Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
TAXA, PREÇO PÚBLICO E TARIFA: DISTINÇÃO E APLICABILIDADE PRÁTICA. Rodrigo Costa Barbosa. Advogado. Salvador/BA 1- INTRODUÇÃO Uma das maiores dificuldades que se enfrenta na abordagem do tema é a definição do conceito de serviço público. É que os institutos da taxa, preço público e tarifa encontram-se intimamente relacionados com o conceito de serviço público, bem como a sua classificação. Tanto o conceito de serviço público, conforme será analisado no item 2, quanto a sua classificação são um dos pontos mais tormentosos da doutrina jurídica. Por ser um conceito fluido e vago, cada autor apresenta definições e classificações distintas. Alguns adotam conceitos mais amplos, abrangendo o poder de polícia, outros utilizam conceitos mais restritos. Confunde-se, também, a atividade econômica com serviços públicos de caráter econômico. Portanto, para se chegar a uma conclusão, primeiro tem que se definir certas premissas. É óbvio que se o leitor não concorda com as premissas iniciais escolhidas, não aceitará a solução apresentada. Todavia, procurar-se-á apresentar algumas definições, fazendo remissões a entendimentos contrários, pois o principal objetivo deste texto é mostrar as diversas correntes doutrinárias sem se distanciar de um posicionamento conclusivo. 2 - TAXA. CONCEITO E PECULIARIDADES. A Constituição Federal, no artigo 145, II, definiu a taxa como o tributo a ser pago, em razão do exercício de poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Para Zelmo Danari1, a taxa é a prestação pecuniária imposta, legalmente, pelo Estado, em razão de serviços públicos prestados aos administrados.. Aliomar Baleeiro2, por sua vez, define taxa como o tributo cobrado de alguém que se utiliza de serviço público especial e divisível, de caráter administrativo ou jurisdicional, ou o tem a sua disposição, e ainda quando provoca em seu benefício ou por ato seu, despesa especial dos cofres públicos. A taxa decorrente do poder de polícia tem como fato gerador a atividade administrativa pública que regula as condutas do contribuinte em razão de interesse público relativo à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos interesses individuais ou coletivos, limitando ou disciplinando os interesses, direitos e liberdades individuais nos termos do artigo 78 do Código Tributário Nacional. Frise-se que a atividade não necessariamente beneficiará o contribuinte, pois a sua pretensão pode estar em desacordo com o regramento legal ou com o interesse público. Já a taxa em razão de serviço público abrange todas as outras atividades estatais específicas e divisíveis, prestadas potencialmente ou efetivamente, ao contribuinte. 1 DANARI, Zelmo. Curso de Direito Tributário. 8. ed. São Paulo : Atlas. 2002. ps. 96. 2 BALEEIRO, Aliomar, Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro : Forense. 1997. ps. 540. Todavia, é preciso diferenciar os serviços públicos compulsórios, dispostos potencialmente, que independem do uso, dos serviços não compulsórios, efetivamente prestados. O artigo 79 do CTN faz a distinção: Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o art.77 consideram-se: I utilizados pelo contribuinte: a. efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título; b. potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento; Ressalte-se que o conceito de serviço público é relativo, diferindo de sociedade para sociedade, em razão do espaço e tempo. Cada autor tem seus próprios critérios e conceitos. Na verdade, compete ao legislador a apreciação dos serviços que serão de utilidade compulsória, de acordo com o pensamento político dominante, bem como as condições sócio-econômicas do Estado. É um conceito relativo e aberto, o que dificulta em demasia a separação de cada espécie. E tanto o é, que o STF já decidiu que o serviço de fornecimento de água e esgoto é serviço obrigatório no interesse público exigível independente de uso (RE 54.194, de 14.10.1963, Gallotti)3. Todavia, hoje, o serviço de água e esgoto pode ser objeto de delegação. 3 Cf. CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. 14 ed. São Paulo : Atlas. 2002. ps. 92, nota de rodapé 6. Doutrinariamente, a taxa é classificada como tributo vinculado, em razão do fato gerador estar ligado a uma prestação estatal direta e pessoal. A taxa, por ser tributo, é compulsória, por isso pode ser cobrada, mesmo que não exista efetiva utilização do serviço, basta unicamente a sua oferta ao público. A competência tributária pra instituir taxa é dos entes federativos. Todavia, é possível a delegação por meio de lei para ente diverso, a exemplo das inúmeras autarquias que têm poder de polícia. Neste sentido, o STF já decidiu: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA. CLASSIFICAÇÃO DE PRODUTOS VEGETAIS. DECRETO LEI 1.899/81. 1. Hipótese em que se configura exercício do poder de polícia a justificar a instituição da taxa. Capacidade tributária ativa: possibilidade de delegação. A competência tributária, que se distingue da capacidade tributária, é que é indelegável. 2. Agravo regimental improvido. (STF, 2.ª Turma, AGRAG 133645/PR, rel. Min. Carlos Velloso, j. 13.11.1990, DJU 14.12.1990, p. 15112.) A taxa está sujeita a limitações, que hoje se encontram na Constituição: princípio da anterioridade, princípio da legalidade e princípio da irretroatividade e da economicidade, derivada de seu caráter impositivo e da vedação ao confisco. Em relação à economicidade, o ilustre Bernardo Ribeiro de Moraes entende que Nos dias de hoje, adota-se o critério da razoável equivalência, admitindo-se que o total da arrecadação da taxa seja um pouco superior ao valor de seu custo. O essencial é justamente que a atividade estatal exista, que seja a mesma eficiente e que o importe total auferido pelo Estado não guarde uma notória desproporção com o custo respectivo, em prejuízo ao administrado.4 Ademais, a taxa pode possuir, além de função fiscal, natureza extrafiscal, atendendo o interesse público, para estimular ou desestimular determinada conduta do indivíduo.5 3- PREÇO PÚBLICO E TARIFA. O preço público e a tarifa são a remuneração paga pelo usuário por utilizar um serviço público divisível e específico, regido pelo regime contratual de direito público. É a contraprestação pecuniária. A principal diferença entre as espécies é que o preço público é receita do Estado, enquanto tarifa é receita do particular. O regime tarifário está previsto na Constituição no artigo 175 da Constituição: Incube ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. 4 DE MORAES, Bernardo de Moraes. Doutrina e Prática das Taxas. São Paulo : RT. 1976. ps. 185/186 5 Há autores contrários ao caráter de extrafiscalidade da taxa. Cf. MARTINS, Yves Gandra da Silva (Coordenador). Curso de Direito Tributário. Vol.II. 4a ed. Belém : Centros de Estudos de extensão Universitária. 1995. ps. 355. Parágrafo único: A lei disporá sobre: I-o regime de empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado; Neste sentido, foi editada a Lei Federal n.º 8.987/95, de caráter nacional, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos previstos no artigo 175 da Constituição, estabelecendo que os entes federativos promoverão a revisão e as adaptações necessárias de suas legislações às prescrições desta lei, buscando atender às peculiaridades das diversas modalidades de seus serviços e definindo o conceito de concessão e permissão. Posteriormente, exclusivamente para o âmbito federal, foi editada a Lei n.º 9.074/95, dispondo quais serviços podem ser objeto de delegação e concessão. Portanto, voltando à questão da relatividade conceitual do serviço público, cada entidade estatal poderá, por lei, definir quais serviços podem ser delegáveis ou não. O regime tarifário cresceu bastante nesta última década devido a política de desestatização dos setores da economia, com o repasse para a iniciativa privada da realização de serviços públicos, sob fiscalização e regulação do Poder Público. Muitos serviços públicos sobre os quais se cobravam taxa, foram concedidos a empresas privadas, que cobram tarifas sobre o fornecimento dos serviços. Portanto, definidos os institutos, analisam-se as diferenças entre eles. 4- TAXAS X PREÇO PÚBLICO E TARIFA. A jurisprudência tem demonstrado que a confusão entre os conceitos de taxa e preço público e tarifa é usual. Várias leis têm sua constitucionalidade contestada por preverem uma das espécies, mas aplicarem regime jurídico de outra. A doutrina aponta vários critérios distintivos entre as espécies. Inicialmente, a súmula 545 do STF aponta as seguintes diferenças: Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm a sua cobrança condicionada a prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu. Ressalte-se que hoje não prevalece mais o princípio da anualidade, mas da anterioridade. Ademais, a taxa está sujeita ao regime tributário. Portanto, os aumentos só podem advir de lei e só podem ser cobrados no primeiro dia do ano posterior à publicação da lei. Já os preços públicos e tarifas podem ser majorados por decreto e cobrados a partir da sua publicação, pois, apesar de se sujeitarem ao regime jurídico de direito público, estão no campo contratual sob supervisão governamental. A taxa decorre diretamente da lei. O preço e a tarifa são fixados contratualmente. A taxa é imposta. O preço e a tarifa são voluntários. As taxas de serviços podem ser cobradas em razão da disponibilidade potencial, pois decorrem do poder de império do Estado, sendo, portanto, compulsórias. Os preços públicos e tarifas só podem ser cobrados pela prestação efetiva do serviço, pois situam no campo contratual e ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude da lei. Para Sacha Calmon6, somente a prestação efetiva de serviços públicos divisíveis e específicos comporta o regime de preço ou tarifa. E está com razão. Nem o poder de polícia, nem a prestação potencial de serviço públicos divisíveis e específicos podem se sujeitar ao regime contratual de direito público, pois são atividades decorrentes do poder de império do Estado, e, portanto, indelegáveis. O Ministro Moreira Alves em palestra dada X Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado em São Paulo em 19.10.85 definia que7 : a)- os serviços públicos propriamente estatais, em cuja prestação o Estado atue no exercício de sua soberania. São serviços indelegáveis, porque somente o Estado pode prestar. São remunerados por taxa, b)- os serviços públicos essenciais ao interesse público: são serviços prestados no interesse da comunidade, e por isto, são remunerados por taxa também; c)- serviços públicos não essenciais, que não usados, não resulta prejuízo para o interesse público ou para a comunidade. São serviços públicos delegáveis, que podem ser remunerados por preço público, como: serviços postais, distribuição de energia elétrica, de gás. Tanto o STF, quanto o STJ tem decisões neste sentido8: 6 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 : Sistema Tributário. Rio de janeiro : Forense. 5.ª edição. 1993. Ps. 52. 7 Cf. AMARO. Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo : Saraiva. 1997. Ps. 43; Informativo do STF n.º 270, de 27 a 31 de maio. 8 Cf. CASSONE, Vittorio. Ob. Cit. ps. 98-99. Em hipótese similar, no julgamento do RE 140.278 DJU de 22-11- 96, a jurisprudência do STF firmou-se no sentido de que só o exercício efetivo, por órgão administrativo, do poder de polícia, ou a prestação de serviço, efetiva ou potencial, pelo Poder Público, ao contribuinte, é que legitima a cobrança de taxas. (Despacho do Min. Sydnei Sanches no AI 204.031-1 RJ, DJU de 30.06.99, p. 19). A armazenagem é preço público. Não há confundir a sua exigência com taxa. Aquele não é compulsório e corresponde a uma remuneração pelos serviços voluntariamente procurados. (STJ, 1.ª turma, Resp. 156.459/SP, DJU de 27.04.98, p.103). 5- CONCLUSÃO. Logo, quando for serviço público específico e divisível indelegável em face de sua natureza, o regime deve exclusivamente tributário. Se for serviço público divisível e específico não essencial ou delegável, caso seja prestado pelo Estado, este poderá, por conveniência ou interesse público, adotar o regime tributário ou contratual de direito público, utilizando a taxa ou preço público. Finalmente, se o serviço público divisível e específico for delegado a terceiro, o regime será contratual de direito público, utilizando-se da tarifa, que é receita do próprio particular9 10. 9 Concordando com este posicionamento, Cf. AMARO. Luciano. Ob. Cit.. ps. 40-46 e o STF na Adin 2.586- DF, publicada em 28.05.2002, proposta pela Confederação Nacional de Indústria, cujo relator foi o Ministro Carlos Velloso. 10 Em sentido contrário, Cf. DENARI, Zelmo. Ob cit. ps. 103-108; entendendo que quando o Estado presta serviço público diretamente só poderá instituir taxa. 6- BIBLIOGRAFIA AMARO. Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo : Saraiva. 1997. BALEEIRO, Aliomar, Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro : Forense. 1997. CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. 14 ed. São Paulo : Atlas. 2002. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 : Sistema Tributário. Rio de janeiro : Forense. 5.ª edição. 1993. DANARI, Zelmo. Curso de Direito Tributário. 8. ed. São Paulo : Atlas. 2002. DE MORAES, Bernardo de Moraes. Doutrina e Prática das Taxas. São Paulo : RT. 1976. Ps. 185/186 MARTINS, Yves Gandra da Silva (Coordenador). Curso de Direito Tributário. Vol. II. 4a ed. Belém : Centros de Estudos de extensão Universitária. 1995. Informativo do STF n.º 270.
Compartilhar