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DIREITO_EMPRESARIAL_1_MATERIAL_2

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Sociedades. Conceito. Elementos caracterizadores. Sociedades unipessoais. Classificação - sociedades de pessoas e de capital. Sociedades cooperativas. A participação de pessoas casadas e impedidas.
1. Conceito de Sociedades
	Como já se viu, sociedades de dividem em simples e empresárias, podendo adotar diversos tipos societários. O artigo 981 do CC estabelece conceito legislativo de sociedade, pelo quê vale sua transcrição:
“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.”
	Dali se depreende que sociedades são contratos celebrados entre pessoas, naturais ou jurídicas, que se obrigam a contribuir com a sociedade para o efetivo exercício de atividade econômica.
	Quanto às pessoas, a sua pluralidade é um elemento regra, havendo poucas exceções, que serão vistas, em que a unipessoalidade é admitida. As pessoas podem ser naturais ou jurídicas, mas há alguns tipos societários que restringem esta liberdade: na sociedade em nome coletivo, só são admissíveis como sócios pessoas naturais, jamais jurídicas; e na sociedade em comandita simples, o sócio comanditado só pode ser pessoa natural. Nas demais formas societárias, não há limitação à natureza das pessoas.
	Os atos constitutivos das sociedades regidas no CC – comandita simples, em nome coletivo, simples pura e limitada – têm natureza de contrato plurilateral, como visto. Nas sociedades alheias ao CC, chamadas institucionais, o ato é um estatuto.
2. Sociedades Unipessoais
	 
	É cediço, como se viu no conceito legislativo de sociedades, que a pluralidade de sócios é elemento necessário, em regra. Ocorre que a lei admite, de forma temporária ou perene, a unipessoalidade, a título excepcional.
Veja que em regra a existência de um só sócio contraria a regra geral da formação de uma sociedade, e por isso seria causa de dissolução da sociedade. Contudo, o legislador preferiu estabelecer situações excepcionais em que se tolera o funcionamento da sociedade com um só sócio, em ordem a promover a preservação da atividade empresária e salvaguardar a função social da empresa.
Durante o prazo de recomposição, a responsabilidade do sócio remanescente é limitada a suas quotas, ou do contrário não haveria vontade em continuar a empresa por este sócio, dado o risco.
Tais são as exceções:
- A Lei 6.404/76, no artigo 206, I, “d”, garante o funcionamento da sociedade com um só acionista pelo período compreendido entre a constatação da unipessoalidade e a assembléia geral ordinária do próximo ano. É o primeiro caso de unipessoalidade temporária, em que se admite um período para recomposição do quadro social plural, ao invés de se dissolver a sociedade de plano. Veja:
“Art. 206. Dissolve-se a companhia:
I - de pleno direito:
(...)
d) pela existência de 1 (um) único acionista, verificada em assembléia-geral ordinária, se o mínimo de 2 (dois) não for reconstituído até à do ano seguinte, ressalvado o disposto no artigo 251;
(...)”
Não é técnico se falar que este prazo é de um ano, pois o período entre as assembléias pode variar muito, podendo chegar perto de dois anos entre si.
Expirado o prazo legal, se o acionista não conseguiu recompor a sociedade, será causa de dissolução da sociedade, de pleno direito. Não promovendo a dissolução, o acionista remanescente passa a ter responsabilidade ilimitada, vez que a sociedade se torna irregular. Vencido o prazo, o credor desta sociedade unipessoal irregular poderá, fazendo aplicação subsidiária do artigo 1.080 do CC, autorizada pelo artigo 1.089 do CC, ajuizar ação contra o sócio, diretamente, ou a sociedade e o sócio, em pólo solidário, sem que este sócio possa alegar benefício de ordem em relação ao capital social. Veja que não se trata de responsabilização por desconsideração da personalidade jurídica, e sim de imputação direta por infração praticada pelo sócio.
“Art. 1.089. A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código.”
“Art. 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.”
- O artigo 1.033, IV, do CC, estabelece situação similar para as sociedades regidas pelo codex civilista:
“Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
(...)
IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias;
(...)”
A diferença, de fato, entre esta situação e a do artigo 206 da lei 6.404/76, é o prazo: aqui, a recomposição deve ser feita em até cento e oitenta dias, sob pena de dissolução de pleno direito, a qual, se não procedida, torna o sócio remanescente ilimitadamente responsável, com fulcro no artigo 1.080 do CC.
	- O artigo 251 da Lei 6.404/76 estabelece a exceção da subsidiária integral:
“Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira.
§ lº A sociedade que subscrever em bens o capital de subsidiária integral deverá aprovar o laudo de avaliação de que trata o artigo 8º, respondendo nos termos do § 6º do artigo 8º e do artigo 10 e seu parágrafo único.
§ 2º A companhia pode ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do artigo 252.”
A subsidiária integral é uma companhia que tem como único acionista uma sociedade brasileira. Veja, então, que é um caso peculiar de sociedade unipessoal perene, ou seja, que pode existir validamente com um único sócio, sem precisar compor pluralidade de sócios jamais.
Em verdade, a subsidiária integral é sempre unipessoal. Se compuser-se quadro pluripessoal, a sociedade deixa de ser subsidiária integral. É o estatuto desta que determina se haverá pluralidade ou não, algum dia.
Note-se que a subsidiária integral somente pode adotar o tipo societário S/A, pois assim prevê a lei, neste artigo 251. A sociedade que é sócia desta S/A, porém, pode adotar qualquer tipo societário, pois a lei menciona que o único acionista será “sociedade brasileira”, e não “companhia brasileira”. Assim, nada impede que uma LTDA, por exemplo, seja a única sócia de uma S/A subsidiária integral.
A responsabilidade do acionista é limitada, vez que ele é um sócio como outro qualquer da S/A, que calha de ser uma subsidiária integral. Da mesma forma, a responsabilidade do sócio desta sociedade, que é a única sócia da subsidiária integral, é atinente ao tipo societário que for: se esta é uma LTDA, sua responsabilidade é limitada; se a sociedade sócia exclusiva da subsidiária integral for uma sociedade em nome coletivo, por exemplo, todos os sócios terão responsabilidade ilimitada.
- As empresas públicas são outro exemplo de sociedades que podem assumir a forma unipessoal perenemente. Em essência, não são unipessoais: são empresas em que a totalidade do capital social é detido pelo Poder Público, mas não necessariamente a um só ente. Se calhar de um só ente público deter cem por cento de seu capital, é caso de unipessoalidade, e esta pode ser permanente. No Brasil, há um exemplo: a Caixa Econômica Federal é da União, sem mais sócios.
- Tavares Borba defende que a sociedade em que haja composição dos quadros por mais de um sócio, mas é notória a atividade de um só sócio, sendo que a divisão do capital lhe contempla a absoluta maioria, deixando parte ínfima ao outro sócio, é sociedade aparente, ou fictícia, que só se compõe com o fito de burlar as regras da responsabilidade ilimitada, caso este sócio realizasse a empresa sozinho (quando seria empresário individual). Neste caso, há unipessoalidade de fato, mesmo que formalmente haja pluralidade.
	Assim sendo, é caso em que o credor poderá pleitear a desconsideração da personalidade jurídica, por vício de constituição, fraude originária, invadindo o patrimôniopessoal de ambos os sócios.
3. Requisitos Essenciais das Sociedades
O primeiro requisito é justamente a pluralidade de sócios: ressalvadas as exceções exibidas, a sociedade deve ser composta por ao menos dois sócios.
O segundo requisito é a necessária contribuição dos sócios com bens ou serviços. Como já se viu, a sociedade de capital e indústria não mais existe, mas os sócios ainda podem contribuir exclusivamente com serviços nas sociedades simples puras e nas sociedades cooperativas. Veja:
“Enunciado 206 do CJF - Arts. 981, 983, 997, 1.006, 1.007 e 1.094: A contribuição do sócio exclusivamente em prestação de serviços é permitida nas sociedades cooperativas (art. 1.094, I) e nas sociedades simples propriamente ditas (art. 983, 2ª parte).”
Outro requisito é a necessária partilha entre os sócios dos resultados da atividade empresária, ou seja, jamais poderá o contrato excluir o sócio da percepção de lucros, sob pena de nulidade da cláusula que assim dispuser. Há quem sustente que pode haver a suspensão temporária de direitos essenciais dos sócios – como o é a percepção dos lucros –, calcando este entendimento no artigo 120 da Lei 6.404/76, em interpretação sistemática com o artigo 1.008 do CC:
“Art. 120. A assembléia-geral poderá suspender o exercício dos direitos do acionista que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto, cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação.”
“Art. 1.008. É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas.”
3.1. Affectio Societatis
Último requisito que demanda explanação é a affectio societatis. A definição deste elemento subjetivo, volitivo, é a intenção dos sócios em constituir a sociedade, ou dar continuidade à atividade. Assim, a affectio é verificada originariamente, ou seja, é medida da vontade do sócio em se associar; e no curso da existência da sociedade, medida da vontade do sócio em permanecer conduzindo-se associado, ou seja, dar continuidade à sociedade.
Muito se confunde a presença da affectio com a natureza da sociedade, separando-as em sociedade de pessoas ou de capital. Veja que se valer desta separação para dizer que a sociedade de pessoas tem affectio e a sociedade de capital não tem é critério atécnico, pois na sociedade de capital pode haver affectio, decerto, pondo por terra este critério. O que diferencia a sociedade de pessoas da de capital não é a presença ou não da affectio, que é requisito indispensável em ambas; a diferença está na preponderância, na sociedade de pessoas, na figura dos sócios (o que é a própria pessoalidade), ou seja, os sócios se associam de acordo com a confiança recíproca que depositam entre si. E é por esta confiança, esta pessoalidade, que os sócios devem admitir a entrada de terceiros no quadro social.
Já na sociedade de capital, o elemento que prepondera é o capital, e não a pessoa do sócio. É a contribuição pecuniária que tem relevância, e não a figura do sócio, motivo pelo qual a entrada ou saída do quadro social é livre. 
É necessário, então, se analisar a questão da presença ou não da affectio nas sociedades anônimas. Antes de tudo, é necessário se traçar a diferença entre as companhias abertas e fechadas: segundo o artigo 4° da Lei 6.404/76, a S/A é aberta quando tem seus valores mobiliários admitidos à negociação no mercado:
“Art. 4o Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.
(...)”
Veja que não é apenas a admissão das ações no mercado que torna a S/A aberta, e sim qualquer valor mobiliário, como debêntures e bônus de subscrição, além das ações (lembrando que partes beneficiárias, espécies de valores mobiliários, não podem ser emitidas por companhias abertas, e portanto não são negociáveis no mercado). Assim, se a S/A não em ações no mercado, mas tem debêntures, por exemplo, admitidas a negócios no mercado, é considerada aberta.
A S/A é fechada quando seus valores mobiliários só são admitidos a negociação com terceiros, diretamente, sem exposição livre ao mercado. Por óbvio, os valores mobiliários têm maior liquidez na S/A aberta; por isso, suas ações são de livre compra e venda, ou seja, o sócio pode entrar ou sair da sociedade livremente, bastando colocar suas ações à venda no mercado.
Suponha-se a seguinte situação: acionista de S/A fechada propõe ação de dissolução total por fundamento na quebra da affectio, restando comprovado o fato que identificou esta quebra. Seria procedente esta ação?
Veja que na sociedade anônima fechada há entendimento de que, se quebrada a affectio, será causa bastante à dissolução, mas não total: será possível a dissolução parcial, ou seja, a retirada do sócio havendo sua parcela de capital. Não haverá dissolução total por respeito aos princípios da preservação da atividade, e à função social da empresa. Este é o posicionamento reiterado do STJ, e o acompanha o CJF. Veja:
“Enunciado 390 do CJF- Em regra, é livre a retirada de sócio nas sociedades limitadas e anônimas fechadas, por prazo indeterminado, desde que tenham integralizado a respectiva parcela do capital, operando-se a denúncia (arts. 473 e 1.029).”
Mesmo tendo sido requerida a dissolução total, poderia o julgador dar procedência parcial, a fim de conceder a dissolução parcial, sem configurar julgamento extra petita, pois quem pode o mais, pode o menos. E ressalte-se: só há procedência porque a S/A é fechada, pois a liquidez de suas ações é menor (uma vez que não as pode expor ao mercado); fosse aberta, não haveria interesse processual em dissolução da sociedade, sequer em dissolução parcial, pois poderia o sócio simplesmente colocar as suas ações à venda, no mercado, retirando-se muito mais facilmente da sociedade.[2: A expressão dissolução parcial é construção doutrinária, pois o CC trata a hipótese sempre como resolução da sociedade em relação a um sócio.]
4. Casados e Impedidos
O artigo 977 do CC traz a seguinte previsão:
“Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.”
Este artigo inaugurou, quando o CC de 2002 entrou em vigor uma polêmica sobre os empresários casados. Isto porque o antigo regime não previa qualquer impedimento aos casados, na composição de sociedades. Hoje, como se vê, se impõe a limitação referente ao regime: se casados em regime de separação legal, ou comunhão universal, não poderão contratar sociedade entre si.[3: É claro que esta regra não tem aplicabilidade para as situações consolidadas antes da entrada em vigor do novo CC, pois deve ser respeitado o direito adquirido e ato jurídico perfeito.]
Veja a posição do CJF nesta questão:
“Enunciado 204 do CJF - Art. 977: A proibição de sociedade entre pessoas casadas sob o regime da comunhão universal ou da separação obrigatória só atinge as sociedades constituídas após a vigência do Código Civil de 2002.”
Assim, o artigo 2.031 do CC, quando determina a adaptação das sociedades ao novo regime, não tem aplicação ao artigo 977. 
“Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2007.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às organizações religiosas nem aos partidos políticos.”
Outra interpretação é quanto à expressão “com terceiros”: o que o artigo impede é a presença de pessoas casadas nestes regimes em uma mesma sociedade, ou seja, é claro que os cônjuges casados nestas condições poderão contratar sociedade com terceiros, desde que na mesma sociedade o seu cônjuge não figure como sócio. Esta é a interpretação dada pelo CJF:
“Enunciado 205 do CJF - Art. 977: Adotar as seguintes interpretações ao art. 977: (1) a vedação à participação de cônjuges casados nas condições previstas no artigorefere-se unicamente a uma mesma sociedade; (2) o artigo abrange tanto a participação originária (na constituição da sociedade) quanto a derivada, isto é, fica vedado o ingresso de sócio casado em sociedade de que já participa o outro cônjuge.”
Sociedades. Espécies - sociedades simples e empresárias. Conceito. Noções gerais. Caracterização. Elementos de distinção. Cooperativas. Atividade Rural.
1. Atividade Rural
	Os artigos 971 e 984 do CC tratam desta situação: o artigo 971 trata do empresário individual rural; o 984, da sociedade rural. São exemplos de atividade rural a agricultura, a pecuária, dentre outros.
“Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.”
“Art. 984. A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária.
Parágrafo único. Embora já constituída a sociedade segundo um daqueles tipos, o pedido de inscrição se subordinará, no que for aplicável, às normas que regem a transformação.”
A sociedade ou o empresário rural é aquele cuja principal atividade seja rural. Quando assim for, poderá optar por registrar-se na Junta Comercial ou no RCPJ. Registrando-se no RCPJ, não será considerada, a atividade, como empresária; se inscrever-se na Junta, no RPEM, será empresária.
Vejas que a atividade de empresa e depreendida de um critério real, e não formal, em regra. A sociedade ou a pessoa física será considerada empresária a partir de um critério real, ou seja, da verificação fática da natureza da atividade, e não da constatação do órgão em que foi registrada. Será empresário aquele que exerce a atividade econômica organizada, e por isso o registro, para a atividade de empresa, tem mera natureza declaratória: não é o registro que constitui a natureza de empresário, apenas se restando a declarar sua existência fática. Ocorre que a atividade rural subverte esta regra: se o indivíduo exerce atividade rural economicamente organizada, ainda assim poderá ser considerado não empresário, bastando, para isso, que opte por registrar-se no RCPJ, e não no RPEM. Portanto, a condição de empresário rural é adquirida com o registro, com a opção pelo RPEM, ou seja, é meramente formal: o registro é constitutivo da qualidade de empresa.
Esta é a posição da doutrina majoritária, de que o registro do empresário rural no RPEM é uma exceção à regra, pois é constitutivo da natureza de empresária à atividade. Há, porém, tese contrária, minoritária – por todos, Cláudio Calo – que sustenta que, ainda que seja atividade rural, o registro só pode ter natureza declaratória: vai apenas extrair da realidade a natureza empresária da atividade. Assim, se a atividade rural não for economicamente organizada, não poderá haver opção, não poderá o indivíduo ou sociedade se registrar no RPEM, sendo obrigatória a inscrição no RCPJ.
Na verdade, a controvérsia sobre a atividade rural é grande. Para Sérgio Campinho, assim se apresenta a situação: se a atividade for rural, seja ela organizada ou não, é o bastante para que a pessoa, indivíduo ou sociedade, possa optar pelo registro no RCPJ ou RPEM. Sendo assim, se a atividade for organizada, será empresária de fato, mas será empresária apenas se levada ao registro no RPEM, o qual é uma opção do sujeito. Se não for organizada, ou seja, se for atividade rural econômica simples, não empresária de fato, ainda assim poderá ser levada ao registro no RPEM, se for da vontade do sujeito, quando então será empresária: há a opção de, mesmo sendo materialmente atividade de sociedade simples, ou de pessoa natural não empresária, registrar seus atos na Junta Comercial, quando então será reconhecida como empresária. Em suma, para Campinho, o único requisito para que haja a opção entre registro no RPEM ou no RCPJ é que haja atividade rural. Registrada no RPEM, mesmo que tenha natureza material de atividade simples, será empresária, com todos os consectários – para efeitos falimentares, inclusive.
Para Mônica Gusmão, o critério para haver a possibilidade de opção é mais intrincado. Segundo exegese do artigo 971 do CC, é necessário, para que haja opção, que o empresário tenha como principal atividade a rural. Dali surgem, então, dois requisitos: é necessária a presença de atividade rural economicamente organizada, dando o caráter de empresário que está textualmente apontado no artigo – e não qualquer atividade rural –, e a principal atividade do empresário deve ser rural. Somente com a cumulação destes dois requisitos cria para a pessoa, para o indivíduo ou sociedade, a faculdade de registrar-se na Junta Comercial ou no RCPJ. Para esta segunda corrente, então, se não há esta cumulação de requisitos, e a sociedade se registra no RPEM, é irregular, e por isso será tratada como sociedade em comum.
Corroborando a segunda corrente, há os enunciados 201 e 202 do CJF:
“Enunciado 201 do CJF - Arts. 971 e 984: O empresário rural e a sociedade empresária rural, inscritos no registro público de empresas mercantis, estão sujeitos à falência e podem requerer concordata.”
“Enunciado 202 do CJF - Arts. 971 e 984: O registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção.”
Veja que, em ambos os enunciados, se usa o termo “empresário”, entendendo que a atividade deve ser materialmente empresária para haver a opção pelo registro no RPEM.
Segundo ponto controvertido sobre a atividade rural é quanto à cumulação desta atividade com outra de natureza industrial. Sérgio Campinho entende que, havendo atividade industrial concomitante à atividade rural, esta será considerada empresária, sendo imposto o registro no RPEM, não sendo necessário cogitar-se qual será a preponderante. Sendo ou não preponderante a atividade rural, se há cumulação de atividade industrial, não há opção no registro: será necessariamente na Junta Comercial.
A corrente majoritária, porém, fazendo uma leitura mais literal dos artigos 971 e 984 do CC, entende que mesmo se houver cumulação com atividade industrial, se a atividade rural for preponderante, se for a principal atividade, vai haver o direito de opção no registro. Neste diapasão, só será materialmente empresária a atividade da pessoa que, cumulando atividade rural e industrial, tiver a indústria preponderando sobre a atividade rural. Se a atividade rural preponderar, poderá haver escolha do registro, no RPEM ou no RCPJ.[4: O critério para verificar qual é a atividade principal é pela eliminação hipotética: se suprimida uma das atividades, a outra for suficiente para manter a atividade da pessoa, é porque a suprimida não era preponderante.]
Tipos societários: Sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada, sociedade anônima, sociedade em comandita por ações. Adoção dos tipos societários pelas sociedades empresárias e simples. Efeitos. 
1. Tipos Societários
	As sociedades, simples ou empresárias, podem assumir diversas formas, cada qual com suas particularidades. Não se pode confundir as categorias espécies de sociedade, que são apenas duas – simples ou empresárias –, com as formas, os tipos societários que estas espécies podem assumir. Veremos aqui os tipos societários presentes no ordenamento brasileiro.
	Rememorando, as sociedades empresárias são aquelas que exercem atividade econômica organizada,contando com o elemento de empresa, buscando o lucro. As sociedades simples, por sua vez, também desempenham atividade econômica, mas não contam com o elemento de empresa, carecendo do elemento organização. Ambas podem assumir os tipos societários presentes no CC, nos artigos 1.039 a 1.092, como prevê o artigo 983 do CC:
“Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias.
Parágrafo único. Ressalvam-se as disposições concernentes à sociedade em conta de participação e à cooperativa, bem como as constantes de leis especiais que, para o exercício de certas atividades, imponham a constituição da sociedade segundo determinado tipo.”
	Veja um esquema gráfico:
Pura.
Em nome coletivo;
Em comandita simples;
Limitada;
Sociedade anônima;
Em comandita por ações.
Simples
Sociedades
Empresária	
	Abordaremos os tipos em nome coletivo, em comandita simples e em comandita por ações, pois as formas limitada e sociedade anônima serão tema específico no futuro.
1.1. Sociedade em Nome Coletivo
	Este tipo societário vem previsto no artigo 1.039 do CC:
“Art. 1.039. Somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome coletivo, respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais.
Parágrafo único. Sem prejuízo da responsabilidade perante terceiros, podem os sócios, no ato constitutivo, ou por unânime convenção posterior, limitar entre si a responsabilidade de cada um.”
	Esta sociedade apresenta algumas características bem específicas: os sócios somente podem ser pessoas físicas, naturais, não sendo admitida pessoa jurídica como sócia na sociedade que adota esta forma. Mas a característica mais distintiva desta forma societária é a responsabilidade social: é solidária e ilimitada.
	A solidariedade diz respeito à relação entre os sócios, e não entre sócios e a própria sociedade, pessoa jurídica em nome coletivo por eles composta. Entenda: se a sociedade contrai uma obrigação no mercado, e desta é inadimplente, o credor não poderá interpretar a solidariedade prevista neste artigo como se o pólo devedor fosse formado pelos sócios, solidariamente: seu crédito é perante a sociedade, pessoa jurídica, e não perante o sócio. Destarte, o crédito é exigível da sociedade, e a responsabilidade dos sócios será subsidiária à da sociedade. No exemplo dado, o credor deve exigir seu crédito da sociedade e, somente após exaurido o patrimônio da pessoa jurídica, invadir o patrimônio de cada sócio – aí, sim, solidariamente entre eles.
Impõe-se, portanto, o benefício de ordem, trazido nos artigos 1.023 e 1.024 do CC:
“Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.”
“Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.”
Assim, em síntese, a sociedade e os sócios relacionam-se em subsidiariedade; os sócios, entre si, relacionam-se em solidariedade. Extenuado o patrimônio da pessoa jurídica, somente então os sócios se tornam solidariamente responsáveis pelo que remanescer.
Alcançando, a dívida, o patrimônio de cada sócio, este responde ilimitadamente com seu patrimônio pessoal, como dispõe o artigo. Contudo, se apenas um dos sócios tiver seu patrimônio invadido, este guarda direito de regresso contra os demais, proporcionalmente a cada quota. Note-se que o contrato social pode prever “parcelas de responsabilidade” diversas entre os sócios (como dispõe o parágrafo único do artigo 1.039 do CC), mas este rateio de responsabilidade não é oponível aos credores: será sempre solidária e ilimitada a responsabilidade de cada sócio, perante o credor, podendo cobrar de apenas um deles a integralidade da dívida remanescente; todavia, em relação ao direito de regresso entre os sócios, aquele que arcar com parcela maior do que o contrato social lhe atribui poderá regressar pelo excesso contra os demais, na proporção das quotas ou na medida em que o contrato social previr.
1.1.1. Blindagem das Quotas em Relação às Obrigações Particulares dos Sócios
O artigo 1.043 do CC estabelece uma previsão peculiar:
“Art. 1.043. O credor particular de sócio não pode, antes de dissolver-se a sociedade, pretender a liquidação da quota do devedor.
Parágrafo único. Poderá fazê-lo quando:
I - a sociedade houver sido prorrogada tacitamente;
II - tendo ocorrido prorrogação contratual, for acolhida judicialmente oposição do credor, levantada no prazo de noventa dias, contado da publicação do ato dilatório.”
Este artigo dispõe que, havendo uma sociedade em nome coletivo, as obrigações pessoais de um determinado sócio não poderão ser satisfeitas pela liquidação das suas quotas nesta sociedade, como regra. O credor só poderá pedir a liquidação das quotas, a fim de satisfazer dívida particular de um dos sócios perante si, quando da dissolução da sociedade.
Veja que aqui se opera uma verdadeira “blindagem patrimonial” do sócio, devedor particular, detentor de quotas da sociedade em nome coletivo. A regra, segundo o caput deste artigo, é que não se podem liquidar quotas do sócio, devedor particular, para com esta liquidação adimplir suas obrigações pessoais.
Esta blindagem patrimonial conta com limites, a fim de evitar a fraude. Um deles é doutrinário: a sociedade só terá as quotas intangíveis quando for sociedade de prazo determinado. Se a sociedade tiver prazo de duração indeterminado, não há aplicabilidade desta regra da blindagem das quotas. E, ainda quando a sociedade tiver prazo de duração determinado, a casuística pode fazer com que a regra seja inaplicável. Veja: se a sociedade tem prazo de duração de um ano, pro exemplo, a regra é aplicável: durante este ano, as quotas são intangíveis, iliquidáveis; por dois anos, idem; mas e se a sociedade tiver prazo de duração de trinta anos, por exemplo? É razoável manter a blindagem por todo este tempo?
Veja que, havendo um prazo tão extenso, é como se, na verdade, o prazo seja indeterminado. Assim, a doutrina entende que não será aplicável a blindagem, em atenção ao princípio da razoabilidade, quando o prazo for por demais extenso. Nestes casos, o credor poderá pedir a liquidação das quotas do sócio devedor particular.
O parágrafo único do artigo 1.043 do CC apresenta as outras exceções à blindagem patrimonial. No inciso I, estabelece que, se a sociedade por prazo determinado for prorrogada tacitamente, será possível a liquidação das quotas do sócio devedor, pois a continuação tácita da atividade pelos sócios – que é a prorrogação tácita – transforma a sociedade em sociedade por prazo indeterminado, e nesta não se aplica a blindagem. A transformação da sociedade em por prazo indeterminado é prevista no artigo 1.033, I, do CC: 
“Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado;
(...)”
 
No inciso II, a terceira exceção: na sociedade por prazo determinado, tendo este expirado, a sociedade realiza prorrogação expressa, por meio de aditamento contratual, devidamente averbado no órgão competente. Esta averbação abre prazo para o credor particular de um dos sócios para, em até noventa dias, oferecer judicialmente uma oposição, a fim de haver a liquidação das quotas. Veja que este prazo é decadencial, pois é direito potestativo do credor exigir atenção ao seu crédito pelo patrimônio do sócio, seu devedor particular, consubstanciado nas quotas.[5: De fato, há uma só regra essencial: às sociedades em nome coletivo por prazo determinado se aplica a blindagem das quotas, e àquelas por prazo indeterminado não se aplica. As chamadasexceções, em verdade, são apenas hipóteses em que a sociedade passa a ser, real ou fictamente, de prazo indeterminado, e as quotas não possuem, nesta condição, a blindagem. A última exceção, quando há prorrogação expressa, consiste em um direito potestativo do credor em opor-se ao remanejo das quotas (na prorrogação), que são afetações do patrimônio de seu devedor particular, sem atender, antes, a seu crédito.]
Um exemplo de como esta blindagem pode ser utilizada como fraude é quando o sócio transfere todo seu patrimônio para a sociedade em nome coletivo, transformando-o em quotas: suas obrigações particulares jamais serão satisfeitas por este patrimônio, uma vez que este será blindado pela regra do artigo 1.043 do CC, enquanto aplicável a blindagem. Todavia, nada obsta que seja requerida, se presente e comprovada a fraude, a desconsideração inversa da personalidade jurídica, a fim de se invadir o patrimônio da sociedade para satisfazer o débito particular de um dos sócios (desconsideração da personalidade jurídica é tema que será abordado melhor adiante).
1.1.2. Falência dos Sócios
	Na vigência do Decreto-Lei 7.661/45, antiga Lei de Falências, sempre que o sócio tivesse responsabilidade ilimitada, e a sociedade que integra viesse a falir, este sócio sofria os efeitos da falência – mas não falia ele próprio. Os efeitos eram tão graves que, em verdade, era como se fosse uma falência de fato, mesmo que não fosse uma falência de direito, decretada pelo juízo. Veja:
“Art. 5° Os sócios solidária e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações sociais não são atingidos pela falência da sociedade, mas ficam sujeitos aos demais efeitos jurídicos que a sentença declaratória produza em relação à sociedade falida. Aos mesmos sócios, na falta de disposição especial desta lei, são extensivos todos os direitos e, sob as mesmas penas, tôdas as obrigações que cabem ao devedor ou falido.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se ao sócio de responsabilidade solidária que há menos de dois anos se tenha despedido da sociedade, no caso de não terem sido solvidas, até a data da declaração da falência, as obrigações sociais existentes ao tempo da retirada. Não prevalecerá o preceito, se os credores tiverem consentido expressamente na retirada, feito novação, ou continuado a negociar com a sociedade, sob a mesma ou nova firma.”
 	A regra hoje, porém, é a constante do artigo 81 da Lei 11.101/05, nova lei de falências e recuperações, que dispõe:
“Art. 81. A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem.
§ 1o O disposto no caput deste artigo aplica-se ao sócio que tenha se retirado voluntariamente ou que tenha sido excluído da sociedade, há menos de 2 (dois) anos, quanto às dívidas existentes na data do arquivamento da alteração do contrato, no caso de não terem sido solvidas até a data da decretação da falência.
§ 2o As sociedades falidas serão representadas na falência por seus administradores ou liquidantes, os quais terão os mesmos direitos e, sob as mesmas penas, ficarão sujeitos às obrigações que cabem ao falido.”
Veja que, na literalidade, operou-se verdadeira inversão na concepção legal: os sócios de responsabilidade ilimitada, quando sua respectiva sociedade vem a falir, também sofrem falência de direito, ou seja, não sofrem apenas os efeitos da falência: falem junto. Supondo-se, então, uma sociedade com cinco sócios com responsabilidade ilimitada (uma que seja do tipo em nome coletivo, por exemplo), se esta sociedade vier a falir, serão decretadas, em verdade, seis falências: fale a sociedade, pessoa jurídica, e cada um dos sócios, pessoas naturais.
O sentido literal, contudo, não é pacificamente admitido na doutrina. Parte da doutrina o admite, como Fabio Ulhoa, que defende que deve ser feita interpretação literal, e o dito artigo 81 demanda apenas um requisito para que o sócio possa falir: a sua responsabilidade ilimitada. Assim, debalde qualquer variação na atividade do sócio, se este tem responsabilidade ilimitada, vai incidir em falência, se a sociedade que integra vier a falir.
Sérgio Campinho, por sua vez, mitiga esta interpretação literal, propondo interpretação sistemática do dispositivo: o artigo 1° da própria Lei de Falências só admite que venha a falir devedor que seja empresário:
“Art. 1o Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.”
Assim, se não for empresário, não pode incidir em falência. Conjugando-se este dispositivo com a previsão do artigo 81, o sócio com responsabilidade ilimitada somente poderá ter sua falência decretada se for também considerado empresário, per si. Isto significa que, se o sócio for uma pessoa natural, com responsabilidade ilimitada, deverá ser também caracterizado como empresário individual, por qualquer atividade paralela que desempenhe. E se o sócio for uma pessoa jurídica, deverá igualmente ser sociedade empresária com responsabilidade ilimitada, para poder falir quando da falência da sociedade maior a qual integra.
Segundo a tese de Campinho, se a sociedade for do tipo em nome coletivo, todos os sócios são pessoas naturais, e se a sociedade vier a falir, aqueles que se configurarem como empresários individuais também falirão; aqueles que não forem, além de sócios ilimitadamente responsáveis, empresários individuais, não terão sua falência decretada, mas se sujeitarão aos efeitos da falência da sua sociedade (tal como era na vigência do DL 7.661/45, a tal falência de fato).
Há ainda uma terceira corrente, de Mônica Gusmão, que entende, contra legem, que não é razoável a falência de direito destes sócios de responsabilidade ilimitada, em qualquer caso. Assim se posiciona por três fundamentos: o devedor das obrigações inadimplidas é a sociedade, e não os sócios, mesmo que ilimitadamente responsáveis; a personalidade da sociedade não se confunde com a dos sócios, em razão da autonomia da personalidade jurídica; e, por fim, pelo próprio escopo do novel diploma falimentar: esta lei não prima pela quebra, mas sim pela continuidade da atividade de empresa, fomentando a sua subsistência pela atenção à função social da empresa, sua preservação, e à própria razoabilidade. Neste diapasão, aos sócios ilimitadamente responsáveis serão impostos os efeitos da falência, sendo eles empresários per si ou não, mas não a decretação da falência de direito. Assim, esta corrente simplesmente mantém o regime como era na vigência do artigo 5°, do DL 7.661/45.
Vale consignar que apesar de o artigo 81 ter aplicabilidade em sociedades menores, com pouca presença no mercado, nas quais há sócios com responsabilidade ilimitada, é bastante relevante, sua previsão, nas sociedades irregulares, sociedades em comum (sociedades que não levaram seus atos constitutivos ao registro), estas sim com grande presença na realidade social brasileira.
1.2. Sociedade em Comandita Simples
O artigo 1.045 do CC apresenta esta forma societária:
“Art. 1.045. Na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota.
Parágrafo único. O contrato deve discriminar os comanditados e os comanditários.”
A principal característica desta sociedade já exsurge deste artigo: a existência de duas categorias de sócios, os comanditados e os comanditários.
O sócio comanditado é o que mais se imiscui na atividade de empresa, e por isso é quem mais se expõe aos ônus desta atividade: tem a sua responsabilidade ilimitada; é quem pode nomear a sociedade com seu nome próprio, na razão social; e é o administrador da sociedade. O sócio comanditário,por sua vez, é figura sem grandes efeitos na vida empresária desta sociedade.[6: Como recurso mnemônico, por conta das grandes responsabilidades atribuídas a este sócio comanditado, pode-se associar seu nome à palavra “coitado”.]
Se o sócio comanditário assumir qualquer das atribuições que são legalmente dadas ao comanditado – incluir seu nome na razão social, ou atuar como administrador da sociedade –, passará a ser tido por sócio comanditado. Quando isto ocorrer, sua figura será, para todos os efeitos, a de sócio comanditado, passando a ter responsabilidade ilimitada. Esta é a exegese do artigo 1.047 do CC:
“Art. 1.047. Sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações, não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado.
Parágrafo único. Pode o comanditário ser constituído procurador da sociedade, para negócio determinado e com poderes especiais.”
O credor da sociedade em comandita simples, quando exigir seu crédito, deverá, primeiro, exaurir o patrimônio da própria sociedade – aplica-se a mesma subsidiariedade, o mesmo benefício de ordem, tratado na sociedade em nome coletivo. Havendo saldo, ou seja, seu crédito sendo superior ao patrimônio da sociedade, poderá invadir o patrimônio dos sócios que sejam ilimitadamente responsáveis, quais sejam, os sócios comanditados. Alcançando o patrimônio destes, a responsabilidade, apenas entre os comanditados, é solidária.
A falência, como já se abordou no estudo da sociedade em nome coletivo, será alvo da mesma controvérsia lá tratada, ou seja, se a sociedade em comandita simples falir, os sócios ilimitadamente responsáveis – só os comanditados – ou falirão também (falência de direito), ou estarão sujeitos aos efeitos da falência (falência de fato), de acordo com a corrente doutrinária que se adotar. A diferença é que os comanditários jamais falirão ou sofrerão efeitos pessoais da falência, pois são sócios com responsabilidade limitada, e a regra do artigo 81 da Lei 11.101/05 se dedica unicamente aos sócios com responsabilidade ilimitada.
2. Sociedade Simples
2.1. Adoção de Tipos Societários pela Sociedade Simples
O artigo 983 do CC, já transcrito, se reporta não só às sociedades empresárias, mas também às sociedades simples, mencionando que estas poderão adotar uma das formas societárias previstas no CC. Assim, a sociedade simples pode ser em nome coletivo, em comandita simples, LTDA, S/A ou em comandita por ações, ou pode ser simples pura, se não adotar nenhum dos tipos societários previstos.
Adotando um dos tipos, padecerá dos efeitos que a este tipo sejam atinentes. Veja: se a sociedade simples adota o tipo em nome coletivo, seus sócios só poderão ser pessoas naturais; a responsabilidade de cada sócio será ilimitada; e será, esta sociedade, regida imediatamente pelas regras do tipo adotado, e somente em omissão, ou seja, mediatamente, pelas regras da própria sociedade simples, constantes dos artigos 997 e seguintes do CC.
Se a forma adotada for a comandita simples, serão aplicáveis todas as regras que a esta se aplicam, dos artigos 1.045 e seguintes do CC, imediatamente, e de forma mediata, as regras da sociedade simples. Assim, nesta hipótese, haverá a divisão em sócios comanditados e comanditários, com as mesmas características relativas à responsabilidade, administração e razão social.
Se a sociedade simples adotar a forma de sociedade limitada, faz-se o mesmo raciocínio: será apenas uma sociedade simples com forma de limitada, recebendo o tratamento que à limitada é dispensado, com fulcro complementar nos dispositivos legais dedicados à sociedade simples.
Destarte, se a sociedade for simples, a despeito de qualquer forma que adote: o órgão de registro é o RCPJ, enquanto na empresária é o RPEM; não incide em falência, nem tem deferida recuperação, incidindo, outrossim, em insolvência, pois não é empresária (enquanto que se fosse empresária sofreria incidência destes institutos falimentares).
	Por outro lado, se a sociedade simples adotar a forma de S/A (companhia) ou comandita por ações, há uma peculiaridade: independentemente de não exercer atividade de empresa, de fato, será, por força de lei, considerada sociedade empresária. Esta é a exegese do artigo 982, parágrafo único, do CC, e do artigo 2°, § 1°, da Lei 6.404/76:
“Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.
Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.”
“Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.
§ 1º Qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio.
(...)”
Desta forma, não existe sociedade anônima ou em comandita por ações que seja simples: mesmo se o for, adotada uma destas formas, deixa de sê-lo, passando a ser empresária por força de lei – mesmo contra a realidade de sua atividade. É caso em que prepondera a forma societária sobre o objeto material da atividade. Sendo considerada empresária, todas as regras a esta espécie atinentes são aplicáveis: seu registro é no RPEM, e pode incidir em falência e recuperação.
2.2. Sociedade Simples Pura
Como se viu, o artigo 983 do CC faculta a adoção de um tipo societário qualquer, mas também deixa claro que, a critério dos sócios, podem não adotar tipo algum: será, então constituída a sociedade simples pura, ou propriamente dita, ou em sentido estrito.
Veja que esta sociedade pode também ser chamada simples simples: é simples na espécie, pois não é empresária; e é simples na forma, pois não é de nenhum dos outros tipos societários existentes no CC (apesar de não existir, na lei, menção a um tipo societário “simples simples”).
Nesta sociedade, a regência legal é toda aquela trazida nos artigos 997 e seguintes do CC.
“Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.
Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato.”
Quanto à responsabilidade dos sócios, na sociedade simples pura, há controvérsia. A primeira corrente entende que será ilimitada, buscando fundamento no artigo 997, VII; a segunda corrente entende que a responsabilidade deve ser decidida pelos sócios, com fundamento pragmático: se a responsabilidade for ilimitada, se estará praticamente impedindo que esta forma societária seja adotada, na prática, pois se estará equiparando-a à sociedade em nome coletivo. Assim, seria dado ao contrato social decidir se a responsabilidade é limitada ou não, e se o for, a qual parcela de responsabilidade estará afeito cada sócio. E mais: pode o contrato social estabelecer a responsabilidade solidária entre os sócios e a sociedade em si.
Para esta corrente, havendo omissão do contrato social quanto à responsabilidade, esta não será solidária (pois a solidariedade não se presume),sendo subsidiária entre os sócios e a sociedade, e será ilimitada, por interpretação dos artigos 1.023 e 1.024 do CC, já transcritos.
Contrato social. Natureza dos atos constitutivos. Cláusulas obrigatórias. Arquivamento. Órgãos competentes. Prazo para arquivamento. Cláusulas ocultas. Direitos e obrigações dos Sócios. Voto. Administração da sociedade.
1. Atos Constitutivos
1.1. Natureza Jurídica
	O artigo 981 do CC apresenta a natureza dos atos constitutivos das sociedades regidas pelo Código Civil:
“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. 
Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.” (grifo nosso)
	Assim, para as sociedades em nome coletivo, em comanditas simples, e limitadas, o ato constitutivo é um contrato de sociedade. Este contrato não é um contrato bilateral, em que ocupa um pólo a sociedade, e o outro os sócios; não há divergência nas vontades, mas sim uma confluência, uma conjugação de vontades para alcançar um só objetivo. Não havendo antagonismo, o contrato é classificado como contrato plurilateral, classificação de Túlio Ascarelli, a qual indica que há, de um lado, a sociedade, e de outro cada um dos sócios. São, de fato, vários contratos individuais subsumidos em um único instrumento.
	Por ser um contrato, pode-se dizer que a ele se aplicam os princípios que regem os contratos civis, nas relações entre os sócios? Como exemplo, pode ser invocada a autonomia de vontade, ou o pacta sunt servanda? O entendimento mais moderno é que, se atribuiu-se a natureza contratual ao ato constitutivo das sociedades interna codex, é porque o legislador queria que a este negócio fosse aplicada toda a normatividade atinente aos contratos em geral. Portanto, a resposta seria positiva: aplicam-se, com pertinência, todos os princípios contratuais em geral aos contratos sociais.
Como exemplo, aplica-se o princípio da relatividade, também, ao contrato social, mas com uma ressalva: em virtude da função social dos contratos, ocorreu uma relativização do princípio da relatividade, ou seja, os contratos podem, também, repercutir para pessoas alheias ao contrato, ultrapassando as partes do contrato. É o efeito pancontratual, a função social exógena do contrato, que faz com que este atinja a coletividade como um todo, ensejando até mesmo a revisão do contrato se aviltante a esferas alheias de direito. E como ao violar esfera alheia, esta pode ser difusa, pode merecer até mesmo a tutela coletiva lato sensu, a exemplo da ação civil pública, em que o Ministério Público e a Defensoria Pública podem pleitear, em nome da coletividade, a revisão dos contratos, justamente por esta “relativização da relatividade”.
	Nas sociedades anônimas e nas sociedades em comandita por ações, regidas por diplomas alheios ao CC, os atos constitutivos não têm esta natureza contratual: são estatutos, e por isso a natureza destas sociedades é institucional.
1.2. Contrato Social
1.2.1. Cláusulas Obrigatórias	
	O artigo 997 do CC traz nos seus incisos as cláusulas que devem constar dos contratos sociais, as cláusulas obrigatórias:
 “Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.
Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato.”
	A ausência de cláusulas obrigatórias tem efeitos diversos, a depender da cláusula omitida. Por exemplo, se não houver prazo de duração consignado, presume-se que seja indeterminado.
	Veja que o inciso II deste artigo fala em denominação, mas para a sociedade simples pode haver denominação, firma, ou razão social (espécies de nomenclaturas que serão oportunamente estudadas), como dispõe o enunciado 213 do CJF:
“Enunciado 213 do CJF - Art. 997: O art. 997, inc. II, não exclui a possibilidade de sociedade simples utilizar firma ou razão social.”
	O inciso III deste artigo estabelece que a sociedade tem que declarar o valor do seu capital social. Se o valor declarado não corresponder ao capital real – ou seja, for declarado capital fictício –, é uma irregularidade, causa suficiente à desconsideração da personalidade jurídica desta sociedade, por violação ao princípio da realidade, ou veracidade do capital social.
1.2.2. Arquivamento do Contrato
	A sociedade simples arquiva seus atos no RCPJ; a empresária, no RPEM, Junta Comercial.
A lei estabelece um prazo para arquivamento do contrato: trinta dias desde a constituição da sociedade. O efeito deste registro, se feito dentro do prazo legal, é ex tunc, mas se for feito após o prazo legal, terá efeitos ex nunc em relação à personalidade e regularidade da sociedade, o que significa que, durante o período em que se expirou o prazo para registro e a efetivação do registro, a sociedade atuou como irregular, sociedade em comum, atribuindo responsabilidade ilimitada a todos os sócios. Esta é a exegese do artigo 998, combinado com o artigo 1.151 do CC:
“Art. 998. Nos trinta dias subseqüentes à sua constituição, a sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede.
§ 1o O pedido de inscrição será acompanhado do instrumento autenticado do contrato, e, se algum sócio nele houver sido representado por procurador, o da respectiva procuração, bem como, se for o caso, da prova de autorização da autoridade competente.
§ 2o Com todas as indicações enumeradas no artigo antecedente, será a inscrição tomada por termo no livro de registro próprio, e obedecerá a número de ordem contínua para todas as sociedades inscritas.”
“Art. 1.151. O registro dos atos sujeitos à formalidade exigida no artigo antecedente será requerido pela pessoa obrigada em lei, e, no caso de omissão ou demora, pelo sócio ou qualquer interessado.
§ 1o Os documentos necessários ao registro deverão ser apresentados no prazo de trinta dias, contado da lavratura dos atos respectivos.
§ 2o Requerido além do prazo previsto neste artigo, o registro somente produzirá efeito a partir da data de sua concessão.
§ 3o As pessoas obrigadas a requerer o registro responderão por perdas e danos, em caso de omissão ou demora.”
1.2.3. Direitos e Obrigações dos Sócios
	A principal obrigação dos sócios, em qualquer sociedade, é a de integralizar o capital social. O sócio que não cumpre com sua parcela é denominado sócio remisso, e será tema de estudo adiante. Além disso, são seus deveres, perante a sociedade:
- Agir com lealdade, não podendo praticar atos que prejudiquem a sociedade (especialmente o administrador, que mais do que lealdade deve ter probidade ao presentar a sociedade);
- Contribuir com bens ou serviços para a sociedade;
- Deliberar em conformidade com a lei ou o contrato social, pois, segundo o artigo 1.080 do CC, se o sócio deliberar de forma contrária à lei ou ao contrato social, assume a responsabilidade ilimitada.
“Art. 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.”São direitos dos sócios, os principais:
- A percepção de lucros, o que não é um direito líquido e certo, dependendo da sociedade, do tipo societário. Não é liquido e certo porque pode haver ausência de lucros, simples assim: e condicionado suspensivamente ao evento futuro da existência dos lucros. Mas veja que não pode ser afastado este direito por cláusula contratual.
- O exercício de fiscalização da sociedade;
- A retirada, a qualquer tempo e por qualquer motivo, de sua participação na sociedade;
- Dissolvendo-se a sociedade, haver parte do rateio dos ativos remanescentes;
- Votar nas deliberações, sendo que é direito essencial, nas sociedades tratadas no CC, inafastável por contrato, mas não nas sociedades alheias ao CC, diga-se S/A e comanditas por ações (podendo ser suprimido ou restrito, nestes tipos societários, como se verá oportunamente).
Veja que a suspensão do direito de voto é possível, em qualquer sociedade, bem como a suspensão de quaisquer outros direitos, como forma de sanção por violações contratuais praticadas pelos sócios. Esta possibilidade está presente na Lei 6.404/76, Lei da S/A, no artigo 120, sendo este dispositivo aplicável analogicamente a todas as demais sociedades (havendo quem defenda, minoritariamente, a impossibilidade desta analogia).
“Art. 120. A assembléia-geral poderá suspender o exercício dos direitos do acionista que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto, cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação.”
Personalidade Jurídica. Conceito. Aquisição. Empresário individual e sociedades. Efeitos. Natureza do registro. Sociedades não personificadas. Efeitos. Sociedades em comum. Responsabilidade dos sócios. Sociedades em conta de participação. Natureza jurídica. Responsabilidade dos sócios. 
1. Teoria da Personificação
	Tem personalidade jurídica quem é pessoa, e pessoa é sujeito de direito, e nunca objeto de direito. Por isso, é uma impropriedade se falar em “compra de uma empresa”, pois a sociedade não é vendida ou comprada: é uma pessoa jurídica, que não pode ser objeto de direito, mas sim sujeito de direito, entidade detentora de personalidade que não pode ser comprada ou vendida. O que se compra ou vende são os bens que pertencem à sociedade, o seu estabelecimento.
	O dono de um bar, por exemplo, não é o indivíduo, pessoa física que é sócia majoritária da sociedade; é dona do bar a pessoa jurídica, a própria sociedade em questão, que tem personalidade jurídica, sendo a titular dos direitos e obrigações daquele bar. O sócio, pessoa natural, é dono das quotas que assumiu na sociedade.
	Tudo isso significa que quando a pessoa jurídica surge, há personalidade jurídica que a identifica como sujeito de direito. E como tal, há autonomia patrimonial: pessoa autônoma que é, personificada, tem seu próprio patrimônio, autônomo do dos sócios. A sociedade tem seus bens, e estes não devem se confundir com os bens dos sócios que a compõem.
	A sociedade, pessoa autônoma que o é, tem nacionalidade, nome, domicílio, legitimidade processual e negocial, ou seja, tem vida própria. Tudo isto são consectários da teoria da personificação.
	Toda pessoa, física ou jurídica, tem apenas um patrimônio. O sócio tem o seu patrimônio, e a sociedade tem o seu, autonomamente. Não é correto se falar que alguém tenha dois patrimônios, o civil e o empresarial, pois o patrimônio de empresa é da própria sociedade, e não do sócio que a compõe. As quotas que são detidas por um sócio, estas sim, fazem parte de seu patrimônio, e não os bens da sociedade, que a esta pertencem.[7: Por isso, uma execução contra um dos sócios, por dívida pessoal deste, não pode recair, em regra, sobre bens da sociedade: estes bens não pertencem ao sócio, nem mesmo em parte. O sócio é dono das quotas, e, eventualmente, estas podem ser penhoradas – mas não os bens da sociedade, em regra, salvo na desconsideração inversa, que se verá adiante.]
1.1. Personificação e Empresário Individual
	
	A pessoa natural, quando do nascimento, tem-se registrada no Registro Civil de Pessoas Naturais, o RCPN. Quando esta pessoa pretende desenvolver atividade econômica organizada, será necessário que se registre, também, num dos órgãos de registro das pessoas jurídicas, RCPJ ou RPEM, Junta Comercial.
	Neste registro, será consignada a firma individual, que será o nome empresarial do empresário individual (firma individual, ao lado de razão social e denominação, são espécies de nomes empresariais). A firma consiste no nome civil, por extenso ou abreviado, seguido ou não de algum indicativo da atividade a ser desempenhada. Qualquer que seja a firma, a partir daquele registro o empresário individual ganha um número nacional, pelo qual se identificará, o número do CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas.
	É importantíssimo se deixar bem claro que, a despeito de haver a firma individual, e o CNPJ, o empresário individual é uma só pessoa. Não existem duas pessoas, a natural e a jurídica; não existem duas personalidades jurídicas. O que há é uma só personalidade, a pessoa natural, personalidade surgida com o nascimento com vida do indivíduo, calhando de haver um cadastro no CNPJ para fins exclusivamente tributários e fiscalizatórios. Não fosse esta necessidade fiscal, o empresário individual poderia realizar a empresa sem este registro.
	Isto significa, então, que a firma individual, o registro do empresário individual, não conta com qualquer autonomia: não há uma pessoa jurídica com personalidade, domicílio, patrimônio, e demais indicativos da autonomia. A empresa é desempenhada pelo empresário, em pessoa, e ele é a única personalidade jurídica existente e envolvida na atividade empresária.
	Por haver um só patrimônio, então, significa que todo ele responde pela atividade de empresa, assim como responde por todas as obrigações estritamente pessoais, não correlatas à atividade empresarial daquele indivíduo. A firma individual não tem autonomia qualquer, pois simplesmente não tem personalidade jurídica própria.
	Exemplo desta unicidade de personalidade, suponha-se um requerimento de falência do empresário individual: contra quem será requerida? Contra a pessoa natural, contra a firma individual, ou contra ambas? Pela lógica, pela unicidade de personalidade, existe uma só pessoa a ser alvo da falência: é uma só pessoa, com dois nomes, um civil e um empresarial. Destarte, qualquer que seja o nome alvejado no pólo passivo, será legitimado: pode-se requerer a falência do individuo, da firma individual, ou do indivíduo indicando-o como titular da firma individual – em qualquer caso, a legitimidade passiva é perfeita. Mesmo porque a lei faculta ao empresário individual que assine suas obrigações com o nome de pessoa natural ou com o nome empresarial, a firma individual, ambos tendo o mesmo efeito – identificar aquela personalidade jurídica única.[8: Tramita hoje no Congresso Nacional um projeto de lei que reconhecerá, a exemplo de alguns ordenamentos alienígenas, a figura do empresário individual com responsabilidade limitada. Quando assim o for, a situação será similar à de uma sociedade: o registro da firma individual deste empresário será constitutivo de uma personalidade autônoma, com patrimônio próprio e todos os consectários da autonomia patrimonial. Por ora, não há esta divisão: o empresário individual é apenas uma pessoa natural com dois nomes, um civil e um empresarial. Será denominada, segundo o projeto, sociedade unipessoal de responsabilidade limitada.]
	
1.2. Personificação da Sociedade
	A sociedade adquire personalidade jurídica quando realiza seu registro no órgão competente. Esta é a teoria do registro, adotada no Brasil desde o CC de 1916. Os artigos 45 e 985 do CC, além de outros diversos, deixam bem clara a adoção desta teoria:
“Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-seno registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.”
“Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).”
	É de se ressaltar, porém, que a lei fala em registro no órgão competente, no registro próprio. E se o registro for feito em órgão incompetente, indevido? Como exemplo, se uma sociedade empresária, que deveria estar registrada no RPEM, Junta Comercial, conseguir realizar seu registro no RCPJ, como se sociedade simples fosse, o que ocorre com a sua personalidade, que é surgida do registro?
A princípio, em teoria, o registro no órgão incompetente não é hábil a criar a personalidade jurídica da sociedade. Não havendo a personalidade jurídica, não surge a autonomia patrimonial, e a sociedade é tratada como sociedade em comum, antiga sociedade irregular: os sócios têm responsabilidade ilimitada pelas obrigações contraídas pela sociedade. Todavia, a casuística pode indicar que, se o erro no registro foi de boa-fé, pode ser mitigada esta invasão do patrimônio pessoal dos sócios.
A ausência de registro, por sua vez, é pacífica quanto aos seus efeitos: a sociedade, enquanto não registrada, não tem personalidade jurídica, e portanto não tem qualquer autonomia patrimonial. Qualquer que seja o tipo societário constante dos atos constitutivos, a sociedade não registrada, ainda não personificada, é chamada de sociedade em comum. Antigamente, chamava-se sociedade irregular, ou sociedade de fato; hoje, a nomenclatura correta é sociedade em comum.
1.2.1. Sociedade em Comum
	
	Regida nos artigos 986 a 990 do CC, consiste na sociedade em que os atos constitutivos não foram registrados no órgão competente. Veja:
“Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples.”
“Art. 987. Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo.”
“Art. 988. Os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum.”
“Art. 989. Os bens sociais respondem pelos atos de gestão praticados por qualquer dos sócios, salvo pacto expresso limitativo de poderes, que somente terá eficácia contra o terceiro que o conheça ou deva conhecer.”
“Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade.”
Veja que, a despeito de toda a previsão legal, e da interpretação pacífica da doutrina, o professor Fabio Ulhoa entende que as sociedades em comum têm, sim, personalidade jurídica. Isto porque entende que podem titularizar relações jurídicas, figurar processualmente – respectivamente, legitimidade negocial e processual –, têm domicílio, nome empresarial (mesmo que desprotegido), nacionalidade, ou seja, têm todos os atributos da personalidade. Todavia, se esquece que ter atributos da personalidade jurídica não significa que tem a própria personalidade. Exemplo mais claro da presença de atributos e ausência de personalidade são os entes formais – condomínio, espólio e massa falida –, que são sabidamente desprovidos de personalidade. Em síntese, então, a despeito do que diz esta corrente quase isolada, a sociedade em comum não tem personalidade, sendo equiparável, pelos atributos, aos entes formais.
Na vigência do regime anterior, havia ainda um fundamento que poderia reforçar esta tese: a sociedade irregular tinha patrimônio próprio reconhecido, separado dos patrimônios particulares dos sócios, consistindo nos bens afetados à atividade de empresa. Hoje, porém, a lei deixa bem claro, no artigo 988 do CC, que não há separação: os bens afetados à atividade de empresa constituem um patrimônio especial, mas que ainda pertence aos sócios, e não à sociedade, pois esta não tem personalidade.
Este patrimônio especial assim se desenha: é um conjunto de bens, uma universalidade de direito, detida pelos sócios em condomínio. Mesmo estando afetada à atividade de empresa, pertencem aos sócios, sendo chamado de patrimônio especial justamente por esta destinação especial, esta afetação à atividade de empresa.
Uma vez que esta sociedade em comum não tem personalidade jurídica, a responsabilidade dos sócios é ilimitada e solidária. Imaginemos então uma situação: a sociedade em comum, por meio de um dos sócios, realiza a compra de um bem para a atividade empresarial. Recebendo o bem, inadimple a obrigação. O credor, ao executar a sociedade, coloca no pólo passivo todos os sócios, e a sociedade. Ao chegar à penhora, esta será incidente sobre o patrimônio especial da sociedade, ou poderá atingir diretamente um bem pessoal de um dos sócios? Em outros termos, a responsabilidade dos sócios é direta, ou é subsidiária em relação ao patrimônio especial constituído para a atividade de empresa?
	Em regra, a responsabilidade do patrimônio do sócio é subsidiária à do patrimônio especial. Isto significa que há, na execução, que se observar o benefício de ordem na penhora: antes de se invadir o patrimônio pessoal do sócio, é preciso que se extenue o patrimônio especial. O CJF assim dispõe:
“Enunciado 212 do CJF - Art. 990: Embora a sociedade em comum não tenha personalidade jurídica, o sócio que tem seus bens constritos por dívida contraída em favor da sociedade, e não participou do ato por meio do qual foi contraída a obrigação, tem o direito de indicar bens afetados às atividades empresariais para substituir a constrição.”
	Esta regra tem uma exceção, como se vê neste enunciado: o contrato de compra do bem, que gerou o crédito inadimplido, foi pactuado pela mão de um dos sócios, como se viu. Sendo assim, a lei entende que este sócio que pessoalmente, em nome da sociedade em comum, pactuou o contrato, não poderá alegar este benefício de ordem. Veja: se a execução corre contra todos, são solidários entre si, mas o credor precisará exaurir o patrimônio especial antes de requerer invasão do patrimônio pessoal desafetado dos sócios; todavia, quanto ao sócio que pactuou o contrato, o credor poderá, sem exaurir o patrimônio especial, requerer a penhora de um em pessoal deste, pois ele não conta com o benefício de ordem – sua responsabilidade é direta, e não subsidiária ao patrimônio especial, como a dos demais.
	Vale lembrar que esta ordem que o legislador impõe não significa que o patrimônio especial seja destacado do pessoal: é parte do patrimônio dos sócios, em condomínio, e não patrimônio autônomo da sociedade em comum, que não tem personalidade, e por isso não pode ter patrimônio.
	Veja, ainda, que o contrato social, mesmo não registrado, ainda é exigível em suas previsões nas relações entre os próprios sócios. Assim, se houver ali consignação de responsabilidade maior ou menor de um dos sócios, ou seja, se houver previsão de que oitenta por cento das dívidas for de responsabilidade de um dos sócios, e outro sócio for responsabilizado, pelo credor, por parcela maior do que a devida segundo o contrato, será oponível esta previsão contratual em direito de regresso. O que não será é, jamais, oponível tal previsão, de contrato não registrado, perante o credor, perante terceiros.
1.3. Natureza do Registro
	Em relação à aquisição da personalidade jurídica, o registro é meramente declaratório, para o empresário individual, pois sua personalidade foi adquirida com o seu nascimento com vida, mas é constitutivo da personalidade jurídica das sociedades.
	Em relação à qualidade de empresário, contudo, o registro é sempre declaratório. Isto porque não é o registroque outorga a qualidade de empresário ao registrado, e sim a situação fática do desempenho da empresa, que é pretérita ao registro. Ser empresário é conceito de fato, qualidade esta ganha com a prática dos atos de empresa.
	Esta regra, porém, conta com uma exceção legal, em que o registro é constitutivo da qualidade de empresário: o empreendedor rural, se opta (pois é facultativo) por se registrar na Junta Comercial, passa a ser considerado empresário somente desde o registro. Assim ocorre porque a atividade do produtor rural não é empresária, em essência, mas ele pode, por quaisquer motivos, desejar haver para si a pecha de empresário, o que ocorrerá apenas com o registro, sendo este, então, constitutivo desta qualidade: dali em diante, sua atividade será empresária. Esta situação é tratada no artigo 971 do CC:
“Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro”
	
	Veja que o artigo fala em equiparação a empresário, justamente por se entender que a atividade rural não se configura, em essência, como atividade empresária. Todavia, na prática, equiparado ou empresário propriamente dito, não há diferença.
1.3.1. Irregularidade Superveniente do Registro
	Suponha a situação em que uma sociedade se registra corretamente no órgão competente, ganhando personalidade jurídica, mas, posteriormente, no curso de sua existência, passa a desempenhar atividade que faz com que aquele registro esteja incompatível (era registrada corretamente como sociedade simples, no RCPJ, mas passa a desempenhar atividade empresária, demandando registro no RPEM). Neste caso, como solucionar-se a questão?
	O CJF, no enunciado 383, entende que, sedo o vício do registro originário ou superveniente, equiparar-se-á a sociedade à sociedade em comum, para todos os fins. Isto significa que a personalidade jurídica jamais existiu, quando o vício for originário, ou deixa de existir, quando o vício for superveniente.
“Enunciado 383 do CJF - A falta de registro do contrato social (irregularidade originária – art. 998) ou de alteração contratual versando sobre matéria referida no art. 997 (irregularidade superveniente – art. 999, parágrafo único) conduzem à aplicação das regras da sociedade em comum (art. 986).”
	Todavia, uma corrente mais ponderada entende que, na existência de vício de registro superveniente, mesmo se equiparando à sociedade em comum, esta equiparação só diz respeito aos efeitos: os sócios passam a ter responsabilidade ilimitada, mas a sociedade não deixa de ter personalidade jurídica, pois se o registro no órgão competente – como o foi de início – é constitutivo da personalidade, somente a baixa do registro pode ser desconstitutiva da personalidade, e não uma irregularidade superveniente. Por isso, ao invés de chamar esta sociedade de equiparada à sociedade em comum, esta corrente entende que se denomina sociedade irregular. 
2. Sociedade em Conta de Participação
	Esta sociedade é tratada os artigos 991 a 996 do CC. Em verdade, é atécnico tratar desta sociedade em direito de empresas, pois, como se verá, não se trata de uma espécie ou forma de sociedade, simples ou empresaria, mas sim de uma modalidade de contrato de parceria, ou contrato de investimento.
	O objetivo, a ratio desta sociedade é fomentar o desenvolvimento de atividades econômicas, ou seja, abrir caminho para promoção de investimentos.
	Um exemplo tem grande valor: uma construtora, buscando implementar um empreendimento, busca junto a investidores a parceria para, como seus recursos, realizar a obra, e nesta parceria fica estipulado que, após a venda do produto da obra, será o lucro rateado na forma que se pactuar, nas proporções que bem entenderem. Este contrato é uma sociedade, no sentido técnico? Veja que não há autonomia, não há patrimônio próprio, não há domicílio, não há sequer nome empresarial da sociedade: o que há é um contrato de investimento, em que todos os atos negociais são realizados pela construtora. Assim, a relação entre a construtora e os investidores é um mero contrato civil de parceria – a sociedade em conta de participação não tem nenhum dos atributos oriundos da teoria da personificação.
	Dito isto, e debalde estas considerações, a sociedade em conta de participação é tratada no Direito Empresarial. Mesmo que sua sede natural fosse no direito contratual, é empresa, e assim deve ser tratada. Ao menos em um aspecto o legislador andou bem: é sociedade não personificada, pois atribuir personalidade jurídica a um mero contrato de parceria seria uma aberração jurídica.
Há, nesta sociedade, duas figuras fundamentais: o sócio ostensivo, aquele que aparece aos olhos do mercado, quem negocia, posta seu nome empresarial (ou civil, se pessoa física), e, conseqüentemente, quem responde por toda a atividade de empresa com seu patrimônio; e o sócio oculto, hoje denominado sócio participante, que é o investidor, parceiro que não atua na atividade empresária.
	O contrato da sociedade em conta de participação pode ser verbal ou escrito, e não precisa ser registrado em qualquer órgão, pois é documento a ser exigido entre os sócios, apenas, tendo efeitos apenas nas relações intra societárias, pois como visto que se expõe ao mercado é apenas o sócio ostensivo (é por isso que se conhece esta sociedade como “sociedade de gaveta”). Se quiserem, os sócios podem até levar o contrato ao registro, mas como é um contrato de parceria, de investimento, e não um ato constitutivo, será registrado no Cartório de Títulos e Documentos – e não no RCPJ ou RPEM – e é claro que não ganha personalidade jurídica com este registro, mas apenas publicidade. 
	Reitere-se: aos olhos de terceiros, a única personalidade jurídica que tem relevância é a do sócio ostensivo, pois a sociedade em conta de participação é mero contrato de parceria. Sendo assim, toda inflexão negocial porventura ocorrida será a cargo do sócio ostensivo. Destarte, se alguma falência tiver que ser requerida, será única e exclusivamente do sócio ostensivo, e se este a tiver decretada, uma peculiaridade deve ser observada: os sócios ocultos, sócios participantes, investidores, serão habilitados, no concurso de créditos, como credores quirografários.
	Aqui, merece maiores comentários o artigo 994, § 2°, do CC:
“Art. 994. A contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais.
§ 1o A especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios.
§ 2o A falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário.
§ 3o Falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido.”
	É este dispositivo que determina a natureza quirografária dos créditos dos sócios ocultos. Mas e se, no contrato da sociedade em conta de participação, se estabelecer que os créditos do sócio oculto, na falência, terão garantia real? Será válida esta previsão?
	A previsão é válida e eficaz, em geral; todavia, no caso especifico da decretação da falência do sócio ostensivo esta previsão não será eficaz, pois não será oponível à norma de ordem pública, cogente, do artigo 994, § 2°, do CC: prepondera a natureza de crédito quirografário, legalmente estabelecida, sobre garantia real contratualmente gerada. Prepondera a lei sobre o contrato.

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