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1 
DECISÃO JUDICIAL E RESPOSTA CORRETA: 
O PROBLEMA DA OBJETIVIDADE NA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 
 
 
Lucas Borges de Carvalho 
Procurador Federal em Marília, São Paulo. 
Mestre em Direito pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. 
E-mail: lucas.carvalho@agu.gov.br. 
 
 
RESUMO: Considerando as profundas transformações na realidade política do país nos últimos 
anos, dentre as quais se destaca a ampliação do protagonismo do poder judiciário, o artigo 
analisa o problema da objetividade na interpretação constitucional. Com esse intuito, critica o 
ceticismo positivista, teoria que nega qualquer possibilidade de controle racional das decisões 
judiciais, a partir da tese da resposta correta, tal como proposta por Ronald Dworkin. 
Demonstra-se, então, de que maneira a teoria de Dworkin oferece um pressuposto 
epistemológico fundamental para se pensar tanto uma delimitação precisa do âmbito de 
atuação dos tribunais quanto um efetivo controle democrático das decisões judiciais. 
PALAVRAS-CHAVE: Interpretação constitucional. Ronald Dworkin. Ceticismo. Objetividade. 
Resposta correta. 
 
 
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Positivismo jurídico e 
discricionariedade judicial; 3 A tese da resposta correta; 4 
Conclusão; 5 Referências. 
 
1 INTRODUÇÃO 
Nos últimos anos, tornou-se prática comum a maior intervenção dos tribunais na esfera 
política. Se não todos, pelo menos uma parcela considerável dos mais relevantes e polêmicos 
temas discutidos na agenda política brasileira recente foram objeto de decisões judiciais. Nesse 
contexto, de poder técnico e imparcial o judiciário se converteu em uma instituição altamente 
politizada e de grande visibilidade perante a opinião pública, tornando-se alvo de fortes 
críticas, que levantaram dúvidas quanto à legitimidade de suas decisões. 
Não por outro motivo, boa parte dos estudos na seara da filosofia do direito e da teoria 
constitucional se voltou para o problema da racionalidade e do controle das decisões judiciais. 
O desafio é, justamente, o de compatibilizar o maior protagonismo dos tribunais com a 
separação de poderes e com o princípio majoritário, evitando-se uma usurpação de funções e 
uma interferência abusiva na esfera de competência das instituições republicanas. 
Neste trabalho, tomando esta nova configuração da realidade política do país como pano 
de fundo, discuto o problema da objetividade na interpretação constitucional com o objetivo 
específico de analisar a tese da resposta correta, tal como proposta pelo jurista estadunidense 
Ronald Dworkin. 
O que pretendo demonstrar é que esta polêmica tese – muito conhecida, mas pouco 
compreendida – nos permite pôr em questão a teoria positivista da interpretação do direito, 
avançando na busca por novos fundamentos teóricos e epistemológicos para se pensar o 
controle racional e democrático das decisões judiciais. O ceticismo positivista, eis a questão, é 
uma teoria incompatível com o atual desenho político-institucional do país, posto que conta 
com instrumentais teóricos muito limitados, insuficientes para oferecer respostas satisfatórias 
aos principais problemas constitucionais da atualidade. 
2 POSITIVISMO JURÍDICO E DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL 
O positivismo jurídico é uma concepção cética do direito. Autores como Kelsen, por 
exemplo, tomam como dado da experiência a relatividade dos valores e, com ela, a 
 2 
impossibilidade de se estabelecer objetivamente e com exatidão a prioridade de um valor 
substantivo sobre outro. Por isso mesmo, “a nenhuma ordem jurídica positiva pode recusar-se 
validade por causa do conteúdo das suas normas. É este um elemento essencial do positivismo 
jurídico”.1 
De acordo com essa perspectiva, o direito é uma espécie de catálogo de regras que 
estabelecem direitos e deveres. Quando uma regra é vaga, ambígua ou lacunosa, isto é, 
quando o catálogo de direitos se esgota, é necessário recorrer – paradoxalmente – a padrões 
não-jurídicos para criar uma nova regra ou complementar uma existente. Esse ato – criativo e 
valorativo, por excelência – não é controlável, uma vez que esses padrões, por não fazerem 
parte do direito, não são obrigatórios, nem verificáveis. Ao agir assim, os juízes decidem 
discricionariamente. Agem de forma política, escolhendo uma dentre as várias interpretações 
possíveis. 
Dito de outra forma, a ciência jurídica propriamente dita limita-se a emitir juízos de fato 
– isto é, proposições descritivas, cuja veracidade pode ser atestada mediante a verificação da 
equivalência de seu enunciado com a norma-objeto descrita. Diferentemente do âmbito 
jurídico-prático, de aplicação do direito, no qual, em regra, são emitidos juízos de valor, 
assentes em proposições prescritivas, que sugerem alguma espécie de modificação no direito a 
partir de critérios não-objetivos (ideológicos, políticos ou morais). Assim, enquanto o primeiro 
tipo de enunciado é dotado de objetividade e pureza científica, o segundo tipo, isto é, o juízo 
de valor, carece de significação jurídico-científica, constituindo um ato não verificável. 
O positivismo propõe, nesse aspecto, uma teoria bifásica da interpretação jurídica ou da 
decisão judicial.2 Num primeiro momento, que é a fase jurídica propriamente dita, podem-se 
apontar com exatidão quais as interpretações possíveis para o caso. É o que Kelsen denomina 
de ato de conhecimento, que possibilita ao jurista descrever as possibilidades significativas de 
uma determinada norma.3 
Mas a interpretação não se resume a esse ato: envolve também um segundo momento, 
no qual o órgão aplicador do direito opta, discricionariamente, por um daqueles sentidos 
definidos na primeira fase. Este último ato – enquanto ato de vontade – é, por assim dizer, um 
ato arbitrário, de maneira que não se pode cientificamente determinar qual a decisão correta 
ou, por outros termos, uma única decisão como a mais justa ou verdadeira. Assim, segundo 
Kelsen, desde que adequadas à moldura da norma que fundamenta o caso, todas as 
interpretações são igualmente aceitáveis. 
De forma semelhante, para Hart, toda regra jurídica enuncia (1) um núcleo de certeza e 
(2) um núcleo de imprecisão, uma penumbra de dúvida.4 No primeiro caso, a aplicação é 
certa, clara e segura. São os casos fáceis, nos quais a aplicação do direito se dá sem muitas 
controvérsias, podendo ser representada por um esquema silogístico simplório. Diante de um 
esbulho realizado por um vizinho, por exemplo, um possuidor tem o direito a ser reintegrado 
na posse de seu imóvel. 
Já no segundo caso, a interpretação da norma não é tão clara, de maneira que há razões 
convincentes para aplicar a regra tanto em um sentido como em outro. É o que Hart chama de 
textura aberta da norma, uma zona de incertezas fruto da imprecisão da linguagem humana, 
que é incapaz de oferecer prescrições claras e exatas a todos os fatos e acontecimentos 
futuros. Assim, valendo-se do mesmo exemplo, a garantia da reintegração de posse não seria 
tão evidente se o imóvel fosse improdutivo e se o esbulho fosse realizado como parte de 
manifestações em prol da reforma agrária. Nesta hipótese, conforme a teoria de Hart, não 
haveria como dizer qual a resposta correta ao caso – ou seja, se o possuidor esbulhado tem ou 
não direito a ser reintegrado na posse – pois ambas as interpretações seriam possíveis. O juiz 
 
1
 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 242. Para uma análise das implicações do ceticismo positivista no 
modelo de controle de constitucionalidade proposto por Kelsen, cf. CARVALHO, Lucas Borges de. Fundamentos do controle de 
constitucionalidade: uma análise a partir dos modelos americano e austríaco. In: MACEDO,Paulo Emílio (org.). Direito e Política: Anais do II 
Congresso Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2005, p. 137-148. 
2
 IKAWA, Daniela. Hart, Dworkin e discricionariedade. Lua Nova, n. 61, 2004, p. 102. 
3 Op. cit., p. 392. 
4
 HART, Herbert. O conceito de Direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 139. 
 3 
escolheria uma das alternativas apenas por ser a mais aconselhável segundo suas próprias 
convicções, mas não teria como afirmar que se trata da escolha correta.5 
É contra esse modelo que Dworkin se insurge. De início, o autor estadunidense procura 
compreender qual o real significado da “discricionariedade judicial” pressuposta pelos autores 
positivistas. Em um sentido fraco do termo, a discricionariedade pode ser entendida como a 
capacidade do sujeito interpretar o direito segundo suas próprias convicções. Assim, pode-se 
dizer que o juiz decide de acordo com seu próprio discernimento, exercitando alguma 
capacidade particular de avaliação. Esta, no entanto, é uma definição trivial (e tautológica) do 
termo, pois se refere a uma característica inerente a qualquer ato de julgar, sem maiores 
conseqüências, portanto, para a controvérsia em questão.6 
Mas a tese positivista não menciona apenas esse sentido trivial da discricionariedade. Ela 
pressupõe uma outra definição, um sentido forte do termo, segundo o qual o juiz não está 
vinculado a padrões de nenhuma outra autoridade para decidir os casos difíceis. Afinal, quando 
o direito se esgota não há qualquer padrão jurídico imperativo ou objetivo que imponha aos 
juízes o dever legal de decidir em determinado sentido. 
Dworkin acata a primeira definição – de uma forma ou de outra, sempre interpretamos a 
partir das nossas próprias convicções – mas rechaça a segunda. O cerne de seu argumento 
contra a discricionariedade judicial, no sentido forte do termo, encontra-se na concepção de 
que o direito é composto tanto por regras como por princípios.7 Estes não são padrões extra-
jurídicos, que podem ser utilizados ao bel-prazer dos juízes. São padrões jurídicos obrigatórios, 
de maneira que os juízes têm o dever de elaborar a melhor interpretação possível do caso, 
determinando quais direitos as partes têm ou não, mesmo diante de “lacunas” ou 
“ambigüidades” das regras. 
A diferença, nesse aspecto, é que o positivismo pressupõe a existência de uma 
moralidade convencional, ou seja, uma moralidade que apenas se legitima em virtude de um 
acordo ou de uma convenção que, expressamente, lhe dá origem. A lei, nesse sentido, seria 
válida tão-somente porque fruto de alguma espécie de deliberação comum. 
O que Dworkin chama a atenção em suas análises é que nos sistemas jurídicos 
contemporâneos uma parcela considerável de princípios morais e legais decorre do que ele 
chama de moralidade concorrente. Nestes casos, ignorados pelos positivistas, os membros de 
uma comunidade também concordam em afirmar a existência de determinado princípio, mas o 
acordo é secundário para legitimar a sua pretensão de validade. É o próprio conteúdo do 
princípio que lhe confere sustentabilidade e aceitação, de modo que o consenso dura tão-
somente enquanto a maioria dos juristas e cidadãos aceita as convicções substantivas que o 
amparam.8 
Assim, no primeiro caso, seria decisivo para considerar, por exemplo, a 
homossexualidade imoral, o fato de que a maioria das pessoas assim pensa, 
independentemente do conteúdo dessa proposição expressar um posicionamento 
discriminatório, que fere o importante princípio moral consagrador da liberdade de orientação 
sexual. De forma diversa, na hipótese de moralidade concorrente, a ofensa a tais princípios 
morais, por si só, tornaria indefensável essa proposição, sendo secundário o fato de que 
grande parte das pessoas concorda com sua veracidade.9 
 
5
 RODRÍGUEZ, César. Teoría del derecho y decisión judicial: en torno al debate entre H.L.A. Hart y Ronald Dworkin. In: La decisión judicial: el 
debate Hart – Dworkin. Santafé de Bogotá: Siglo del Hombre, 1997, p. 74. 
6
 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 55. 
7 É importante ressaltar que Dworkin não propõe a substituição de um catálogo (de regras) por outro (de regras e princípios). O direito é uma prática 
construtiva, o que significa que os princípios não estão dados. Eles são controversos, vão se afirmando e se modificando ao longo do tempo, de 
maneira que dependem de interpretações construtivas da prática jurídica como um todo. 
8 DWORKIN, R. op. cit., p. 85. Dworkin cita como exemplo importante da moralidade concorrente o fato das mudanças históricas nas atitudes 
judiciais. Segundo o autor, ―a prática mudou em resposta a argumentos apresentados no contexto da discussão judicial, como argumentos sobre o 
que os juízes devem fazer em certos casos, e não em convenções miniconstitucionais específicas. [...]. Todos esses argumentos pressupunham [...] 
que as práticas estabelecidas que eles contestavam eram ortodoxias de convicção comum, não regras fundamentais de convenção. Tais argumentos 
teriam sido impotentes, e até mesmo tolos, se todos pensassem que as práticas que contestavam não precisavam de outro apoio além da convenção 
[...]‖. Cf. DWORKIN, R. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes: 2003, p. 167. 
9 DWORKIN, R. Levando os direitos a sério, p. 548-549. 
 4 
Como se observa, a teoria de Dworkin admite como fontes do direito não apenas as 
convenções e as deliberações, que fornecem elementos formais para a identificação do direito, 
mas também uma moralidade não convencional, que se sustenta na substância das 
proposições. É a compreensão dessa moralidade, tão comum nas práticas cotidianas dos 
juristas, e a demonstração de que os direitos decorrem não apenas do expressamente previsto 
em regras, mas também de princípios morais substantivos, que lhe possibilita reelaborar a 
idéia de completude do ordenamento jurídico.10 
Nessa perspectiva, o direito é compreendido como uma teia inconsútil, uma rede sem 
fissuras capaz de oferecer resposta a todos os casos.11 Mas essa teia não é um catálogo 
restrito de regras, como queriam os positivistas, onde as respostas estão todas prontas. É ao 
mesmo tempo mais e menos do que isso. É mais porque o direito não se limita às regras, 
envolvendo também princípios. E é menos porque os direitos e as respostas aos casos difíceis 
não estão dados, mas são construídos com base numa interpretação coerente do sistema 
jurídico como um todo. 
Nesse sentido, os juízes não decidem casos difíceis de forma discricionária, pois, 
apesar de a lei (regra) muitas vezes não conter todos os elementos para a 
tomada de decisão, o Direito oferece outros critérios que também compelem o 
magistrado. Não há uma liberdade total, onde o magistrado decide a partir de 
valores externos ao Direito, que, na maioria das vezes são os seus próprios, mas 
uma esfera carregada de princípios (que pertencem ao sistema jurídico) que 
limitam e impõem determinado sentido às decisões judiciais. É dentro dessa 
esfera que se deve decidir.
12
 
Nessa medida, mesmo quando nenhuma regra regula o caso, uma das partes continua 
tendo o direito de ganhar a causa.13 Isso significa que o juiz nunca está diante de um espaço 
vazio – o “vácuo positivista” – onde pode inventar ex nihilo novos direitos e aplicá-los 
retroativamente. Ao contrário, a sua tarefa é a de reconhecer os direitos pré-existentes na teia 
inconsútil que é o sistema jurídico, a partir da melhor, mais coerente e mais justa 
interpretação das normas e princípios aplicáveis ao caso. 
 
Em outras palavras, as partes têm direito a seu melhor juízo sobre a verdadeira 
natureza de seus direitos. [...] Se a decisão em um casodifícil deve ser uma 
decisão sobre os direitos das partes, as razões que a autoridade oferece para 
seu juízo devem ser do tipo que justifica o reconhecimento ou a negação de um 
direito.
14
 
Com essa argumentação, Dworkin nega a discricionariedade judicial no sentido forte do 
termo. Os juízes estão vinculados a princípios e têm a responsabilidade política de, nas suas 
decisões, fornecerem argumentos que justifiquem adequadamente por que um cidadão tem 
um direito ou um dever jurídico. E os direitos, vale lembrar, são trunfos políticos, de modo que 
se alguém tem um direito, tem também uma forte razão, que precisa ser levada em conta, 
para que a decisão seja tomada em seu favor. 
3 A TESE DA RESPOSTA CORRETA 
É no contexto de crítica à discricionariedade judicial e de compreensão dos direitos como 
trunfos políticos a serem levados a sério, que deve ser compreendida a polêmica tese 
dworkiniana da resposta correta. Assim como o argumento positivista pressupõe a 
impossibilidade de se afirmar uma interpretação como a mais justa para o caso15, a tese de 
Dworkin demanda uma argumentação em sentido contrário. 
 
10 IKAWA, D. op. cit., p. 106; RODRÍGUEZ, C. op. cit., p. 77. 
11 DWORKIN, R. op. cit., p. 180. 
12 VIEIRA, Oscar Vilhena. A constituição e sua reserva de justiça: um ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma. São Paulo: 
Malheiros, 1999, p. 199-200. 
13 DWORKIN, R. op. cit., p. 127. 
14 DWORKIN, R. op. cit., p. 163. 
15
 Kelsen, op. cit., p. 396, é explícito a respeito: ―a interpretação jurídico-científica tem de evitar, com o máximo de cuidado, a ficção de que uma 
 5 
De antemão, é importante deixar claro que ao dizer que existe uma resposta correta aos 
casos controversos, Dworkin não está ignorando a existência de posições conflitantes e de 
divergências profundas entre os juristas. Nem muito menos imagina um mundo de essências, 
um conjunto de princípios de direito natural ou qualquer outro padrão externo à prática 
jurídica que possibilite uma demonstração inelutável ou, talvez, “objetiva” em torno de qual a 
única interpretação certa para determinado caso. 
A defesa de Dworkin pauta-se no ponto de vista interno, ou seja, o ponto de vista do 
participante da prática. Em qualquer processo judicial, as partes defendem que seus 
respectivos pontos de vista constituem, de fato, o mais correto. Da mesma forma, um juiz ou 
uma juíza, quando defendem uma posição numa sentença, não estão fingindo que acreditam 
nela, mas agem e, efetivamente, sustentam seus argumentos como a interpretação mais 
correta para o caso. 
Assim, a tese da resposta correta é algo muito mais simples e trivial do que pode parecer 
à primeira vista. Representa, em termos teóricos, uma tese amplamente aceita pelo senso 
comum, de tal modo que seria bobagem defendê-la, não fosse o fato de ser negada, com tanta 
veemência, pelos filósofos do direito.16 
A fim de tornar mais clara a questão, imagine-se, a título de exemplo, que um filósofo 
positivista foi convidado a participar de um congresso que reúne magistrados de todo o país. 
Em sua palestra, o renomado professor assevera que os juízes, ao decidir casos controversos, 
apontando qual a melhor interpretação das normas em tela, cometem um grave equívoco. Isso 
porque, ao agir assim, eles parecem acreditar que existe uma resposta correta ao caso, 
quando, em verdade, sabe-se que existe mais de uma resposta ou interpretação, todas 
igualmente aceitáveis. Apesar de a idéia refletir alguma espécie de valor político, conclui o 
filósofo, os juízes deveriam admitir, ao menos entre eles, que a tese da resposta correta é, no 
fundo, um mito.17 
Duas objeções importantes podem ser direcionadas ao argumento do filósofo. 
Primeiramente, admita-se que, após o intenso convívio com os magistrados, o professor 
resolveu se graduar em direito e, em seguida, assumiu um cargo de juiz. Desde então, emite, 
diariamente, decisões fundadas em argumentos que ele considera mais abalizados do que 
outros. Mesmo sabendo que outras pessoas têm entendimentos diferentes, continua a 
defender suas polêmicas posições, como, por exemplo, a de que as ocupações de propriedades 
improdutivas por integrantes de movimentos de luta pela reforma agrária não configuram 
qualquer tipo de crime contra o patrimônio ou, ainda, a de que as uniões familiares 
homoafetivas são constitucionais. 
É possível, pergunta-se, que, enquanto juiz, ele defenda a veracidade de suas posições 
e, ao mesmo tempo, enquanto filósofo, diga que não existem respostas corretas aos casos 
difíceis? Como ele pode – e aqui se trata de uma questão de coerência – defender uma posição 
em determinado caso e, ao mesmo tempo, sustentar que ninguém pode ter razões desse tipo 
ou que todas elas são ilusórias? Existe um âmbito externo no qual, por meio de uma 
metalinguagem, pode-se proceder a uma análise objetiva da prática jurídica? Há alguma 
diferença entre a fala do filósofo e a fala do juiz? 
Se os juízes defendem posições e acreditam que elas são preferíveis a outras, mesmo 
havendo profundas discordâncias entre as partes, é difícil entender por que agem desse modo, 
 
norma jurídica apenas permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação: a interpretação ‗correta‘. Isto é uma ficção de que se serve a 
jurisprudência tradicional para consolidar o ideal da segurança jurídica. Em vista da plurissignificação da maioria das normas jurídicas, este ideal 
somente é realizável aproximativamente‖. 
16 Trata-se de uma ―[...] proposição jurídica extremamente frágil, de senso comum e usual que [...] seria mesmo bobagem defendê-la se ela não 
tivesse sido negada por tantos filósofos do direito‖. Cf. DWORKIN, Ronald. Pragmatism, right answers, and true banality. In: BRINT, Michael; 
WEAVER, William. Pragmatism in law and society. San Francisco: Westview, 1991, p. 359. 
Essa posição é denominada de ceticismo externo e pressupõe a distinção entre dois tipos ou níveis de discurso: o 
usual, interno à prática, tal como o dos juízes, e o objetivo ou arquimediano, externo à prática, tal como o do 
filósofo, de modo que somente no segundo nível poderiam ser feitas afirmações dotadas de alguma espécie de 
“objetividade” – como, por exemplo, a que sustenta não existir resposta correta num caso difícil. A argumentação 
de Dworkin é toda no sentido de demonstrar a impossibilidade dessa distinção: os dois tipos de discurso são, em 
verdade, discursos internos à prática. Cf. DWORKIN, Ronald. Objectivity and truth: you’d better believe it. 
Philosophy & Public Affairs, 25, n.º 02, 1996. 
 6 
se, de fato, não existe nenhuma razão ou possibilidade de se afirmar uma resposta como 
correta. O cerne da questão é que seja enquanto filósofo – isto é, como um observador 
externo – seja enquanto juiz – isto é, como um participante do “jogo” – o juiz-filósofo do 
exemplo tem as mesmas condições para sustentar seus pontos de vista. 
Mesmo como (um suposto) observador externo, ele precisa recorrer a argumentos 
morais, jurídicos e conceitos interpretativos – da mesma maneira que o faz quando defende 
uma posição numa sentença. O fato de estar “de fora” não lhe confere nenhuma superioridade 
ou melhores condições para defender seus posicionamentos quando em comparação com 
aqueles que estão do lado “de dentro” da empreitada.18 
Isso nos leva à segunda objeção. Ora, ao defender que não existe uma resposta correta 
para os casos difíceis, o filósofo também apresenta, tal como fazem os juízes nas suas 
decisões, uma pretensão de validade para o seu argumento. Desse modo, a sua tesede que 
“não existem respostas corretas” é um juízo que tem a pretensão de ser a resposta correta. 
Esta tese é, para o filósofo, a melhor interpretação possível da prática judicial – não à toa, o 
fato dele negar veementemente a tese da resposta correta – e é operacionalizada, como juízo 
moral interpretativo, do mesmo modo que as teses por ele defendidas enquanto juiz, tal como 
a constitucionalidade de uniões homoafetivas. No seu entender, enfim, os argumentos que 
sustentam sua teoria são superiores aos argumentos que sustentam a tese contrária.19 
Para Dworkin, não há como fugir a essa pretensão de validade ínsita a todos os discursos 
morais e jurídicos, sejam eles meta-discursos (tal como o do filósofo) ou discursos usuais (tal 
como o dos juízes). Não há, assim, uma diferença importante entre os dois tipos de 
afirmações. Ambas são, no fundo, afirmações do mesmo tipo, quer dizer, afirmações de cunho 
moral, “internas à moral, e não sobre ela”. Os dois tipos de juízo são, em síntese, juízos da 
mesma natureza.20 
O ceticismo externo, então, é um ponto de vista muito frágil e pouco sustentável, pois o 
cético não pode atacar toda e qualquer possibilidade de verdade sem se auto-contradizer, isto 
é, sem negar o seu próprio enunciado e as próprias condições de possibilidade de afirmar 
algo.21 Isso não significa que nenhuma forma de ceticismo seja possível. Pelo contrário, a 
crítica ao cético externo não atinge o ceticismo interno, representado por aquele cético que 
defende seus posicionamentos amparado em um juízo positivo – que admite como verdadeiro 
– para, então, negar a possibilidade de uma resposta correta. Trata-se de um juízo cético 
interno à prática, fundado, também ele, em premissas jurídicas e morais. 
Imagine-se um debate sobre o livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, no qual três 
renomados críticos literários discorrem sobre o famigerado dilema machadiano: afinal, Capitu 
traiu ou não traiu Bentinho? Cada um dos críticos propõe, ao longo do debate, uma 
interpretação diferente. O primeiro sustenta que sim, apontando várias passagens do livro nas 
quais a personagem deixa claro a sua atração por Escobar, amigo de seu marido. O segundo 
crítico sustenta a tese oposta, afirmando que qualquer leitura mais atenta da obra não poderia 
ignorar o perfil psicológico de Capitu, bem como a sua fidelidade incondicional aos valores do 
casamento. Por sua vez, o terceiro crítico argumenta que os dois primeiros estão 
completamente equivocados. A melhor interpretação da obra é aquela que deixa em aberto a 
questão, pois essa característica – a indeterminação, a dúvida e o dilema da traição – 
constitui, precisamente, o cerne da proposta machadiana. De modo que responder à pergunta 
e procurar respostas corretas a ela implica em desfigurar o livro enquanto uma das principais 
obras da literatura brasileira. 
 
18 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 208. 
19 DWORKIN, R. op. cit., p. 438. 
20 DWORKIN, R. O império do direito, p. 101. 
21
 Significa dizer que, aplicada a si mesma, a proposição cética de que ‗não existe resposta correta‘ ―suprime sua própria pretensão de validade. Tal 
autocontradição é do mesmo tipo daquela do paradoxo do mentiroso. O mentiroso diz: ‗todos são mentirosos‘, suprimindo sua própria pretensão 
de validade [...]. Eu não posso dizer, por exemplo, ‗eu não pretendo verdade para aquilo que estou dizendo‘, ou ‗não reivindico a compreensão por 
parte do outro‘, porque eu estaria cometendo uma autocontradição performativa, pois estaria ao mesmo tempo, reivindicando e suprimindo a 
pretensão de validade do meu ato de fala. [...] Ou seja, a proposição cética de que ‗não existe verdade‘, não pode ser pronunciada, pois ela 
pressupõe pelo menos a existência de uma proposição verdadeira, a saber, esta de que não existe verdade, admitindo, pois, a verdade‖. DUTRA, 
Delamar Volpato. Razão e consenso em Habermas: a teoria discursiva da verdade, da moral, do direito e da biotecnologia. 2ª ed. Florianópolis: 
UFSC, 2005, p. 174-176. 
 7 
Neste caso, portanto, ao contrário do juiz-filósofo, o ceticismo do terceiro crítico funda-
se, ele mesmo, sobre uma concepção do que seja uma obra literária, a qual ele sustenta como 
verdadeira, expressando seu posicionamento – não de fora, negando qualquer resposta, mas – 
a partir de enunciados literários, da mesma forma como fizeram os primeiros críticos. Para ele, 
existe uma e somente uma resposta correta: a de que não existe resposta ao dilema 
machadiano. Não se trata, enfim, de uma metalinguagem ou de um discurso sobre a prática 
literária, mas um discurso também literário, que defende que a melhor interpretação do livro é 
aquela que reconhece, em todos os seus termos, a dúvida quanto à traição. 
De forma semelhante, segundo Dworkin, se, em um debate, uma pessoa (1) diz que o 
aborto é imoral, outra (2) diz que é moral e uma terceira (3) afirma que a questão é 
indeterminada – de modo que o aborto não é nem moral, nem imoral –, está-se diante de três 
– e não de duas – posições morais substantivas. Também a terceira proposição representa um 
argumento moral, que demanda razões do mesmo tipo das utilizadas nas duas primeiras.22 
Desse modo, pode-se concluir que a proposição que nega a existência de uma resposta 
correta é uma proposição moral substantiva tal como as demais. Mesmo um ceticismo interno, 
como o dos últimos exemplos, demanda algum ponto de apoio, ou seja, sempre pressupõe a 
veracidade de alguma espécie de juízo (literário ou moral) que, em última instância, é o que 
lhe confere sustentação. 
No caso mencionado do aborto, por exemplo, a terceira proposição poderia estar 
assentada no juízo de que a moralidade é algo relativo, uma questão de cada cultura, não 
sendo possível fornecer, por isso, uma resposta correta ao caso. Já no exemplo do debate 
literário, o professor cético poderia sustentar sua argumentação com base na teoria de que a 
qualidade de uma obra situa-se no fato de despertar nos leitores sensações com as quais 
lidam diariamente, tal como a dúvida constante – e não a certeza – a respeito da traição. 
Como se observa, o ceticismo interno nega a existência de alguns juízos morais positivos – “a 
questão do aborto é indeterminada” –, mas, ao mesmo tempo, funda-se, como justificativa 
para o seu ceticismo, em juízos mais gerais desse mesmo tipo – “a moral é relativa a cada 
cultura”.23 
Contudo, poderia replicar o juiz-filósofo, isso não garante nenhum tipo de objetividade a 
essas proposições. Ainda que inexistam diferenças entre os dois tipos de discurso, ainda que 
ambos apresentem uma pretensão de veracidade ou estejam sustentados em juízos do mesmo 
tipo dos que pretendem rechaçar, isso não leva necessariamente à possibilidade de uma 
resposta correta, pois ambas as proposições são subjetivas, representando os interesses e as 
convicções particulares de cada sujeito, sem nenhuma referência a um padrão objetivo e 
independente de avaliação. 
Mais uma vez, o argumento do juiz-filósofo é equivocado. O que significa dizer que uma 
proposição jurídica é objetiva? Por exemplo, qual a diferença entre afirmar que “a 
homossexualidade é imoral” e afirmar que “a homossexualidade é objetivamente imoral”? Ora, 
segundo Dworkin, as duas assertivas têm a mesma natureza – são proposições morais – e 
possuem o mesmo significado. Ambas, portanto, mencionam que a homossexualidade é 
reprovável, com a única diferença, talvez, de uma maior ênfase na segunda alternativa. Não 
há nada que qualifique ou que possa qualificar uma proposição como mais “objetiva” do que 
outra. 
Os que pedem algum argumento dessa natureza [isto é, que reclamam da falta 
de “objetividade”] querem algo diferente do tipo deargumentos que eu e eles 
produziríamos a favor de exemplos ou casos particulares de tais julgamentos. 
Mas não vejo como poderiam existir tais argumentos diferentes. Não tenho nada 
a favor da objetividade dos julgamentos morais, a não ser argumentos morais, 
nada a favor da objetividade dos julgamentos interpretativos, a não ser 
argumentos interpretativos, e assim por diante.
24 
A discussão em torno da “objetividade”, na forma colocada pelo filósofo, ao demandar 
por um tipo de objetividade não compatível com a prática, é uma discussão falaciosa, que 
 
22 DWORKIN, R. Objectivity and truth, op. cit., p. 26. 
23 DWORKIN, R. op. cit., p. 02-03. 
24 DWORKIN, R. Uma questão de princípio, p. 257. 
 8 
ignora o modo pelo qual se travam as divergências jurídicas, criando, por isso, mais 
embaraços do que soluções ao problema. A questão ignorada pela argumentação do filósofo é 
a de que uma resposta é correta ou “objetiva” – e somente pode ser considerada correta ou 
“objetiva” – nos termos da própria atividade na qual ela é afirmada, não sendo possível 
recorrer a pontos externos de observação ou crítica. Em outras palavras, somente critérios da 
própria prática podem determinar se uma proposição é ou não verdadeira. Daí que “a questão 
do que „independência‟ e „realidade‟ constituem, para qualquer prática, é uma questão [que só 
pode ser resolvida] dentro dessa prática”.25 
Nesse aspecto, Dworkin supõe a existência de fatos morais, isto é, uma moral idealizada, 
produzida pelos próprios membros da prática, mas que pode ser tratada como independente 
destes. Tais fatos morais são frutos da história institucional de uma comunidade, na qual 
alguns preceitos se afirmam e se consolidam, em termos substantivos, como princípios morais, 
independentemente da existência de algum acordo ou convenção explícitos nesse sentido.26 
Nesse contexto, uma proposição jurídica é verdadeira, correta ou objetiva se a justificativa que 
apresenta para o conjunto das proposições ou dos fatos morais estabelecidos fornece melhores 
argumentos do que a proposição contrária.27 
Retomando, então, o tema da discricionariedade judicial, Dworkin afirma que, em 
sistemas jurídicos complexos, nos quais há um número considerável de precedentes judiciais e 
princípios morais consolidados, é bastante reduzido o âmbito no qual duas teorias ou 
interpretações podem oferecer justificativas igualmente boas – uma espécie de “empate” – 
para decisões opostas.28 Com efeito, ao se reconhecer que o direito é uma teia inconsútil 
composta tanto por regras como por princípios e ao se admitir que toda interpretação deve 
passar pelas dimensões de adequação – coerência mínima com as proposições estabelecidas – 
e justificação – melhor interpretação substantiva da prática jurídica como um todo – verifica-se 
que o sistema jurídico é composto por diversos elementos que impõem e levam à resposta 
correta. 
Assim, em resumo do exposto, pode-se dizer que mesmo quando não há um direito 
expresso, previsto em regras, os juízes devem identificar a melhor interpretação, a resposta 
correta para o caso em tela. Como acentuado, a resposta correta não é fruto de algum padrão 
imutável ou externo à prática jurídica. Ao contrário, encontra-se na própria prática. É a história 
de uma comunidade e a moralidade substantiva construída e afirmada ao longo do tempo que 
fornecem padrões obrigatórios e coercitivos sobre a atividade dos juízes. Acrescente-se a isso 
a exigência de justiça decorrente do necessário respeito aos direitos enquanto trunfos políticos 
fundados na dignidade humana e na igualdade de consideração e respeito. Nessa perspectiva, 
mesmo nos casos difíceis, as partes têm direito a uma decisão judicial que ofereça a melhor 
interpretação possível das normas e princípios em jogo. 
Isso demonstra que essa discussão não é meramente acadêmica, mas envolve uma 
mudança radical no modo de encarar as decisões judiciais. Enquanto no modelo da 
discricionariedade positivista impera a ausência de padrões decisórios vinculantes – e, com 
isso, a impossibilidade de crítica e controle efetivos – ao processo de decisão judicial, no 
modelo construtivista proposto por Dworkin elabora-se uma teoria mais complexa, que melhor 
representa a prática jurídica, em especial, o modo como os juristas agem e articulam 
argumentos no dia-a-dia. Aliado a isso, fornece uma forte pretensão normativa capaz de 
resgatar a racionalidade e a legitimidade do processo hermenêutico. 
Daí a importância das teses de Dworkin para se pensar a legitimidade dos tribunais. A 
teoria do direito não mais acata a auto-limitação pressuposta pelo positivismo jurídico e por 
 
25 DWORKIN, R. op. cit., p. 262-263. 
26 Cf. a distinção, já mencionada, entre moralidade convencional e moralidade concorrente. Como salienta Klaus Günther, de acordo com a 
concepção de Dworkin, ―é possível representar os fatos morais como um tipo de Moral idealizada – que nós mesmos produzimos – e, não 
obstante, tratá-los, enquanto idealização, como se fossem independentes de nós. É nesse sentido que se deve entender Dworkin quando sustenta 
que os enunciados ‗é verdadeiro que o aborto é imoral‘ e ‗o aborto é imoral‘ significam a mesma coisa. Com nossos enunciados morais somente 
temos a pretensão de fornecer a melhor interpretação desta moral idealizada [...]‖. Cf. GÜNTHER, K. ¿Impera el derecho sobre la política? 
(apresentação ao debate Habermas – Dworkin). La Política, n. 04, out. 1998, p. 09. 
27 DWORKIN, R. op. cit., p. 211. 
28 ―O empate é possível em qualquer sistema, mas será tão raro nos sistemas modernos a ponto de ser exótico. Não quero dizer que será raro que os 
juristas discordem qual teoria fornece, mesmo nessa dimensão [de adequação], uma justificativa melhor. Será raro que muitos juristas concordem 
que nenhuma fornece uma adequação melhor que a outra‖. DWORKIN, R. op. cit., p. 213. 
 9 
sua distinção entre atos de conhecimento e atos de vontade. De forma diversa, vai além e 
busca critérios racionais que possam evitar erros e injustiças, verificando se, na prática, os 
juízes decidiram da forma mais correta possível.29 
 
4 CONCLUSÃO 
As cotas para negros nas universidades são constitucionais? O aborto de feto 
anencefálico deve ser permitido? As ocupações de terra em prol da reforma agrária constituem 
atos criminosos que violam o direito de propriedade? Os agentes políticos devem ter foro 
privilegiado mesmo após o término de seu mandato? Os aposentados e pensionistas devem 
pagar contribuição previdenciária? 
Essas são algumas das mais relevantes – e polêmicas – questões da agenda política 
brasileira recente. Cito-as com o objetivo de demonstrar que, a depender de qual dos dois 
modelos seja adotado – isto é, o positivismo jurídico ou o modelo construtivista de Dworkin – 
o seu tratamento será feito de diferentes pontos de vista e com conseqüências bem distintas. 
Um autor positivista extremo pode, por exemplo, limitar-se a apontar as possíveis 
interpretações para o caso – todas adequadas à moldura da norma – concluindo, sem 
expressamente se posicionar, que “a interpretação autêntica e definitiva será dada pelo STF”. 
Pode, ainda, dizer que qualquer decisão permissiva, no caso de aborto ou de ocupação de 
terra, por exemplo, constitui “invenção” do direito, uma criação jurisprudencial, assentada em 
padrões extra-jurídicos (morais e ideológicos), que se “distancia” da “letra da lei” e da 
“vontade do legislador”. 
Por sua vez, um autor pós-positivista, que acata as teses de Dworkin, enfrentaria as 
questões mencionadas de um modo mais simples e direto. Exporia de forma transparente as 
concepções morais e políticas de fundo que sustentam seu argumento,tratando a questão 
como uma controvérsia política entre interpretações divergentes a respeito de nosso sistema 
constitucional. Sem receio da responsabilidade, o autor não se esquivaria de diferenciar o certo 
do errado, nem encobriria sua decisão em categorias semânticas moralmente neutras – tais 
como “vontade do legislador” e “interpretação extensiva”. Ao contrário, simplesmente 
procuraria a verdade ou, acaso se prefira, a melhor interpretação para o caso. 
Acatar a tese da resposta correta nada mais é do que reconhecer o que, de fato, e 
efetivamente, é a prática constitucional. O ceticismo positivista fornece uma representação 
equivocada, que muito confunde e obscurece os debates jurídicos. Rechaçar esse modelo, 
portanto, implica em mudar o foco dos estudos e pesquisas na seara do direito, vendo os 
intérpretes como sujeitos responsáveis, capazes de discutir abertamente as questões 
constitucionais, oferecer respostas e posicionamentos claros e, finalmente, apontar os erros e 
os equívocos de interpretações e decisões judiciais. 
O que você – caro leitor e cara leitora – pensa sobre essas questões? Concorda com a 
tese da resposta correta e com a afirmação de Dworkin de que, mesmos nos casos difíceis, 
existe uma única resposta, uma interpretação melhor do que a outra? Ou, acatando o 
ceticismo positivista, entende que não há como afirmar a superioridade de um dos argumentos 
em jogo? Isto é, concorda com a idéia kelseniana de que, desde que adequadas à moldura da 
norma, todas as interpretações são aceitáveis? 
Duas últimas observações. Se você pretende entrar no debate proposto acima e optar 
por uma das duas teorias expostas, então, inevitavelmente, terá dito qual a resposta correta 
no que concerne ao problema da objetividade na interpretação constitucional. Se isto ocorreu 
– isto é, se você tem uma posição definida a respeito – espero que seja em consonância com 
as teses construtivistas. É que, neste caso, como diz Dworkin, “temos a vantagem de ter a 
verdade ao nosso lado[...]” 
 
29 A negação da discricionariedade judicial e a busca de Dworkin por resgatar a racionalidade do processo hermenêutico envolve uma série de outros 
conceitos – em especial, a idéia de integridade do direito – em torno de como os juízes devem fundamentar suas decisões. A respeito, cf. 
CARVALHO, Lucas Borges de. Jurisdição constitucional e democracia: integridade e pragmatismo nas decisões do Supremo Tribunal Federal. 
Curitiba: Juruá, 2007. 
 10 
 
5 REFERÊNCIAS 
CARVALHO, Lucas Borges de. Fundamentos do controle de constitucionalidade: uma análise a partir dos 
modelos americano e austríaco. In: MACEDO, Paulo Emílio (org.). Direito e Política: Anais do II 
Congresso Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2005, p. 137-148. 
______. Jurisdição constitucional e democracia: integridade e pragmatismo nas decisões do 
Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2007. 
DUTRA, Delamar Volpato. Razão e consenso em Habermas: a teoria discursiva da verdade, da moral, 
do direito e da biotecnologia. 2. ed. Florianópolis: UFSC, 2005. 
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 
______. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 
______. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes: 2003. 
______. Pragmatism, right answers, and true banality. In: BRINT, Michael; WEAVER, William. 
Pragmatism in law and society. San Francisco: Westview, 1991, p. 359-388. 
______. Objectivity and truth: you‟d better believe it. Disponível em: 
<http://www.nyu.edu/gsas/dept/philo/faculty/dworkin/papers/objectivity.html>. Acesso: 20 jan. 2005. 
Originalmente publicado em: Philosophy & Public Affairs, 25, n.º 02, 1996. 
GÜNTHER, Klaus. ¿Impera el derecho sobre la política? (apresentação ao debate Habermas – Dworkin). 
La Política, n. 04, out. 1998, p. 05-11. 
HART, Herbert. O conceito de Direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. 
IKAWA, Daniela. Hart, Dworkin e discricionariedade. Lua Nova, n. 61, 2004, p. 97-113. 
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 
RODRÍGUEZ, César. Teoría del derecho y decisión judicial: en torno al debate entre H.L.A. Hart y Ronald 
Dworkin. In: La decisión judicial: el debate Hart – Dworkin. Santafé de Bogotá: Siglo del Hombre, 
1997, p. 15-88. 
VIEIRA, Oscar Vilhena. A constituição e sua reserva de justiça: um ensaio sobre os limites materiais 
ao poder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999. 
 
 11 
A REMUNERAÇÃO DO ADVOGADO: INVESTIGAÇÕES ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA 
DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA 
 
Fabiana Azevedo Araújo 
Especialista em Direito do Trabalho pelo 
CAD – Centro de Atualização em Direito e Advogada da União 
 
RESUMO: O presente artigo visa a estudar a natureza jurídica dos honorários de sucumbência 
recebidos pelos advogados, quando os mesmos laboram na condição de profissionais liberais, 
empregados e servidores públicos. A finalidade da verba honorária será considerada tendo em 
vista a jurisprudência do STF e STJ sobre o tema. Além disso, na avaliação da questão serão 
analisados conceitos de direito do trabalho e administrativo, bem como as disposições do 
Estatuto e Regulamentos da OAB. 
O objetivo principal deste trabalho e verificar se os honorários de sucumbência possuem ou 
não natureza remuneratória e quais as possíveis conseqüências de tal classificação. 
 PALAVRAS CHAVES: Honorários. Sucumbência. Alimentos. Remuneração. Salário. 
Subsídio. Contribuições previdenciárias. 
 
 
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Honorários Advocatícios; 2.1 
Conceito; 2.2 Histórico; 3 Caráter Alimentar dos Honorários 
Advocatícios; 3.1 Legislação e Jurisprudência; 3.1.1 
Honorários, Precatórios e a Decisão Paradigmática do STF; ; 
3.1.2 Honorários, Falência e a questão do privilégio. 
Precedente do STJ; 3.2 Honorários e Relação de Trabalho; 
3.2.1 Profissionais Liberais; 3.2.2 Advogado empregado; 
3.2.3 Advocacia Pública; 4 Natureza Jurídica dos Honorários 
de Sucumbência; 4.1 Salário, Remuneração ou um Terceiro 
Gênero?; 4.1.1 No Direito do Trabalho; 4.1.1.2 Analogia 
entre os honoráios, as gorjetas, as gueltas e o direito de 
arena; 4.1.1.2 No Direito Administrativo; 4.2 Incidência de 
Contribuição Previdenciária e sobre os honorários de 
sucumbência; 5 Conclusão; 6 Referências. 
 
1 INTRODUÇÃO 
O presente trabalho pretende investigar a natureza jurídica dos honorários de 
sucumbência, verba peculiar devida somente aos advogados em razão do êxito em demandas 
judiciais. 
No inicio desse texto dissertativo será analisada a origem histórica da parcela no Direito 
Romano e no Direito Brasileiro, verificando-se as diversas modificações pelas quais o instituto 
passou até os dias atuais. Principalmente, será examinado o grande marco legislativo para o 
reconhecimento da natureza remuneratória da verba, ou seja, a Lei nº 8.906/94 que 
reconheceu aos advogados a titularidade dos honorários advocatícios e o direito autônomo de 
executá-los. 
Em razão dessas disposições legais e da finalidade da parcela, qual seja, retribuir o 
trabalho prestado pelo advogado, será estudada a jurisprudência da Suprema Corte que 
chancelou o caráter alimentar da verba, para os fins previstos no art. 100, §1º-A da 
Constituição Federal. 
 Além desses aspectos legais e jurisprudenciais, serão verificados os regimes de 
prestação de trabalho do advogado, constatando-se que tais profissionais podem atuar na 
qualidade de autônomos, de empregados ou de servidores públicos. Após, será traçada a 
relação existente entre os honorários de sucumbência e os citados vínculos jurídicos, para se 
avaliar a compatibilidade entre eles. 
 12Após, buscar-se-á definir a natureza da verba, apontando-se os seus reflexos trabalhistas 
e previdenciários, e as suas peculiaridades 
Ao longo da monografia, restará demonstrado que o tema é extremamente divergente, 
razão pela qual, na prática, inexiste uniformidade no tratamento dispensado aos honorários de 
sucumbência. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, encontra-se dividido acerca da 
natureza alimentar da verba, tendo afetado a Corte Especial o julgamento do Recurso Especial 
nº 706331, para dirimir a controvérsia sobre a matéria. Tal notícia foi divulgada pela 
Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ (2007). 
Diante desse cenário de instabilidade, este trabalho objetiva tecer importantes 
conclusões acerca da natureza jurídica dos honorários de sucumbência. 
 
2 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS 
2.1 Conceito 
Honorários advocatícios constituem a contraprestação e a retribuição pecuniária pelo 
trabalho exercido pelo advogado. Subdividem-se em duas espécies, a saber: contratuais e de 
sucumbência. 
Os primeiros são fixados quando da celebração do contrato de prestação de serviços do 
advogado, quando este atua como trabalhador autônomo. Nesse instrumento, o profissional 
deve consignar os valores que deseja receber para remunerar o seu ofício. O art. 35 do Código 
de Ética da categoria recomenda a fixação dos honorários contratuais por escrito. 
Art. 35. Os honorários advocatícios e sua eventual correção, bem como sua 
majoração decorrente do aumento dos atos judiciais que advierem como 
necessários, devem ser previstos em contrato escrito, qualquer que seja o 
objeto e o meio da prestação do serviço profissional, contendo todas as 
especificações e forma de pagamento, inclusive no caso de acordo. 
 
O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB), Lei nº 8.906/94, em seu art. 22, 
§ 2º, prescreve que diante da ausência de estipulação do montante dos honorários, estes 
serão arbitrados pelo juiz, “em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico 
da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho 
Seccional da OAB”. 
Diante a liberdade de contratar, prevista no art. 421 do Código Civil, permanece válida a 
pactuação verbal de prestação de serviços advocatícios que estabelece o valor da verba 
honorária. Todavia, caso não cumprida espontaneamente pelo cliente, restará ao profissional a 
possibilidade da cobrança judicial, requerendo o arbitramento da remuneração. Nessa 
hipótese, não será possível a execução do contrato. 
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não impõe limite máximo para a estipulação dos 
honorários contratuais, contudo, estabelece uma tabela com os valores mínimos e 
recomendáveis, para guiar os trabalhadores nesse momento, evitando-se infrações éticas e 
prevenindo a concorrência desleal. 
A segunda espécie de honorários, qual seja, os de sucumbência são devidos somente na 
hipótese de atuação processual e contenciosa do procurador. Ressalte-se que o advogado pode 
desempenhar suas tarefas na seara consultiva e judicial. Somente nessa última é possível o 
recebimento da verba de sucumbência. 
 Nos procedimentos contenciosos, há a formação da lide (pretensão resistida), cabe ao 
advogado a representação em juízo das partes que se controvertem, numa verdadeira relação 
de mandato. Nesse processo, sempre um dos litigantes será vencido ou vencedor. A parte 
vitoriosa deverá ser ressarcida de todas as despesas judiciais, e o seu patrono fará jus ao 
recebimento de honorários pagos pela parte derrotada. Essa verba será calculada pelo 
 13 
magistrado conforme o art. 20, do CPC
30
. Consoante o art. 23 da Lei nº 8.906/94, os 
honorários de sucumbência são do procurador, que possui o direito de executá-los. 
Art. 23 - Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou 
sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para 
executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando 
necessário, seja expedido em seu favor. 
 
Verifica-se que a finalidade de ambas espécies de honorários advocatícios é a mesma, 
qual seja, recompensar o trabalho do profissional. Importa ressaltar, ainda, que mesmo 
quando o pagamento da verba é condicionado ao êxito do advogado na ação judicial, sua 
natureza de retribuição pelo trabalho desempenhado não se perde, persistindo o caráter 
remuneratório. 
Para melhor explicar essa espécie de contraprestação, seu propósito, sua natureza, etc., 
mister se faz traçar a evolução histórica do instituto, desde o seu surgimento, no Direito Romano e 
no ordenamento jurídico brasileiro, e as modificações sofridas até os dias atuais. 
 
2.2 Histórico 
A palavra “honorário” vem do latim honor. Este vocábulo latino significa honra, estima, 
consideração. A expressão jus honorarium utilizada por Justiniano como uma das fontes do 
Direito e inserida nas Institutas do Corpus Iuris Civilis englobava os éditos (ordens e decretos) 
dos magistratrus populi romani que, no início da judicatura, declaravam os princípios 
norteadores de seus trabalhos. Percebe-se, portanto que a grafia desse vocábulo pouco se 
alterou, diferentemente do que ocorreu com o seu sentido etimológico (SANTOS FILHO, 1998, 
p. 32). 
Segundo Fernando Jacques Onófrio (2005 p.27): ”No organismo judiciário romano, a 
advocacia objetivava antes de tudo o gaúdio espiritual, as honrarias e, até mesmo, o 
reconhecimento de dotes artísticos”. Esse autor explica que, nessa época, a profissão era 
composta apenas por pessoas das altas classes sociais que poderiam prestar seus serviços em 
troca de prestígio e favores políticos, sem receber qualquer quantia em pecúnia.
31
 
Ademais, a percepção de pagamento era expressamente proibida pela Lex Cincia, de 250 
a.C. Após, o Imperador Augusto ratificou o referido ato legislativo, por meio de um 
senatusconsultum, mais severo, que determinava àquele advogado (jurisprudente), que 
recebesse de seu cliente dinheiro como forma de retribuição por seu trabalho, o dever de 
restituir o quádruplo do valor percebido. 
Hugo Enrico Paoli, citado por Fernando Onófrio (2005, p.30) ensina que essa situação se 
modificou no Império de Cláudio, durante os anos 41 a 54, quando o recebimento de 
remuneração pela atividade advocatícia foi autorizado, porém, limitada à importância máxima 
de 10.000 (dez mil) sestércios, permanecendo, entretanto, vedados a verba quota litis (parte 
da vantagem auferida pelo patrocinado) e o palmarium (honorários excepcionais, na hipótese 
de êxito na causa). Foi durante o governo de Nero que ficou expressamente permitida a 
cobrança de honorários com a revogação da Lei Cíncia. 
 
30
 Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será 
devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. § 1º O juiz, ao decidir qualquer incidente ou recurso, condenará nas 
despesas o vencido. § 2º As despesas abrangem não só as custas dos atos do processo, como também a indenização de viagem, diária de 
testemunha e remuneração do assistente técnico. § 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por 
cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar de prestação do serviço; c) a natureza e 
importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. § 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor 
inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão 
fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidasas normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior. § 5o Nas ações de indenização por 
ato ilícito contra pessoa, o valor da condenação será a soma das prestações vencidas com o capital necessário a produzir a renda correspondente às 
prestações vincendas (art. 602), podendo estas ser pagas, também mensalmente, na forma do § 2o do referido art. 602, inclusive em consignação na 
folha de pagamentos do devedor. 
31
 ―Na antiga Roma, diz João Monteiro, era o fórum chamado de ‗ o viveiro das honras‘: est corpus advocatorum (...)‖. (MONTEIRO, apud 
ONÒFRIO, 2005, p. 27) 
 14 
Santos Filho (1998, p.32) relata que, no Direito Romano, regra geral, as próprias partes 
arcavam com as respectivas despesas processuais, sem que fosse considerado o êxito na 
demanda. No entanto, a origem remota da sucumbência está nas leges actiones. Nesse 
procedimento, no início da ação, ambos litigantes depositavam certa quantia; o vencido 
perderia o montante por ele consignado, na qualidade de imposto, para os sacerdotes ou para 
o erário, não para o vitorioso. Ainda, nessa época, surgiu em Roma a actio dupli que consistia 
em uma ação contra o derrotado, que resistira injustamente ao processo, cujo objetivo era o 
pagamento do dobro do valor da condenação, ou seja, nessa hipótese a imposição do ônus da 
sucumbência tinha natureza de penalidade. 
Tal situação perdurou até a Constituição de Zenão, em 487, que prescreveu que o 
magistrado condenaria, na sentença, a parte vencida ao pagamento das custas processuais. 
Além disso, esse valor poderia ser aumentado em até dez vezes, em caso de temeridade do 
perdedor. O referido ato normativo previu, ainda, que parte desse acréscimo poderia ser 
convertida em favor do vencedor, para reparação do dano sofrido, ou ser entregue ao fisco. 
Dessa maneira, note-se que esse diploma legal foi o grande marco, no Império Romano, 
que inspirou a disciplina dos honorários de sucumbência da forma como é feita hoje. Isso 
porque o vitorioso, a partir desse momento, poderia ser ressarcido dos custos da demanda, 
sendo que o pagamento das despesas do processo, pelo vencido, deixou de ter caráter 
meramente sancionatório, ocorrendo independentemente de má-fé da parte, mas em razão, 
apenas, da derrota processual. 
No Brasil Colônia, o advogado era considerado, pelas Ordenações, como funcionário da 
justiça (oficial do foro), daí surgiu o caráter público de sua atividade. Em razão dessa relevante 
função exercida pelos procuradores, estes não eram remunerados pelo governo, nem podiam 
cobrar de seus clientes o pagamento de honorários contratuais, deveriam contentar-se com os 
emolumentos, taxados no regimento de custas. O alvará, de primeiro de agosto de 1774, 
estipulou penas para os profissionais que violassem tal proibição. 
Somente, no império, os patronos puderam aceitar como pagamento de seus clientes os 
chamados “salários”, instituídos pelo Decreto nº 5.737, de 2 de setembro de 1874. Esse foi o 
primeiro ato normativo brasileiro que conferiu à contraprestação recebida pelos procuradores 
(na época “salários”, hoje, honorários) caráter remuneratório e possibilitou, ainda, a 
contratação quota litis. 
Antes do Código Processual de 1939, não existia nos tribunais brasileiros um critério 
uniforme relativo à condenação da parte vencida aos honorários. Essa norma consagrou o 
princípio da sucumbência, contudo, nos termos dos artigos 63 e 64, o pagamento da verba 
honorária assumia natureza de pena, pois estava condicionado à ocorrência de culpa ou dolo 
da parte derrotada. Essa exigência foi suprimida pela Lei nº 4.632/65 e pelo ora vigente art. 
20, da Lei nº 5.869/73 (atual CPC), que, foi modificado pela Lei nº 6.335/76, para 
salvaguardar o direito do advogado que atua em causa própria à percepção dos honorários. 
32
 
Até o advento da lei nº 8.906/94 (EOAB), que estabeleceu pertencerem ao advogado os 
honorários de sucumbência, a jurisprudência e a doutrina discutiam acerca de sua titularidade, 
conforme explica Yussef Said Cahali (apud OLIVEIRA, 2005): 
 
A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia e Ordem dos 
Advogados do Brasil), embora contendo dispositivos notoriamente polêmicos, teve 
o mérito contudo de enunciar claramente a quem pertencem os honorários 
advocatícios da sucumbência. Assim, ao estabelecer, em seu artigo 23, que "os 
honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem 
ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, 
podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu 
favor", o novel legislador buscou superar a aparente antinomia existente entre o 
artigo 20 do Código de Processo Civil e o artigo 99 do anterior Estatuto da Ordem 
dos Advogados (Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963), geradora de um 
inconciliável dissídio doutrinário e jurisprudencial. 
 
32
 Segundo Yussef Said Cahali (apud PAVANI, 2006), hoje, no direito processual brasileiro vigora o princípio da sucumbência, complementado pelo 
o da causalidade, segundo o qual o responsável pelas despesas processuais é aquele que deu causa à demanda. 
 15 
Antigamente, alguns operadores do Direito entendiam que a verba honorária era devida 
à parte, que poderia utilizá-la para pagar seu procurador ou ressarcir-se dos valores 
adiantados ao profissional As disposições do Estatuto da OAB, portanto, colocaram um ponto 
final na controvérsia, reforçando o caráter remuneratório dos honorários. 
Traçado esse panorama histórico, passa-se a analise da natureza jurídica da verba 
honorária e da composição da remuneração do advogado. 
 
3 CARÁTER ALIMENTAR DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS 
3.1. Legislação e Jurisprudência 
Uma vez que retribuem a atuação profissional, os honorários, além de possuir caráter 
remuneratório, constituem verba alimentar, pois são indispensáveis e destinam-se ao sustento 
da pessoa do advogado. 
Conforme ensina Kiyoshi Harada (2006, p. 10), o conceito de alimentos, em sentido 
amplo, engloba “toda percepção em dinheiro ou in natura relativa às despesas ordinárias e 
extraordinárias a que tem direito o alimentado: habitação, transporte vestuário, sustento, 
saúde, educação e lazer. Não se limita a salários e vencimentos”. Assim, não restam dúvidas 
de que os honorários se enquadram nessa definição, já que representam a fonte de renda do 
profissional. 
Corroborando a tese acima, Carlos Roberto Faleiros Diniz (2006, p. 56) explica que essa 
verba seja ela de sucumbência ou contratual “têm natureza alimentar de sustento do 
advogado, de sua família e dos encargos do escritório bem como para a atualização do 
profissional para o atendimento do cliente, e as próprias necessidades de um mercado cada 
vez mais competitivo”. 
Inclusive, por esse motivo, a legislação e a jurisprudência conferem tratamento especial 
a esse crédito, conforme será analisado a seguir. 
 
 
3.1.1. Honorários, Precatórios e a Decisão Paradigmática do STF 
O Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário (RE) nº 470.407, em 
09/05/2006, entendeu que tanto os honorários de sucumbência quanto os contratuais 
constituem créditos alimentares. 
Em razão disso, quando a verba é devida pela Fazenda Pública, recebe o tratamento 
especial dispensado aos salários, eis que possui preferência na ordem cronológica de 
apresentação dos precatórios, segundo o art. 100, §1º-A, da Constituição Federal (CF/88) de 
1988. Confira-se a ementa do referido julgado, in verbis: 
CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTÍCIA - ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO 
FEDERAL. A definição contida no § 1-A do artigo 100 da Constituição Federal, de 
crédito de natureza alimentícia, não é exaustiva. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS 
- NATUREZA- EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA. Conforme o disposto nos artigos 
22 e 23 da Lei nº 8.906/94, os honorários advocatícios incluídos na condenação 
pertencem ao advogado, consubstanciando prestação alimentícia cuja satisfação 
pela Fazenda ocorre via precatório, observada ordem especial restrita aos 
créditos de natureza alimentícia, ficando afastado o parcelamento previsto no 
artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, presente a 
Emenda Constitucional nº 30, de 2000. Precedentes: Recurso Extraordinário nº 
146.318-0/SP, Segunda Turma, relator ministro Carlos Velloso, com acórdão 
publicado no Diário da Justiça de 4 de abril de 1997, e Recurso Extraordinário nº 
170.220-6/SP, Segunda Turma, por mim relatado, com acórdão publicado no 
Diário da Justiça de 7 de agosto de 1998. (BRASÍLIA, STF, RE nº 470407, 
Relator Ministro Marco Aurélio, 2006) 
 16 
Pode-se citar ainda, outro julgado mais antigo de lavra Suprema Corte, relatado pelo 
Ministro aposentado Carlos Velloso, reafirmando a natureza alimentar dos honorários 
advocatícios e periciais, conforme se verifica do seguinte excerto: 
Embora a verba honorária não tenha natureza jurídica de salário, dele não se 
distingue em sua finalidade que é a mesma. A honorária é em suma, um salário 
ad honorem pela nobreza do serviço prestado. Tem, portanto, caráter alimentar, 
porque os profissionais liberais dele se utilizam para a sua mantença e de seu 
escritório ou consultório. (BRASILIA, STF, RE nº 146.318-0, Relator Ministro 
Carlos Velloso, 1997). 
Assim, note-se que o Pretório Excelso já concluiu diversas vezes que a finalidade da 
verba honorária é a mesma dos salários e dos proventos, ou seja, destina-se ao custeio das 
necessidades básicas de subsistência dos indivíduos, no caso específico analisado, dos 
advogados. 
 
3.1.2 Honorários, Falência e a questão do privilégio. Precedente do STJ 
Nos termos do art. 24 da Lei 9.906/94, o crédito referente aos honorários advocatícios 
possui privilégio na execução concursal, conforme se verifica a seguir: 
 
Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito 
que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na 
falência, concordata concurso de credores, insolvência civil e liquidação 
extrajudicial. 
A Lei nº 11.101/05 (nova lei de falências), dividiu os créditos privilegiados em duas 
espécies, especial e geral. Consoante o art. 83 do diploma falimentar, esses valores 
privilegiados, na ordem de preferência do concurso de credores, ainda encontram-se atrás dos 
créditos trabalhistas, dos assegurados por garantia real e dos tributários. Discute-se se, em 
razão da natureza alimentar dos honorários advocatícios, estes poderiam ser equiparados na 
execução concursal aos salários e demais verbas trabalhistas. 
Esse tema tem sido amplamente decidido pelos tribunais pátrios, havendo importante 
precedente do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que em razão do caráter alimentar e 
remuneratório dos honorários, nas falências, estes devem ser equiparados às parcelas 
trabalhistas, já que ambos os créditos possuem a mesma finalidade. Na decisão prolatada nos 
autos do Recurso Especial (Resp) nº 608.028-MS, em 28 de junho de 2005, pela 3ª Turma e 
relatada pela a Ministra Nancy Andrichi, restou sedimentado o seguinte entendimento: 
[...] os honorários advocatícios, mesmo de sucumbência têm natureza 
alimentar. A aleatoriedade no recebimento dessas verbas não retira tal 
característica, da mesma forma que no Direito do Trabalho, a aleatoriedade no 
recebimento de comissões não retira sua natureza salarial. A ausência de 
subordinação é irrelevante. Subordinação é um dos elementos de uma relação 
de emprego, mas não é elemento que justifica a natureza alimentar do salário. 
O que justifica é a necessidade de o empregado recebê-lo para viabilizar sua 
sobrevivência, aspecto que também se encontra no trabalho não subordinado 
prestado pelo causídico. Sendo alimentar a natureza dos honorários, estes 
preferem aos créditos tributários em execução contra devedor solvente. 
Inteligência contra o art. 186 do CTN. (Brasília, STJ, Resp nº 608.028, Rel. 
Ministra Nancy Andrichi , 2005). 
Frise-se que esse acórdão foi proferido antes da vigência da Nova Lei de 
Falências (Lei nº 11.101/05), todavia, mesmo com a alteração legislativa, 
subsistem os argumentos contidos na decisão reproduzida acima, uma vez que a 
utilidade e destinação dos honorários não se modificaram. Ademais, importa 
ressaltar que o novo diploma legal não previu norma específica em relação à 
verba honorária, razão pela qual subsiste a interpretação dada pelo STJ para a 
equiparação desse crédito ao trabalhista, pelo fato de ambos possuírem a 
mesma finalidade. 
Deve-se destacar, entretanto, que esse posicionamento demonstrado no julgado 
colacionado ainda não é unânime na jurisprudência brasileira, mas representa o leading case 
para a equiparação da dos honorários advocatícios aos créditos trabalhistas, em função de sua 
 17 
natureza de retribuição ao trabalho humano e de sua essencialidade para o sustento dos 
profissionais. 
A partir dessas ementas transcritas pode-se inferir que nos tribunais superiores é pacífico 
o entendimento de que a honorária constitui alimentos indispensáveis ao sustento do 
advogado, no entanto, ainda persistem dúvidas doutrinárias e jurisprudenciais acerca das 
implicações e efeitos que essa inteligência poderá gerar. Para melhor elucidar a questão, 
alguns aspectos sobre a natureza alimentícia dessa espécie de contraprestação serão 
estudados no presente trabalho. 
 
3.2 Honorários e Relação de Trabalho 
O operador do Direito pode exercer a advocacia por meio de várias relações jurídicas de 
trabalho, uma vez que o profissional poderá atuar como autônomo, como empregado ou na 
qualidade de servidor público, defendendo os interesses do Estado. Em todas as hipóteses 
mencionadas é possível a percepção da verba honorária de sucumbência, porém, com algumas 
especificidades variando conforme o caso. 
 
3.2.1 Profissionais Liberais 
Os advogados autônomos são aqueles que exercem sua atividade profissional sem o 
vínculo empregatício, ou seja, na relação jurídica estabelecida com o cliente falta um dos 
seguintes elementos: pessoa física no pólo passivo da relação jurídica (empregado), 
pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação. 
Regra geral, as partes celebram um contrato de prestação de serviços, remunerado por 
meio de honorários, ausente o requisito da subordinação. Por vezes, também, a pactuação 
pode se dar entre o cliente (que poderá ser pessoa física ou jurídica) e o escritório de 
advocacia (pessoa jurídica), fato que também elimina a possibilidade do vínculo trabalhista.
33
 
Nessa relação jurídica sem laços empregatícios, os honorários são por excelência a 
remuneração do profissional liberal, sejam eles contratuais ou de sucumbência, pois 
constituem a retribuição pelos serviços prestados pelo causídico na seara contenciosa ou na 
consultiva. 
Conforme já dito acima, a honorária é a única fonte de renda do autônomo e destina-se 
ao sustento do trabalhador e de sua família, além de ser indispensável para a manutenção do 
escritório e para a atualização do profissional. Assim, nessa espécie de relação de trabalho, os 
honorários, mais do que nunca, preservam sua natureza alimentícia. Inclusive, os julgados do 
STF e STJ, que atestam esse caráter da verba, analisaram, no caso, concreto a situação dos 
profissionais liberais. 
Uma das peculiaridades que envolvem essa relação jurídica é que muitas vezes a 
contraprestação pelas atividades prestadas se dá em nome da pessoa jurídica, escritório de 
advocacia, e não da pessoa natural responsável peloserviço. Mesmo nessas hipóteses, quando 
o pagamento é faturado em nome da sociedade, subsiste a natureza alimentar dos honorários, 
eis que sua finalidade não se altera. 
Nesse sentido, há decisão da 1ª Turma do STJ, proferida nos autos do Resp nº 566.190-
SC, conforme se verifica a seguir: 
 
[...] A natureza alimentar dos honorários autoriza sua equiparação a 
salários, inclusive para fins de preferência em processo falimentar. Esse 
entendimento não é obstado pelo fato de o titular de créditos de 
honorários ser uma sociedade de advogados, porquanto, mesmo nessa 
hipótese, mantém-se a natureza alimentar da verba. Recurso conhecido 
 
33
 Ressalte-se que muitas vezes a pessoa jurídica é utilizada como meio de fraude à legislação trabalhista, travestindo-se a relação de emprego de 
atividade autônoma. Todavia, neste tópico será analisada a situação do advogado profissional liberal, supondo-se a licitude do contrato de 
prestação de serviços. 
 18 
e provido. (Brasília, STJ, Resp nº 566.190, Rel. Ministra Nancy Andrichi, 
2005) (grifo do autor). 
 Resta claro, portanto, que os honorários constituem forma de retribuição pelo trabalho 
do advogado, profissional liberal, esteja ele atuando sozinho ou reunido a outros em uma 
sociedade. Mais uma vez, saliente-se que, nos termos da jurisprudência dos tribunais 
superiores, mesmo os honorários de sucumbência, cujo recebimento é aleatório, possuem 
cunho remuneratório e alimentar, pois o que prevalece na análise da natureza jurídica da 
verba é a sua finalidade e não a freqüência com que é recebida. Dessa forma, em razão de sua 
destinação, a honorária deve ser dotada dos mesmos privilégios que asseguram os créditos 
salariais. 
3.2.2 ADVOGADO empregado 
Os serviços advocatícios também podem ser prestados por meio de uma relação de 
emprego. O empregador contrata o advogado para defendê-lo judicialmente ou para solucionar 
consultas jurídicas, estando presentes nessa contratação os cinco elementos que caracterizam 
o vínculo celetista, quais sejam, a pessoalidade, pessoa física do contratado (empregado), a 
onerosidade, não-eventualidade e subordinação. 
Essa relação jurídica é regida pelo Estatuto da OAB (norma especial) e supletivamente 
pela consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Como forma de retribuição pelo trabalho 
prestado, o advogado é remunerado nos termos do art. 457 desse último diploma legal, 
recebendo salário. Logo, nessa espécie de vínculo não é possível a pactuação de honorários 
contratuais. 
Todavia, em caso de atuação contenciosa, o procurador ainda fará jus aos honorários de 
sucumbência, nos termos do art. 21 da Lei nº 8.906/94 (EOAB). 
Art. 21 - Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este 
representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados 
empregados. 
Assim, a renda do advogado empregado será composta pelo salário acrescido dos 
honorários de sucumbência. A primeira parcela deverá ser paga pelo empregador 
periodicamente conforme a CLT, já a segunda é custeada por terceiros (parte sucumbente) e o 
seu recebimento é aleatório, uma vez que condicionado ao êxito na demanda. 
Todavia, é necessário destacar que ainda que incerto o pagamento da parcela de 
sucumbência, sua finalidade permanece a mesma, qual seja, remunerar o trabalho do patrono 
e constituir renda para que o profissional arque com os ônus de sua subsistência. 
Sobre a possibilidade de negociação individual ou coletiva da referida verba, o §3º do art. 
24 da Lei nº 8.906/94 (EOAB) dispõe: “É nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou 
convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos 
honorários de sucumbência”. 
Ainda, o regulamento geral da OAB complementa essa previsão, estatuindo, em ser art. 
14, parágrafo único, que os valores decorrentes dos honorários de sucumbência devidos aos 
advogados empregados deverão constituir um fundo comum, cuja destinação será decidida 
pelos integrantes do setor jurídico da empresa empregadora. 
A constitucionalidade da prescrição que impede a negociação dos honorários dos obreiros 
foi questionada por meio da ADI nº 1.194-4. O Supremo Tribunal Federal, no dia 18.10.2006, 
entendeu por bem suspender definitivamente a eficácia do §3º, do art. 24 do Estatuto da OAB, 
prevalecendo a liberdade de contratar acerca da titularidade da verba de sucumbência. 
A partir dos apontamentos acima, conclui-se que essa verba remunera os serviços do 
advogado, constitui alimentos, está vinculada ao contrato de trabalho, eis que é paga em 
razão do sucesso no patrocínio de uma demanda do empregador. 
O art. 14 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB proclama que os 
honorários de sucumbência decorrem, primeiramente, do exercício da advocacia e só 
acidentalmente da relação de emprego, não integraram o salário ou a remuneração e não 
podem ser considerados para fins trabalhistas ou previdenciários. 
 19 
Contudo, apesar dessa regra, os honorários devem receber a mesma proteção dada às 
verbas salariais e remuneratórias, uma vez que todas essas parcelas possuem a mesma 
finalidade e natureza alimentar. 
 
3.2.3 Advocacia Pública 
Os advogados públicos
34
 são aqueles responsáveis pela defesa judicial dos interesses da 
administração pública (direta e indireta) federal e estadual e pela assessoria e consultoria 
jurídica do Poder Executivo. Esses profissionais são servidores públicos integrantes de cargos 
efetivos, que obtiveram aprovação em concurso público de provas e títulos, conforme o art. 
131 e 132 da Constituição Federal. 
Nos termos do art. 135 e do art. 39, §4º da Carta Magna, o seu trabalho é remunerado 
por meio de uma parcela única, denominada subsídio. Questiona-se se seria possível a 
cumulação dos honorários de sucumbência a esse subsídio, uma vez que o texto constitucional 
proíbe expressamente o acréscimo aos vencimentos desses funcionários públicos “de qualquer 
gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie 
remuneratória”. 
A OAB entende que o advogados públicos podem receber além do subsídio a verba de 
sucumbência, eis que esta não é paga pelo Estado, mas sim por terceiros (parte derrotada na 
ação). Além disso, segundo o já citado art. 14 do Regulamento Geral da OAB, os honorários de 
sucumbência não integram a remuneração, razão pela qual estariam fora da restrição contida 
no art. 39, §4º da Lei Fundamental. 
Por oportuno, ainda, importa destacar o parecer da Comissão do Advogado Público da 
OAB/SP que esclarece que são aplicáveis aos advogados públicos as disposições da Lei nº 
8.906/94 referentes à honorária, conforme determina o art. 3º, §1º, desse mesmo diploma 
legal. 
A interpretação sistemática do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 
nº 8906/94, em seus artigos 18 a 23, assegura do Advogado inscrito na OAB, a 
percepção de honorários convencionados e aos fixados na sucumbência. 
Portanto, independentemente de o Advogado exercer sua profissão a título público 
ou a título privado, os honorários incluídos na condenação lhe pertencem. Logo os 
artigos 18 a 21 da Lei nº 8.906/94 são aplicáveis, também, aos advogados 
estatutários ou celetistas do setor público. (ANDRADE; DIAS, 2005, p. 115). 
 
Na prática, o recebimento ou não dos honorários de sucumbência varia de acordo com a 
lei específica que rege cada carreira nos entes da federação. Por exemplo, os servidores da 
Advocacia-Geral da União não recebem qualquer quantia a título de honorários, estes são 
arrecadados pelo Estado. Já as Procuradorias de vários estados e municípios brasileiros, dentre 
eles, o de Minas Gerais
35
, repartem entre seus procuradores

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