepções do Desenvolvimento Sustentável | 91 8 Análise Multicriterial da Sustentabilidade | 105 9 Tecnologias, Conhecimentos Tradicionais e Sustentabilidade | 115 10 Avaliação Ambiental, Estratégica de Políticas, Planos e Programas de Sustentabilidade | 129 11 Ética, Moral e Cotidiano | 145 12 Ética, Liberdade e Ato Moral | 153 13 Ética, Tecnologia e Meio Ambiente | 167 Conclusão | 175 Referências | 177 Carta ao aluno Seja bem vindo. Vamos iniciar um diálogo colocando-o “em situação”, frente às duas grandes questões contemporâneas, que atualmente são objeto de discussão, em todas as áreas do conheci- mento, e, que tem implicações diretas sobre nossas vidas, atividades e o futuro do nosso planeta. Estamos falando da sua “responsabilidade social” enquanto profissional e agente promotor de mudanças no contexto onde está inserido: seja numa empresa pública, privada, terceiro setor, setor de ciência, tecnologia e inovação, ou setores estratégicos, a partir do conhecimento que detém, e de seus impactos sobre as dimensões da “sustentabilidade”: territorial, social, econômica, ecológica, espa- cial, cultural, política nacional e política internacional. – 6 – Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética Você teria nesse exato momento uma ideia, de quais seriam os impactos da falta da responsabilidade social, de uma decisão que você tomou, sobre as dimensões da sustentabilidade das atividades e do contexto da empresa, instituição ou organização que você faz parte? Independente de sua área de formação e de atuação (Administração, Ciências Contábeis, Gestão Pública, Gestão de Recursos Humanos e Gestão da Tecnologia da Informação), há sempre uma relação direta entre a respon- sabilidade social tanto do profissional, quanto da empresa na condução das atividades, processos, produtos e serviços prestados para os seus diferentes públicos-alvo. Iniciaremos nosso trajeto colocando-o diante de si mesmo, e das exi- gências relativas à sua inserção na dinâmica da responsabilidade social e da sustentabilidade para os diferentes públicos-alvo. A Responsabilidade Social no Contexto das Diferentes Áreas do Conhecimento Você deve estar se perguntando: Por que eu deveria me pre- ocupar com a responsabilidade social e a sustentabilidade dos pro- cessos, produtos e serviços da empresa/instituição/organização da qual sou parte integrante se é ela quem produz para os diferentes públicos-alvo? Nossos objetivos neste capítulo são estabelecer a relação entre as diferentes áreas de conhecimento e a responsabilidade social e a sustentabilidade demonstrando que a falta das duas implica pro- blemas para a gestão de empresas/organizações e instituições. Ao final do capítulo, você deverá, independentemente de sua área de formação, ter compreendido o que deve fazer para desenvolver uma ação com responsabilidade social e sustentabilidade. 1 Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 8 – Objetivos de aprendizagem 2 Identificar a responsabilidade social como fundamento da prática operacional. 2 Caracterizar a aplicação prática dos fundamentos da responsa- bilidade social em Administração, Ciências Contábeis, Gestão Pública, Gestão de Recursos Humanos e Gestão da Tecnologia da Informação. 1.1 As relações entre as áreas de conhecimento e os públicos–alvo na responsabilidade social Pretende-se estabelecer a relação entre as implicações das diferentes áreas do conhecimento, com os diversos públicos-alvo, no âmbito da responsabili- dade social, visando demonstrar a íntima relação entre ética, responsabilidade social e sustentabilidade como princípios que devem fundamentar o exercício da profissão. Importante A falta de compromisso na eficiência (utilização dos recursos), na efi- cácia (tempo adequado) e na efetividade (mudanças esperadas) dos resultados das intervenções no campo profissional compromete seria- mente a responsabilidade social e a sustentabilidade de sua empresa/ organização ou instituição. Essa situação vem se colocando devido à adoção da perspectiva neo- liberal, segundo Alves (2000), em que o Estado assume funções mínimas e repassa para várias instituições parte de suas funções sociais, com alguns benefícios fiscais e tributários. Nessa mesma óptica, Ashley (2002) estabelece a relação entre ética e responsabilidade social, ao passo que Credidio (2007) e Esteves (2000) apontam a responsabilidade social não somente como social, mas também como socioambiental. – 9 – A Responsabilidade Social no Contexto das Diferentes Áreas do Conhecimento 1.1.1 As áreas de conhecimento x públicos–alvo No contexto da responsabilidade social, as diferentes áreas deverão se organizar para atender às demandas do público interno (empresa) e externo (agentes de interesse e de pressão das empresas). Conforme o quadro 1, pode- mos verificar que o público-alvo (stakeholder) envolvido num processo de responsabilidade social é diversificado e para ele deverão ser originadas ações e projetos específicos que tenham por objeto um processo, produto ou serviço da empresa que precisa ser legitimado pelos diferentes públicos-alvo. Quadro 1: A Relação entre áreas de conhecimento x públicos-alvo da RS Variáveis Funcio- nários Clientes Fornece- dores Concor- rentes Setor Público Meio Ambiente Comuni- dades Administração 1 1 1 1 1 1 1 Ciências Contábeis 1 1 1 1 1 1 1 Gestão Pública 1 1 1 1 1 1 1 Gestão de RH 1 1 1 1 1 1 1 Gestão de TI 1 1 1 1 1 1 1 Fonte: Elaborado pelo autor. A área da Administração tem relação direta com a responsabilidade social no âmbito dos programas que estão sob a sua supervisão. Os progra- mas, por sua vez, têm relação direta com seu público interno em termos de orientações gerais dos processos e produtos e serviços para que os clientes estejam satisfeitos; com os fornecedores de produtos, diferenciando-se da concorrência; e cumprindo todas as legislações relativas à natureza da sua atividade em conformidade com o meio ambiente. Por sua vez, parte dos investimentos realizados acabam retornando para a comunidade, por exem- plo: como está organizado o planejamento e controle da produção (PCP)para que todas as atividades da empresa não ocorram em descumprimento das metas de responsabilidade social com os seus diferentes públicos-alvo em termos de impactos ambientais. Na área das Ciências Contábeis, a responsabilidade social deverá estar relacionada à redução/eliminação de passivos ambientais, sociais e das dimensões da sustentabilidade que tenham impactos na qualidade de vida do Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 10 – público interno, na comunidade, no meio ambiente, num contexto de otimi- zação econômico-financeira dos processos, produtos e serviços, desenvolvidos nas diversas unidades das empresas, instituições e organizações, ou seja, como reduzir custos de insumos e matérias-primas em processos produtivos e ope- racionais a partir de sua integração com o processo produtivo. Na área da Gestão Pública, a responsabilidade social deverá desenvol- ver projetos que tenham por foco a gestão, e não o gerenciamento público, das atividades administrativas, reduzindo conflitos de competência comum (administrativa) e concorrente (legislativa) e tornando possível que empresas, organizações, meio ambiente e população sejam objeto de gestão integrada, com suas respectivas implicações. Nesses casos, os profissionais de gestão pública têm conhecimento da memória de casos resolvidos da empresa para não repetir equívocos já comprometidos que possam colocar em risco a ima- gem da responsabilidade social da empresa/instituição/organização? Na área da Gestão de Recursos Humanos, a responsabilidade social deverá desenvolver projetos que tenham como foco de atuação programas de desenvolvimento profissional, visando integrar conhecimentos, competências e habilidades em estruturas em que atitudes orientadas venham a promover a sustentabilidade das ações dos diferentes públicos-alvo. Em que medida os programas de gestão de RH levam em consideração as demandas do mercado nos seus processos de capacitação que redundem num melhor produto e, portanto, numa melhor visibilidade da responsabilidade social da empresa para os seus diferentes públicos-alvo? Na área da Gestão de Tecnologia da Informação, a responsabilidade social deverá desenvolver projetos que tenham por objetivo de atuação pro- gramas de comunicação corporativa e de divulgação, respectivamente, para os diferentes públicos-alvo tomarem decisões acerca dos seus diversos nichos de mercado numa perspectiva estratégica. Os projetos de TI são realizados de modo integrado com o conhecimento de especialistas ou são realizados administrativamente, para cobrir problemas operacionais, que não impactam na responsabilidade social e na sustentabilidade da empresa? Ao estabelecermos a relação entre as diferentes áreas de conhecimento, campos de intervenção e responsabilidade empresarial, reafirma-se a neces- sidade de que as implicações sobre as dimensões da sustentabilidade são um – 11 – A Responsabilidade Social no Contexto das Diferentes Áreas do Conhecimento fator decorrente do que se realiza no âmbito da responsabilidade social, consi- derando a estrutura dos processos, produtos e serviços. Assim, a responsabilidade social que está relacionada às exigências dos diversos públicos-alvo deve ser de total compreensão de todas as equipes das empresas, com o objetivo de que os processos, produtos e serviços não venham apresentar riscos e perigos para os seus diferentes públicos-alvo. Por sua vez, o descumprimento das metas que levariam à sustentabilidade, em parte, é decorrente da falta de controle dos processos de produção e de ges- tão do conhecimento nas organizações. Podemos constatar que as dimensões da gestão do conhecimento deverão se constituir num instrumento de gestão da responsabilidade social, para garantir a permanência dos indicadores de desem- penho da sustentabilidade empresarial, conforme será visualizado a seguir. 1.1.2 Áreas do conhecimento X gestão do conhecimento na empresa A gestão do conhecimento deve ser compreendida como um processo sistemático de aplicação do conhecimento das diversas áreas descritas anterior- mente, para garantir a efetividade da organização e o retorno dos seus ativos, contribuindo, nessa perspectiva, não só para a sustentabilidade como também para a responsabilidade social. A gestão do conhecimento integra um conjunto de processos, atividades e metodologias para melhorar o seu desempenho, entre as quais podemos citar a responsabilidade social e a sustentabilidade. Vale ressaltar que a gestão do conhecimento não trata do processo de produção do conhecimento. Temos, então, a produção e a gestão do conhecimento como etapas complementares. As empresas não produzem conhecimento, não investem em produção de conhecimento e, na maior parte das vezes, confundem informação com conhe- cimento, comprometendo seriamente os processos de gestão. Nesses casos, como fazer gestão do conhecimento para garantir a responsabilidade social do que se faz numa empresa/instituição/organização se os gestores desconhecem essa diferença? Estamos tratando objetivamente do processo de gestão do conhecimento, mais precisamente dos processos de socialização deste, que implicam direta- mente na responsabilidade social e na sustentabilidade de suas relações com os seus diferentes públicos-alvo. Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 12 – Nonaka (2000) e Takeuchi (1997) desenvolveram um modelo que relaciona o processo de gestão do conhecimento numa organização, classificando-o em conhecimentos tácitos e conhecimentos explícitos. Essa classificação ocorre a partir da espiral de conhecimento, baseada no comprometimento pessoal e nas conver- sões entre os dois tipos de conhecimentos com os diferentes públicos-alvo. A seguir faremos uma integração entre as etapas da gestão do conheci- mento e a responsabilidade social e a sustentabilidade, ainda não realizada pelos propositores do conceito de gestão do conhecimento (NONAKA, 2000; TAKEUCHI, 1997). 2 Socialização (passagem do conhecimento tácito para o conheci- mento tácito): processo de troca de conhecimentos que leva à criação de modelos mentais ou habilidades técnicas compartilhadas. 2 Externalização (passagem do conhecimento tácito para o conheci- mento explícito): processo de articulação do conhecimento tácito em conceitos explícitos, normalmente resultantes de diálogos, pela reflexão e pela combinação de métodos de indução e dedução. 2 Combinação (passagem do conhecimento explícito para o conhe- cimento explícito): processo de sistematização de conceitos em um sistema de conhecimento que envolve a produção de novos conheci- mentos ou de novos significados a partir da reconfiguração de infor- mações existentes, com a ajuda de mecanismos de busca, classificação, categorização e interpretação de informação. 2 Internalização (passagem do conhecimento explícito para o conhe- cimento tácito): é um processo de incorporação do conhecimento explícito ao conhecimento tácito, ou o aprender fazendo; para que isso aconteça, é necessária a verbalização, por parte do sujeito, de sua própria experiência. Conforme Argyris (2000) as empresas, para terem mais produtividade, precisarão cada vez mais de conhecimento e de aprendizagem. Nessa perspec- tiva, o mesmo se aplica para a responsabilidade social e a sustentabilidade, na medida em que, sem conhecimento, gestão e planejamento, se tornará cada vez mais difícil a relação entre empresas/instituições e organizações. Assim, o balanço social, na perspectiva de Reis e Medeiros (2007), vem ressaltar a importância das ações de responsabilidade social empresarial, ou – 13 – A Responsabilidade Social no Contexto das Diferentes Áreas do Conhecimento seja, a chamada contabilidade socioambiental das ações de reponsabilidade social, também ressaltado por Tachizawa (2006).Nessa perspectiva, a gestão do conhecimento oferece um caminho para a responsabilidade social na qualificação de informações e conhecimentos e aponta a implicação desses conhecimentos e dessas informações na busca da sustentabilidade das relações entre os diferentes públicos-alvo, resolvendo essas questões. Os conhecimentos compartilhados entre os diferentes públicos-alvo estabe- lecem um processo de aprendizagem tanto para a viabilização da responsabilidade social quanto da sustentabilidade das relações envolvidas. Para Prusak e Cohen (2001), o estabelecimento de relações entre as pessoas numa instituição, seus rela- cionamentos e a promoção da cooperação firmam os domínios das comunidades de práticas. Conforme Wenger (2000): o envolvimento entre as pessoas, o compar- tilhamento do conhecimento e o objetivo comum a ser alcançado. Nesse âmbito, cada uma das áreas de conhecimento descritas anterior- mente, no contexto da responsabilidade social e da sustentabilidade, deverão se organizar em suas respectivas comunidades de práticas (comunidades de profissionais que discutem práticas de seu campo de conhecimento). O obje- tivo é realizar nessas comunidades as quatro etapas do processo de produção de conhecimento, que levarão à sustentabilidade da responsabilidade social. Para que tanto a responsabilidade social quanto a sustentabilidade sejam garantidas, é necessário que sejam integradas as ações das diferentes áreas do conhecimento, por exemplo: uma decisão de compra que envolva insumos e matérias-primas deve ter um “parecer” de todas as áreas envolvidas em questão: a área da administração precisará coordenar todo o processo de gestão de compras com todas as áreas envolvidas; a contabilidade deverá levar em consideração não somente os custos mas também a avaliação ambiental dos custos envolvidos em insumos e matérias-primas em caso de impactos ambientais; com relação à gestão pública, todas as ações, processos, produtos e serviços precisarão estar dentro dos processos de licenciamento ambiental e normas setoriais; na gestão de recursos humanos, dever-se-á verificar não só a capacitação para produzir novos produtos e serviços como também os impactos das atividades sobre a higiene, saúde e segu- rança; e, na área de tecnologia de informação, será preciso criar um programa de comunicação corporativa que atenda as demandas de informações de forma classificada e orientada de todos os públicos-alvo envolvidos. Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 14 – Produção de Conhecimento: envolve as eta- pas de investigação, intervenção e avaliação; Gestão do Conhecimento: envolve o processo de ges- tão das etapas SECI: socialização, externalização, com- binação e internalização dos conhecimentos. Assim, a responsabilidade social e a sustentabilidade das atividades esta- rão sendo mediadas pelos processos de produção e de gestão do conheci- mento nas diversas áreas relacionadas aos processos, às pessoas e aos sistemas, conforme descrito abaixo na figura 1. Figura 1 – Dimensões da Gestão do Conhecimento para Responsabilidade Social Programa de Gestão do Conhecimento Métricas e Monitoramento Operacionalização do Conhecimento Alin ham ent o Flu xo s d e C on he cim en to Li de ra nç a e Es tra té gi ca Te cn olo gia Apr end izad o CoPs - Comunidades de Prática e Times de Conhecimento Compartilhamento de Conhecimento de Conhecim ento Incentivos Culturais Ac es so a o Co nh ec im en to Conteúdo de Conhecim ento SISTEMAS PR O CE SS OS PESSOAS Informações demográficas Fonte: Elaborada pelo autor. 1.2 Pessoas processos e sistemas Para que a responsabilidade social e a busca pela sustentabilidade das relações a serem desenvolvidas alcancem seus objetivos, devem ser levadas em – 15 – A Responsabilidade Social no Contexto das Diferentes Áreas do Conhecimento consideração três variáveis: pessoas, processos e sistemas, com suas respectivas dimensões de gestão, controle e monitoramento. A relação entre os processos de produção de conhecimento, tomada de decisão e impactos diversos tem uma relação direta com o nível de responsabilidade que assumimos no con- texto de uma empresa, instituição ou organização da qual somos parte. Vamos acompanhar agora os desdobramentos desses itens e suas variações. 1.2.1 Pessoas 2 Incentivos culturais: atitudes culturais implícitas e explícitas, cren- ças e incentivos que existem dentro da organização para formar, criar e apoiar o uso dos ativos intelectuais. 2 Identificação e criação do conhecimento: capacidade da organiza- ção e de seus stakeholders para identificar e criar conhecimento (e outros ativos intelectuais). 2 Compartilhamento do conhecimento: capacidade da organização e de seus públicos-alvo para compartilhar ativos intelectuais que permitam à organização alcançar suas metas de responsabilidade social e sustentabilidade. 2 Comunidades de práticas e times de conhecimento: identificação da existência, da natureza e do envolvimento de pessoas na empresa que possam, efetivamente, influenciar na solução de problemas e permitir que a organização alcance suas metas. 2 Aprendizado: existência e capacidade da organização para construir capital humano por meio de treinamento ou outras atividades diri- gidas para o aprimoramento do trabalho. 1.2.2 Processos 2 Liderança e estratégia: utilização das técnicas de gestão do conheci- mento como modelo de gestão dos líderes e gerentes da organiza- ção para liderança estratégica. 2 Fluxo do conhecimento: natureza e capacidade do fluxo de conhe- cimento e outros ativos intelectuais dentro da organização. Inclui: Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 16 – captura, armazenamento, disseminação e outros aspectos de distri- buição do conhecimento. 2 Alinhamento: grau em que os objetivos do programa de gestão do conhecimento e seus resultados satisfazem ou realizam objetivos e metas da organização e, respectivamente, dos diferentes públi- cos-alvo. 2 Operacionalização do conhecimento: capacidade da organização em integrar e aplicar conhecimento dentro de seu negócio e proces- sos operacionais (incluindo desenvolvimento de novos produtos, marketing e outros). 2 Métricas e monitoramento: capacidade da organização em medir a si mesma, levando em consideração o gerenciamento dos ativos intelectuais, bem como em monitorar e identificar melhores prá- ticas, informações externas e aprendizado que possam melhorar e gerar valor para a organização. 1.2.3 Sistema 2 Tecnologia: existência e capacidade da infraestrutura tecnológica que permitam a gestão do conhecimento e o compartilhamento de melhores práticas, em busca da responsabilidade social e da sustentabilidade. 2 Acesso ao conhecimento: capacidade e infraestrutura existentes que permitam que os stakeholders acessem e compartilhem os ati- vos intelectuais da organização nos seus sistemas, e os diferentes públicos-alvo. 2 Conteúdo do conhecimento: tipos de ferramentas a organização produz ou executa para gerenciar o conteúdo e a informação. 2 Programa de gestão do conhecimento: como o programa de gestão do conhecimento está construído dentro da empresa: sua natureza, seu desenho e sua capacidade para envolver pes- soas, unidades e grupos em direção à responsabilidade social e à sustentabilidade. – 17 – A Responsabilidade Social no Contexto das Diferentes Áreas do Conhecimento A partir da avaliação das dimensões das variáveis – pessoas, processos e sistemas –, bem como do que efetivamente esses tipos de variáveis indicam, demarcamos o que uma empresa/instituição/organizaçãoe os profissionais das diferentes áreas do conhecimento deverão levar em consideração no que se refere à responsabilidade social e à sustentabilidade de suas relações com os públicos interno e externo. Torna-se cada vez mais importante que cada profissional tenha pleno conhecimento dos resultados dos seus processos decisórios no contexto de onde está inserido, bem como dos impactos para os diferentes públicos-alvo. Não se pode mais ignorar: antes que a gestão do conhecimento seja executada, é preciso avaliar quais processos de produção de conhecimento tornarão pos- síveis a gestão das atividades de responsabilidade social visando à garantia da sustentabilidade. Assim, entendemos que a responsabilidade social começa em cada um dos profissionais ao saber identificar quais conhecimentos relaciona- dos às suas práticas diárias deverão ser objeto de suas deliberações em busca da sustentabilidade das demandas internas e externas de cada público-alvo. A estrutura do processo de gestão do conhecimento e do seu processo de avaliação se constituem num espaço de orientação para o desenvolvimento de programas de responsabilidade social e de códigos de ética que serão resultan- tes das avaliações entre as partes envolvidas. Tudo o que você fizer e decidir deverá sempre ter a garantia de que suas decisões tenham impacto significativo tanto na responsabilidade social quanto na sustentabilidade das decisões com impacto comunitário. De forma a orientar cada profissional na sua área de atuação, com base nas suas competências e habilidades, convém ressaltar que, em cada dimensão de gestão do conhecimento da responsabilidade social, há um objetivo de avaliação que precisa ser considerado em cada caso, para garantir a responsa- bilidade social e a sustentabilidade das atividades desenvolvidas. Variável: é a expressão de uma grandeza numa perspec- tiva adimensional, ou seja, do zero ao infinito positivo e negativo, e que não projeta indicadores de desempenho. O que é um indicador: relação de impressão entre duas variáveis Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 18 – que gera um índice e é objeto de gestão, e não de gerencia- mento, da reponsabilidade social e da sustentabilidade. Resumindo Você viu neste capítulo a relação que se estabelece entre as áreas de conhecimento e a responsabilidade profissional das decisões relativas à sua área de atuação, no contexto das empresas/instituições/organizações, através das quais você é um agente de decisão com impactos diversos. Também foi realizada uma caracterização das implicações da sustentabi- lidade e da responsabilidade social como estruturas do processo de gestão do conhecimento, demonstrando que a sustentabilidade das atividades dos dife- rentes públicos-alvo passa pelas diferentes dimensões das variáveis: pessoas, processos e sistemas, dos quais você faz parte. Histórico, Fundamentos, Debates e Dimensões da Ética e Responsabilidade Social Neste capítulo você vai verificar por que existem diferentes formas de avaliação de tudo o que se faz, com base nos fundamentos que sustentam nossas tomadas de decisões, a partir da ética e de suas implicações na responsabilidade social. Você verificará que uma mesma decisão com impacto social poderá ser avaliada eticamente de forma diferenciada, inclusive em diferentes lugares por diversos públicos-alvo. No final desse capítulo, terá uma compreensão dos funda- mentos, debates e princípios éticos que deverão nortear a estrutu- ração tanto dos códigos de ética quanto das suas condutas pessoais com os diferentes públicos-alvo nas empresas/instituições ou orga- nizações em que você é agente de tomada de decisão. 2 Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 20 – Objetivos de aprendizagem 2 Relacionar o histórico com os fundamentos, os debates e as dimen- sões da ética e a responsabilidade social com as atividades diá- rias relacionadas. 2 Inventariar as etapas, os processos e a estrutura de constituição da ética e da responsabilidade social na empresa/instituição. 2.1 Responsabilidade social – a compreensão do homem como ser moral A compreensão do homem como “ser” moral é regulado por princípios religiosos e racionais. Por sua vez, a ética está relacionada ao caráter de cada indivíduo na condução das suas atividades; e a moral, aos seus costumes e ao modo como desenvolve a sua atividade. Assim ética/caráter e moral/costumes conduzem e orientam princípios para a vida em sociedade e no trabalho. Quando falamos de juízo, temos: o juízo de valor, no qual você faz avaliações das situações em que está envolvido; e o juízo de fato, em que avalia exatamente o que ocorre. Na perspectiva religiosa, há um enquadramento das atitudes profissio- nais dentro de dogmas preestabelecidos que norteiam comportamentos, com base nos princípios do bem e do mal. Na perspectiva da razão, existe um enquadramento das atitudes dentro das diretrizes estabelecidas a priori por um grupo ou instituições, que irão orientar o que deve ser feito para conduzir o pensamento para a tomada de decisão. Entretanto, você pode não aceitar nenhum desses dois princípios e ado- tar outro que considera mais eficaz. O que fazer nos casos quando o que está estabelecido não se coaduna com o que você considera ser o melhor princípio para nortear a sua perspectiva ética no campo da responsabilidade social? Por que isso acontece? – 21 – Histórico, Fundamentos, Debates e Dimensões da Ética e Responsabilidade Social Como você se comportaria diante do exemplo a seguir, independente- mente da sua área de formação num processo de transação comercial? “Você é um agente de decisão da sua empresa vendendo um produto para um cliente que solicitou propina para aprovação do processo de compra do seu produto em relação a outros concorrentes que não permitiram esse tipo de prática.” Nesses casos, quem está seguindo princípios éticos? Quem está indo con- tra a ética nos relacionamentos? Quais deveriam ser os procedimentos éticos a serem adotados nessa perspectiva? Quais os impactos dessa transação para a responsabilidade social da empresa no que se refere aos seus diferentes públi- cos-alvo caso venha ser divulgada? Onde você se enquadraria nessa situação? Então perguntamos: Se o princípio que organiza as nossas relações sociais, políticas e econômicas desconsidera que todos deveriam ter acesso indistintamente a todos os tipos de recursos existentes, então cria-se a diferen- ciação, a concentração e a competitividade? Qual a saída para a ética huma- nista nesses casos? A ética humanista deveria considerar o que ocorre em suas diferentes estruturas para, em um segundo momento, estabelecer um código de con- duta vinculado a essas ocorrências objetivas. Importante Aquilo que adotamos eticamente como princípio geralmente não corresponde ao que sociologicamente foi produzido pelas relações humanas e que as organiza diariamente. 2.2 Ética humanista e ética social Quando falamos de “ética humanista”, estamos caminhando na pers- pectiva de que inexistem determinações racionais e religiosas que devam orientar um código de conduta. Isso faz com que todas as possibilidades humanas de relações sejam possíveis, já que estamos considerando a exis- tência humana como princípio indiferenciado em suas diversas formas de ocorrência e culturas. Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 22 – Quando falamos de “ética social”, estamos nos dirigindo por princípios definidos por grupos em determinados contextos sociais, regulados por princí- pios particulares e até culturais de qualquer tipo de natureza. Na perspectiva da ética humanista, a corrupção é um mal que deveria ser eliminado, já que fere os princípios da igualdade, da liberdade e do acesso democrático a todotipo de recursos e ações decorrentes de todas as transa- ções realizadas, para qualquer público-alvo, ou seja: nessa perspectiva todos seriam beneficiados e não haveria ninguém prejudicado com os resultados. Na perspectiva da ética social, a corrupção não é admitida como ativi- dade legítima, mas ocorre de forma velada, por ser condenada socialmente pelos prejuízos que traz com o resultado das suas atividades. Nesses casos, a corrupção pode ser legitimada através de outras formas, tais como: a remuneração pela atividade de captação/liberação de recursos para projetos; emendas parlamen- tares; serviços de terceiros; superfaturamentos; manipulação de procedimen- tos administrativos; alteração de rubricas para desvios de recursos públicos etc. No Brasil, o Instituto Ethos de Responsabilidade Social vem liderando ações empresariais na perspectiva da ética e da responsabilidade social corporativa. Saiba mais Em outros países, os fundraisers, ou captadores de recursos para projetos, têm a sua ação regulamentada para fins de captação de recursos, principal- mente em processos com recursos públicos. Figura 1: Direções da ética empresarial F on te : S H U T T E R ST O C K , 2 01 5. – 23 – Histórico, Fundamentos, Debates e Dimensões da Ética e Responsabilidade Social De um jeito ou de outro, sempre precisaremos utilizar nossa capacidade de discernimento diante das inúmeras possibilidades que se apresentarão no transcurso das atividades profissionais, conforme a figura 1: pelo lado da con- duta ética ou da antiética, cabe a você decidir. 2.2.1 Ética e responsabilidade social Toda empresa, instituição ou organização que mantém relações com clientes, fornecedores de insumos e matérias-primas, empregados, governo e sociedade em geral, empresas concorrentes, em diferentes escalas espaciais, deverá passar a desenvolver princípios éticos aplicáveis a cada caso, conforme descritos por Moreira (1999) a seguir. 2 Clientes: atendimento a todas as demandas via serviços de autoaten- dimento que resolvam todos os problemas decorrentes dos serviços prestados; a publicidade e a propaganda descrevendo exatamente os processos, produtos e serviços à disposição para os diferentes tipos de clientes; promoções, eventos e concursos de vendas; não aceitação de pagamento de diárias, passagens, almoços, jantares, doações ofereci- das pelos clientes como forma de cooptação para favorecimento em compra de processos, produtos e serviços pré e pós-venda. 2 Concorrentes: acordos, pactos, legislações internacionais relativos à livre concorrência; informações lícitas e ilícitas sobre a concorrên- cia; conflitos relativos a direitos de propriedade intelectual, autoral e industrial dos concorrentes, espionagem, inteligência competitiva; contratação de funcionário da empresa concorrente em processo seletivo interno; transações de fusões, incorporações de empresas. 2 Fornecedores: formas de seleção de fornecedores e julgamento de pro- postas técnicas; contabilização da relação custo-benefício dos processos comerciais; cumprimento de pactos, contratos e datas; licenciamento de direitos de propriedade intelectual e industrial; relações com forne- cedores de capitais (acionistas, bancos e agencias de financiamento). 2 Empregados: proibição de preconceitos; aceitação dos princípios da diversidade social, sexual e de necessidades especiais; abuso de poder pelos superiores (assédio moral e sexual); condições do Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 24 – ambiente de trabalho adequadas às atividades relacionadas em ter- mos de higiene, saúde e segurança do trabalho; acesso a documen- tos pessoais e avaliações particulares; respeito à privacidade; gestão de conflitos relacionados aos interesses de promoção, aumento sala- rial ou processos correlatos. 2 Governo: relações com os poderes Executivo, Legislativo e Judici- ário; contribuições para campanhas eleitorais; participação através de processos públicos regimentais (licitações e contratos); limites éticos em brindes, presentes, despesas de viagens e outras conces- sões; contratação de ex-funcionários; relações com pagamentos de tributos e fiscalizações. 2 Sociedade: não interferência na determinação das sociedades e nos seus modos de vida; combate ao crime; filantropia; livros e registros de atividades; atividades que incorrem em “aspectos, impactos, ris- cos, perigos, passivos e danos ambientais patrimoniais e extrapatri- moniais individuais e coletivos”. Dano: lesão a um interesse juridicamente tutelado, que pode ser patrimonial ou não. Causado por ação ou omissão do sujeito infra- tor. Completando que o prejuízo indenizável poderá ocorrer, não somente do patrimônio economicamente aferível, mas também da vulneração de direitos inatos à condição do homem, sem expressão pecuniária essencial. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2010). Da mesma forma que as condutas e relações são diferenciadas, no que se refere a cada público-alvo, a estrutura do código de ética deverá prever esse tipo de preocupação, numa estreita relação com os seus respectivos profissio- nais e públicos de interesse. 2.2.2 Código de ética Conforme o Instituto Ethos (2000), “o código de ética ou de compro- misso social é um instrumento de realização da visão e missão da empresa, – 25 – Histórico, Fundamentos, Debates e Dimensões da Ética e Responsabilidade Social que orienta suas ações e explicita sua postura social a todos com quem man- tém relações”. A produção de um código de ética é um desafio a ser vencido no contexto das organizações, instituições ou empresas. Entretanto, a sua implantação é o mais complexo, pois se configura como um processo de gestão de um programa que deve ser pautado pelo ciclo PDCA (planejar, decidir, corrigir e agir). Existe uma diferença entre códigos de ética profissionais relacionados a conselhos de classe, que regulam as atividades dos profissionais filiados, e os códigos de ética das empresas em que esses profissionais trabalham. O primeiro é um código de ética regulamentar; o segundo é sociológico, pois define como deverão se estabelecer as relações internas e externas entre fun- cionários, acionistas, diretores e os diferentes stakeholders relacionados às suas atividades. Nos dois casos, há necessidade de monitoramento e cumpri- mento dos referidos códigos de ética. Entretanto, em linhas gerais, o código de ética profissional tem sanções legais definidas diferentemente dos códigos de ética empresariais, que possuem penalidades administrativas. A norma “ISO 26000: guia sobre responsabilidade social” foi publicada em novembro de 2010. É aplicável a todo tipo de organização e orienta as linhas da sua própria integração, centrando-se em sete temas: direitos huma- nos; práticas laborais; meio ambiente; práticas operacionais justas; consumo; envolvimento e desenvolvimento da comunidade; e governança organizacional. Os temas relacionados à responsabilidade social deverão ser objeto das diretrizes dos códigos de ética com os seus diferentes públicos-alvo. No Bra- sil, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) já divulgou a norma brasileira NBR 26000, que orienta as empresas nessa perspectiva. 2.2.3 Desafios da ética no novo milênio O momento presente está invocando a responsabilidade social de cada ação individual no contexto global com todos os outros tipos de atos indivi- duais. Por que isso está acontecendo? Os princípios que norteiam a humanidade em termos racionais e religio- sos certificam que a ética e a responsabilidade social podem ter dois caminhos: Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 26 – uma via normativa definida por códigos, ignorando as diferenças nas diversas relações sociais, políticas e econômicas; e uma segunda via em que, reconhe-cendo as diferenças, se deveria organizar um código de ética que amparasse as diferenças como parte dos costumes. O momento presente é de redefinição de uma nova perspectiva tanto para a ética quanto para a responsabilidade social empresarial, institucional e organizacional, conforme definido por Silva (2013). Estamos no momento da autofagia do sistema ético vigente, cocriando uma nova perspectiva centrada em princípios de cooperação e humanidade, mesmo diante dos movimentos contrários. Para Ashley, Coutinho e Tomei (2000), os desafios cresceram tanto que se chegou ao limiar da sobrevivência, da vulnerabilidade social e dos riscos ambientais. Assim, os maiores desafios da ética e da responsabilidade social para o próximo milênio deverão envolver as seguintes questões: 2 esgotamento dos recursos naturais, que tem relação direta com os insumos e as matérias-primas necessários ao desenvolvimento dos processos, produtos e serviços; 2 água, aquecimento global, biodiversidade e camada de ozônio; 2 implicações da responsabilidade social como agente de desenvolvi- mento local e sustentável. A ética que deverá ser objeto de consenso passa pelo limite da explo- ração dos recursos naturais, pelo uso da água, dos reflexos do aquecimento global, da manutenção da biodiversidade e do controle da emissão dos gases de efeito estufa e da capacidade de a empresa não ser mais somente um agente de produção de processos, produtos e serviços, mas também um agente de desenvolvimento regional e local, de forma sustentável. 2.2.4 Histórico dos debates a respeito da ética e da responsabilidade social no Brasil Para a sua melhor compreensão, vamos dividir este item em duas partes: o histórico dos debates a respeito da ética nos negócios; e o histórico dos deba- tes sobre a responsabilidade social. A discussão se inicia a partir de um con- texto histórico geral, caminhando na direção de sua consolidação no Brasil. – 27 – Histórico, Fundamentos, Debates e Dimensões da Ética e Responsabilidade Social 2.2.4.1 Histórico dos debates a respeito da ética empresarial Historicamente, a criação de uma empresa tinha por objetivos a obtenção do lucro e a remuneração dos seus acionistas e investidores. Nessa perspectiva, a ética deveria garantir que todas as relações proporcionassem a obtenção de lucro, de forma que acionistas e investidores estivessem satisfeitos. A respon- sabilidade era produzir e pagar salários. A passagem da economia da troca para a economia do lucro passou a representar uma dificuldade moral a ser aceita, conforme Moreira (1999): 2 No século XVII, Adam Smith conseguiu demonstrar no seu livro “Riqueza das nações” que o lucro não é um acréscimo indevido, mas um vetor de distribuição de renda e de promoção do bem-estar social. 2 A primeira tentativa formal de impor um comportamento ético à empresa foi a encíclica “Rerum Novarum” do Papa Leão XIII. 2 Em 1890, entrou em vigor, nos Estados Unidos da América, a Lei Sherman Act, que passou a proteger a sociedade de acordos entre empresas que restringiam a livre-iniciativa. 2 Em 1972, a Organização das Nações Unidas realizou em Esto- colmo, na Suécia, a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvol- vimento, em que o meio ambiente começou a subordinar as ações das atividades econômicas. 2 Em 1977, o Congresso Norte Americano aprovou uma lei (Foreign Corrupt Practices Act – FCPA) relativa à ética empresarial, que também mereceu regulamentação legal que estabelece penalida- des para recebimento de subornos de autoridades estrangeiras para obtenção de negócios e contratos. No Brasil, embora a preocupação específica com o tema seja recente, muitos textos legais e regulamentares já foram promulgados, principalmente durante as últimas três décadas, visando conter práticas antiéticas em diversos aspectos dos relacionamentos das empresas, tais como: 2 Código de Defesa do Consumidor: Lei no 8.078/1990; 2 Lei de Crimes Ambientais: Lei no 9.605/1998; 2 Lei de Propriedade Intelectual: Lei no 9.609/1998; Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 28 – 2 Código de Ética do Servidor Público Federal: Lei no 9.171/1994; 2 Abuso de Poder Econômico: Lei no 8.884/1993. Entretanto, mesmo com todo o arcabouço legal, é preciso que no Brasil comece a imperar o princípio da execução de todos os tipos de leis que foram promulgadas, para que as instituições, empresas, organizações e os diferentes profissionais tenham o reconhecimento “de fato” e “de direito” de todos os procedimentos promulgados por esses textos legais. 2.2.4.2 Histórico dos debates a respeito da responsabilidade social Para que você tenha uma compreensão do histórico dos debates da res- ponsabilidade social, faremos uma abordagem histórica do conceito. A estru- tura será apresentada em três etapas: a introdução do conceito nos meios aca- dêmico e empresarial; a sua evolução recente da década de 1960 até a década de 1990 segundo Ashley, Coutinho e Tomei (2000); e mais recentemente no Brasil através de Moretto Neto (2010). Para Ashley, Coutinho e Tomei (2000), a responsabilidade social corpo- rativa teve inicialmente os seguintes desdobramentos: 2 era aceita como doutrina nos EUA e na Europa até o século XIX, quando o direito de conduzir negócios de forma corporativa era uma questão de prerrogativa do Estado ou da Monarquia, e não um interesse econômico privado; 2 com a independência dos EUA, os estados americanos começaram a aprovar legislações que permitissem a autoincorporação (self-incor- poration) como alternativa à incorporação por ato legislativo especí- fico, inicialmente para serviços de interesse público; 2 em 1916, Henry Ford, argumentando a realização de objetivos sociais, decidiu não distribuir parte dos dividendos esperados, revertendo-os para investimentos na capacidade de produção, para aumento de salários e como fundo de reserva para a redução espe- rada de receitas devido ao corte nos preços dos carros; 2 após os efeitos da Grande Depressão e o período da Segunda Guerra Mundial, em um contexto econômico de expansão do tamanho das – 29 – Histórico, Fundamentos, Debates e Dimensões da Ética e Responsabilidade Social corporações e de seu poder sobre a sociedade, diversas decisões nas cor- tes americanas foram favoráveis às ações filantrópicas das corporações; 2 em outro litígio julgado pela Justiça americana em 1953, o caso “A.P. Smith Manufacturing Company versus Barlow” foi retomado, com o debate público sobre a responsabilidade social corporativa. Neste caso, a interpretação da Suprema Corte de Nova Jersey sobre a inser- ção da corporação na sociedade e suas respectivas responsabilidades posicionou-se favorável à doação de recursos para a Universidade de Princeton, contrariamente aos interesses de um grupo de acionistas; 2 nos últimos anos, temos ouvido falar do termo “cidadania empresa- rial”. Popularmente, este conceito tem sido tratado de maneira bas- tante instrumental, ou seja, como algo que traria vantagem compe- titiva à organização perante a crescente concorrência. O seu aspecto mais ressaltado tem sido o de investimento na comunidade através de projetos ou ações sociais com recursos transferidos por empresas. Para Moretto Neto (2010), a responsabilidade social no Brasil teve o seguinte percurso histórico, considerando o movimento internacional des- crito anteriormente: 2 tudo começou na década de 1960, quando foi constituída a Asso- ciação dos Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE), com sede em São Paulo, iniciando, assim, uma sensibilização sobre responsabili- dade social nos dirigentes das empresas; 2 em 1977, a ADCE organizou o 2o Encontro Nacional de Dirigen- tes de Empresas, cujo tema central era o balanço social da empresa. Com isso, a partir de 1979 a ADCE passou a organizar seus con-gressos anuais e o balanço social tem sido seu objeto de reflexão; 2 em 1991, foi encaminhado ao Congresso um anteprojeto pro- pondo a publicação do balanço social pelas empresas, porém ele não foi aprovado. No ano seguinte, o balanço social também foi publicado pelo Banespa, na época banco oficial do Governo do Estado de São Paulo, divulgando as suas ações sociais; 2 no ano de 1993, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, lan- çou a Campanha Nacional da Ação da Cidadania contra a Fome, Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 30 – a Miséria e pela Vida, com o apoio do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), que constituiu o marco da aproxima- ção entre os empresários e as ações sociais; 2 em 1997, Betinho lançou um modelo de balanço social e, em par- ceria com o periódico de economia “Gazeta Mercantil”, criou o selo Balanço Social, estimulando as empresas a divulgarem seus resultados na participação social; 2 nesse contexto surgiu, em 1998, o Instituto Ethos de Empresas e Res- ponsabilidade Social, fundado pelo empresário Oded Grajew, com a missão principal de estabelecer elos continuados entre os empresários e as causas sociais do país. Seu objetivo é disseminar a prática da responsabilidade social empresarial por meio de publicações, experi- ências, programas e eventos para os interessados na temática; 2 em 1999, a adesão ao movimento social se refletiu na publicação do seu balanço no Brasil por 68 organizações. No mesmo ano, foi fundado o Instituto Coca-Cola no Brasil, voltado à educação, a exemplo da fundação existente nos Estados Unidos desde 1984; 2 também em 1999, a Câmara Municipal de São Paulo premiou, com o selo Empresa Cidadã, as empresas que praticaram a respon- sabilidade social e publicaram o seu balanço social, e também a Associação de Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB) incluiu sua premiação: o prêmio Top Social; 2 paralelamente, o governo brasileiro promulgou os seguintes dispo- sitivos legais que atestam sua preocupação com o avanço da respon- sabilidade social: 2 Lei no 9.790/1999 – Utilidade Pública Federal (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP): as doa- ções realizadas por pessoa jurídica para entidades sem fins lucrativos que atuem em benefício da coletividade (OSCIP) podem ser deduzidas do lucro operacional verificado até o limite de 2%, antes de computada a dedução da doação. Este benefício se aplica somente às empresas tributadas pelo Lucro Real. – 31 – Histórico, Fundamentos, Debates e Dimensões da Ética e Responsabilidade Social 2 Lei do ICMS: as empresas têm o direito de usar certa percen- tagem (%) do ICMS com o objetivo de patrocinar produções culturais autorizadas à captação; 2 Lei Rouanet: as empresas que investirem em projetos culturais poderão abater até quatro por cento do Imposto de Renda (IR) devido, de maneira direta; 2 Lei dos Esportes: segue a mesma metodologia da Lei Rouanet, mas é direcionada a projetos esportivos e permite até 1% de abatimento do imposto devido; 2 Fundos de Direitos da Criança e do Adolescente: os recursos destes fundos têm origem governamental e privada, por meio de doações dedutíveis do IR. . Atualmente, a Corporação Financeira Internacional vem trabalhando com a perspectiva do Investimento Comunitário Estratégico (ICE). Con- forme a IFC (2010), o investimento comunitário estratégico consiste em contribuições ou ações voluntárias, por parte das empresas, para ajudar comunidades localizadas em suas áreas de operação a resolver as suas priori- dades de desenvolvimento. Saiba mais Para maiores informações sobre questões éticas e de responsabilidade social visita o site do Instituto Ethos: www.ethos.org.br Resumindo Neste capítulo você verificou as implicações tanto da ética quanto da responsabilidade social nos negócios e nos processos dos diferentes públicos- alvo, caracterizando as diferenças entre o que acontece e o que é regulado como ética e responsabilidade social. A ética partiu de princípios religiosos e racionais para atendimento das condutas que deveriam tornar os investimentos comunitários uma ação de caráter estratégico das empresas, e não somente uma ação de responsabilidade Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 32 – social historicamente reconhecida como atividade de doação de fundos ou de parcerias em ações de voluntariado. A responsabilidade social de uma perspectiva centrada no lucro, pas- sando para uma perspectiva de desenvolvimento local, integrou o investi- mento comunitário estratégico como a sua dimensão social e comunitária. A Globalização da Responsabilidade Social e o Princípio da Incerteza Estamos há algumas décadas vivendo um movimento inter- nacional denominado “neoliberalismo” (ALVES, 2000). De acordo com alguns autores, estamos, há muito tempo, num estágio em que o Estado deixa de ser o agente controlador da economia e passa a exercer um reduzido número de atividades, delegando, através de diferentes mecanismos e leis, parte das suas atividades para outros segmentos da sociedade. Algumas atividades que antes eram exclusivas do Estado pas- saram a ser delegadas para as empresas. Através da responsabilidade social, as empresas passaram a ser agentes de desenvolvimento local, via parcerias público-privadas, estabelecendo relações para o desen- volvimento de infraestruturas; e, por meio das organizações não governamentais, o Estado delega a responsabilidade das suas atribui- ções às Associações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) para as áreas de educação, saúde, cultura, entre outras. 3 Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 34 – No final deste capítulo, você verificará que o contexto em que o Estado, as empresas e a sociedade civil estão envolvidos diante das pressões interna- cionais coloca todos num campo de incertezas; com relação aos seus projetos, fazendo com que outras formas de controle dos respectivos destinos sejam objeto de pesquisa e de utilização de novas certificações, metodologias e siste- mas de apoio à decisão. Quando nos remetemos ao “princípio da incerteza”, estamos nos referindo ao grande número de exigências, normas, projetos, controle e monitoramentos que o mercado das empresas passa nesse momento e que precisam ser revistos através de análise prospectiva para que seus objetivos sejam atingidos. Objetivos de aprendizagem 2 Reconhecer as relações entre as ações de responsabilidade social com as determinações dos organismos internacionais; 2 Identificar os reflexos do processo de globalização sobre o mercado e a dinâmica empresarial e institucional. 3.1 Contexto atual, esfera pública e o papel dos diferentes atores sociais A responsabilidade social empresarial nasce no contexto internacio- nal como resultado da mudança de perspectiva do sistema econômico e da mudança de regime do Estado, historicamente como agente de controle e interventor da economia. Neoliberalismo: nasceu logo depois da Segunda Grande Guerra mundial, nos principais países do mundo do capitalismo maduro, como uma reação teórica e política ao modelo de desenvolvimento centrado na intervenção do Estado, que passou a se constituir, desde então, na principal força estruturadora do processo de acu- mulação de capital e de desenvolvimento social. (PERRY, 1995). – 35 – A Globalização da Responsabilidade Social e o Princípio da Incerteza Na perspectiva neoliberal, o Estado cria todas as condições para se dedi- car às suas novas funções. Entretanto, deixa de ser um “agente de controle” das atividades econômicas para ser um “agente de fiscalização” dos processos, produtos e serviços que foram terceirizados, privatizados e realizados através de parcerias público-privadas (setor privado)ou termos de parceria (terceiro setor). Em relação às organizações da sociedade civil, o Estado dota as orga- nizações da sociedade civil de natureza privada com personalidade jurídica de instituição pública, garantindo que estas possam receber recursos de ins- tituições públicas ou de empresas, com dedução de imposto de renda, para desenvolvimento de projetos. Todas essas possibilidades de relações estabelecidas legalmente vêm exigindo do Estado e das empresas funções extras, concomitantemente, de fiscalização e de agente de desenvolvimento local. No âmbito das empresas, novas exigências serão necessárias da parte de todos os seus profissionais, já que, agora, você não será mais somente um funcionário, mas integrará o processo de gestão de pessoas (CHIAVENATO, 1999). Além disso, terá a responsabilidade social de agente promotor do desen- volvimento local, através de outros tipos de projetos e certificações, que lhes serão exigidos, para que sua empresa tenha status de empresa responsável. Nesse contexto, empresas, comunidades, mercados nacionais e interna- cionais, agências de certificação e projetos diversos passam a fazer parte das agendas das empresas responsáveis e dos seus respectivos setores e profissionais. Diante da formação universitária que você recebeu, considera-se prepa- rado para tornar a sua atividade profissional uma ação de desenvolvimento local ao ser exigido, na empresa em que irá se estabelecer, com os conheci- mentos profissionais que foram repassados? Perante todos esses questionamentos, muitas soluções técnicas e meto- dologias têm sido adotadas, considerando que o poder de decisão do Estado está compartilhado com empresas e organizações da sociedade civil nacional e internacional. Disso resultam as incertezas, com relação às estruturas dos processos decisórios, que também deverão ter outras características de gestão (ISO, 2001). Nesse novo contexto, portanto, o papel dos diferentes atores sociais está assim definido: Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 36 – 2 o Estado passa a ser agente fiscalizador das atividades que atribuiu para empresas e organizações da sociedade civil, através das agên- cias de regulação; 2 a sociedade civil, estruturada em organizações da sociedade civil de interesse público, será o agente público para projetos na área social, sob tutela e controle do Ministério da Justiça; 2 o Ministério Público, seja ele federal ou estadual, passa a ser agente de controle dos bens de interesse difuso e coletivo de todo tipo de relação estabelecida entre o Estado, as empresas e as OSCIPs; 2 as empresas passam a ser agentes de desenvolvimento local, numa perspectiva de sustentabilidade social, ambiental, cultural, econô- mica e financeira. Importante Na perspectiva da responsabilidade social, todas as áreas de conheci- mento, e seus respectivos profissionais, são parte contribuinte do con- junto das atividades das empresas, organizações e instituições, sob regime de fiscalização e controle adequados à natureza das suas atividades. Esse é o novo contexto de relações sob o qual você irá trabalhar daqui para a frente, a fim de realizar os objetivos das empresas, instituições e orga- nizações em que estará envolvido. 3.2 Marcações históricas da responsabilidade social e sua importância no mundo contemporâneo A responsabilidade social vem assumindo importância considerável a partir das intervenções realizadas pelas empresas em diversas situações em que o Estado não se faz mais presente. Já se verificou que o processo de desen- volvimento histórico da responsabilidade social difere das “marcações histó- ricas resultantes de sua implantação”. Nessa perspectiva, conforme a figura – 37 – A Globalização da Responsabilidade Social e o Princípio da Incerteza 1, podemos estabelecer “as principais marcações históricas” criadas a partir da implantação dos programas de responsabilidade social (GRAJEW, 2000). Figura 1 – Marcações históricas da responsabilidade social empresarial Institutos de Pesquisa Prêmios de RS Espaços de Articulação Interinstitucional Fundações Comunicação Social Balanço Social Projetos de Desenvolvimento Local Redes de Empresas Responsabilidade Social (RS) Fonte: Elaborada pelo autor. As principais marcações históricas descritas anteriormente possuem variados públicos-alvo envolvidos, em diferentes níveis de organização, em termos de conhecimentos, articulação institucional e reconhecimento dos objetivos da natureza das suas atividades, e poderão ter como marco histórico do seu processo de implantação nem sempre as mesmas etapas de um proces- so preestabelecido. Da mesma forma, as ferramentas, as metodologias, as técnicas e os projetos a serem desenvolvidos para promoção da responsabilidade social e da sustentabilidade também serão objeto de consenso dos diferentes públicos- alvo envolvidos nos processos que se desencadearão num programa de responsabilidade social. Considerando a estrutura da figura 1, podemos deduzir que um pro- grama de responsabilidade social pode começar a partir de qualquer uma das variáveis descritas anteriormente e da consideração do seu estágio inicial de organização. Se ainda não existe um grupo de trabalho formado para o desenvolvi- mento de atividades de responsabilidade social e sustentabilidade, então é necessário iniciar todo o processo pela articulação política e institucional. Caso faltem diagnósticos, conhecimentos, dados e informações sobre as atividades a serem desenvolvidas internamente nas empresas, então é o mo- mento para desenvolver uma relação com órgãos de pesquisa e desenvolvimento. Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 38 – Igualmente, se já existe uma organização interna e conhecimentos que tornem possível um programa de responsabilidade social, parte-se para o processo de reconhecimento e avaliação das atividades realizadas (prêmios) e comunicação do que foi realizado. Mesmo que haja uma “receita” metodológica de como estruturar tecni- camente um programa de responsabilidade social, ele só terá sucesso em ter- mos de cumprimento de objetos e metas se as “marcações históricas” que dão base para a sua sustentação saírem de um processo de governança democrática no contexto da empresa. Assim, devemos estabelecer uma diferença entre as marcações históri- cas do processo de certificação da responsabilidade social internacional, já analisado em capítulos anteriores, e as marcações históricas do processo de consolidação do referido programa nas empresas. Convém ressaltar, nesses casos, que, numa perspectiva de responsabili- dade social (setor privado), e até de gestão social (setor público), os princípios da democracia participativa não mais se enquadram nesse novo momento: a democracia participativa põe em votação uma discussão já definida por uma das partes para serem votadas; na governança democrática, inexiste vota- ção, pois as resoluções são objeto de consenso entre as partes envolvidas, não havendo, portanto, resistência quanto à sua implantação. Figura 2 – Algumas dimensões das implicações da responsabilidade social Fonte: SHUTTERSTOCK, 2015. – 39 – A Globalização da Responsabilidade Social e o Princípio da Incerteza 3.2.1 As dimensões da responsabilidade social e ambiental Quando falamos de responsabilidade social, estamos nos remetendo às implicações dos resultados dos processos, produtos e serviços sobre os dife- rentes públicos-alvo que têm relação direta e indireta com as empresas, de uma maneira geral. Por sua vez, conforme iremos verificar a partir do capítulo 5, as dimen- sões da sustentabilidade estão relacionadas com as instâncias que organizam a vida das relações dos diferentes públicos-alvo. Portanto, não confunda “dimensões da responsabilidade social”com “dimensões da sustentabilidade”. Ambas estão inter-relacionadas, entretanto, tecnicamente, temos de analisá-las em separado, até para podermos estabele- cer, num segundo momento, o programa de responsabilidade social. Quando se fala das dimensões da responsabilidade social e ambiental, na verdade se está querendo chamar a atenção para o exercício da atividade pro- fissional e empresarial e seus impactos sociais e ambientais sobre o conjunto dos diferentes públicos-alvo. Por isso que se torna cada vez mais importante o reconhecimento do potencial de impacto de uma decisão, de adoção de uma tecnologia que irá promover o desenvolvimento de um processo, produto e serviço. Quase sem- pre não se mensuram os impactos da omissão (desconhecimento) em proces- sos decisórios, bem como a tomada de decisão sem “análise multicriterial” do conjunto das variáveis que deverão estar envolvidas em todo esse processo. Análise multicriterial: conjunto de técnicas para auxiliar um agente decisor a tomar decisões acerca de um problema complexo, avaliando e escolhendo alternativas para solucioná-lo segundo diferentes critérios e pontos de vista. (GOMES; GOMES; ALMEIDA, 2002). Como um programa de responsabilidade social envolve inúmeras vari- áveis, dimensões e públicos-alvo, nada mais importante que utilizar ferra- Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 40 – mentas que irão possibilitar o controle de resultados das práticas que serão adotadas para responder às demandas, conforme iremos verificar nos capí- tulos subsequentes. Assim será importante estabelecer a diferença entre as práticas que serão adotadas (surgidas no contexto das discussões) e as que serão objeto de sele- ção entre as metodologias existentes, as quais tornarão possível atingir os resultados esperados. 3.2.2 As práticas de responsabilidade social das diferentes organizações Não basta implantar práticas para solução de desafios empresariais; é necessário que elas possam também ser avaliadas. Da mesma forma, é preciso saber qual tipo de prática a ser adotada vai tornar possível que os resultados sejam atingidos. Quando estabelecemos esses parâmetros, estamos no plano da avaliação do “benchmarking práticas”, bastante utilizado como recurso para avaliação de desempenho, principalmente no ambiente empresarial. O benchmarking práticas vai dotar você de algumas referências já realizadas que deram certo em situações similares para diferentes públicos-alvo, e não necessariamente para o seu respectivo segmento empresarial, pois o que está em jogo é o que se chama de “lacuna competitiva correta”, e não um problema de um setor específico. Qual a diferença? Quando falamos que o problema de inclusão social ainda não atingiu os níveis exigidos em nossa empresa, estamos no plano setorial, visto que todas as empresas ao nosso setor já atingiram as metas estabelecidas. Entretanto, não estamos falando dos resultados atingidos, mas da medida tomada. Nesses casos, os resultados ficam comprometidos se não correlacio- narmos como esse processo foi realizado nessas outras empresas que se tornam objeto de comparação. Por sua vez, quando identificamos que nossa lacuna competitiva correta está situada exatamente em não termos pessoas com “necessidades especiais” treinadas para atender públicos-alvo específicos, podemos verificar que os indi- – 41 – A Globalização da Responsabilidade Social e o Princípio da Incerteza cadores de muitos programas de responsabilidade social não expressam resulta- dos significativos. Assim, ao adotarmos a estratégia competitiva correta, como instrumento de avaliação de benchmarking, poderão ocorrer muitas surpresas, entre elas que a solução para esse problema não se encontra em nenhuma empresa do mesmo segmento. Geralmente, a solução está em outro setor cujo nível de desempenho foi atingido e é considerado “exemplo de referência”, podendo ser nacional ou internacional para a respectiva “lacuna competitiva correta”, e não para um segmento em particular. Em linhas gerais, as empresas têm desenvolvido práticas na área de: gover- nança, direitos humanos, público interno, meio ambiente, cadeia de valor, comunidade e sociedade, governo e mercado consumidor. No Brasil, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social possui um “Banco de Práticas em Responsabilidade Social” já desenvolvido por diver- sas empresas sediadas no Brasil, que podem ser objeto de consulta, relacionado às temáticas de interesse ligadas à missão, à visão e aos objetivos das empresas/ instituições e organizações. A seguir serão descritos, no quadro 1, alguns exemplos de projetos de responsabilidade social já desenvolvidos por empresas no Brasil relacionados às linhas temáticas. Quadro 1: Tipos de ações e projetos de responsabilidade social Nome do projeto Empresa Responsável Adoção do Regime Diferenciado de Contratações Públicas Infraero Bolsa de Resíduos Camargo Correa Casa da Cultura e Cidadania AES Brasil Combate à Corrupção Samarco Construção de Casas Disoft Solutions Educação de Jovens e Adultos Viena Siderurgia Elevação de Escolaridade de Pessoas com Deficiência Telefônica Mais Refrigeração, Menos Gasto Embraco Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 42 – Nome do projeto Empresa Responsável Compras Sustentáveis ALCOA Programa de Governança Corporativa COPEL Fonte: Elaborado pelo autor, a partir do Banco de Práticas do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, 2014. Considerando que as ações de responsabilidade social estão cobrindo as áreas de educação, meio ambiente, capacitação de mão de obra, gênero e diversidade social, sexual e racial, emprego e renda e orientações para o mer- cado, as empresas passam a ter uma ação muito mais extensiva. Atualmente, as empresas passam a incorporar funções governamentais, quando gradualmente vão assumindo áreas e projetos, que efetivamente não são a sua atividade fim, fazendo com que internamente todo o seu público- alvo esteja também envolvido nessas atividades. Assim, a função de produção de processos, produtos e serviços, gera- ção de lucros, satisfação do consumidor, reprodução de seus investimentos e crescimento de patrimônio dos acionistas assume nesse novo momento o que vem se chamando de “responsabilidade social empresarial e ambiental”. 3.2.1.1 Ferramentas, normas e certificações que envolvem a responsabilidade social Para se implantar a responsabilidade social, foram desenvolvidas várias ferramentas, normas e seus respectivos sistemas de gestão que, ao serem apli- cados e sistematizados pelos diferentes públicos-alvo, garantem a certificação da responsabilidade social de todos os procedimentos descritos nos planos de responsabilidade social a serem desenvolvidos. Dessa forma, dividiremos este item em “ferramentas e normas” e “certificações em responsabilidade social”. 3.2.1.2 Ferramentas que envolvem a responsabilidade social A responsabilidade social empresarial envolve temas e demandas diversos, que só podem ser suficientemente inseridos em uma organização por meio de várias ferramentas de gerenciamento, conforme veremos a seguir, na figura 3. – 43 – A Globalização da Responsabilidade Social e o Princípio da Incerteza Figura 3 – Ferramentas e normas de responsabilidade social empresarial. Objetivos Exemplos Prover orientações processuais específicas para implantar e manter sistemas da gestão, pro- gramas e atividades, facilitando a mensuração de resultados. Norma ISO 9001 Norma ISO 14001 Norma SA 8000 Norma AA 1000 Norma OHSAS 18001 Norma ABNT NBR 16001 Norma AFNOR SD 21000 Norma ISO 26000 Garantir a transparência da comunicação com suas partes interessadas. Balanço Social Indicadores Ethos de Responsabilidade Social GRI - Global ReportingInitiatives Norma ISO 14063 Garantir a intergração e compatibilidade entre sistemas de gestão. Projeto Sigma Guia ISO 72 Critérios de Excelência do Prê- mio Nacional da Qualidade PAS 99 Fonte: BARBIERI; CAJAZEIRA, 2013. Entre as ferramentas de gestão mais utilizadas, temos o balanço social, que é uma ferramenta de comunicação dos resultados das atividades das empresas e de seus projetos nessa perspectiva (REIS; MEDEIROS, 2007). Desde 1997, o sociólogo Herbert de Souza e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) vêm chamando a atenção dos empre- sários e de toda a sociedade para a importância e a necessidade da realização do balanço social das empresas em um modelo único e simples. O balanço social é um tipo de demonstração de resultados parecido com as demonstrações financeiras publicadas anualmente no qual as empresas apresentam um conjunto de informações sobre os projetos, os benefícios e as ações sociais dirigidas aos empregados, aos investidores, aos analistas de mercado, aos acionistas e à comunidade. Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 44 – A função principal do balanço social é tornar pública a responsabilidade social empresarial, construindo maiores vínculos entre a empresa, a sociedade e o meio ambiente. O balanço social favorece todos os grupos que interagem com a empresa. Aos dirigentes, fornece informações úteis à tomada de decisões relativas aos programas sociais que a empresa desenvolve. Aos fornecedores e investido- res, informa como a empresa encara suas responsabilidades em relação aos recursos humanos e à natureza, como bom indicador da forma que a empresa é administrada. Para os consumidores, dá uma ideia de qual é a postura dos dirigentes e da qualidade do produto ou serviço oferecido, demonstrando o caminho que a empresa escolheu para construir sua marca. O Estado ajuda na identificação e na formulação de políticas públicas. Os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial, por sua vez, são outra ferramenta gerencial para orientar as empresas a mensura- rem seu desempenho, a partir da avaliação anual de seus programas de res- ponsabilidade social em relação aos seus diferentes públicos-alvo. O Global Report Initiative (GRI) é outro instrumento gerencial para avaliação das práticas de responsabilidade social através de relatórios que deverão ser enviados para os organismos credenciados. A norma Isso 14063, da série Isso 14000, trata do sistema de gestão ambiental dos processos de comunicação que têm relação com os diferentes públicos-alvo das empresas. O Projeto Sigma é um sistema de avaliação de desempenho utilizado para certificar um conjunto de indicadores que dão ideia do desempenho das empresas em sua estrutura operacional. O Guide 72 (ISO, 2001) é um documento informativo sobre conceitos, processos e metodologias para sistemas de gestão que deverão ser objeto de uso pelas empresas para implantação dos processos de certificação e de padro- nização de sistemas de gestão. A norma PAS 99 (BSI, 2006) é a primeira norma mundial que inte- gra os diferentes sistemas de gestão da qualidade (qualidade, meio ambiente, – 45 – A Globalização da Responsabilidade Social e o Princípio da Incerteza higiene, saúde e segurança do trabalho). Nesse procedimento padrão não foram incluídas as normas de ética e responsabilidade social. A norma PAS 99 (BSI, 2006) reafirma que os diversos requisitos de sistemas de gestão devem ser organizados e integrados aos demais sistemas na intensidade que for mais apropriada para a organização. O modelo usado na PAS 99 (BSI, 2006) tem como base o Guide 72 (ISO, 2001) com algumas modificações, já tendo sido testado na prática. Todo o processo do sistema integrado de gestão segue o mesmo princípio do sistema PDCA como mecanismo de gestão das diferentes normas de qualidade. A integração deve ser planejada de maneira estruturada. Muitas empresas adotaram normas de sistemas de gestão como resultado de pressões externas, tais como clientes que exigem a implantação de uma norma da qualidade, ou de requisitos externos para implantar um sistema da segurança e saúde no trabalho. Assim, o primeiro passo deve ser a identificação das necessidades do negócio. Se a empresa não vê benefícios com a integração, então não deverá fazê-la – embora seja difícil imaginar uma organização que não veja. 3.2.2.3 Normas e certificações relacionadas à responsabilidade social Da mesma forma que o balanço social reflete os resultados das ações e dos projetos de responsabilidade social das empresas, as normas e certificações que a empresa adota é que a orientarão em seu programa de responsabilidade social. Conforme a figura 3, podemos listar as principais normas, e suas respec- tivas certificações, que contribuem para a responsabilidade social empresarial. No que se refere aos padrões internacionais de normalização, temos as normas: ISO 9000 (qualidade de processos, produtos e serviços) e certifi- cação de qualidade ISO 9001; ISO 14000 (sistema de gestão ambiental) e certificação do sistema de gestão ambiental ISO 14001; SA 8000 (responsa- bilidade social) e certificação de responsabilidade social na versão inglesa; AA 1000 (ética empresarial) e certificação de ética empresarial; OHSAS 18001 (higiene, saúde e segurança do trabalho) e certificação de higiene, saúde e Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 46 – segurança do trabalho; NBR 16001 (responsabilidade social) e certificação de responsabilidade social na versão brasileira; AFNOR SD 21000 (respon- sabilidade social) e certificação de responsabilidade social na versão francesa; ISO 26000 (responsabilidade social) e certificação de responsabilidade social na versão ISO (padrão global). Saiba mais Para maiores informações sobre questões de normas e certificações visite o site da ABNT: www.abnt.org.br. Resumindo Neste capítulo verificamos as implicações do neoliberalismo nas relações das empresas com o Estado e as organizações não governamentais num con- texto de globalização. Demonstramos as diferenças entre: as dimensões da responsabilidade social com as dimensões da sustentabilidade; as principais marcações históri- cas dos processos de certificação das normas de responsabilidade social; e as marcações históricas dos processos de implantação de programas de respon- sabilidade social nas empresas. Paralelamente, você ficou sabendo tanto das ferramentas quanto das nor- mas que devem ser objeto dos programas de responsabilidade social, as quais poderão ser utilizadas para que a sua empresa seja considerada responsável. Aplicações da Responsabilidade Social na sua Empresa/Instituição A viabilidade de um programa de responsabilidade social só se concretiza quando empresas e instituições conseguem integrá-lo através de práticas no seu ambiente organizacional. Entretanto, todo esse processo sempre parte da alta administração das empresas/ instituições, tendo por objetivo garantir a sua execução a partir de um plano de ação (variáveis, indicadores, objetivos, metas, custos e responsabilidades definidos em cada caso). No final deste capítulo, você verificará: que as empresas e os seus gestores se motivam a realizar programas de responsabilidade social por aumentar o desempenho da cadeia de valor das empre- sas e instituições; e em que medida os investimentos comunitários estratégicos realizados nas comunidades agregam valor ao seu plano de negócios e de desenvolvimento institucional respectivamente. 4 Responsabilidade Social, Sustentabilidade e Ética – 48 – Objetivos de aprendizagem 2 Utilizar códigos, protocolos, sistemas de avaliação e checklists relacio- nados à autoavaliação dos processos de ética e responsabilidade social. 2 Estabelecer
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