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Psicose: Perda da Realidade

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A neurose surge de um conflito entre o Id e o Ego, em que os desejos e forças provindos do primeiro esbarram-se nas resistências dos impedimentos da realidade, dando origem ao recalcamento. O material recalcado, então, resiste ao mecanismo utilizado pelo Ego, apresentando-se na forma de sintoma. Ambos os fenômenos possuem patogenias semelhantes, ambos resultam de um conflito entre o Ego e o Id, contudo, ao passo que nas neuroses o Ego dispõe-se do recalcamento para lidar com a frustração, impondo forças de anti-catexia do objeto alvo da pulsão do Id, as psicoses, diante de uma frustração intolerável, fazem com que o Ego perca o contato com a realidade.
Essas formulações são norteadas pela concepção de que os sintomas psiconeuróticos indicam um esforço defensivo inconsciente de recalcamento dirigido a uma representação incompatível com o eu do paciente, devido à sua natureza traumática e sexual.
A neurose histérica é o campo privilegiado e inaugural da investigação freudiana, na medida em que lhe revela a dimensão da divisão subjetiva e do funcionamento inconsciente, que são determinantes da realidade psíquica do sujeito. Desse modo, a histeria constitui o paradigma clínico estendido como modelo esclarecedor dos sintomas obsessivos e fóbicos, como também da psicose, especificamente a paranoica.
 Segundo Freud (1894/1996), todos partilham desta “atitude defensiva” de enfraquecimento da representação oposta aos interesses do eu.
Neste sentido, a particularidade de cada quadro é definida pelo destino sofrido pelo afeto, que é a soma da excitação proveniente da representação erradicada da consciência. Na histeria, o investimento somático da carga afetiva engendra um sintoma conversivo. Uma parte do corpo, afetada pela libido, comporta-se como um análogo do órgão genital. 
Nas obsessões, o afeto permanece circulando na esfera psíquica investido numa falsa conexão com outras representações que se impõem à consciência como ideias obsessivas. Geralmente, o sujeito se culpa e se autoacusa por razões evidentemente fúteis que ocultam o verdadeiro motivo. A defesa, neste caso, distingue-se da resposta histérica por não consistir no recalcamento da representação insuportável, mas sim, no isolamento do afeto, isto é, o sentimento de culpa que lhe seria correspondente. As fobias, por sua vez, constituem uma variação da histeria, pois são classificadas como histerias de angústia. O afeto, uma vez desligado da representação recalcada, não é investido no corpo e permanece em estado livre até que encontre uma representação fóbica substituta.
O processo de defesa em sua radicalidade conduz à psicose alucinatória. Neste caso, acontece uma modalidade defensiva muito mais poderosa e bem- sucedida (Freud, 1894/1996). A representação irreconciliável com o eu é totalmente rejeitada, inclusive seu afeto, divergindo por isso do recalcamento da representação incompatível conquistado pela separação de seu afeto correspondente, tal como ocorre nas neuroses. O sujeito psicótico se comporta como se a representação jamais lhe tivesse ocorrido, a expensas de seu total ou parcial desligamento da realidade.
A psicose em psicanálise
Na psicose, o id se encontra como fator predominante de influência e, necessariamente, há perda da realidade, mesmo que em intensidades e momentos variados. Possui dois aspectos principais, um referente à despersonalização, que diz respeito aos conhecimentos do individuo sobre si mesmo, seu próprio eu; e, o outro aspecto se refere à desrealização, que é o conhecimento do indivíduo sobre o mundo. Segundo Freud, 1923, a psicose seria um conflito do ego e com realidade externa. Nela, há uma predominância do eu, pois o ego cria um novo mundo interno e externo de acordo com os impulsos do id. Havendo um afastamento da realidade devido a alguma frustração intensa do id.
Na medida em que há tentativas de restabelecer nova relação com a realidade, elas se dão sem restrições ao Id, por meio do imaginário, delírios e alucinações. O delírio vem como uma tentativa de cura ou preenchimento dessa realidade que não pôde ser suportada. O Ego constrói um novo real de acordo com os impulsos do Id. Em uma alucinação auditiva, por exemplo, o sujeito ouve seu próprio íntimo, seus pensamentos projetados em vozes.
Para Freud , as alucinações se configuravam para a paciente como “partes do conteúdo de suas experiências infantis recalcadas, ou seja, sintomas do retorno do recalcado”. Nessa perspectiva, não haveria nada que distinguisse estruturalmente a psicose paranoica de uma histeria ou de uma neurose obsessiva: todas seriam derivações de lembranças aflitivas recalcadas. Freud observa que a única peculiaridade exclusiva da paranoia consistiria no fato de que os pensamentos inconscientes são ouvidos ou alucinados pela paciente. Tais representações delirantes teriam sido construídas graças a um mecanismo de projeção que rejeita as autocensuras, as quais retornam como um sintoma defensivo alucinatório.
Para Freud tomar regularmente exemplos de casos de psicose emprestados, por ter reduzida experiência clínica com ela; o constante procedimento adotado por ele, em sua obra, de proceder uma comparação entre “as neuroses de transferência” e outros casos que analisa (não só de psicoses, como também de perversões e mesmo da vida ordinária), comparação com a qual ele nunca esgota a questão mas, pelo contrário, extrai um resto, uma “peça” que resiste em se encaixar no “quebra-cabeça”; a ideia de que a psicose apresenta “a céu aberto” aquilo que na neurose fica escondido; também, sua posição contrária à possibilidade de um tratamento psicanalítico das psicoses, o que todavia não o impede de continuar se inquietando com ela.
Conforme coloca Freud:
Desde a publicação de uma obra de Abraham (...) tentamos basear nossa caracterização da (‘esquizofrenia’ de Bleuler) em sua posição relativa à antítese entre ego e objeto. Nas neuroses de transferência (...) nada havia que desse especial proeminência a esta antítese. Sabíamos, realmente, que a frustração quanto ao objeto acarreta a irrupção da neurose e que esta envolve a renúncia ao objeto real; sabíamos também que a libido que é retirada do objeto real reverte primeiro a um objeto fantasiado e então a um objeto reprimido (introversão). Mas nessas perturbações a catexia objetal geralmente é retida com grande energia, e um exame mais pormenorizado do processo de repressão nos obrigou a presumir que a catexia objetal persiste no sistema Ics. apesar da repressão – ou antes, em conseqüência desta. Na realidade, a capacidade de transferência, que usamos com propósitos terapêuticos nessas afecções, pressupõe uma catexia objetal inalterada. No caso da esquizofrenia, por outro lado, fomos levados à suposição de que, após o processo de repressão, a libido que foi retirada não procura um novo objeto e refugia-se no ego; isto é, que aqui as catexias objetais são abandonadas , reestabelecendo-se uma primitiva condição de narcisismo de ausência de objeto. A incapacidade de transferência desses pacientes (...), sua conseqüente inacessibilidade aos esforços terapêuticos, seu repúdio característico ao mundo externo, o surgimento de sinais de uma hipercatexia de seu próprio ego, o resultado final de completa apatia – todas essas características clínicas parecem concordar plenamente com a suposição de que suas catexias objetais foram abandonadas. Quanto à relação dos dois sistemas psíquicos entre si, todos os observadores se surpreendem com o fato de que muito do que é expresso na esquizofrenia como sendo consciente, nas neuroses de transferência só pode revelar sua presença no Ics. através da psicanálise” (1915a/1996, p. 201-202).
A partir da análise da fala de pacientes esquizofrênicos, especialmente de um caso apresentado por Tausk, ele concluirá que na psicoseas palavras são tomadas como se fossem coisas, aproximando-a assim de um modo de funcionamento que seria próprio ao sistema inconsciente (que pode ser inferido principalmente pela análise das produções oníricas): Se perguntarmos o que é que empresta o caráter de estranheza à formação substitutiva e ao sintoma na esquizofrenia, compreenderemos finalmente que é a predominância do que tem a ver com as palavras sobre o que tem a ver com as coisas.
A ideia que ele introduz é de que um representante psíquico (objeto) pode ser dividido em representação de coisa e representação de palavra; no sistema Ics teríamos apenas a representação de coisa, enquanto que no sistema Cs/Pcs encontraríamos a representação de coisa associada à representação de palavra. O que permitiria que tivéssemos consciência de um objeto psíquico (que ele acedesse à consciência) seria a hipercatexização da primeira pela associação com a segunda. No sentido inverso, o que o recalcamento impede seria a ligação entre as duas, isto é, que a representação de coisa seja expressa em palavras.
O esclarecimento feito por Freud, que em certo sentido comporta uma retificação, é de que nas psicoses a retirada da energia psíquica incidiria sobre a representação de palavra do objeto, permanecendo vinculada, contudo, à representação de coisa deste. As manifestações psíquicas nas psicoses teriam então um funcionamento análogo ao que é próprio do inconsciente, levando a concluir que nestas ocorreria um processo de regressão no qual a catexia da palavra é retirada, mas permanece um investimento no objeto enquanto coisa. No entanto, este avanço teórico acaba por produzir outra dificuldade, dado que, na esquizofrenia, diferentemente do que ocorre nas neuroses e na vida ordinária, os sintomas apresentados manifestamente guardariam características estruturalmente próprias do inconsciente, como se lhes faltassem justamente o trabalho de ciframento do recalcamento, o que lança a questão sobre a peculiaridade do mecanismo aí atuante que poderia produzir este efeito, quase que inverso ao recalcamento.
De qualquer maneira, este acréscimo concordaria com a tese de que a fala de um paciente psicótico (como no delírio) surge como uma tentativa de cura por parte deste, como um esforço para tentar restabelecer a ligação entre palavras e coisas, enfim, para dar palavras àquilo que se lhe impõe como coisa. No entanto, Freud mostra-se ainda pouco satisfeito com suas formulações frente à tarefa de elucidar o fenômeno psicótico, sobretudo no que diz respeito ao mecanismo que lhe seria próprio e que conferiria seu efeito de estranheza em relação com a neurose. No final do artigo ele coloca:
 Deveríamos indagar se o processo denominado aqui de repressão tem alguma coisa em comum com a repressão que se verifica nas neuroses de transferência. A formula segunda a qual a repressão é um processo que ocorre entre os sistemas Ics. e Pcs. (ou Cs.), resultando em manter-se algo distante da consciência deve (...) ser modificada, a fim de também poder incluir o caso da demência precoce e de outras afecções narcísicas.
Aqui parece caberem ainda duas observações. Primeiramente, o fato de Freud poder elaborar melhor seus conceitos metapsicológicos valendo-se da observação de fenômenos psicóticos; especificamente, neste caso, de fenômenos próprios da esquizofrenia. Depois, uma sensível mudança na forma de considerar a relação entre neurose e psicose. Inicialmente, a tônica de sua questão incidia sobre um ponto diferente no recalcamento próprio das psicoses em relação às neuroses. Agora, trata-se de investigar se haveria alguma coisa em comum nos mecanismos adotados nestas perturbações. Dito de outra maneira, podemos ver certa confiança na reunião do que é próprio das neuroses e das psicoses dar lugar à ênfase em uma diferença talvez inconciliável. Afora o fato de se tratarem de mecanismos defensivos incidindo sobre pulsões sexuais, parece que, cada vez mais, Freud pode afirmar uma sensível distinção na natureza destes.
Após um considerável período, no qual Freud desenvolve a teoria que ficou conhecida como sua segunda tópica – representada especialmente pelo trabalho “O Ego e o Id” (1923) – ele retoma a questão da psicose por uma série de analogias com a neurose. No artigo “Neurose e Psicose” (1924a/1996), lançará mão, para tanto, das noções de eu, isso e mundo externo, refletindo sobre a relação entre elas em cada uma destas perturbações. De maneira geral, vemos que tanto a neurose como a psicose seriam resultado de um relativo fracasso do eu em sua função mediadora das demais instâncias que entram em conflito (isso e mundo externo), resultando ambas do privilégio que o eu confere a uma destas instâncias.
Já no início do artigo, ele esclarecerá esta ideia através de uma fórmula bastante simples, que trata da mais importante diferença genética entre uma neurose e uma psicose. Assim, ele afirma que “a neurose é o resultado de um conflito entre o ego e o id, ao passo que a psicose é o desfecho análogo de um distúrbio semelhante nas relações entre o ego e o mundo externo”. Esta analogia aponta para a ideia de que, na psicose, haveria um privilégio por parte do eu aos elementos pulsionais, enquanto que, na neurose, este seria dado ao mundo externo.
Apoiado em inúmeras descobertas oriundas de sua experiência, Freud colocará que toda neurose de transferência resulta de uma recusa do eu em atender exigências impostas por pulsões sexuais, defendendo-se delas através do mecanismo de recalcamento. Esta ideia parece já estar bastante consolidada no pensamento freudiano, remontando sua origem a seus primeiros trabalhos em que considera as neuropsicoses como o resultado de uma defesa contra representações de natureza sexual (1894/1996, 1896/1996). Aqui também, encontra-se novamente a importância atribuída por Freud ao efeito do retorno destes elementos recalcados e da maneira com que o eu busca continuar se defendendo deles, tendo com isto um relativo sucesso na manutenção de sua unidade. De certo modo, parece que Freud está dizendo aqui que, no curso do desenvolvimento piscossexual, desde o narcisismo primário – quando o eu se apresenta de maneira incipiente, rudimentarmente unificado – o sujeito neurótico consegue alcançar uma considerável unificação desta instância. Não obstante, se tomarmos a ideia lacaniana de que o eu se organiza no registro imaginário, a partir da formação do i(a), podemos concluir que esta unidade é ilusória, não estando plenamente garantida para nenhum sujeito.
Na produção de uma neurose, ao ocorrer um conflito entre um impulso sexual e o mundo externo, o eu toma partido do segundo, recalcando o impulso inadmissível, mas isto seria apenas uma primeira etapa desta produção. Num segundo momento, este mesmo impulso, que continua ativo no psiquismo, busca caminhos substitutivos para sua satisfação, caminhos sobre os quais o eu não tem controle, formando-se assim o sintoma. Freud vai acrescentar que é só aí que se poderá falar de neurose propriamente dita, isto é, pelo fracasso do recalcamento e a formação do sintoma, sendo que o processo patológico determinante seria justamente este fracasso. Ele colocará ainda que a manifestação sintomática permanece ameaçando a unidade do eu, o que o obriga a continuar se defendendo permanentemente pela retirada de energia do material original.
Com esta afirmação e como já comentamos, Freud parece transmitir a ideia de que, na neurose, haveria um considerável sucesso por parte do eu em preservar sua unidade, mesmo já tendo ele refletido (1923/1996) sobre a existência no psiquismo de instâncias que resultariam de um desdobramento do eu (como seria o caso do supereu). Isto pode importar como um ponto distintivo entre a neurose e a psicose, dada sua suposição (1899/1996, 1911/1996) de que, nesta segunda, umadas formas de defesa psíquica se daria pela fragmentação e projeção do eu no mundo externo.
No artigo “A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose” (1924b/1996), Freud trará um acréscimo bastante importante para a compreensão da analogia que ele está fazendo entre as duas perturbações. Mesmo que na neurose o eu, a principio, tome o partido do mundo externo, isto não impede que sujeitos neuróticos tenham algum prejuízo na sua relação com a realidade. Se, na primeira etapa, temos uma predominância da realidade e um recalcamento da pulsão ameaçadora; na segunda, o retorno do recalcado obriga o eu a fazer concessões, a afastar-se do fragmento de realidade que conflita com a pulsão, levando a um “afrouxamento” desta relação. A energia desvinculada deste fragmento é investida em traços mnêmicos, como forma de substituir a realidade evitada pela produção da fantasia.
Na produção de uma psicose, o posicionamento do eu é inverso ao que ocorre na neurose, tomando ele o partido do isso e repudiando o fragmento da realidade que se opõe a sua satisfação. Em casos extremos, este repúdio pode incidir sobre toda e qualquer relação do sujeito com a realidade. Contudo, dada esta perda da realidade, o eu lança mão de conteúdos internos (traços mnêmicos) para tentar realizar “(...) um remendo no lugar onde originalmente a fenda apareceu buscando com isto, e através de produções delirantes, um restabelecimento da relação. Freud considera ainda que a percepção da realidade depende tanto dos traços mnêmicos (“conteúdos internos”) como de percepções atuais externas (“conteúdos externos”), que, na psicose, podem aparecer sob a forma de alucinação.
Neste caso, também podemos discernir duas etapas, sendo, contudo, seus papéis invertidos. Se, na neurose, a etapa propriamente patológica é a segunda (a do fracasso do recalcamento), na psicose isto se daria na primeira (no rompimento com a realidade), aparecendo a segunda como uma tentativa de recuperação. Se na primeira etapa há uma perda da realidade, na segunda há uma tentativa de reconstrução da mesma através do trabalho do delírio.
Esta concepção freudiana concorda com a posição que ele vinha tomando até então. Ao analisar o caso Schreber (1996/1911), ele considera que a ocorrência patológica se dá na tentativa do eu de se defender do conflito provocado pela emergência do impulso homossexual inconsciente, afastando-se da realidade, o que aparece no início de sua enfermidade sob a forma de um “estupor alucinatório”. Todas as impressionantes manifestações posteriores, seja quando Schreber se considera como “a mulher de Deus” ou mesmo como uma vítima dos abusos do Dr. Fleschsig, são interpretadas por Freud como formas de busca de recuperação por parte do paciente e da diminuição do seu sofrimento. Ainda, ao refletir sobre as falas de pacientes esquizofrênicos (1915a/1996), verá que, por mais ininteligíveis que elas se mostrem a princípio, também surgem como uma tentativa de restabelecimento, de conferir palavras às coisas.
Estes apontamentos de Freud permitem-nos perceber características bastante familiares entre a fantasia neurótica e o delírio psicótico, entendidos como uma tentativa parcialmente bem-sucedida de manter ou restabelecer a relação com a realidade através do investimento libidinal em traços mnêmicos. Todavia, parece claro haver uma sensível distinção entre uma e outro, permanecendo então a questão quanto ao que justificaria esta diferença.
Se retomarmos, brevemente, algumas hipóteses apresentadas anteriormente por Freud acerca das psicoses, podemos fazer articulações que contribuem para a compreensão do desenvolvimento das ideias trazidas neste momento. Já em 1894, ele apontava que, na operação defensiva de uma confusão alucinatória, o eu rejeita da consciência a representação aflitiva juntamente com seu afeto (o que diferiria das obsessões e da histeria, onde ocorreria apenas um enfraquecimento afetivo da representação).
 Aqui, esta ideia parece se traduzir justamente nos termos de um repúdio de um fragmento da realidade. No caso que Freud cita neste artigo de 1894, a paciente rejeitava qualquer menção à situação na qual viveu a derradeira frustração de suas intenções com relação ao seu suposto amante e fica bastante perturbada quando alguém faz alguma referência a ela. Por outro lado, através das alucinações e da construção delirante que empreendeu (na qual acreditava e mesmo percebia a chegada de seu amante) pode reconstruir, no lugar do fragmento de realidade rejeitado, uma outra situação que permitia que seu sofrimento fosse superado.
Lembramos também da importante tese freudiana de que, na psicose, haveria uma intensa fixação libidinal em fases bastante arcaicas do desenvolvimento psicossexual, fases estas em que a instância do eu teria uma formação bastante rudimentar ou mesmo ainda não teria se formado (o narcisismo e o auto-erotismo, respectivamente) e que, no processo defensivo desta, haveria uma regressão da libido a estas mesmas fases. Com isto, o material utilizado (traços mnêmicos) para a reconstrução da realidade, na psicose, deve apresentar uma natureza própria destas etapas arcaicas. Esta reflexão permite elucidar a observação de alguns fenômenos comuns em casos de psicose, nas quais o conteúdo do material do delírio apresenta elementos representativos do próprio eu do sujeito (narcísicos) que se manifesta de forma fragmentada. Além dos casos de paranóia (como em Schreber (1911/1996), onde encontramos a projeção de elementos narcísicos em diversas figuras externas) e de esquizofrenia (onde a fragmentação do eu aparece de forma especialmente marcante (1914/1996)) já mencionados, podemos citar ainda os casos de melancolia, nos quais Freud (1917b/1996) observa que as acusações proferidas pelos pacientes contra o mundo que lhes cerca dizem respeito, comumente, ao próprio eu do sujeito (são acusações auto-referidas).

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