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Teixeira de Freitas 2019 EDUARDO AMORIM RODRIGUES OS LIMITES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS Teixeira de Freitas 2019 OS LIMITES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade Pitágoras, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Direito. Orientador: Andresa Bertão EDUARDO AMORIM RODRIGUES EDUARDO AMORIM RODRIGUES OS LIMITES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade Pitágoras, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Direito. BANCA EXAMINADORA Prof. (a). Titulação Nome do Professor (a) Prof. (a). Titulação Nome do Professor (a) Prof. (a). Titulação Nome do Professor (a) Teixeira de Freitas, ____ de junho de 2019 . Dedico este trabalho aos meus pais, Edilane e Sebastião, e à minha avó, Nilza. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar agradeço a Deus, por ter me sustentado e me capacitado até aqui, por ter sido meu porto seguro nos momentos de dificuldade e por seu enorme cuidado e misericórdia para comigo ao longo desta jornada. Agradeço à minha família, em especial a meus pais e minha avó, por todo apoio, carinho, cuidado e incentivo durante esta caminhada. Vocês foram fundamentais para que eu chegasse até aqui e só posso agradecer por tudo. Amo vocês. Agradeço aos amigos, de dentro e de fora da faculdade, pelo companheirismo, fidelidade e solidariedade em todos os momentos até aqui. E, por fim, agradeço aos professores, peças fundamentais na construção de todo conhecimento adquirido nessa caminhada. “Não esqueças teu santo propósito, não percas de vista as motivações de início. Mantém-te firme no que já alcançaste. Sê constante no que fazes. Não desanimes no caminho, corre veloz, com passo leve e sem tropeçar. Que nem a teus pés o pó se apegue. Avança seguro, alegre e jovial, no caminho da felicidade. Não acredites nem confies em quem te tentar desviar deste propósito. Ultrapasse todo o obstáculo do caminho, e sê fiel ao Altíssimo. ” ― Santa Clara de Assis RODRIGUES, Eduardo Amorim. Os Limites dos Negócios Jurídicos Processuais. 2019. 56 páginas. Trabalho de Conclusão de Curso de Direito – Faculdade Pitágoras, Teixeira de Freitas/BA, 2019. RESUMO A presente pesquisa se presta a analisar sistematicamente o instituto dos negócios jurídicos processuais atípicos, com o fito de definir quais são os limites para o exercício da vontade das partes dentro do sistema processual inaugurado pelo Código de Processo Civil de 2015, sobretudo pelo artigo 190, a chamada cláusula geral de negociação processual. Para tal, serão apresentadas as origens do instituto do negócio jurídico processual, desde o Direito Romano até a disputa nascida no século XIX entre publicismo e privatismo. Também serão apresentadas as regras referentes à formação das negociações, trazendo do campo do direito material a teoria geral dos negócios jurídicos pela aplicação submissão aos planos de existência, validade e eficácia. E, enfim, pela síntese dos contextos histórico, doutrinário e principiológico acerca do tema, será possível entender como as regras espalhadas pelo ordenamento jurídico brasileiro regulam os limites do autorregramento e da autonomia da vontade das partes no processo, de forma geral e específica. Palavras-chave: Negócios jurídicos processuais; Cláusula geral de negociação processual; Artigo 190 do CPC; Limites; Autonomia da vontade; Autorregramento. RODRIGUES, Eduardo Amorim. The Limits of Legal Jurisdiction. 2019. 56 pages. Paper of Conclusion of Law Course - Pitágoras College, Teixeira de Freitas / BA, 2019. ABSTRACT The present research provides a systematic analysis of the institute of atypical procedural juridical business, in order to define the limits for the exercise of the will of the parties within the procedural system inaugurated by the Code of Civil Procedure of 2015, especially article 190, the so-called general clause of procedural bargaining. To this end, the origins of the institute of the legal process business, from the Roman Law to the dispute born in the nineteenth century between publicism and privatism, will be presented. The rules governing the formation of negotiations will also be presented, bringing from the field of material law the general theory of legal business by application to the plans of existence, validity and effectiveness. Finally, through the synthesis of the historical, doctrinal and theoretical contexts about the subject, it will be possible to understand how the rules spread by the Brazilian legal system regulate the limits of self-breeding and the autonomy of the will of the parties in the process, in a general and specific way. Key-words: Procedural legal affairs; General clause of procedural bargaining; Article 190 of the CPC; Limits; Autonomy; Self-healing. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS: ORIGENS, CONCEITOS E CLASSIFICAÇÕES ................................................................................................... 11 2.1 ORIGENS ............................................................................................................ 11 2.2 CONCEITO DE NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ....................................... 13 2.3 CLASSIFICAÇÕES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS .................. 16 2.4 TIPICIDADE E ATIPICIDADE DOS NEGÓCIOS PROCESSUAIS ....................... 17 2.4.1 Negócios Processuais Típicos ......................................................................... 18 2.4.2 Negócios Processuais Atípicos ........................................................................ 19 3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS . 23 3.1 PRINCÍPIO DISPOSITIVO E PRINCÍPIO DO DEBATE ....................................... 25 3.2 PRINCÍPIO DO AUTORREGRAMENTO DA VONTADE ..................................... 27 4 FORMAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS .............................. 33 4.1 FORMAÇÃO: PLANOS DE EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA .................... 33 4.1.1 Do Plano Da Existência .................................................................................... 34 4.1.2 Do Plano Da Validade ...................................................................................... 34 4.1.3 Do Plano Da Eficácia........................................................................................ 37 5 LIMITES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS ..................................... 40 5.1 LIMITES GERAIS ................................................................................................ 43 5.1.1 Reserva Legal .................................................................................................. 43 5.1.2 Boa-Fé E Cooperação ......................................................................................44 5.1.3 Proteção De Vúlneráveis .................................................................................. 44 5.1.4 Custos Do Processo ......................................................................................... 46 5.2 LIMITES ESPECÍFICOS ...................................................................................... 47 5.2.1 A Cláusula Geral E O Desafio Da Atipicidade .................................................. 47 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................51 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 54 9 1 INTRODUÇÃO A presente pesquisa visa analisar, de maneira sistemática, os limites do negócio jurídico processual atípico impostos de forma direta ou indireta pela lei, doutrina e jurisprudência, através da compreensão das formas de aplicação do instituto no ordenamento jurídico pátrio. Os negócios jurídicos processuais não são novidades no processo civil brasileiro. Ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 já se falava em negócio processual, haja vista a possibilidade de convenção sobre a distribuição do ônus da prova, por exemplo. A inovação se dá pela ampliação das possibilidades de negociação processual viabilizada pelo artigo 190, que institui a cláusula geral de negociação processual e permite a celebração de negócios atípicos. Isto conduz à seguinte questão: quais são os limites dos negócios jurídicos processuais atípicos? Nesse sentido, o estudo deste tema é de grande relevância para a sociedade como um todo, mas em especial para os aplicadores do Direito, que precisam entender a abrangência da cláusula geral de negociação processual, bem como as particularidades desse novo modelo de processo mais participativo que começa a despontar no cenário jurídico nacional. Para tanto, a metodologia adotada consistirá em uma revisão da literatura sobre o tema proposto. Desta maneira, far-se-á o exame da bibliografia de referência teórica a respeito do tema em estudo, mediante pesquisa em livros (doutrina), trabalhos acadêmicos (teses e dissertações), artigos científicos, legislação e jurisprudência dos últimos anos, mais especificamente a partir de 2015, ano de entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil. No primeiro capítulo, para entender os limites do negócio jurídico processual atípico, será apresentado o contexto histórico e doutrinário que possibilitou seu surgimento, os conceitos e classificações de negócios jurídicos processuais de acordo com as teorias e correntes de pensamento que os inspiram. No segundo capítulo, conhecidas as inspirações doutrinárias e o conceito, faz- se necessário confrontar o instituto do negócio jurídico processual atípico com os princípios que norteiam todo o regramento jurídico nacional, bem como conhecer os princípios inerentes às convenções processuais, como o princípio do autorregramento da vontade. 10 No terceiro capítulo, será abordada a formação dos negócios jurídicos processuais, seguindo a mesma lógica dos negócios jurídicos de direito material. Para isso, é necessário demonstrar como as convenções processuais estão inseridas nos planos de existência, validade e eficácia e precisam passar pelos três crivos para se formarem efetivamente e produzirem seus efeitos no ambiente processual. Por último, no quarto capítulo, depois de ter traçado um panorama doutrinário e principiológico para o tema, é o momento de entender como o instituto se aplica na prática, quais são seus limites, até onde as partes podem fazer valer sua vontade dentro do processo jurisdicional. Para isso será feita uma análise sistemática do ordenamento jurídico, apresentando os limites positivados; expressamente previstos em lei; e não positivados; inseridos nos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários. 11 2 NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS: ORIGENS, CONCEITOS E CLASSIFICAÇÕES 2.1 ORIGENS O tema dos negócios jurídicos processuais tem assumido grande relevância na cultura jurídica da atualidade, mas na verdade os negócios ou convenções processuais remontam ao período do Direito Romano, no qual o Direito Processual respeitava uma lógica contratual, por meio do instituto da litiscontestatio. Este instituto consistia em um formato primitivo dos acordos processuais que são conhecidos atualmente e teve vários formatos ao longo da evolução do Direito Romano. Anos mais tarde, já no século XIX, na Alemanha, surge o publicismo processual, com uma ideia de processo totalmente contrária ao formato privatista do direito processual romano. Esta corrente de pensamento publicista propôs que se abandonasse a ideia do processo como “coisa das partes”, de forma a reconhecer a relação processual como pertencente ao direito público e a fortalecer os poderes de ofício do juiz. Segundo Cabral (2018), nesse contexto é que começou a negação da natureza contratual do processo e passou-se a aceitar a lógica de que era impossível conciliar a autonomia privada das partes na definição dos caminhos do procedimento, com a intervenção do Estado e os interesses públicos inerentes à prestação jurisdicional. Então, o direito processual civil saiu do privatismo do direito romano para um hiperpublicismo, no qual os escopos públicos do Estado se sobrepunham aos interesses privados das partes. A lei passou a ser considerada a única fonte de normas processuais de aplicação oficiosa e unilateral por parte do juiz, isolando totalmente a interação entre os sujeitos processuais. Rejeitou-se veementemente a concepção do processo como “coisa das partes” (Sache der Partein), segundo a qual caberia aos litigantes predominantemente a condução do processo, ficando o juiz relegado a um segundo plano. Se o processo é público, um instrumento do Estado posto à disposição das partes, mas que a elas não pertence, seria natural que os litigantes não pudessem ser os “senhores” dos rumos do procedimento. (CABRAL. 2018, p. 124) Ainda na Alemanha, berços das discussões modernas sobre o tema, após décadas de negação, renasceu o estudo das convenções processuais no século XX. 12 Contudo, apesar da grande quantidade de autores que se debruçaram sobre o tema e da qualidade dos estudos desenvolvidos, a produção doutrinária não teve força para suplantar, na prática, a visão publicista enraizada. Na Europa, países como França e Itália também tiveram destaque na retomada das discussões sobre o tema no século XX. Os doutrinadores franceses admitiam timidamente os negócios jurídicos processuais regulados pelo magistrado, já os italianos demonstravam desinteresse no desenvolvimento do tema, filiando-se aos ideais publicistas. Dessa forma, o maior destaque para o tema nesses países foi verificado na jurisprudência. Já em terras norte-americanas, nas quais impera o commom law, era de se esperar uma larga produção acadêmica e doutrinária a respeito do tema, entretanto, não é o que se observa. A discussão, mais uma vez, não encontra substrato na doutrina, mas sim na prática, na jurisprudência, com um crescente número de casos julgados pela Suprema Corte que abriram precedentes às convenções processuais. Aqui no Brasil, no século XX praticamente não se teve produção doutrinária ou jurisprudencial sobre os acordos processuais. A legislação e doutrina brasileira, conforme explica Cabral (2018), foram imensamente influenciadas pelo estudo de Cândido Dinamarco a respeito da instrumentalidade do processo, que defendia a ideia de que as finalidades públicas da função jurisdicional eram maiorese precedentes da tutela dos direitos objetivos, destinados a restaurar lesões ou ameaças de violações aos direitos garantidos aos particulares pela ordem jurídica. O publicismo processual foi predominante durante longo período, mas com o passar do tempo esse modelo revelou-se insuficiente na prestação da tutela jurisdicional. E como forma de rebelar-se contra essa insuficiência, na prática, surgiram caminhos para que as partes pudessem definir os rumos do procedimento conforme suas necessidades. Tornou-se cada vez mais comum a existência de cláusulas contratuais que moldavam previamente o rito de um eventual processo jurisdicional que viesse a se desenvolver na relação contratual. Dessa maneira, o tema das convenções processuais permaneceu por um longo período sem avanços perceptíveis em seu estudo e disciplina. Alguns diplomas legais, como o Códigos de Processo Civil brasileiro de 1973 em seu artigo 158, tratavam do tema, mas as convenções, nas palavras de Cabral (2018, p. 36), “eram vistas como uma monstruosidade: difíceis de definir, impossíveis de categorizar, complicadas de operar”. 13 Cabral ainda explica que esse fenômeno se justifica de duas maneiras: de um lado, a crescente inadequação das formalidades do procedimento estatal às necessidades do tráfego jurídico: as modalidades de tutela jurisdicional e os instrumentos processuais estabelecidos para assegurar sua prestação não mais respondiam às exigências de flexibilidade, adaptação, efetividade. O procedimento ordinarizado, rígido e inflexível, nem sempre oferta, com eficiência e celeridade, o que as partes desejariam para a solução de seu conflito. Por outro lado, esse movimento deveu-se à inviabilidade de adoção de mecanismos extrajudiciais de solução de controvérsias – como a arbitragem, a conciliação e a mediação – para inúmeros tipos de litígio nos quais esses métodos, embora previdentes de um processo com regras flexíveis, não fossem cabíveis ou não se afigurassem economicamente viáveis. (CABRAL, 2018, p. 37). Foi na primeira década do século XXI que o tema ganha força na doutrina brasileira com o surgimento de diversos estudos desenvolvidos a partir das convenções processuais. Dentre os expoentes dessa nova leva de estudiosos dos negócios jurídicos processuais, destaca-se Fredie Didier Jr., que instituiu um grupo de pesquisa sobre o tema na Universidade Federal da Bahia. A partir de então é que é possível enxergar claramente na doutrina brasileira uma forte tendência favorável à aceitação dos negócios jurídicos processuais. Essa evolução teórica desenvolveu bases cientificas que impactaram a tramitação legislativa do CPC/2015. Com efeito, o novo Código reforçou os mecanismos de autocomposição, incentivando as soluções cooperativas (art. 6°) e negociadas (art. 3°§§ 2° e 3°); positivou diversas disposições sobre conciliação e mediação nos tribunais (art. 165 a 175); impôs ao juiz deveres de estímulo à autocomposição (art. 139, V); criou um a audiência de conciliação ou mediação, posicionando os atos de defesa para um momento posterior (art. 334-335). (CABRAL, 2018, p. 147) Portanto, a nova e crescente tendência é no sentido de entender que o processo deve ser instrumento orientado para a tutela dos direitos, de forma a atender o interesse das partes litigantes. Nas palavras de Cabral, “em suma, os escopos do processo não podem ser predominantemente voltados ao Estado. Deve-se buscar um equilíbrio entre os interesses das partes e o interesse público” (2018, p. 122). 2.2 CONCEITO DE NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL O negócio jurídico, objeto de estudo da teoria geral do direito, é gênero do qual surgem diversas espécies nos mais variados ramos do direito. De acordo com Marcos Bernardes de Mello, negócio jurídico 14 é o fato jurídico cujo elemento nuclear do suporte fático consiste em manifestação ou declaração consciente de vontade, em relação à qual o sistema jurídico faculta às pessoas, dentro de limites predeterminados e de amplitude vária, o poder de escolha de categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensidade no mundo jurídico.(MELLO, 2012). Ainda das lições de Mello pode-se concluir que o elemento determinante para a definição do conceito de negócio jurídico é a vontade das partes. Esta é “manifestada para formar o suporte fático de certa categoria jurídica, visando à obtenção de efeitos jurídicos que podem ser predeterminados pelo sistema ou pactuados livremente” (MELLO, 1991, p. 130). Este é o conceito de negócio processual, como gênero, no âmbito da teoria geral do direito. A esta pesquisa interessa a espécie dos negócios jurídicos processuais, que na doutrina brasileira atual é tema de discussões e estudos em todos os aspectos. A conceituação ainda não é de todo pacífica entre os estudiosos, mas é possível utilizar-se dos inúmeros conceitos em evolução para entender este instituto tão valioso para o ordenamento jurídico. Portanto, sobre os negócios jurídicos processuais pode-se afirmar que “se constituem em uma modalidade do gênero negócio jurídico, este definido comumente como ato jurídico com finalidade negocial, ou seja, com o intuito de criar, modificar, conservar ou extinguir direitos” (GOUVEIA E GADELHA, 2016). De acordo com Cabral (2018) a doutrina brasileira utiliza-se de diversos critérios para formar o conceito de negócio jurídico processual. Como exemplos, Diogo Almeida parte de uma mistura de critérios objetivos e subjetivos; Leonardo Greco mescla os critérios de sede da celebração e dos efeitos gerados pelos acordos. Didier e Nogueira compartilham da mesma ideia ao dar ênfase na escolha da categoria jurídica e na definição de efeitos. Dessa maneira, alguns autores adotam o critério do local de celebração do ato, considerando as convenções como atos do processo. Outros utilizam critérios subjetivos, definindo o conceito com base nos sujeitos do processo. Existem ainda doutrinadores que se atém ao critério da norma aplicada e disciplinada pelo acordo para delimitar sua definição. E outros que levam em conta os efeitos gerados pelos negócios para defini-los. Como ensina Cabral (2018), a partir de uma síntese de todos estes critérios, pode-se pacificamente estabelecer como pressuposto que a conduta que gera a 15 convenção é ato jurídico processual, praticado pelas partes litigantes de forma comissiva ou omissiva. E é nesse sentido que Cabral constrói seu conceito de negócio jurídico processual. Convenção (ou acordo) processual é negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem necessidade da intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento. (CABRAL, 2018, p. 74). Fredie Didier Jr., por sua vez, diz que negócios jurídicos processuais são definidos como fato jurídico voluntário, no qual aos sujeitos são concedidos poderes de regular determinadas situações jurídicas processuais ou de fazer alterações no procedimento, dentro dos limites estabelecidos no ordenamento jurídico. Das lições de Didier pode-se inferir ainda que “o negócio jurídico é fonte de norma jurídica processual e, assim, vincula o órgão julgador, que, em um Estado de Direito, deve observar e fazer cumprir as normas jurídicas válidas, inclusive as convencionais” (DIDIER, 2016, p.381). Dessa maneira, à luz desses ensinamentos, pode-se dizer que o negócio jurídico processual se apresenta como manifestação de vontade com a capacidade de gerar efeitos no ambiente processual no qual foram criadas ou ao qual se destinam,já que é possível a realização de negócios jurídicos processuais durante o andamento do processo ou antes de seu início. Portanto, essas declarações de vontade passam a ter o poder de moldar o procedimento e de constituir, modificar ou mesmo extinguir situações processuais. Como bem lembra Cabral (2018), não obstante toda a produção doutrinária acerca do estabelecimento do conceito das convenções processuais, não se pode ignorar a contribuição do texto legal do Código de Processo Civil de 2015 para o tema, sobretudo o artigo 190. Apesar de ser um dispositivo legal relativamente curto, traz grande carga didática no que diz respeito à conceituação do instituto em questão. Para isso o artigo 190 trata especialmente do objeto e do momento de celebração dos acordos processuais. Segundo o referenciado dispositivo legal, as partes têm poderes para “estipular mudanças no procedimento”, bem como “convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo” (CPC, 2015). Nesse sentido, pode-se elencar diversos exemplos de negócios processuais: o negócio tácito de que a causa tramite em juízo relativamente incompetente (art. 65, 16 CPC), o calendário processual (art. 191, §§1° e 2°, CPC), o adiamento negociado da audiência (art. 362, I, CPC), a convenção sobre o ônus da prova (art. 373, §§ 3° e 4°, CPC), a desistência do recurso (art. 999, CPC), o pacto de mediação prévia obrigatória (art. 2°, §1°, Lei n. 13.140/2015), o acordo para suspensão do processo (art. 313, II, CPC), a organização consensual do processo (art. 357, §2, CPC), dentre outros tantos expressamente previstos na legislação processual pátria. 2.3 CLASSIFICAÇÕES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS No que diz respeito às classificações, a exemplo do que ocorre com o conceito de negócio jurídicos processuais, são utilizados diversos critérios. A doutrina subdivide o tema de acordo com vários aspectos, de maneira a facilitar a compreensão do instituto e sistematizar sua aplicação e entendimento. Existem negócios jurídicos que dizem respeito ao objeto do litígio e há aqueles que têm por objeto o processo em si, em sua estrutura, servindo para redefinir situações jurídicas processuais ou reestruturar o procedimento (DIDIER, 2016). Os primeiros possuem efeitos abdicativos, são os chamados acordos obrigacionais, pois estabelecem obrigações de fazer ou não fazer para as partes convenentes, sem implicar, contudo, no procedimento. Já os segundos, possuem efeitos modificativos sobre as regras processuais ou procedimentais, que ao serem celebrados afastam a aplicação da regra legal. Nas lições de Cabral (2018), os negócios processuais podem ser classificados em prévios, quando tem por objeto situações futuras; ou incidentais, quando são realizados já no curso de um processo. A doutrina ainda subdivide os negócios processuais em onerosos e gratuitos, aproveitando-se das classificações do direito privado, de acordo com as vantagens oriundas dos atos negociais entre as partes. Nos acordos a título gratuito, uma parte apenas auferirá benefícios e a outra somente prejuízos. Nos onerosos, as duas partes auferem benefícios em troca de sacrifícios. Ainda se aproveitando dos critérios próprios do direito Civil, segundo Cabral (2018) pode-se estabelecer classificações baseadas na comutatividade ou aleatoriedade das convenções processuais. Os negócios comutativos (ou sinalagmáticos) são aqueles que envolvem vantagens e desvantagens recíprocas e equivalentes entre os negociantes. Diferentemente, os negócios aleatórios não 17 estabelecem, no momento da celebração, a equivalência das prestações devidas por cada uma das partes. Além dessas classificações, Didier (2016) ainda enumera outras. No que diz respeito ao número de partes envolvidas na convenção (unilaterais, bilaterais ou plurilaterais); em relação a modo de expressão dos negócios (tácitos ou expressos); quanto à necessidade de homologação pelo juiz (neste ponto cumpre ressaltar que a regra é a dispensa de necessidade de homologação). Ainda que haja uma infinidade de critérios para se classificar e dividir os negócios jurídicos processuais, o fator mais relevante para a caracterização de um ato como negócio jurídico “é a circunstância de a vontade estar direcionada não apenas à prática do ato, mas, também, à produção de um determinado efeito jurídico; no negócio jurídico, há escolha do regramento jurídico para determinada situação” (DIDIER, 2016, p. 384). 2.4 TIPICIDADE E ATIPICIDADE DOS NEGÓCIOS PROCESSUAIS Não obstante a questão da tipicidade ou atipicidade ser um dos critérios de classificação dos negócios jurídicos processuais, para o objetivo final da presente pesquisa faz-se necessário uma maior atenção à esta classificação, o que justifica a abertura de tópico exclusivo para tratar do assunto. A doutrina classifica os negócios jurídicos processuais em dois modelos, de acordo com as regras do CPC de 2015. Segundo Gajardoni (2015), os modelos de negócios processuais que se apresentam em nosso ordenamento jurídico são: a) os atípicos ou inominados, previstos no art. 190 do CPC/2015 (sempre bilaterais); e b) os típicos ou nominados, encontrados em dispositivos esparsos e específicos do CPC/2015 (estes bilaterais, unilaterais ou plurilaterais). O critério utilizado para esta classificação é a existência ou não de previsão legal para determinado negócio jurídico processual. Então a importância do estudo desta classificação provém do próprio texto legal do CPC de 2015 que, ao mesmo passo que concede autorização para a celebração de acordos atípicos (artigo 190), prevê expressamente inúmeras convenções típicas. Segundo Cabral (2018), o supracitado artigo recebeu o nome de cláusula geral de negociação processual por ser uma norma dotada de vagueza e que remete o intérprete a outros pontos do ordenamento jurídico para compreender sua aplicação. 18 2.4.1 Negócios Processuais Típicos Os negócios processuais típicos são aqueles entendidos como convenções processuais já previamente definidas em lei. Segundo Cabral (2018, p. 94), “são negócios processuais nos quais o legislador prevê expressamente os sujeitos envolvidos, as formalidades necessárias, os pressupostos e requisitos de validade e eficácia”. Ainda sob a égide da lei processual de 1973 pode-se citar como hipóteses de negócios processuais expressamente previstos em lei: o saneamento consensual, o calendário negociado, a escolha consensual de perito, entre outras. Entretanto, como bem observa Antonio do Passo Cabral Tradicionalmente, em decorrência da concepção publicista do processo, muitos autores compreendiam que a validade e eficácia dos acordos processuais dependiam de interposição legislativa. Somente a lei poderia estabelecer norma processual, e portanto, as convenções processuais só seriam admissíveis quando a lei fosse expressamente previdente. (CABRAL, 2018, p. 98) Havia uma orientação doutrinária “pela impossibilidade de realização dos negócios jurídicos processuais no regime de 1973, entretanto, estava arrimada muito mais numa orientação ideológica do que hermenêutica” (GOUVEIA E GADELHA, 2016). De fato, os autores ainda estavam ligados a uma concepção de processo totalmente desvinculado do direito material, de caráter eminentemente publicista e, consequentemente, marcado pela indisponibilidade. As partes, portanto, não teriam qualquer ingerência sobre os efeitos dos atos processuais. Seguindo as tendências doutrinárias internacionais, os estudiosos brasileiros ainda no século XX começaram a repensar o tema dos acordos processuais. Esta correnteganhou força no começo do século XXI, iniciando um processo de mudança. Passou-se de uma visão totalmente publicista, para uma maior flexibilização e equilíbrio entre a força das normas cogentes e a autonomia privada dos litigantes. Dessa maneira, hoje não há mais sentido em se questionar a existência de negócios jurídicos processuais no ordenamento jurídico pátrio. Pelas palavras de Gouveia e Gadelha, O Código de Processo Civil de 2015 colocou uma pá de cal sobre a discussão doutrinária acerca da existência dos negócios jurídicos processuais, fortalecida, evidentemente, pela (alegada) ausência de previsão expressa no 19 Código de Processo Civil de 1973, sob cujo império representantes de escol da doutrina processualista brasileira afirmavam que estes, simplesmente, inexistiam. (GOUVEIA E GADELHA, 2016) Sendo assim, conforme já anteriormente citado, atualmente a legislação processual brasileira não só permite, bem como está repleta de possibilidades de convenções processuais, como o negócio tácito de que a causa tramite em juízo relativamente incompetente (art. 65, CPC), o calendário processual (art. 191, §§1° e 2°, CPC), o adiamento negociado da audiência (art. 362, I, CPC), a convenção sobre o ônus da prova (art. 373, §§ 3° e 4°, CPC), a desistência do recurso (art. 999, CPC), o pacto de mediação prévia obrigatória (art. 2°, §1°, Lei n. 13.140/2015), o acordo para suspensão do processo (art. 313, II, CPC), a organização consensual do processo (art. 357, §2, CPC), dentre outros. 2.4.2 Negócios Processuais Atípicos Os negócios jurídicos processuais atípicos são figuras que ganharam destaque com o advento do Novo CPC. Segundo afirma Cabral (2018), as convenções marcadas pela atipicidade seriam as praticadas em razão da autonomia das partes, ainda que na legislação não haja um modelo expressamente previsto, ou seja, sem qualquer adequação a um tipo especifico. Este modelo de negociação processual é influenciado pela tendência do Novo Código de Processo Civil em fomentar a autocomposição entre os litigantes, de maneira que a autonomia privada das partes pode ser expressada no ambiente processual, até então predominantemente marcado pelo publicismo exacerbado, culturalmente arraigado no ordenamento jurídico nacional. Conforme lição de Robson Godinho, essa tendência revela o fortalecimento do princípio do autorregramento da vontade no processo e o surgimento de seu subprincípio, o da atipicidade da negociação processual. Conforme lição de Fredie Didier, o negócio processual atípico tem por objeto as situações jurídicas processuais – ônus, faculdades, deveres e poderes (“poderes”, neste caso, significa qualquer situação jurídica ativa, o que inclui direitos subjetivos, direitos potestativos e poderes propriamente ditos). O negócio processual atípico também pode ter por objeto o ato processual – redefinição de sua forma ou da ordem de encadeamento dos atos, por exemplo. (DIDIER JR, 2016, p.385). 20 O Fórum Permanente de Processualistas Civis reafirma esta atipicidade no seu enunciado de n. 258, in verbis: “As partes podem convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, ainda que essa convenção não importe ajustes às especificidades da causa”. Importante salientar que apesar de guardar relação com a autocomposição, não se pode confundir os negócios jurídicos processuais atípicos com os meios alternativos de solução de conflitos. As convenções processuais, ao contrário da autocomposição, não versam sobre o objeto litigioso do processo, mas sim sobre o processo em si mesmo. São negócios estritamente ligados às normas processuais e não ao direito material (DIDIER, 2016). O principal dispositivo que trata deste tipo de negócio processual é o aclamado artigo 190, que abre a possibilidade de ampliação das hipóteses de convenções processuais. É este artigo que define o que é a atipicidade no campo do negócio jurídico processual, sendo batizado de “cláusula geral de negociação processual”. Segundo Cabral (2018), a edição deste artigo é expressão da forte tendência negocial que se construiu na doutrina brasileira nos últimos anos e que impactou na atividade legislativa do CPC de 2015. Citando Didier, o autor afirma que o artigo 190 se enquadra na definição de cláusula geral, como uma espécie de texto legal que tem seu suporte fático composto por termos vagos e seus efeitos indeterminados. Diante disso, é importante entender mais a fundo o significado do termo empregado para se referir ao artigo 190. Ainda com base nos ensinamentos de Cabral (2018), a cláusula geral é um enunciado legal que não se apresenta de forma pronta e acabada, mas que exige do seu intérprete uma construção da norma antes de aplica- la nas situações jurídicas processuais. O autor ainda explica que diante de uma cláusula geral, é o aplicador da norma que deverá interpretar o suposto normativo e determinar a consequência jurídica que deva ser observada. Note-se, todavia que, na aplicação das cláusulas gerais, não pode o aplicador afastar-se completamente da diretriz fixada pelo legislador. Decerto que ao intérprete da norma toca a tarefa de revelar-lhe o enunciado, completando, no processo aplicativo, o suposto normativo e suas consequências jurídicas. Porém, deve fazê-lo adstrito ao direcionamento apontado pela cláusula geral. (CABRAL, 2018, p. 101) Gajardoni (2015) afirma que o artigo 190 provoca impacto evidente na estrutura publicista processual, ainda que expressamente o dispositivo legal não coloque em questão todo o ideário do processo civil público com regras cogentes e absolutamente 21 inderrogáveis pela vontade das partes, pelo menos ocorre uma flexibilização do rigor do procedimento. “Inaugurando-se no direito processual brasileiro uma fase de neoliberalismo processual” que, não tenha o condão de fazer do processo “coisa das partes”, aos moldes da litiscontestatio romana, mas permite maior maleabilidade do processo. Segundo explica Cabral (2018), “a cláusula geral é uma técnica legislativa que tende à generalização do suposto normativo; a fattispecie é vaga, genérica, com ampla possibilidade de variações interpretativas que tornam mais viável a adaptabilidade ás situações fáticas”. Entretanto, não obstante o destaque que o tema ganhou após a entrada em vigor do CPC de 2015, no código de 1973 esta espécie de negócio jurídico processual já existia. Nesse contexto o maior exemplo é o artigo 158 do antigo código, in verbis, “os atos das partes, consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais”. Da interpretação do dispositivo legal, Calmon de Passos (2002, p.69-70), afirmava serem admissíveis as convenções processuais, entretanto, a produção dos efeitos pretendidos pela vontade das partes estava adstrita à homologação do juiz, com fundamento no parágrafo único do referido artigo. Ou seja, a expressão da vontade das partes não era o suficiente para a produção de efeitos na relação processual. Mas, indubitavelmente é no CPC de 2015 que a negociação processual atípica atinge seu ápice. Didier (2016) lista em sua obra como exemplos de negócios atípicos autorizados pelo artigo 190: acordo de impenhorabilidade, acordo de instância única, acordo de ampliação ou redução de prazos, acordo para a superação de preclusão, acordo de substituição de bem penhorado, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, acordo para não promover execução provisória, acordo para dispensa de caução em execuçãoprovisória, acordo para limitar número de testemunhas, acordo para autorizar intervenção de terceiro fora das hipóteses legais, acordo para decisão por equidade ou baseada em direito estrangeiro ou consuetudinário, acordo para tornar lícita uma prova etc. 22 Além disso, o Fórum Permanente de Processualistas Civis também se debruçou sobre o tema e apresentou em seu enunciado 490 outro rol de negócios atípicos permitidos pelo artigo 190 do Código, quais sejam São admissíveis os seguintes negócios processuais, entre outros: pacto de inexecução parcial ou total de multa coercitiva; pacto de alteração de ordem de penhora; pré-indicação de bem penhorável preferencial (art. 848, II); préfixação de indenização por dano processual prevista nos arts. 81, §3º, 520, inc. I, 297, parágrafo único (cláusula penal processual); negócio de anuência prévia para aditamento ou alteração do pedido ou da causa de pedir até o saneamento. (Art. 329, inc. II). Nesse sentido, portanto, os negócios jurídicos processuais atípicos estão definitivamente e indiscutivelmente inseridos na realidade processual brasileira e o surgimento de estudiosos sobre o tema revela uma forte tendência à adoção de tal instrumento de maneira mais recorrente, haja vista as vantagens que podem advir de sua aplicação aos casos concretos. 23 3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS O Código de Processo Civil de 2015 possui um verdadeiro microssistema de princípios e normas fundamentais que visam estimular e proteger o livre exercício da vontade no ambiente processual. A nova estrutura do processo civil brasileiro foi formada de modo a estimular uma maior participação das partes na resolução dos seus próprios conflitos. Nesse sentido, cumpre ressaltar as tendências de maior destaque trazidas pelo novo código: priorização do mérito, cooperação real entre as partes e o juiz da causa, fortalecimento do dever de fundamentação, amplo contraditório, busca efetiva pela conciliação entre as partes litigantes, respeito aos precedentes judiciais, e, por fim, a valorização da vontade das partes em relação aos atos do processo. Diante disso, para melhor compreender a aplicação do instituto do negócio jurídico processual atípico na prática, é essencial conhecer e entender as normas basilares que fundamentam e permitem sua existência no ordenamento jurídico atual. Para isso, cabe uma análise dos artigos iniciais da codificação processualista para extrair a essência principiológica existente na normal legal. De início, já no artigo 1°do CPC, percebe-se uma tendência adotada pelo legislador que, de certa forma, distanciou-se do formalismo presente no CPC/73, inserindo na realidade jurídica o neoprocessualismo, que se apresenta como a atuação do direito processual com reflexos do direito constitucional (neoconstitucionalismo). No artigo 2° o legislador consagra o princípio conhecido como dispositivo material, ou ainda com princípio da demanda, que estabelece a regra de que “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. O artigo 3°, em total consonância com o texto constitucional do artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal, consagra o princípio e direito fundamental de acesso à justiça. O dispositivo regula ainda em seus parágrafos a permissão da arbitragem e o incentivo à busca pela solução consensual dos litígios. Nesse ponto, é possível observar-se claramente a tendência conciliatória do CPC/2015. Ao contrário do que ocorria na vigência do CPC/73, a atual legislação determina que as partes sejam 24 intimadas/citadas a comparecer em audiência de conciliação ou mediação antes mesmo de apresentar qualquer tipo de manifestação no processo. Continuamente, o artigo 4° prevê, mais uma vez de acordo com o texto constitucional, que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Dessa forma a lei processual corrobora e reafirma a previsão do artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, que é a expressão do desejo da sociedade: um Poder Judiciário mais ágil e apto a corresponder de forma satisfatória às demandas a ele submetidas, mas que o faça sempre preservando as garantias constitucionais. Por sua vez, o artigo 5°consagra um dos princípios de maior destaque em todo o ordenamento jurídico brasileiro, ao determinar que “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”, o referido dispositivo legal insere no âmbito do processo o dever de probidade para as partes. Portanto, ao estabelecer a boa-fé objetiva, o artigo 5° pode ser descrito como um verdadeiro princípio que vai reger várias outras regras contidas no CPC. Ainda nesse interim, o artigo seguinte apresenta mais um princípio fundamental e que traduz a essência do CPC/2015: o princípio da cooperação. O artigo 6° prevê que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”, dessa forma as partes passam a atuar em conjunto com o juiz para chegarem à solução necessária. Desenha-se assim o processo como “espaço não apenas de julgamento, mas de resolução de conflitos” (CUNHA, 2015, p. 49). Em seguida, o artigo 7° estabelece mais um princípio em conformidade com a Constituição Federal: a isonomia. Ao determinar que “é assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais”, a lei buscou reforçar o direito fundamental à isonomia, já garantido, mas muitas vezes desconsiderado pelos julgadores. Ainda se utilizando de mandamentos da Lei Maior, o Código de Processo Civil consagrou no artigo 8º os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência. Nos artigos 9° e 10° destaca-se a importância dada ao amplo contraditório. O artigo 9º garante que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”, salvo as exceções previstas posteriormente nos seus incisos I, II e III. O artigo 10º, por sua vez, estabelece que “o juiz não pode decidir, em 25 grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. Finalmente, nos artigos 11 e 12 ficou delimitado o dever de fundamentação por parte dos juízes, assim como a necessidade de julgamento das demandas em ordem cronológica. Todos esses princípios são verdadeiros valores legalmente expressos, normas fundamentais que guardam estreita relação com os negócios jurídicos processuais, influenciando diretamente a interpretação e aplicação dessas convenções no processo civil brasileiro. Nos artigos 9° e 10°, por exemplo, o legislador propõe um processo dialógico, diretamente influenciado pela cooperação e resolução conjunta dos litígios, regra do artigo 6°. O ideário constituído por estes princípios forma o substrato para as convenções processuais, ao originar um novo princípio que rege as negociações: o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo. O processo cooperativo desponta como alternativa entre o modelo publicista e a concepção garantista ou adversarial. Conforme lição de Didier (2016), “o processo cooperativo nem é processo que ignora a vontade das partes, nem é processo em que o juiz é um mero espectador de pedra”. Entretanto, além desses princípios supracitados, já conhecidos deoutros ramos do direito, o Código de Processo Civil é regido por princípios relativamente novos, principalmente no que tange aos negócios jurídicos processuais. Tais princípios são resultantes de uma síntese de todos os já apresentados até aqui e formam a base para a admissão das negociações processuais no Direito brasileiro. 3.1 PRINCÍPIO DISPOSITIVO E PRINCÍPIO DO DEBATE Os princípios constituem a base de todo o sistema jurídico e são responsáveis por dar forma às características e especificidades das normas legais que regem o direito de um país. Dessa forma, com já explicitado no primeiro capítulo, o desenvolvimento do publicismo processual e a disseminação de seus princípios, foram determinantes para a formação da cultura jurídica brasileira por um longo período. 26 O publicismo foi responsável por posicionar o juiz no centro do processo, ocasionando uma verdadeira supervalorização de seus atos e poderes. Esta concentração de poderes na figura do magistrado, de certa forma, “sufocou as prerrogativas das partes, alimentando a premissa não justificada de que a solução para o conflito judicializado só pode ser tomada pelo Estado-juiz ao aplicar normas legisladas” (CABRAL, 2018, p. 151). Tal concepção perdeu força com o tempo e a evolução dos estudos sobre as convenções processuais, de forma que, não obstante o caráter público do processo, não se pode desconsiderar totalmente os interesses privados das partes. Com o novo CPC e a ideia trazida pelo princípio da cooperação, os poderes do juiz devem ser conjugados com as prerrogativas das partes, buscando sempre o equilíbrio. É nesse sentido que os negócios jurídicos processuais significam um tratamento mais equânime da celeuma criada entre os ideais publicistas e privatistas, ensejando uma diminuição dos poderes do juiz em privilégio à legítima atuação das partes. Nesse contexto de expressão da liberdade das partes no processo é que o princípio do dispositivo se revela como fundamental. Com base constitucional, é uma derivação do direito à liberdade e das garantias processuais referentes ao acesso à Justiça, à inafastabilidade do controle jurisdicional e aos direitos de ação e defesa. A soma de todos estes direitos garante aos litigantes maior protagonismo dentro do processo, conferindo a eles não só a iniciativa de propositura de demandas. O ordenamento processual confia primordialmente aos próprios indivíduos envolvidos no conflito a efetivação dos seus próprios direitos e interesses, e por isso se funda no princípio dispositivo. A máxima dispositiva, em resumo, indica o poder dos litigantes: de iniciar o processo, provocando a jurisdição inerte; de conformar o objeto do processo (apresentando a pretensão em forma de pedido, limitando assim a sentença pela aplicação da regra da adstrição ou congruência entre o libelo e decisão); e de dispor in totum do conteúdo da situação jurídica litigiosa. (CABRAL, 2018, p. 154) Cabral (2018) ainda conclui que, de fato, com o fortalecimento das prerrogativas das partes decorrentes do direito de ação, a superação das ideias publicistas e a vitória da concepção que privilegia a cooperação entre o órgão estatal e as partes, abriu-se espaço para a admissão da autonomia das partes em relação às regras procedimentais do seu próprio processo. 27 Cumpre ressaltar outro princípio fundamental que, em conjunto com princípio do dispositivo, fundamenta os negócios jurídicos processuais: o princípio do debate. Também conhecido como princípio do dispositivo em sentido processual, mostra-se como a base principiológica da prerrogativa de liberdade das partes dentro do processo. Pode ser definido, nas palavras de Cabral (2018), como “a norma regente da autonomia e liberdade dos sujeitos do processo não apenas no que toca à disponibilidade sobre o direito material, mas também sobre as situações jurídicas processuais”. O princípio do debate tem caráter técnico e se apresenta como uma opção adotada pelo legislador do CPC/2015 para definir o desenvolvimento do processo. Trata-se, portanto, de uma opção com carga política e ideológica que traduz as particularidades do sistema processual, apostando na tendência de valorização das partes. Ademais, o referido princípio serve de base para que as partes assumam papel mais ativo na condução do processo civil, indo além da autonomia para dispor sobre o objeto do processo, chegando ao campo do procedimento e suas regras de tramitação. Exemplo dessa atuação das partes é a possibilidade de optarem entre os tipos de procedimento, se ordinário ou especial no caso das ações possessórias, dos Juizados Especiais ou do mandado de segurança; e a opção pela ação monitória, mesmo que estejam de posse de título executivo extrajudicial. Em consonância com esta ideia, cumpre ressaltar a previsão do artigo 188 do CPC, que permite às partes o protagonismo do desenho formal dos atos processuais, expressando o princípio da liberdade. Diante disso, é evidente que as partes podem escolher os rumos do procedimento e, consequentemente, podem convencionar sobre as regras a ele aplicáveis. Contudo, só se pode chegar a tal conclusão pela combinação dos princípios dispositivo e do debate. O primeiro permite a disponibilidade no campo do direito material, já o segundo permite que essa disponibilidade seja atribuída às partes dentro do processo, permitindo-lhes a condução do procedimento. Portanto, a conjugação destes dois princípios, à luz do CPC/2015, surge um novo princípio: o princípio do respeito ao autorregramento da vontade. 3.2 PRINCÍPIO DO AUTORREGRAMENTO DA VONTADE 28 O processo é um ambiente publicizado, no qual a liberdade contratual encontra limitações, no entanto, a síntese dos princípios que regem o CPC/2015, resulta em um novo princípio que justifica o fortalecimento da ideia da possibilidade da celebração de negócios jurídicos processuais. O princípio do respeito ao autorregramento da vontade, conforme ensina Didier (2016), pode ser compreendido como um conjunto de poderes atribuídos aos sujeitos de direito nos mais variados níveis de amplitude. No mesmo sentido, Cabral (2018), ensina que esse princípio se presta a desconstruir mais um preconceito, transmitindo a ideia de que não há óbice normativo para que se admita que os acordos processuais são compatíveis com o processo civil, estão lançadas as bases teóricas para sustentar que no processo vige o princípio do respeito ao autorregramento da vontade, na síntese dos princípios dispositivo e do debate. O autorregramento guarda estreita ligação com o princípio da liberdade. Para Didier, a liberdade mostra-se como um dos principais e mais antigos direitos fundamentais, garantido na Constituição Federal, no caput do artigo 5°. O autor ensina que o direito fundamental à liberdade possui conteúdo complexo. Há a liberdade de pensamento, de crença, de locomoção, de associação etc. No conteúdo eficacial do direito fundamental à liberdade está o direito ao autorregramento: o direito que todo sujeito tem de regular juridicamente os seus interesses, de poder definir o que reputa melhor ou mais adequado para sua existência; o direito de regular a própria existência, de construir o próprio caminho e de fazer escolhas. Autonomia privada ou autorregramento da vontade é um dos pilares da liberdade e dimensão inafastável da dignidade da pessoa humana. (DIDIER, 2016, p. 133) Dessa forma, pode-se concluir que o direito processual civil brasileiro atual segue uma tendência de ampliação dos limites da autonomia privada na regulamentação do processo. Como recorda Leonardo Cunha, a autonomia privada significa autodeterminação,autorregulação e autovinculação, podendo as partes criar fontes normativas e definir a produção de certos efeitos sobre situações jurídicas. Nesse cenário, o autorregramento formal, resultado da conjugação entre dispositivo e debate, impõe-se como limite à regra do impulso oficial e às atividades do juiz. Dessa forma, extrai-se a máxima do in dubio pro libertate, como uma 29 pressuposição em favor da liberdade de conformação do procedimento à vontade das partes. Trata-se de uma prevalência normativa facilmente observável no nosso sistema processual, uma prioridade prima facie que estabelece a preferência do ordenamento pela liberdade convencional. O sistema não é só permeável às convenções processuais em razão da formulação da cláusula geral do art. 190 do CPC/2015, mas também pressupõe a validade desses acordos, afirmando que o juiz “somente” recusará aplicação às convenções processuais em casos de abusos de direito, inserção abusiva em contrato de adesão ou manifesta vulnerabilidade. (CABRAL, 2018, p. 162) Este princípio não é exclusividade do Direito Processual Civil, estando presente em outros ramos como no Direito Civil. Contudo, dentro do processo, em se tratando de Direito Público, o autorregramento se apresenta com uma roupagem mais específica. Pelo fato de envolver o exercício da função jurisdicional do Estado, a negociação processual possui maior regulação e objeto mais restrito. Não obstante essa maior regulação, não se pode diminuir a importância dessa norma fundamental, devendo-se reconhecer seu destaque como um dos princípios estruturantes do direito processual civil brasileiro da atualidade. Como já anteriormente citado, o princípio do autorregramento da vontade no processo é resultado da síntese de vários outros princípios que foram a base do sistema processual civil brasileiro. Além dos já citados princípios dispositivo e do debate, o princípio do devido processo legal também faz parte desses princípios basilares que permitem formar a ideia de respeito à liberdade das partes no processo. Como bem observa Didier (2016), o princípio do devido processo legal dentro do ordenamento jurídico brasileiro deve garantir o exercício do autorregramento ao longo do processo. Um processo em que haja imposição de limitações injustificadas para o exercício da liberdade não pode ser considerado devido, nos termos da Constituição Federal. O mesmo autor ainda denuncia uma certa contradição, tendo em vista a defesa e luta pela democratização do processo, com a implementação de técnicas que facilitam o acesso à justiça, mas ao mesmo tempo, a negligência para com a liberdade, pilar da democracia, dentro do processo. Segundo apregoa o doutrinador, discurso que tenta afastar ou inadmitir a liberdade das partes no ambiente processual, tem caráter autoritário. Afirma ainda que não existe incompatibilidade entre o processo e a liberdade. 30 Diante disso, o que se pretende defender não é a adoção de um sistema processual estruturado em um modelo adversarial, mas sim uma convivência harmônica e equilibrada entre a atribuição dos poderes dos órgãos jurisdicionais e a vontade das partes. Por óbvio, não se fala aqui em uma liberdade ilimitada, mas sim em uma maior flexibilidade normativa, para dar espaço às partes colaborarem com a resolução de seus próprios litígios de acordo com suas necessidades e interesses. A respeito dessa questão, Igor Raatz (2018) entende que o modelo democrático-constitucional de processo é avesso ao protagonismo judicial. Ele impõe que seja encontrado um novo equilíbrio entre o juiz e as partes, mas isso não significa alçá-lo à condição de instrumento à disposição das partes e que essas possam utilizá- lo como bem entender, com desprezo aos direitos fundamentais que alicerçam a noção de devido processo. Dito de outro modo, a crítica ao protagonismo judicial não significa uma simples repristinação do modelo liberal forjado no século XIX. Ela traz consigo uma renovada compreensão do processo e da função jurisdicional, na qual o processo assume uma perspectiva garantista. É com este escopo, de garantir mais liberdade às partes, que o legislador inseriu a cláusula geral do artigo 190, já anteriormente abordada. Esta regra, que apresenta o instituto do negócio jurídico processual atípico, é responsável por permitir negociações genéricas e reforçar a lógica do princípio in dubio pro libertate. Trata-se da própria lei cedendo espaço à aplicação de normas negociadas pelas partes envolvidas na relação processual. Sobre este ponto, Cabral (2018) observa que o autorregramento da vontade no processo é fruto da junção lógica de dois tipos de normas: uma norma de habilitação, que serve para atribuir competências e justificar os poderes negociais das partes; e uma norma legal de aplicação subsidiária, aplicável quando as partes não convencionarem nada. O artigo 190 é justamente o primeiro tipo, que atua empoderando as partes e permitindo que sua vontade convencional seja fonte de normas jurídicas aplicáveis ao seu processo. Didier (2015), confere destaque ao artigo 190 e o define como a norma mais importante para concretização do princípio do respeito autorregramento da vontade no processo civil e, por isso, o exemplo mais evidente da densidade normativa que esse mesmo princípio possui no direito brasileiro. Dessa forma a própria legislação processual, inspirada nos princípios, busca permitir que a liberdade das partes para negociar não viole os direitos de incapazes e 31 vulneráveis e de proibir expressamente certos tipos de negociações. A proteção legal é indispensável para delimitar a extensão da autonomia da vontade no processo e o artigo 190 cumpre essa função. Por outro lado, analisando o contexto histórico por trás do princípio do autorregramento da vontade, pode-se perceber que o ressurgimento das discussões acerca da liberdade das partes no processo, de certa forma, visa deixar as relações paternalistas do publicismo – que reforçam a “infantilização” do cidadão e os vínculos de dependência do Estado – e empoderar as partes e seus advogados na solução dos conflitos. Cabral (2018) conclui que os indivíduos deixam de ser compreendidos como “curatelados” ou “incapazes” de saber qual o método e a forma adequada para resolver seus próprios litígios. Ainda nesse ponto, cumpre observar que o publicismo entende que a participação no processo é um escopo político da jurisdição, entendendo qualquer menção à liberdade como uma tentativa de estabelecer um totalitarismo, mas na verdade a real intenção do modelo cooperativo de processo, é proporcionar uma interação cooperativa entre os sujeitos. O fenômeno da convencionalidade processual permite que os próprios destinatários das normas sejam ativos em sua elaboração. Ademais, à luz do que ensina Didier (2016, p. 135), o direito de a parte disciplinar juridicamente as suas condutas processuais é garantido por um conjunto de normas, subprincípios ou regras espalhadas ao longo de todo o Código de Processo Civil. Portanto, embora o princípio do respeito ao autorregramento da vontade não esteja previsto expressamente no CPC/2015, pode ser inserido no rol de normas fundamentais do processo civil, porque implicitamente previsto no referido diploma (DIDIER JR., 2016), e diversos são os exemplos, no CPC/2015, de sua manifestação: (i) quando o Código estimula a solução de conflitos por autocomposição (art. 165-175; arts. 334 e 695; art. 515, III; art. 725, VIII; art. 515, §2.º; e art. 190); (ii) quando estabelece que é a vontade da parte que delimita o objeto litigioso do processo (arts. 141 e 490) e do recurso (arts. 1.002-1.013);(iii) quando prevê um número significativo de negócios processuais típicos (art. 63; art. 65; art. 168; art. 191; art. 225; art. 313, II; art. 337, §6.º; art. 357, §2.º; art. 362, I; art. 373, §§3.º e 4.º; art. 471; art. 775; art. 998; art. 999; art. 1.000, dentre outros; (iv) consagra o princípio da cooperação (art. 6.º do CPC/2015); (v) prestigia a arbitragem (Lei n. 9.307/1996); e (vi) prevê uma cláusula geral de negociação processual (art. 190 do CPC/2015). 32 Em resumo, portanto, o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo tem por objetivo a criação de um ambiente processual onde se possa exercer o direito fundamental de autorregulação, sem restrições arbitrárias ou injustificadas, fazendo surgir um modelo processual cada vez mais propício ao exercício da liberdade e, consequentemente, à resolução satisfatória dos conflitos. 33 4 FORMAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS 4.1 FORMAÇÃO: PLANOS DE EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA Superada a exposição do suporte doutrinário e principiológico que sustenta os negócios jurídicos processuais, cabe fazer referência ao modo como este instituto se manifesta no mundo jurídico. Para isso, é necessário analisar, de forma sistemática, as regras que dizem respeito à formação e limites de aplicação das convenções processuais no ordenamento jurídico brasileiro. Como já expressado anteriormente, o CPC/2015 possui um microssistema formado por normas gerais e princípios que privilegiam a cooperação dentro do processo civil brasileiro, fundando as bases para o chamado processo convencionado. Nesse sentido, Cabral (2018), elenca em sua obra três vetores ou diretrizes que regem a aplicação da ideia de convencionalidade no processo: a máxima do in dubio pro libertate, o contraditório na interpretação e aplicação dos acordo processuais e a aplicação do sistema de invalidades processuais, com o fulcro de aproveitamento e convalidação dos negócios jurídicos processuais. Quanto à máxima do in dubio pro libertate, cumpre ressaltar a tendência do processo civil brasileiro em favor da liberdade de conformação do procedimento pela vontade das partes. Esta liberdade está sob o controle do juiz, contudo, para que este possa exercer o controle de validade sobre um ato negocial firmado pelas partes, deve apresentar fundamentação intensa e específica, trazendo argumentos concretos que postulem contra a liberdade de convenção das partes. O segundo vetor diz respeito diz respeito à regra que garante às partes o contraditório no controle de validade das convenções processuais exercido pelo magistrado, mesmo nas questões que possam ser conhecidas de ofício pela autoridade judicial. É a norma constante do artigo 10°, do CPC, que impõe que o controle exercido pelo magistrado seja empreendido de maneira cooperativa. Por último, em se tratando de controle judicial das convenções processuais, o terceiro vetor visa aplicar às convenções processuais o sistema de formas e invalidades processuais, somado às regras de direito material relativas aos negócios jurídicos em geral. Dessa forma, fica garantida a possibilidade de convalidação ou aproveitamento de convenções processuais viciadas, desde que supridos os eventuais vícios, assim como acontece no âmbito do direito privado. 34 Cumpre ainda ressaltar a questão da autonomia das convenções processuais em relação ao negócio jurídico principal em que estiver inserida. Como bem observa Didier (2016), a invalidade do negócio principal não implicará, necessariamente, a invalidade da convecção processual. Essa regra, estabelecida pelo art. 8° da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/1996), estende-se analogicamente a todos os demais tipos de convenções processuais. Outro ponto relevante no que diz respeito à formação dos negócios jurídicos processuais é a submissão aos planos de existência, validade e eficácia. Seguindo a mesma lógica dos negócios jurídicos de direito material, as convenções processuais também precisam passar pelos três crivos para se formarem efetivamente e produzirem seus efeitos no ambiente processual. 4.1.1 Do Plano Da Existência Quanto ao plano da existência, pode-se afirmar que existem três pressupostos das convenções processuais: o consentimento, o autorregramento e a referibilidade ao procedimento. O consentimento é a manifestação das vontades das partes que convergem para dar origem aos acordos. É o que conclui Cabral (2018), ao afirmar que para que os acordos processuais se formem, os efeitos deles decorrentes devem ser queridos pelos sujeitos, ou seja, os convenentes, através de sua autonomia, devem ter programado a produção daqueles efeitos. Por sua vez, o autorregramento vai além, pois, como observa Nogueira (2016), não basta, para que se configure o negócio, haver manifestação da vontade, mas é imprescindível que ela se manifeste como exercício de poder de escolha da categoria jurídica ou das situações jurídicas que configurarão sua eficácia. Por último, para que se tenha um negócio jurídico processual efetivamente existente ele deve estar relacionado a um procedimento existente, ainda que não integre a cadeia típica que o componha. Ou seja, o negócio deve fazer referência a um procedimento sobre o qual irá incidir e produzir seus efeitos de acordo com a convenção das partes. 4.1.2 Do Plano Da Validade 35 No que diz respeito ao plano da validade, para serem válidos os negócios processuais devem ser celebrados por pessoas capazes, possuir objeto lícito e observar a forma prescrita ou não defesa em lei, da mesma forma estabelecida no âmbito do direito material nos arts. 104, 166 e 167 do Código Civil. Nesse ponto, Didier (2016), observa que o desrespeito a qualquer desses requisitos implica nulidade do negócio processual, reconhecível ex officio nos termos do parágrafo único do art. 190 do CPC. Assim, para se aferir a validade, o primeiro requisito a ser observado diz respeito à capacidade. Por exigência expressa do art. 190, as partes devem ser plenamente capazes para que possam celebrar os negócios processuais atípicos, contudo o artigo não esclarece a qual capacidade se refere. Didier ensina que é a capacidade processual o requisito de validade exigido para a prática dos negócios processuais atípicos permitidos pelo art. 190 do CPC. No caso, exige-se a capacidade processual negocial, que pressupõe a capacidade processual, mas não se limita a ela, pois a vulnerabilidade é caso de incapacidade processual negocial, [...] que a princípio não atinge a capacidade processual geral – um consumidor é processualmente capaz, embora possa ser um incapaz processual negocial. (DIDIER,2016, p. 389) A capacidade no âmbito dos negócios jurídicos processuais ainda pode ser verificada à luz da combinação de requisitos de direito material e processual. Nesse sentido, conforme a doutrina processualista, tem-se: a capacidade de ser parte, que está ligada à capacidade de aquisição no direito privado e corresponde a aptidão para aquisição de direitos; a capacidade de estar em juízo, ou capacidade processual, que corresponde à capacidade de exercer os direitos no direito privado; e a capacidade postulatória, que é a aptidão para dirigir requerimentos a manifestar-se perante os órgãos jurisdicionais. Importante ainda ressaltar que a capacidade, como critério de aferição de validade do acordo processual, deve ser aferida no momento da prática do ato negocial, ou seja, no momento em que as partes celebram a convenção processual. O segundo critériopara se verificar a validade dos acordos processuais diz respeito à natureza do objeto do negócio processual. Pela inteligência do artigo 190, do CPC, os negócios jurídicos processuais servem para estipular regras de procedimento ou criar, modificar ou extinguir situações jurídicas processuais. Dessa forma, o referido dispositivo legal apresenta dois tipos de convenções processuais 36 com objetos distintos: os acordos dispositivos, para a estipulação de normas procedimentais; e os acordos obrigacionais, que estabelecem obrigações de dar, fazer ou não fazer. Na interpretação do artigo 190, a doutrina entende que as situações jurídicas referidas se dividem situações de vantagem, desvantagem e situações neutras. Sobre esta divisão, Cabral ensina que dentre as situações jurídicas de vantagem encontram-se os direitos e os poderes. Direitos subjetivos são definidos frequentemente como o poder de agir para a satisfação de um interesse próprio. Estão ligados à prática de um ato por outra pessoa (aquele que tem o dever de atender a este direito). Já os poderes jurídicos são expressão de um comando normativo. Assim como os direitos, os poderes também são atributos da vontade alheia (e de alguma forma é contrário à liberdade de outrem, que se encontra na correlata situação de sujeição). Situação jurídica neutra seria a faculdade, definida como a possibilidade de agir no campo da autonomia, através de condutas cuja prática encontra total liberdade no sujeito legitimado. (CABRAL, 2018, p. 331), Nesse sentido, ainda à luz dos ensinamentos de Cabral (2018), as situações jurídicas neutras e de vantagem podem ser objetos de acordos processuais com maior liberdade, tanto para incrementar sua esfera jurídica quanto para abdicar de situações vantajosas. O objeto da negociação pode livremente ser uma opção de não exercer algum direito, como por exemplo, não requerer produção de provas, não alegar, não recorrer. A maior limitação, contudo, é em relação às situações de desvantagem, como a sujeição, o dever e o ônus. Além disso, não se pode olvidar da necessidade da licitude do objeto do negócio processual. Em consonância com o direito material, o negócio jurídico processual obedece à regra do artigo 104, II, do Código Civil, que determina a licitude do objeto como requisito para a validade do negócio. Não é válido, especialmente, o negócio jurídico bilateral atípico com objeto ilícito, como por exemplo negócio que vise afastar a incidência de garantias constitucionais, tal qual o devido processo legal. Pois que, situadas no âmbito constitucional, as garantias constitucionais do processo se mostram como fundamento de validade das normas do Código de Processo Civil que, por sua vez, dão fundamento de validade para eventuais ‘contratos processuais’. Nesse sentido, não seria possível conceber que estes contratos processuais, no mais baixo nível de escalonamento, teriam autorização para ignorar diretrizes gerais previstas na Constituição (de natureza imperativa) quanto à forma do desenvolvimento e os resultados do processo (devido processo legal). (MACHADO, 2014, v.3, p. 339-362) 37 No que diz à forma, esta deve ser aquela prescrita ou não proibida pela lei. Este ponto pode ser observado sob duas perspectivas: o tempo e o lugar da celebração dos acordos e a forma em sentido estrito. Quanto ao tempo e lugar, o próprio art. 190 do CPC já é esclarecedor, ao admitir que as partes podem acordar sobre alterações do procedimento futuro e acerca de situações jurídicas dentro ou fora da relação processual. Nada obsta que os acordos sejam celebrados antes do surgimento do processo, delimitando o procedimento antes mesmo de haver litígio. Portanto, por expressa previsão legal, a parte tem liberdade para celebrar o acordo a qualquer tempo, dentro ou fora do processo. Quanto à forma em sentido estrito, vige o chamado princípio da liberdade das formas, pelo qual fica estabelecido que, conquanto alguma formalidade seja necessária, esta não é necessariamente rígida ou específica, salvo nos casos que a lei dispõe expressamente. Nesse ponto, são vários os exemplos dispositivos legais do direito material e do direito processual, que expressam a liberdade das formas de celebração dos negócios jurídicos processuais. Cumpre ainda observar que essa liberdade das formas é ainda maior quando se tratar de negócios atípicos que, conforme abordado anteriormente, já são dotados de liberdade formal por natureza. Assim, como conclui Didier (2016), é possível negócio processual oral ou escrito, expresso ou tácito, apresentado por documento formado extrajudicialmente ou em mesa de audiência etc. Contudo, a liberdade no que diz respeito à forma também encontra limites. A falta de parâmetros seguros para o desenvolvimento do processo em juízo não é a intenção do legislador ao garantir a liberdade da forma de celebração e expressão dos negócios jurídicos. Pelo contrário, como observa Gajardoni (2016), o parâmetro mínimo da convenção processual é que ela seja escrita, mesmo que sua apresentação no processo se dê de forma oral, posteriormente deve ser reduzida a termo, em obediência ao que dispõe o artigo 63, §1° do CPC. Sendo assim, no âmbito dos critérios para a formação válida dos negócios jurídicos já se pode estabelecer os limites para sua celebração. Valores como previsibilidade e segurança jurídica, devem sempre prevalecer frente às pretensões negociais das partes. 4.1.3 Do Plano Da Eficácia 38 Por fim, no plano da eficácia, a análise dos negócios jurídicos processuais se presta a identificar as situações em que o negócio seja valido, porém ineficaz. Nesse sentido, observa Nogueira os atos processuais lato sensu normalmente, quando praticados, produzem seus efeitos processuais típicos. Nem mesmo o vício obsta a que o ato seja eficaz. Os atos processuais viciados, no direito processual brasileiro, diferentemente do que sucede no direito civil, v.g., produzem seus efeitos típicos até a respectiva invalidação, quando, na medida do possível, são desfeitos. Os atos processuais inválidos, portanto, ingressam no plano da eficácia. (NOGUEIRA, 2016, p. 181) No entanto, a doutrina sobre as condições para se aferir a eficácia dos negócios jurídicos processuais ainda é divergente. Existem duas correntes: a primeira, aqui representada por Nogueira, entende que apesar de o negócio jurídico já existir com a manifestação da vontade no processo, porque o suporte fático já está composto a partir de então, o ato só se torna eficaz com a homologação. De outro ponto, a ideia que tem prevalecido é a que segue no sentido contrário. Como se pode inferir dos enunciados 133 e 261 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, não seria necessária a homologação, produzindo o negócio efeitos imediatos, isto é, desde quando celebrados. Os referidos enunciados ainda expressam que a homologação somente será imprescindível quando houver expressa previsão legal, como na hipótese de desistência da ação trazida pelo artigo 200, parágrafo único do CPC. Ainda no sentido de entender pela aplicação imediata dos efeitos do negócio jurídico processual, Didier entende que o negócio processual atípico baseado no art. 190 segue, porém, a regra geral do caput do art. 200 do CPC: produzem efeitos imediatamente, salvo se as partes, expressamente, houverem modulado a eficácia do negócio, com a inserção de uma condição ou de um termo. Leonardo Greco traz exemplo interessante: as partes dispensam a prova testemunhal, caso a perícia esclareça determinado fato. (DIDIER, 2016, p. 395) Conforme conclui Gajardoni (2016) a esse respeito, o controle de admissibilidade e validade do negócio
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